Arquivo mensais:setembro 2016

A OBRA DE F. W. MURNAU II

Ainda em 1922, Murnau dirigiu Phantom, produção de Erich Pommer com roteiro de Thea von Harbou e Hans Heinrich von Twardowski (não creditado), baseado no romance de Gerhart Hauptmann, cenografia de Hermann Warm e fotografia de Axei Graatkjaer e Theophan Ouchakoff. A história é narrada em retrospecto, quando o protagonista recorda seu passado doloroso.

F. W. Murnau

F. W. Murnau

Em Breslau, Alemanha, Lubota (Alfred Abel) relata seu passado. Ele é um humilde funcionário público, que mora na companhia de sua mãe (Frieda Richard), sua irmã Melanie (Aud Egede Nissen), seu irmão Hugo (Hans Heinrich von Twardowski), e costuma escrever poemas. Ao mostrar seus escritos ao encadernador Starke (Karl Etlinger), este lhe assegura que terá uma carreira literária brilhante, e se dispõe a levar sua obra para exame de um editor. Andando pelas ruas, Lubota é atropelado por uma carruagem conduzida por Veronika Harlan (Lya de Putti), uma linda jovem da alta sociedade, e se apaixona por esta mulher (quase um fantasma), que ele nunca verá outra vez. Ele se recupera do choque rapidamente e corre atrás da carruagem até a residência de Veronika, mas é impedido de entrar por um serviçal. Para melhorar sua aparência, ele pede dinheiro emprestado à sua tia agiota, Sra. Schwabe (Grete Berger), dando como garantia seu futuro promissor. Mais tarde, alarmado ao saber que o pai de Veronika pretende casá-la com um homem rico, ele vai procurar os progenitores da moça, Sr. e Sra. Harlan (Adolf Klein, Olga Engl), pedindo-lhes permissão para cortejar sua filha. Animado pelo que ele entendeu ser um encorajamento por parte do Sr. Harlan, Lubota é levado por um vigarista (Anton Edthofer), “amigo” da Sra. Swabe, a um restaurante onde conhece Melitta (Lya de Putti) e sua mãe (Ilka Grüning), uma dupla de “caçadoras de fortuna”. Ele fica impressionado com a semelhança física entre Melitta e Veronika, mente sob sua verdadeira situação (a esta altura fôra demitido de sua função pública e o editor não aceitou publicar suas poesias), e inicia um romance com Melitta. Pressionado pela tia e a fim de cobrir os gastos extravagantes de Melitta, Lubota, acaba por se tornar cúmplice do vigarista (que se tornara amante de Melanie), no roubo do dinheiro restante da sua parente. A chegada inoportuna de um carteiro, que desperta a Sra. Schwabe, conduz ao assassinato dela e à prisão para o sobrinho. Após cumprir sua pena, Lubota é redimido pelo amor devotado de Marie (Lil Dagover), a filha de Starke, que sempre o amara.

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Phantom é um drama realista psicológico, no qual encontramos certos temas diretamente originados do romantismo alemão literário, do qual Murnau é herdeiro (v. g. descida aos infernos, amor impossível, mistura de sonho e realidade) e alguns toques expressionistas (v. g. distorção e inclinação dos prédios, carruagem fantasmagórica, ciclista percorrendo uma pista em espiral no restaurante, e depois Lubota e Melitta cercados de motivos circulares ao descerem uma escada em forma de caracol). Profundidade de campo (a saída de Lubota da penitenciária) e montagem paralela (v. g. Melanie bêbada dançando frenéticamente em cima da mesa do cabaré, enquanto sua mãe está para morrer de miséria e depressão nervosa) bem utilizadas, completam o quadro estético.

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Cena de Phantom

Em fevereiro de 1923, Murnau e sua equipe (Karl Freund na fotografia e Rochus Gliese e Erich Czerwonski na direção de arte), iniciaram mais um filme. Die Austreibung (A Expulsão) com roteiro escrito por Thea von Harbou, baseado em uma peça teatral de Carl Hauptmann. É um drama intimista cuja trama gira em torno da chegada de uma estranha a um lar feliz, para alterá-lo, provocando uma tragédia. O ambiente de uma fazenda isolada onde o ancião Stayer (Carl Goetz), vive na companhia de sua esposa (Ilka Grüning), seu filho viúvo (Eugen Klöpfer) e a filha deste, Anne (Lucie Mannheim), é perturbado pela chegada de Ludmilla (Aud Egede-Nissen). Esta se casa com o filho de Stayer, a fim de escapar da pobreza, mas faz todo o possível para ficar na companhia do caçador Lauer (Wilhelm Dieterle). Entre seus planos está convencer seu marido a vender a fazenda e se mudar para a aldeia. Entretanto, uma tempestade de neve obriga Ludmilla a se refugiar na cabana de Lauer, quem o velho pensava que estava interessado em Anne. Stayer os surpreende, e mata Lauer. A família acaba abandonando a fazenda. O argumento guarda certa semelhança com o de Der brennende Acker, no que concerne à ambição de um personagem para se separar do lugar modesto onde vive, com consequências trágicas, e ao ambiente rústico e nevado onde transcorre a ação.

Entre maio e agosto de 1923, Murnau abordou um projeto radicalmente diferente em sua filmografia, dirigindo uma comédia de equívocos, escrita por Thea von Harbou, com base em um romance do escritor sueco Frank Heller, apresentada nos créditos como um “conto de aventura”.

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Die Finanzen des Grossherzogs (As Finanças do Grão Duque), é ambientado em um ducado imaginário, Abacco, uma pequena ilha talvez do Mediterrâneo, altamente endividado. Nela, o Grão Duque Ramon XXII (Harry Liedtke) e seu Ministro das Finanças, Don Esteban Paqueno (Adolphe Engers), sofrem a pressão do usurário Marcowitz (Guido Herzfeld), que exige o pagamento da dívida; do negociante Bekker (Herman Vallentin), que lhe oferece uma alta quantia para poder explorar uma mina de enxofre; e ainda ameaças de revolução, nas quais estão implicados uns contrabandistas, instigados por Bekker (Georg August Koch, Max Schreck, Hans Hermann, Walter Rilla). A este entremeado de personagens se somam a Princesa Coroada da Rússia, Olga (Mady Christians), e Philipp Collin (Alfred Abel), um aventureiro (que é ao mesmo tempo detetive e ladrão como Arsène Lupin) no momento conhecido como Professor Pelotard. A princesa pretende se casar com o Grão Duque, e o faz saber disto por uma carta, na qual diz não se importar com a situação difícil de seu país e que lhe trará muito dinheiro. Collin descobre por acaso a carta da Princesa e pretende extrair algum proveito da situação econômica de Abacco, especulando com suas ações. Segue-se muita confusão e reviravoltas até o final, quando o Grão Duque se casa com Olga e Collin fica muito satisfeito com a subida dos títulos de Abacco na Bôlsa de Valores.

Alfred Abel em Die Finanzen des Grossherzogs

Alfred Abel em Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

Cena de Die Finanzen des Grossherzogs

O roteiro rocambolesco desenrola-se em um mundo de opereta (no qual o bufo é Pelotard), onde não há preocupação com a coerência dramática e a verossimilhança. O humor de Murnau não tem a mesma leveza do humor de Lubitsch, mas ele consegue movimentar bem a trama (que se acelera perto do final), notando-se belos cenários naturais e de interiores proporcionados respectivamente por Karl Freund e Franz Planer (filmando na costa Adriática) e Rochus Gliese e Erich Czerwonski (filmando nos estúdios da UFA). Para produzir efeitos de comicidade, em alguns momentos o diretor usa piadas nos letreiros (v. g. quando o letreiro diz que está chegando uma senhorita, que no momento não quer ser reconhecida, porque a persegue um descendente de Ivan, o Terrível – na realidade o irmão de Olga (Robert Scholz), que quer enforcar o Grão Duque porque acha que ele desrespeitou sua irmã e, em outros instantes, interage a palavra com a imagem (v.g. quando o Ministro das Finanças diz para o Grão Duque: “Não vejo outra solução, a menos que caia do céu” e na continuação se vê um avião que joga a carta enviada por Olga).

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Tão importante quanto O Lobishomem no currículo cinematográfico de Murnau, A Última Gargalhada / Der letzte Mann / 1924 firmou seu prestígio como diretor e motivou a sua chamada para Hollywood, onde o filme causou um grande impacto. Em Berlim, o corpulento porteiro do luxuoso Hotel Atlantic (Emil Jannings) orgulha-se de seu uniforme, uma sobrecasaca guarnecida de galões e de botões dourados, que ele usa com satisfação, alisando seus espressos bigodes. Porém sua idade torna cada vez mais difícil o cumprimento de suas funções. Muitas vêzes ele tem que se sentar, para repousar, e esta pausa não escapa aos olhos do gerente do estabelecimento (Hans Unterkircher). Quando o porteiro chega nas proximidades de sua casa, todo mundo o saúda com respeito. Na manhã seguinte, sua sobrinha (Maly Delschaft)) prepara os bolos para a sua festa de casamento e sacode sua casaca. Retornando ao trabalho, o porteiro fica estupefato de ver um outro homem mais jovem na porta do hotel, vestindo o mesmo traje que ele, e realizando suas tarefas. O gerente lhe comunica que o substituiu, e lhe confia agora o serviço de assistente de limpeza no lavatório do hotel no subsolo, vestindo apenas um jaleco branco. É com desespêro que o ex-porteiro entrega seu precioso uniforme. De noite, como um ladrão, ele rouba seu uniforme do armário do qual havia guardado a chave, e o veste para voltar para casa. Ele participa do jantar de núpcias da sobrinha e esquece sua desgraça, embriagando-se. No dia seguinte ele vai para o hotel vestido com sua casaca que ele deixa durante o dia em um depósito na estação de trem. Na hora do almoço, faz sua refeição sozinho, sentado em um canto. A tia do noivo (Emilie Kurtz) decidiu lhe fazer uma surpresa, e leva um prato de comida. Quando ela descobre suas novas atribuições, foge horrorizada e, ao chegar em casa, conta para a família o que viu. Uma vizinha escuta através da porta, e espalha a notícia por todo o imóvel. Ao ver a reação de vergonha de seus parentes, seu único refúgio agora é o banheiro do hotel, onde ele deve passar a noite, e onde o vigia noturno (Georg John) o reconfortará, colocando-lhe um capote sobre os ombros.

Emil Jannings em A Última Gargalhada

Emil Jannings em A Última Gargalhada

Neste ponto da narrativa um letreiro aparece: “É aquí que o filme devia terminar. Na vida real, o velho infeliz não tinha mais nada a esperar senão a morte. Porém o autor teve piedade dele e imaginou um epílogo quase inacreditável.” O porteiro recebe uma herança fabulosa de um milionário americano, que havia falecido nos seus braços no lavatório do hotel. O ex-porteiro faz uma refeição pantagruélica no Hotel Atlantic e convida o vigia noturno a compartilhar de sua ceia. Mais tarde, ele faz um mendigo (Neumann-Schüler) subir no seu carro e se afasta triunfalmente do hotel, fazendo um sinal de adeus.

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

O filme combina o realismo do tema, dos personagens e das situações com o expressionismo da forma, providenciado pelo virtuosismo cinematográfico do diretor. O argumento de Carl Mayer descreve o imenso sofrimento do personagem principal, a sua humilhação e perda de auto-estima, e faz uma crítica aos valores burguêses baseados na aparência e na admiração ritualística da autoridade, encarnada não por uma pessoa mas por um uniforme: quando a verdadeira posição social do porteiro, escondida pela farda imponente que veste, vem à tona com o seu rebaixamento de função, as vizinhas que antes o admiravam, zombam dele. Elas que se comungavam com o mundo das classes mais altas através do uniforme, agora se sentem abandonadas socialmente.

Filmagem de A Última Gargalhada

Filmagem de A Última Gargalhada

Durante todo o filme só aparece um intertítulo no final: o anúncio de que o autor teve piedade do velho porteiro. O recurso à palavra escrita existe, mas esta é incorporada à ficção, como a inscrição no bolo feita pela sobrinha, a carta que rebaixa o porteiro de posição ou a notícia no jornal sobre o falecimento do milionário.

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

Todos os tipos de enquadramento e uma série ilimitada de movimentos de uma entfesselte Kamera (câmera desencadeada), orientada por Karl Freund ( gosto muito de uma panorâmica rápida na qual a câmera desliza pelas sacadas dos prédios diretamente da boca de uma vizinha para a orelha da outra),

Cena de A Última Gargalhada - as vizinhas

Cena de A Última Gargalhada – as vizinhas

planos subjetivos e oníricos (o sonho do porteiro quando ele se vê segurando um báu com uma das mãos), efeitos de montagem (paralelismo, metáfora etc.), dissolvências e superposições, cenografia (Robert Herlth, Walter Röhrig) acentuando as diferenças sociais por meio dos contrapontos entre o hotel luxuoso e a moradia modesta do porteiro, o saguão muito bem iluminado no térreo e o banheiro escuro no andar inferior, uso do simbolismo, realçando-se o significado “metafísico de um objeto (o botão arrancado do libré do porteiro equivalente a uma degradação militar), são postos a serviço de um assunto de caráter íntimo e universal: a decadência de um homem vista ao mesmo tempo do exterior e do interior de si mesmo.

Emil Jannings em A Última Gargalhada

Emil Jannings em A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

A audácia formal de Murnau evidencia-se desde a primeira sequência do filme, na qual a câmera, como se fôsse um dos hóspedes do hotel, desce de elevador, e se encaminha para a porta giratória do hotel, pela qual o porteiro conduz de guarda-chuva as pessoas que chegam e que saem e focaliza a chuva torrencial na rua e os automóveis que passam. Outras sequências marcantes de ordem técnica ocorrem quando o porteiro lê a carta comunicando-lhe o rebaixamento de sua função e a câmera se aproxima para ler, curiosa, o que está escrito no documento ou quando, após a bebedeira, a câmera oscila reproduzindo a sensação natural de tontura provocada pelo abuso do álcool.

Cena de A Última Gargalhada

Cena de A Última Gargalhada

O uso expressionista da luz está em evidência durante todo o filme (no pesadêlo do porteiro; quando ele rouba seu uniforme e tenta evitar ser descoberto pela luz da lanterna do vigia noturno; quando ele volta para casa após seu subterfúgio ter sido descoberto e sua sombra o precede, maior do que ele próprio; quando ele entrega seu uniforme ao vigia e se torna “o último homem” do título original do filme – durante esta sequência, o vigia usa sua lanterna para iluminar o que está acontecendo e esta luz mostra a degradação, a humilhação total do porteiro, e revela a escuridão, na qual ele se encontra, tanto literalmente quanto figurativamente).

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Antes de partir para os Estados Unidos, Murnau fez mais dois filmes: Tartuffo (no Brasil o título saiu assim nos jornais, com dois efes)/ Herr Tartüff / 1925, e Fausto / Faust / 1925. Na realização de Tartuffo, Murnau se uniu novamente a Carl Meyer, Karl Freund, Walter Röhrig e Robert Herlt e utilizou de modo original parte da comédia de Molière, encerrando-a em uma intriga contemporânea, a fim de reforçar a atualidade do assunto do século XVII: uma denunciação da hipocrisia moral (na história moderna) e da hipocrisia religiosa (na história clássica).

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Essa releitura inventiva da obra do grande dramaturgo começa por uma introdução, na qual uma criada cruel (Rosa Valetti) está enganando e envenenando um ancião (Herman Picha), para se tornar herdeira de sua fortuna em detrimento do neto dele, um jovem ator (André Mattoni). A fim de abrir os olhos do avô para a realidade, o rapaz se disfarça de projecionista itinerante, e consegue exibir para a criada e o ancião um filme contando a história de Tartuffe, o falso devoto, que se aproveita do burguês Orgon, no qual despertou uma afeição cega. Aquí termina o prólogo e começa a trama do “Tartuffe” com figurinos de época. Tal como a cena da peça encenada no castelo em “Hamlet”, este filme dentro do filme tem um propósito esclarecedor: no epílogo, a megera vem a ser expulsa pelo velho e vaiada pela criançada, que se aglomerara do lado de fora da casa, sendo chamada de Tartuffe.

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

A intriga de Molière é simplificada, e se encontram apenas quatro personagens (Orgon / Werner Krauss, Elmire / Lil Dagover, Dorine / Lucie Höflich e Tartuffe / Emil Jannings) nessa adaptação da comédia de Molière. Elmire, profundamente apaixonada por Orgon, aguarda impaciente seu retorno de uma viagem, e se surpreende ao vê-lo bastante transformado pelo encontro de seu amigo, Tartuffe. A admiração de Orgon pela moralidade e religiosidade de Tartuffe é tanta que, para agradá-lo, manda tirar todos os objetos luxuosos e apagar todas as luzes de seu palacete “porque Tartuffe odeia o desperdício” e despede toda a criadagem “porque Tartuffe não quer tantos criados” – ele só conserva Dorine … para cuidar de Tartuffe. Este enfim aparece, todo vestido de preto e caminhando sempre lentamente, com o breviário quase colado ao rosto; porém o farsante não engana Elmire e sua serviçal Dorine. Para fazer o marido recobrar a razão, Elmire tenta uma primeira vez seduzir Tartuffe em sua presença, escondido atrás das cortinas; mas Tartuffe vê a imagem do marido refletida em um bule de chá, e se contém a tempo, abrindo logo o seu breviário. O crédulo Orgon então exulta, dizendo para a esposa: “Agora você tem que acreditar nele”. Desesperada, Elmira faz uma nova tentativa, desta vez, convidando Tartuffe para um encontro no seu enquanto Dorine vai chamar Orgon, que está ocupado, redigindo seu testamento em favor de seu novo amigo. Quando Tartuffe começa a abraçar Elmire, Orgon espia pelo buraco da fechadura, descobre a verdadeira natureza do impostor e, sem perder tempo, o pune com suas próprias mãos. Após o epílogo, surge um letreiro dizendo: “Os hipócritas estão em toda parte, e você mesmo, será que sabe realmente ao lado de quem está sentado?”

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

A inventividade e a precisão fílmicas habituais do diretor transformam teatro em cinema, driblando com felicidade a unidade de lugar, e tirando partido de maneira admirável da cenografia, iluminação e interpretação dos atores, para providenciar um espetáculo conciso e divertido.

Uma cena que mostra sua criatividade e exatidão fílmicas é aquela na qual nos revela o plano de detalhe dos sapatos abandonados do ancião – nos quais a criada dá um pontapé -, como símbolo dos maltratos que ele sofre da sua governanta infame e depois, quando o jovem ator junta os mesmos sapatos, como símbolo do amor e do cuidado que o neto tem com as coisas do seu avô.

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Os ambientes despojados (v.g. o castiçal enorme colocado diante de uma parede clara e lisa tornando-se o contraponto da grande silhueta negra de Tartuffe, que vai e vem de um lado para outro); as figuras de Dorina ou de Tartuffe iluminadas por uma única vela, que descem as escadas vertiginosas do palacete e se entrecruzam em determinado momento; o uso das portas, que abrem e fecham deixando o espectador inquieto porque não sabe o que está acontecendo (v.g. quando Elmira pede a Orgon que lhe dê um beijo de boas vindas, este lhe responde que beijar é pecado, como lhe ensinou Tartuffe, e sai sem dar crédito às suas palavras. Elmira corre atrás de seu marido e entra no mesmo cômodo. A câmera mantém-se durante um tempo do lado de fora até que a porta volta a se abrir, e Elmira sai com um gesto de desencanto, indo buscar consôlo nos braços de sua aia.

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Cena de Tartuffo

Murnau se contentou não apenas com a força das imagens, extraindo ainda um desempenho brilhante de seus quatro atores e usando frequentemente o close-up, para refletir os sentimentos íntimos dos personagens. A interpretação de Emil Jannings – como sempre exagerada – é supreendente: basta um simples olhar para transmitir todo o mal que se esconde atrás de sua impostura.

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No seu derradeiro filme alemão, Fausto, Murnau adaptou – com ajuda de Hans Kyser na elaboração do roteiro (revisado por Thea von Harbou) e de Gerhart Hauptmann na redação dos intertítulos – de modo sucinto e a sua maneira – a lenda popular germânica da Idade Média que, através dos tempos, serviu de base para várias obras de arte na literatura (v. g. além de Goethe, Marlowe, Thomas Mann), na pintura (v. g. Delacroix) e na música (v. g. Wagner, Berlioz, Gounod), aproveitando ao máximo os poderes da técnica cinematográfica, para produzir notáveis efeitos plásticos e dinâmicos.

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Murnau cuidando de Jannings

Murnau cuidando de Jannings

No enredo, o Arcanjo (Werner Fuetterer), emanação divina, elogia a liberdade do homem de poder escolher entre o Bem e o Mal e acusa o Demônio de atormentar a humanidade com a guerra, a peste e a fome. “Esta Terra é minha”, proclama Mefisto (Emil Jannings). O Arcanjo então evoca o nome de Fausto (Gösta Ekman), velho alquimista, um homem íntegro cuja vida inteira é a prova de que a Terra não está totalmente submissa ao Mal. “Um patife tal como todos os outros”- responde o representante do inferno – “Ele prega o Bem e faz o Mal. Quer transformar o metal de pouco valor em ouro”. Mefisto e o Arcanjo apostam sobre a possibilidade de desviar de Deus a alma de Fausto. “Então a terra será tua”, promete o Arcanjo. Em consequência, Mefisto espalha uma epidemia de peste sobre a cidade, onde Fausto vive. Sentindo-se impotente para estancar a grande mortandade, o velho sábio encontra um livro, onde se fala em um pacto com o Diabo e, em desespêro, invoca-o. Este aparece e concede a Fausto em vinte e quatro horas (o tempo em que a ampulheta se esvazia), o poder de curar seus concidadãos. Fausto cuida das pessoas, mas logo os aldeãos percebem que ele não pode tocar em um crucifixo e começam a apedrejá-lo. Fausto refugia-se no seu gabinete de trabalho e quer se suicidar, mas Mefisto lhe oferece a juventude em troca de sua alma. Ele aceita, e viaja pelos ares, sobre o manto do demônio, aterrisando no meio da cerimônia nupcial da Duquesa de Parma (Hanna Ralph), que Fausto conquista, enquanto as vinte e quatro horas se esgotam e ele entrega sua alma ao diabo para sempre. Fausto pede para regressar à sua terra natal, onde está se celebrando a Páscoa. Ele se enamora da jovem pura e inocente Gretchen (Camilla Horn) e, por obra de Mefisto, é correspondido. Porém Mefisto denuncia o romance ao irmão de Gretchen, Valentin (Wilhelm Dieterle), e este desafia Fausto para um duelo. Mefisto mata Valentin, espalha a notícia do crime por toda a parte, e a culpa recai sobre Fausto. Gretchen é rejeitada pela população, e depois acorrentada ao pelourinho. A multidão zomba da jovem, e depois ela é libertada. Gretchen dá à luz um filho de Fausto e, não encontrando refúgio em parte alguma, vê-se obrigada a viver nas ruas cobertas de neve. Em um momento de alucinação, ela tenta aquecer o bebê, colocando-o em um berço imaginário, e a criança morre. Os soldados acusam-na de ter matado seu filho e a levam presa. Fausto chega a tempo de ver Gretchen na fogueira. Ao ouvir Fausto amaldiçoando sua juventude e desejando nunca ter feito o pacto, Mefisto faz com que ele volte a ser um idoso. Fausto se atira nas chamas no meio das quais está sua amada. Ela o reconhece, abraça-o, e ele se torna jovem na morte. O Arcanjo barra a passagem de Mefisto e lhe diz que apenas uma palavra anulou seu pacto com Fausto.”Que palavra é esta?, pergunta Mefisto. “Amor”, responde o Arcanjo.

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Para simbolizar o combate entre o Bem e o Mal, Murnau controlou minuciosamente o filme, utilizando todos os recursos do claro-escuro (fotografia de Carl Hoffmann), para produzir uma sucessão de visões mágicas (v. g. a aparição angélica em contraponto à figura negra do Diabo, a cena em que Fausto tenta curar uma mulher); enquadramentos refinados (v. g. as árvores entrelaçadas emoldurando o brilho da lua), inspirados pela arte pictórica mundial (influência de quadros de Rembrandt, Vermeer, De La Tour, Mantegna, Böcklin, Kaulbach etc.); cenários (Robert Herlth, Walter Röhrig) dotados de magnificência visual (v. g. o desfile dos elefantes na festa de casamento da Duquesa de Parma; ocupação integral de cada espaço no filme (v.g. o monge agitando a cruz diante da multidão delirante que vai implorar a ajuda de Fausto; a cena final da fogueira); trucagens espetaculares (v. g. a sombra de Satã estendendo suas enormes asas negras sobre a aldeia; a viagem aérea que Mefisto empreende com o Fausto rejuvenescido; Fausto levantando o livro e os círculos de fogo e de luz); o movimento constante das imagens (v. g. os foliões na quermesse rindo da cambalhotas dos saltimbancos ou vendo espetáculos com sombras chinesas).

Murnau,Yvette Guilbert, Gösta Eckmann e Francesco von Mendelsohn na filmagem de Fausto

Murnau,Yvette Guilbert, Gösta Eckmann, Francesco von Mendelsohn e Jannings na filmagem de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

A interpretação de Emil Jannings, não prima pela sobriedade como sempre, mas é eficaz, compondo um Mefisto lúbrico e lúdico – como vemos no epísódio cômico no qual o enviado do diabo entretém a tia Marthe / Yvette Guilbert, enquanto Fausto corteja Gretchen. O contraste entre os dois pares alcança sua maior comicidade quando Mefisto começa a tirar as pétalas de um girassol, dizendo “Mal-me -quer e Bem-me-quer “, logo depois que Gretchen havia feito o mesmo com uma margarida.

Cena de Fausto (Camilla Horn e Gösta Eckman)

Cena de Fausto (Camilla Horn e Gösta Eckman)

Camilla Horn em Fausto

Camilla Horn em Fausto

Cena de Fausto

Cena de Fausto

Após esses breves momentos de humor, reiniciam-se os acontecimentos trágicos como a morte da mãe (Frida Richard) e do irmão de Gretchen, e a via crucis dela caminhando que nem um espectro sob o frio intenso da época do Natal com o filho nos braços. Esta sequência, permite que Murnau faça um paralelismo pungente entre Gretchen e a Virgem Maria, outra bela imagem entre tantas belas imagens que o filme nos oferece.

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A OBRA DE F. W. MURNAU I

Ele exerceu um papel fundamental sobre a evolução da arte cinematográfica e foi um dos diretores mais influentes do cinema mudo, contando-se entre seus discípulos nada mais nada menos do que Alfred Hitchcock, John Ford e Frank Borzage.

F. W. Murnau

F. W. Murnau

Friedrich Wilhelm Plumpe nasceu em 28 de dezembro de 1888 na cidade alemã de Bielefeld, Província da Westafia, filho do dono de uma fábrica de tecidos, Heinrich Plumpe. Heinrich tivera duas filhas de seu primeiro matrimônio (Ida e Anna) enquanto que os três filhos varões (Robert, Friedrich Wilhelm e Bernhard) nasceram de sua segunda esposa, Ottilie Volbracht. Em 1892, a familia mudou-se para os arredores de Kassel, perto do castelo de Wilhelmshoehe.

A família Plumpe

A família Plumpe

No extenso jardim familiar dos Plumpe, Friedrich Wilhelm e seus irmãos representavam peças de teatro ao ar livre, para as quais eram convidadas as famílias vizinhas. Friedrich Wilhelm dirigiu esse teatrinho até que a família teve que se transferir para a cidade, indo morar em uma casa alugada. O prazer do teatro continuou no ambiente dos Plumpe graças a um presente de natal que deram para Friedrich Wilhelm: um teatro de marionetes. Logo este teatrinho ficou pequeno para os espetáculos que ele tinha em mente. Seus irmãos o ajudaram a construir um teatro na medida de seus sonhos e se colocaram às suas ordens para encenar as representações familiares de cada domingo. Por este teatro de marionetes desfilaram contos clássicos de Andersen e dos irmãos Grimm, mas também adaptações que Friedrich Wilhelm fazia das obras em cartaz que ele mesmo admirava naqueles dias.

Murnau

Murnau

Sua outra paixão, a leitura, foi propiciada pelo acesso à biblioteca de sua irmã por parte de pai, Anna. Leitor voraz, aos onze anos já havia lido dramaturgos como Shakespeare e Ibsen ou pensadores como Schopenhauer e Nietzsche. Ele tinha grande interesse tanto pelo texto como pelas ilustrações dos clássicos literários que caíram em suas mãos. Sempre foi um aficionado pelas gravuras e, em boa parte, seus filmes baseados em obras literárias se apoiaram na recordação dessas imagens que figuravam nos livros que leu na sua infância e juventude.

Todas essas paixões culturais chocaram-se com seu pai, cuja mentalidade de homem de negócios via em tais atividades muita frivolidade e pouco benefício. Ele teria preferido que seu filho, em vez do teatro, se tivesse dedicado ao magistério, porém foram em vão suas intenções de encaminhá-lo para esta profissão. O mau relacionamento entre pai e filho piorou, quando o futuro cineasta se afastou do ambiente familiar durante seu período de estudante de filologia em Berlim e de história da arte em Heildelberg.

Max Reinhardt

Max Reinhardt

Apesar do apoio de sua mãe, seus primeiros anos como ator transcorreram na clandestinidade e motivaram a adoção de vários pseudônimos. Um deles, Murnau, adotado por volta de 1910, ficou para sempre. Era o nome de uma localidade alpina, na qual Friedrich Wilhelm havia passado momentos agradáveis junto a seus amigos, a maior parte deles vinculados de um modo ou de outro com a arte de vanguarda (e com o expressionismo). Convidado por Max Reinhardt para ingressar na sua escola de teatro, formou-se como ator, mas se destacou mais como assistente de direção de algumas montagens do Deutsche Theater, interessando-se também pela pintura e pela fotografia.  

Murnau participou da Primeira Guerra Mundial, primeiro na infantaria e depois na aviação; como piloto, foi feito prisioneiro em 1918, desorientado pela neblina, segundo a versão difundida por sua mãe através de seu diário, embora pudesse tratar-se de uma deserção. Ele passou o final do conflito confinado em Andermatt, Suiça, onde escreveu um roteiro para o cinema, Teufelsmädel, que não chegaria a dirigir.

Hans Ehrenbaum-Degele

Hans Ehrenbaum-Degele

No seu regresso para a Alemanha, Murnau foi acolhido na casa do banqueiro e colecionador de arte Friedric Ehrenbaum e sua esposa Emilie Degele, progenitores de Hans Ehrenbaum-Degele, seu colega de universidade em Berlim e companheiro de longo tempo, que havia sido morto na frente russa. O casal ajudou-o financeiramente a fundar um estúdio com Conrad Veidt (Murnau Veidt Filmgesellschaft), e a realizar seu primeiro filme, Der Knabe in blau / 1919 (O Menino Azul), que tinha como motivo de suas intrigas o quadro The Blue Boy do pintor Thomas Gainsborough.

Cena de Der Knabe in blau

Cena de Der Knabe in blau

No enredo, o nobre Thomas van Weerth (Ernst Hoffman) vive isolado em um castelo, que lhe coube de herança, tendo apenas a companhia de um servente (Karl Platen). Segundo uma lenda familiar, neste castelo está escondida uma esmeralda, representada no retrato de um menino vestido de azul. Durante um sonho, o menino azul sai do quadro e o conduz até a jóia. Ao mostrar a pedra preciosa a seu servente, este lembra-lhe da maldição que tal objeto trouxe a várias gerações da família van Weerth, e pede a Thomas que se desfaça da pedra; mas ele se nega a fazer isso. Um dia, chega ao castelo um grupo de ciganos, que se apresentam como músicos ambulantes, entre eles uma linda cigana (Blandine Ebinger), por quem o nobre se apaixona. A cigana aproveita-se da ingenuidade de seu anfitrião, para furtar-lhe a jóia enquanto os outros que a acompanhavam roubam vários pertences do fidalgo, incendeiam o castelo e destroem a pintura do garoto vestido de azul. Após a partida dos ciganos, Thomas percebe a gravidade de todo o ocorrido, e cai doente. Entrementes, aparece no castelo uma jovem atriz (Margit Barnay) que, com sua devoção, devolve ao rapaz a alegria de viver e a esperança de um futuro melhor.

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Na equipe técnica destacava-se o nome do fotógrafo Carl Hoffmann (muitos anos antes de se ocupar com os claros-escuros do Fausto / Faust de Murnau), porém seu trabalho não pode ser apreciado hoje, porque o filme se perdeu, existindo apenas 27 fotografias.

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Do segundo filme de Murnau, Satanás / Satanas / 1919, com roteiro de Robert Wiene e fotografia de Karl Freund, só restou um breve fragmento. O tema proposto era a presença do diabo através dos tempos, que constava de três episódios de ambientação histórica, um prólogo e um epílogo. Em cada um dos episódios, Conrad Veidt se tranformava em um personagem chave para conduzir os protagonistas para a desgraça.

Cena de O Tirano / Satanas

Cena de O Tirano / Satanás

No primeiro episódio, intitulado Der Tyrann / O Tirano, Satanás era um ermitão que desencadeava a tragédia nas relações amorosas entre o faraó Amenhotep (Fritz Kortner) e sua amante, a arpista Nouri (Sadjah Gezza), um serviçal chamado Jorab (Ernst Hoffman), e Phahi (Margit Barnay), a esposa do faraó. Amenhotep está apaixonado por Nouri. Esta usa de sua influência para empregar Jorab, seu verdadeiro amor como serviçal do faraó. Entretanto, Jorab ama na realidade Phahi, uma das esposas do faraó, a qual impediu no passado, que a mãe de Nouri fosse morta por apedrejamento. O faraó acaba por descobrir o adultério e condena Phahi à morte, desposando Nouri em seu lugar.

Cena de O Príncipe / Satanas

Cena de O Príncipe / Satanás

No segundo episódio, Der Fürst / O Príncipe (baseado na peça “Lucrèce Borgia” de Victor Hugo), Satanás, sob os traços de Gubetta, propagava um rumor relacionado com a moral de Lucrécia Borgia (Else Berna), que levaria a um fim trágico seu amor pelo jovem Gennaro (Kurt Ehrle), que na realidade era seu filho.

Cena de O Ditador / Satanas

Cena de O Ditador / Satanás

No terceiro episódio, Der Diktator / O Ditador, ambientado em 1917, Satanás encarnava-se no revolucionario russo Grodski que influenciava Hans Conrad (Martin Wolgang), estudante de direito em Zurique, na Suiça, que lidera jovens extremistas de ideologia esquerdista em uma revolução na sua cidade natal e vai ficando fascinado com o poder, a ponto de ordenar a execução de sua namorada Irene (Marija Leiko), após ela ter sido detida atentando contra Grodski.

Estreado em janeiro de 1920, a crítica do seu tempo praticamente ignorou Murnau e teceu elogios a “um filme de Robert Wiene” que, quase um mês depois veria estreado o seu O Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari. O trecho diminuto que se conserva de Satanas é um momento de amor apaixonado do episódio egípcio entre o faraó e sua amante.

Cena de Sehnsucht

Cena de Sehnsucht

Do terceiro filme de Murnau (iniciado em 1919 e lançado em 1920), Sehnsucht (Nostalgia), conserva-se apenas uma fotografia. Trata-se de um drama (fotografado por Carl Hoffmann) envolvendo Ivan (Conrad Veidt), violinista russo sem recursos na Suiça. Um dia ele recebe um convite de uma parente distante, a Princesa Wirsky (Gussy Holl) para ser hóspede na Russia. A fim de financiar a viagem Ivan aceita cumprir uma missão que lhe foi dada por revolucionários que estão planejando uma conspiracão contra o Grão Príncipe. Ele leva uma mensagem para um homem em Moscou e imediatamente se apaixona pela filha deste, Marja (Margarete Schlegel); porém, o pai de Marja ama a Princesa Wirsky, e quer trair os revolucionários. Entrementes, a princesa  se apaixona por Ivan e, enciumada, ordena a remoção de Marja para a Sibéria. Ivan então estrangula a princesa e passa o resto de sua vida procurando por Marja. Quando um dia fica sabendo da morte de Marja, Ivan comete suicídio.

Cena de Der Bucklige und die Tänzerin

Cena de Der Bucklige und die Tänzerin

Der Bucklige und die Tänzerin

Der Bucklige und die Tänzerin

O primeiro filme que Murnau rodou em 1920 foi Der Bucklige und die Tänzerin (O Corcunda e a Dançarina), fotografado por Karl Freund, que marcou a primeira colaboração do diretor com Carl Mayer, responsável pelo argumento e pelo roteiro, autor crucial na trajetória do cineasta e de todo o cinema mudo alemão. É mais outro filme perdido do diretor.

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No entrecho, James Wilton (John Gottowt), um corcunda sempre rejeitado pelas mulheres, retorna de Java rico, após ter descoberto uma mina de diamantes. O corcunda corteja a dançarina Gina (Sasha Gura) – que está se recuperando de um trauma causado pelo rompimento com seu amante, -, encantando-a com os óleos e unguentos, cujos segredos de preparação ele aprendera com os javaneses. Gina por sua vez usa Wilton para causar ciúme no antigo amante, porém depois se reconcilia com este, e para de ver Wilton. O corcunda então cria um veneno para misturar com seus óleos e unguentos, que matará todo homem que a beijar, mas prepara também um antídoto para ela. O amante de Gina morre e outro é afetado pelos sintomas. Gina procura Wilton para saber a verdade, e obter o antídoto. Ele tenta dominá-la, beija-a, e morre quando ela arrebata o antídoto das mãos dele, e corre para aplicá-lo no seu amigo afetado.

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Cena de Pavor – Conrad Veidt

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Cena de Der Janus-Kopf

Cena de Pavor

Dos filmes perdidos de Murnau realizados em 1920, o mais atraente é PavorDer Janus-Kopf, fotografado por Karl Freund, versão não autorizada do romance de Robert Louis Stevenson, “The Strange Case of Dr. Jekyll and Mr. Hyde” (1886). A fim de evitar o pagamento de direitos pelo uso da obra original, os nomes do personagem duplo e certos detalhes foram mudado. O Dr. Warren (Conrad Veidt) não inventa uma poção capaz de separar o lado mal do lado bom da humanidade, mas age através dos poderes sobrenaturais de uma estatueta amaldiçoada de Janus (o deus romano de duas faces que olham em direção oposta, que ele comprara para dar de presente à sua noiva, Jane Lanyon (Margarete Schlegel). Quando Jane, horrorizada, não aceita o presente, o Dr. Warren tenta vender a peça em um leilão, mas o poder que ela exerce sobre ele, obriga-o a comprá-la de volta. A esta altura, o Dr. Warren transforma-se pela primeira vez em Mr. O’Connor (Conrad Veidt), homem repulsivo, capaz de praticar os atos mais horríveis. Este aluga um quarto em Whitechapel, um distrito de Londres, e comete  todo tipo de crime, inclusive espancando um idoso até a morte e estuprando Grace (Margarete Schlegel). Com a ajuda de um antídoto é possível Mr. O’ Connor voltar a ser o Dr. Warren, porém ele descobre que a transformação começa a se dar incontroladamente. Quando o antídoto acaba, ele não consegue fabricar mais doses e só poderá usar a figura de Dr. Warren uma última vez. O Dr. Warren então se tranca no seu laboratório, revela tudo para seus amigos em uma carta, e põe fim à sua vida.

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O filme foi distribuido pela Decla-Bioscop, companhia comandada por Eric Pommer, que voltou a distribuir outro trabalho de Murnau no mesmo ano, Abend – Nach – Morgen (Tarde-Noite-Manhã) drama policial (fotografado por Eugen Hamm) cuja intriga girava em torno do roubo de um colar de pérolas. Maud (Gertrude Welcker), mora na companhia de seu amante Chester (Bruno Ziener) um milionário. Brilburn (Conrad Veidt), é um inútil, que vive às custas de Maud, sua irmã. Prince (Carl von Balla), amigo de Chester, é um jogador sem sorte, que necessita de dinheiro.  Ele penetra na casa para roubar o colar de pérolas e, ao fazer isto, ataca e acha que matou Chester. Pouco depois, Brilburn tenta cometer o mesmo ato criminoso, mas encontra o corpo de Chester desfalecido e foge horrorizado do local, deixando porém provas que o identificam. A polícia procura ambos os homens. Chester reaparece vivo e a verdade vem à tona.

Murnau

Murnau

Cena de Der Gang in die Nacht

Cena de Regresso às Trevas

O primeiro filme de Murnau que sobreviveu completo foi Regresso às TrevasDer Gang in die Nacht / 1921, adaptação por Carl Mayer de um argumento da escritora e roteirista dinamarquesa Harriet Bloch. Olaf Fönss, que  interpreta o personagem principal, era um ator reputado, que havia obtido um grande êxito na sua Dinamarca natal e na Alemanha,  onde foi o Homúnculus da célebre série de filmes dedicada ao personagem, dirigidas por Otto Ripper em 1916.

Cena de Der Gang in die Nacht

Cena de Regresso às Trevas

Para festejar o aniversário de sua noiva Helene (Erna Morena), o reputado oftalmologista, Dr. Eigil Borne (Olaf Fönns), assiste com ela a um espetáculo de cabaré. A bailarina principal, Lily (Gudrum Bruun) sente-se atraída pelo Dr. Eigil, e simula um acidente, para que ele a atenda em seu camarim. O oftalmologista enamora-se dela, e rompe com sua prometida. Em uma viagem para um lugar perto do mar, os dois amantes encontram-se com um pintor cego, Der Maler (Conrad Veidt), que o Dr. Eigil cura milagrosamente. Mas eis que Lily e Der Maler se apaixonam para desespêro do Dr. Eigil, que ainda recebe a notícia da morte de Helene, ficando definitivamente sem noiva e sem amante. Embora amargurado, ele continua a clinicar, e um dia Lily aparece no seu consultório, implorando-lhe que cuide de Maler, pois este perdeu novamente a visão. A resposta do Dr. Eigil é: “Não! Eu te matarei! Então vou curá-lo!”. Mais tarde, ele se arrepende, vai até a casa de Lily, e percebe que ela se suicidou. No dia seguinte, lê uma carta de Maler: “Não o acuso. Nenhum de nós é culpado. As leis estão acima de nós. Não precisa me curar de novo. Por um breve tempo você me deu luz e eu pude vê-la. Volto para a minha noite”. Maler é o único sobrevivente do drama pois em dois planos curtos e estáticos vemos o último suspiro de Helene, consumida pela melancolia e do Dr. Egil, que teve seu derradeiro momento de vida sentado na  cadeira  de seu consultório.

Cena de Der Gnag in die Nacht

Cena de Der Gang in die Nacht

Depois que a ação se transfere para o lugar perto do mar, nota-se a influência do cinema sueco no uso da paisagem com a missão descritiva dos sentimentos dos personagens (por exemplo, a cena em que Lily e o Dr. Eigil contemplam o oceano do alto de uma colina, assemelha-se com uma cena vista no filme de Victor Sjöstrom, Berg-Ejvind och hans hustru / 1918, exibido nos EUA como The Outlaw and his Wife). Em outra cena, aparece a silhueta de um desconhecido chegando pelo mar em pé sobre um barco, que o espectador percebe logo como uma ameaça, imagem que lembra o quadro “A Ilha dos Mortos” do pintor suiço Arnold Böcklin. A silhueta é a do cego que vai atrair a atenção de Lily, e depois do próprio Dr. Eigil, ao ver o pintor sentado diante de seu cavalete, sem poder pintar.  Uma sequência admirável ocorre quando, em uma noite de tempestade, Lily desperta assustada pelo vento que irrompe em sua casa através das janelas e cortinas. Ela tenta se acalmar, vestindo sua roupa de bailarina e dando alguns passos de dança. Todos esses momentos (proporcionados pela fotografia de Max Lutze e pela direção de arte de Heinrich Richter) são intercalados por tomadas do mar enraivecido, o vento nos campos, e um relógio que vai marcando a hora em diferentes momentos da noite.

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Cena de Marizza

Cena de Marizza

Heinrich Richter foi o cenógrafo de Marizza, gennant Schmugglermadonna (Marizza, dita Senhora dos Contrabandistas), mais um filme de Murnau  do qual não se conservou nenhuma cópia, apenas um trecho de 13 minutos. O que se sabe hoje da trama “Carmeniana” é o seguinte: a cigana Marizza (Tzwetta Tzatscheva) está cansada de cumprir as ordens de sua patroa, a velha Yelina (Maria Forescu), para flertar com os guardas alfandegários, a fim de que seus homens possam exercer tranquilamente o contrabando. Ela vai embora e se emprega na fazenda de uma aristocrata empobrecida, Sra. Avricolos (Adele Sanrock) e de seus dois filhos, Christo (Harry Frank) e Antonino (Hans Heinrich von Twardowski). Marizza é descoberta no quarto de Christo por sua mãe e esta expulsa a jovem, que foge com Antonino. A Sra. Avricolos põe os contrabandistas no seu encalço e eles são encontrados, pobres e famintos. Marizza adula os guardas, especialmente Haslinger (Toni Zimmerer), a fim de conseguir dinheiro; porém Antonino fica com ciúmes e ataca Haslinger. Marizza mata este último e salva Antonino, que assume o crime. No final do filme ocorre o resgate de Marizza e seu bebê de uma cabana em chamas. Os comentaristas da época louvaram o uso expressivo da paisagem, do claro-escuro e da profundidade de campo.

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O filme seguinte de Murnau, Schloss Vogelöd / 1921 (O Castelo Assombrado), com o subtítulo A Descoberta de um Segredo (Die Enthüllung  eines), é em substância, um drama criminal. Um grupo de amigos encontra-se para uma caçada no castelo da família Vogelöd, sendo recepcionados pelo castelão Lord von Vogelschrey (Arnold Korff), porém uma chuva incessante interrompe seus planos, e eles passam seu tempo dentro da residência senhorial. A chegada de Johann Oetsch (Lothar Mehnert), sem ter sido convidado, causa surpresa entre os presentes e um incômodo para o anfitrião, porque estão sendo esperados o Barão (Paul Bildt) e a Baronesa Safferstätt (Olga Tschekowa), e o conde fôra acusado do assassinato de seu próprio irmão, Peter (Paul Hartmann), primeiro marido da Baronesa. Esta deseja ir embora mas, avisada de que o Padre Faramund, está para chegar, ela resolve ficar. Quando o padre chega, a Baronesa se confessa com ele, revelando que, há quatro anos Peter partiu, e quando voltou, estava diferente: só queria saber de livros e de levar uma vida espiritual, e ela então conheceu o Barão.

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

A Baronesa conta ainda para o padre que seu marido queria doar os bens da família o que o levou a brigar com seu irmão Johann. Na noite seguinte Peter foi morto. Pouco depois, o Padre Faramund desaparece, e o juiz suspeita do conde. Amendrontados, alguns hóspedes vão embora e, na hora do almoço, os que ficaram ouvem o conde perguntar ao Barão:”Você já cometeu um crime?” Todos se espantam mas o conde explica que foi só uma brincadeira; porem o Barão deixa o salão angustiado. Mais tarde, a Baronesa conta para todos o que revelara para o padre e,apontando para o conde,  reafirma: “Ele matou meu marido após uma discussão!”. O conde olha firmemente para ela e sai. De repente surge de novo o padre e a Baronesa resolve lhe contar a verdade, lembrando-lhe de que ele deverá manter o silêncio. Certo dia, ela disse para o Barão que detestava a santidade e que gostaria de ver algo de mal, como um crime. Entretanto, o Barão não entendeu suas palavras e matou seu marido. “Dois dias depois ele confessou sua culpa para mim. Eu reconhecí  minha culpa também, o conde não foi condenado, e eu e o Barão nos casamos. Este é o nosso casamento!”  Depois de ouvir a confissão, o Padre entra na sala onde está o Barão, tira seu disfarce, mostra que é o conde. E diz para ele: Agora conduza-se como um homem!”. O conde apresenta-se a todos sem o disfarce. Ouve-se um tiro. A Baronesa exclama: Ele está morto!”.

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

Cena de Schloss Vogelöd

O roteiro de Carl Mayer e Berthold Viertel, extraído de um romance de Rudolf Stratz, publicado em folhetim no Berliner Illustrieten Zeitung, desenvolve um enigma de caráter policial, resultando na identificação de um assassino escondido entre as pessoas reunidas no castelo. A ação é confinada em interiores luxuosamente decorados e focalizados em planos gerais e enquadramentos elegantes, sendo eliminada a movimentação de câmera extravagante (que seria inovada em A Última Gargalhada / Der Letzte Mann / 1924) e reforçada a profundidade de campo. A unidade de lugar só é rompida por duas cenas breves (quando os convidados saem para caçar; uma recordação da baronesa) e duas cenas de sonho, que fazem surgir o medo ou o desejo reprimido (v.g. a mão gigante que entra pela janela de um dos hóspedes; o menino que se vinga do chefe de cozinha que o repreendera se fartando de doce). Auxiliado por técnicos de elite (fotógrafos László Schäffer e Fritz Arno Wagner; diretor de arte Hermann Warm) e intérpretes muito controlados (quase estáticos), Murnau cria um suspense permanente, um sentimento de que uma tragédia iminente está para acontecer.

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O Lobisomem / Nosferatu /1922, com o subtítulo de Eine Symphonie des Grauens (Uma Sinfonia do Horror), sancionou a maturidade artística e poética de Murnau. O roteiro, assinado por Henrik Galeen, adaptou o romance “Dracula” de Bram Stoker, tomando a liberdade de mudar o nome dos personagens e de muitas situações, mas também a de não pagar direitos ao autor, o que provocou, pouco depois da estréia do filme em março de 1922, uma disputa legal com a viúva de Stoker, Florence, que se prolongou até 1925. Florence Stoker conseguiu finalmente que os negativos de Nosferatu fossem destruídos e empeendeu uma cruzada pessoal contra todas as cópias alemãs e as que foram aparecendo no exterior nos anos seguintes, luta que continuou até sua morte em 1937, através de uma rede de agentes que iam localizando e destruindo essas cópias. Entretanto, algumas cópias se salvaram, uma das quais foi manipulada na sua montagem e acrescida  de uma sequência (a Missa dos Mortos), rodada por um tal Dr. Waldemar Roger, e exibida em 1930 sob o título de Die zwölfte Stunde (A Duodécima Hora). Outras cópias geraram restaurações feitas por Enno Patalas e, mais recentemente, Luciano Berriatúa aceitou uma proposta da Fundação F. W. Murnau para providenciar uma nova restauração, finalmente apresentada em 2006, que preenchia as carências das anteriores.

Cena de Nosfearatu

Cena de Nosferatu

Nosferatu

Nosferatu

Nosferatu

Nosferatu

Cena de Nosferatu

Nosferatu

Em 1838, no porto sueco de Wisborg, o corretor de imóveis Knock (Alexander Granach) recebe de um tal de Conde Orlock (Max Schreck), a missão de lhe encontrar uma casa naquela cidade. Ele envia seu empregado Thomas Hutter (Gustav von Wangenheim) para os Montes Cárpatos, a fim de levar o contrato de compra e venda para o conde assinar. Porém a casa a ser vendida, situada em frente da residência  de Hutter, está em um estado lamentável. Ellen (Greta Shoreder), sua jovem esposa, desconfia, e fica muito preocupada com os planos de viagem de seu marido. Hutter confia Ellen aos cuidados de seus amigos, o armador Harding (George H. Schnell) e sua irmã Annie (Ruth Landshoff), e parte. Antes de chegar ao castelo do Conde, para em uma hospedaria. Os habitantes locais temem Orlock, e alertam o jovem quanto ao perigo de seguir em frente. No seu quarto, Hutter encontra o “Livro dos Vampiros’, que ele folheia, mas não se intimida com seu conteúdo. Na manhã seguinte, segue viagem, mas o cocheiro entra em pânico ao chegar perto do castelo, e o abandona. Logo depois, a carruagem do conde chega inesperadamente, e conduz  Hutter ao seu destino. O conde lhe oferece um jantar durante o qual, acidentalmente, Hutter corta o dedo com a faca, momento em que seu anfitrião se lança com furor para sugar o sangue de sua ferida. Após uma noite de sono, Hutter acorda com duas marcas de mordida em seu pescoço. Quando o conde vê o retrato de Ellen em um medalhão, ele aceita imediatamente a proposta do corretor. Ao explorar o castelo, Hutter encontra o conde dormindo cadavericamente em um caixão. Ele foge do castelo, fica inconsciente, e é salvo, por alguns populares, que tratam de sua febre em um hospital. O conde parte para Wisborg a bordo de um veleiro, o Empusa, enquanto Hutter, já recuperado, se apressa para chegar em casa por terra.

Nosferatu

Nosferatu

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

A bordo do Empusa, os tripulantes vão morrendo um a um de uma doença misteriosa. Quando os marujos vasculham a embarcação e abrem o caixão, surge uma horda de ratos. Todos os marujos morrem, e o Empusa chega como um navio fantasma ao porto de Wisborg. Entrementes, Knock, internado em um manicômio, passa o tempo comendo moscas vivas, e se regozija com a chegada do “mestre”. As autoridades locais encontram no Empusa o diário de bordo, relatando sobre a doença mortal. Eles declaram estado de emergência, mas a peste se alastra em Wisborg, provocando inúmeras vítimas. Knock foge do manicômio, sendo perseguido por uma multidão, que o culpa pela epidemia. Hutter consegue chegar a Wisborg, trazendo consigo o “Livro dos Vampiros”. Ellen lê que somente uma mulher pura teria o poder de deter “o Vampiro”, oferecendo-lhe o próprio sangue, e lhe causando “o esquecimento do “Canto do Galo”. O conde se acomoda na sua nova morada, e consegue espiar o quarto de Ellen pela janela. Ele se infiltra nesse aposento, e se aproxima dela, para beber seu sangue.  Ellen se sacrifica , deixando-se vampirisar. O conde cai em si, e se apavora com o fato de que o amanhecer se aproxima. Ao primeiro canto do galo, assim como ao primeiro raio de sol, o vampiro se desfaz em cinzas. Capturado e amarrado dentro de sua cela, Knock, sabe que o “mestre” está morto. Hutter chega com o médico paracelsiano, Professor Bulwer (John Gottowt), e examina o braço de Ellen, mas já é tarde –  ela morre nos braços de seu marido. Porém, com o fim do vampiro, a peste é vencida.

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

O que há de mais original no filme está no campo formal: ele se afasta do caligarismo. Diferentemente da estética da época (cenários pintados, perspectivas quebradas, linhas oblíquas), Murnau filma em exteriores, movendo sua câmera para as ruas e paisagens verdadeiras, introduzindo as distorções próprias do expressionismo, não através da pré-estilização dos prédios e panoramas, mas pela maneira de fotografá-los (ângulos de visão inusitados, sombras, lentes especiais, telas, filtros, uso de negativos, ação acelerada etc.) ou pela maneira de montar o que foi fotografado.

Cena de Nosferatu

Cena de Nosferatu

Desse modo, com a ajuda do fotógrafo Fritz Arno Wagner e do diretor de arte Albin Grau,com o qual colaborou seu amigo Walter Spies, o cineasta faz os cenários reais tornarem-se aterrorizantes. A casa em ruínas na qual Nosferatu se instala, a rua por onde o funcionário público caminha, colocando marcas de giz nas portas atrás das quais a peste surgiu, a procissão de caixões cada qual conduzido por duas figuras vestidas de preto, suscitam tanto terror quanto as imagens sombrias da paisagem carpatiana e do castelo no topo da montanha. O clima sinistro e mórbido é complementado por símbolos (a hiena à espera de sua presa, os cavalos enlouquecidos, a aula do Professor Bülwer sobre a planta carnívora e sobre o pólipo translúcido, os ratos, a aranha que Knock contempla, a praia enigmática cheia de cruzes), evocando algo maléfico ou sobrenatural.

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Der brennende Acker /1922 (Terra em Chamas) foi realizado no mesmo ano de Nosferatu, mas esteve perdido até 1978, quando se descobriu uma cópia quase completa do filme na posse de um padre italiano, que organizava sessões de cinema em hospitais psiquiátricos. Subintitulado Das Drama eines Ehrgeizigen (O Drama de um Ambicioso), trata-se de um melodrama, envolvendo conflitos de amor e de interesse por um pedaço de terra rico em petróleo. O “Campo do Diabo” é um lugar amaldiçoado, que assusta a população de uma pequena aldeia da Silesia, porque um ancestral da família Rudenburg faleceu vitimado por uma misteriosa explosão, quando cavava um poço em busca de um tesouro escondido. O Conde von Rudenburg (Eduard von Winterstein), detentor atual do título, passa o tempo inspecionando o local, agora transformado em uma capela. Ele mora em seu castelo com sua esposa, Helga (Stella Arbenina), e uma filha do seu primeiro casamento, a caprichosa Gerda (Lya De Putti). Na aldeia próxima, um velho agricultor, Rog (Werner Krauss), morre, deixando dois filhos, Peter (Eugen Klöpfer), muito apegado às terras da família, e o ambicioso Johannes (Vladimir Gajdarov), que não se conforma em levar uma vida de lavrador. Ele torna-se secretário particular do conde e chama a atenção de Gerda e Helga. Um dia, Peter escuta uma conversa de que o conde descobriu um campo de petróleo sob o solo do “Campo do Diabo”. Pouco depois, o conde, que está com uma doença terminal, dita-lhe seu testamento, de acordo com o qual Gerda herdará toda a sua fortuna, menos o usufruto do castelo e o “Campo do Diabo”, que ele deixará para Helga. Gerda e o conde ficam sabendo do relacionamento amoroso entre Johannes e Helga, mas o conde lhes diz que não se importa, porque está prestes a deixar este mundo. Após a morte do conde, Johannes se casa com Helga e, pouco depois, vai para cidade negociar com os donos de uma grande companhia de exploração de petróleo. Ele recusa a soma de 25 milhões de marcos pelo “Campo do Diabo”, e os convence a lhe emprestar o dinheiro, para que possa explorar o campo por conta própria. Entrementes, Helga, sentindo que o interesse de Johannes por aquela terra maldita afasta-o de seu amor, vende o “Campo do Diabo” para Peter por 12 mil marcos. Ao saber da venda, Johannes fica furioso revelando a Helga o imenso valor do local. Johannes procura Peter e quer que este anule a venda mas Helga já o fizera e, percebendo que Johannes nunca a amara, afoga-se em um rio gelado. Gerda que, por despeito, ficara noiva do Barão von Lellewel (Alfred Abel), rompe o noivado, e espera conquistar o amor de Johannes, mas ele lhe diz que nunca amou nenhuma das duas mulheres, e agiu somente por ambição. Para se vingar, Gerda incendeia o poço de petróleo, e morre na explosão que se segue. Finalmente, ciente dos infortúnios que causou, Johannes retorna para a fazenda, onde é recebido de braços por seu irmão e por Maria (Grete Diercks), a jovem criada que sempre foi apaixonada por ele.

Cena de Der brenneden Acker

Cena de Der brennende Acker

Murnau transforma o melodrama (escrito por Thea von Harbou, Willy Haas e Arthur Rosen) em um conto moral sobre a ambição e a felicidade, mostrando o contraste entre a vida simples e autêntica do ambiente rural, apegado às sua tradições e um mundo sofisticado de progresso, ligado à ganância e à busca do poder a qualquer custo.

Cena de Der brennende Acker

Cena de Der brennende Acker

Cena de Der brennende Acker

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Cena de Der brenneden Acker

Cena de Der brennende Acker

Para sublinhar essa diferença, o cineasta faz com que predominem as composições acolhedoras (apesar de sua rudeza) no interior da morada dos Rog e destaca a frieza arquitetônica do castelo de Rudenbur. A decoração (a cargo de Rochus Gliese) é  muito variada, ajudada por uma decupagem que passa de um lugar para outro: a fazenda dos Rog, o “Campo do Diabo” e sua capela maldita, as margens desoladas e cobertas de neve de um rio gelado, o salão suntuoso da alta sociedade no qual Johannes aguarda um futuro prestigioso. A câmera (comandada por Karl Freund e Fritz Arno Wagner) está quase sempre estática, mas a montagem alterna vários tipos de planos e algumas tomadas em iris chamam a atenção para parte de uma cena, preservando-se afinal um bom ritmo.

Cena de Der brennende Acker

Cena de Der brennende Acker

Tal como Nosferatu, Johannes traz a morte (Maria – atingida por uma morte espiritual, o desprêzo  – , Helga, depois Gerda) por onde passa mas, ao contrário do que aconteceu com o vampiro, em vez de um raio de luz, é o fogo que vai acabar com tudo o que ele queria construir.

Cena de Der brennende Acker

Cena de Der brennende Acker

Murnau conclui o filme com o retorno do Johannes arrependido ao seu ambiente familiar, um final de ressonância bíblica, exposto em uma cena linda: quando Johannes chega amargurado ao seu antigo lar, Peter o abraça, dá a outra mão para Maria e conduzem para o seu quarto.  Johannes olha ao seu redor, percebe que continua tudo bem arrumado, e pergunta: “Vocês por acaso sabiam que eu viria para casa hoje?”. Maria responde: “Nós estivemos te esperando todos os dias. Seu quarto esteve sempre pronto para você”.

 

 

 

 

AS VOZES INVISÍVEIS DOS ASTROS DE HOLLYWOOD

Pouco tem sido escrito sobre o assunto misterioso da dublagem vocal no cinema. Em um trabalho memorável, que me ajudou muito na elaboração deste artigo, intitulado “I Dub Thee”: A Guide to the Great Voice Doubles (publicado em Classic Images nº 281, de novembro de 1998), Laura Wagner começa citando uma frase publicada na revista Photoplay (julho de 1929), em uma rara revelação (“The Truth About Voice Doubling”), dedicada a decobrir quem cantou para quem na tela: “Quando você ouve seu astro favorito cantar nos talkies, não tenha tanta certeza disso”.

Eileen Farrell

Eileen Farrell

Na maior parte das vêzes os produtores escondiam a dublagem do público para não destruir a ilusão dos espectadores, não prejudicar o poder de atração do filme nas bilheterias. A dublagem vocal sempre foi uma profissão raramente divulgada em Hollywood e muitos dubladores não faziam questão de ter seu nome nos créditos como, por exemplo, a cantora de ópera Eileen Farrell que cantou no lugar de Eleanor Powell em Melodia Interrompida / Interrupted Melody / 1955: “Prefiro ter um casaco de pele de marta do que meu nome nos créditos”, ela declarou para Laura Wagner em uma entrevista.

Marion Nixon em A Noviça Rebelde

Marion Nixon em A Noviça Rebelde

A soprano Marni Nixon foi um caso raro de alguém que ficou bastante famosa por seu trabalho vocal não creditado. Que outra cantora, no que diz respeito a esse assunto, poderia se gabar de ter emprestado a voz para Deborah Kerr em O Rei e Eu / The King and I / 1956; para Natalie Wood em Amor, Sublime Amor / West Side Story / 1961 e Em Busca de um Sonho / Gypsy / 1962; e para Audrey Hepburn em Minha Bela Dama / My Fair Lady / 1964 ? São dela também as vozes de anjos ouvidas por Ingrid Bergman em Joana D’Arc / Joan of Arc / 1948; a voz de Margaret O’Brien em A Mascote da Cidade / Big City / 1948 e O Jardim Encantado / The Secret Garden / 1949, a voz de Jeanne Crain em Papai Batuta / Cheaper by the Dozen / 1950. Marni dublou novamente a voz de Deborah Kerr em Tarde Demais para Esquecer / An Affair to Remember / 1957, além aparecer nas telas cantando em A Noviça Rebelde / The Sound of Music / 1965 no papel da irmã Sophia.

Peg La Centra

Peg La Centra

Outra cantora que levou sua dublagem a sério foi Peg LaCentra, ex-cantora de grandes orquestras (Artie Shaw, Victor Young, Johnny Green) e esposa do ator Paul Stewart, o mordomo de Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941. Considerada uma das maiores vocalistas femininas de todos os tempos, La Centra cantou no lugar de Susan Hayward em Desespero / Smash Up: The Story of a Woman / 1947; no de Ida Lupino em dois filmes, Meu Único Amor / The Man I Love e Quero-te Junto a Mim / Escape Me Never; e se mostrou como ela mesma, cantando algumas canções em Acordes do Coração / Humoresque / 1946.

Jean Hagen e Debbie Reynolds em uma cena de Cantando na Chuva

Jean Hagen e Debbie Reynolds em uma cena de Cantando na Chuva

Se é difícil para o público saber quem cantou para quem, o que dizer sobre o estranho arranjo relacionado ao clássico musical da MGM, Cantando na Chuva / Singin’ in the Rain? / 1952? No filme, Kathy Selden (Debbie Reynolds) é contratada para redublar os diálogos e as canções que Lina Lamont (Jean Hagen) teria que interpretar em um silent movie transformado em um talkie. Entretanto, a voz que foi usada para substituir o som agudo de Lina Lamont não era a de Debbie Reynolds, mas sim a própria voz natural e graciosa de Jean Hagen – ou seja, Jean Hagen dublou Debbie Reynolds dublando Jean Hagen! Para confundir mais as coisas, a voz que ouvímos como se fosse de Jean Hagen quando ela mimificava “Would You?”, supostamente suprida por Debbie Reynolds, era ainda de uma terceira pessoa … Betty Royce. E Debbie foi novamente dublada por Betty Royce no seu dueto com Gene Kelly, “You are My Lucky Star”. Tal como Debbie Reynolds, outras atrizes ou atores que eram perfeitamente capazes de cantar suas próprias canções, foram dublados.

Allan Jones

Allan Jones

Se um estúdio possuía uma trilha musical, mas o vocalista que a gravara não pudesse filmar, eles arranjavam alguém para fazer uma sincronização labial na tela. Isto aconteceu com Dennis Morgan (na época usando ainda o nome artístico de Stanley Morner) quando ele cantou com a voz de Allan Jones em Ziegfeld, o Criador de Estrelas / The Great Ziegfeld / 1936.

vocal the student prince M. lanza

Desentendimento com o diretor Curtis Bernhardt impediu Mario Lanza de estrelar O Príncipe Estudante / The Student Prince / 1954, porém a MGM obteve a permissão de Lanza para usar sua voz (com o devido crédito na tela), colocando Edmund Purdom no papel do príncipe. A ironia foi que, quando o filme começou finalmente a ser feito, o diretor não era mais Bernhardt, mas Richard Thorpe, que trabalhara harmoniosamente com Lanza em O Grande Caruso / The Great Caruso / 1951.

Até o excelente cantor Tony Martin foi dublado em Pobre Menina Rica / Poor Little Rich Girl / 1936, interpretando “When I’m With You”. Seu dublador foi Dick Webster que era violinista e cantor na orquestra de Jimmie Grier nos anos 30.

Cogi Grant

Cogi Grant

Outra razão pela qual atores capazes de cantar não cantavam eles mesmos: os estúdios achavam que suas vozes não eram apropriadas para os papéis que deveriam interpretar. Embora Joan Leslie pudesse cantar e provou isso em Graças à Minha Boa Estrela / Thank Your Lucky Stars / 1943, ela foi dublada na tela várias vêzes. Já Ann Blyth foi cogitada para o papel principal de Com Lágrimas na Voz / The Helen Morgan Story / 1957 por causa de sua semelhança vocal com a legendária estrela, porém foi dublada pela cantora Gogi Grant, cuja voz não se parecia com a de Morgan.

Annette Warren

Annette Warren

Em muitos filmes Ava Gardner recebeu a voz de outras, embora pudesse cantar. Entretanto, quando ela foi dublada em O Barco das Ilusões / Show Boat / 1952 por Annette Warren, isto aconteceu apenas na tela. Quando o LP com a trilha sonora saiu, os ouvintes escutaram a verdadeira voz de Ava Gardner, porque a MGM não poderia colocar o nome de Ava no LP, se outra cantora estivesse cantando por ela. Quem ouviu Ava realmente cantando “How Am I to Know” em Pandora / Pandora and the Flying Dutchman / 1951, soube que ela era capaz de interpretar uma canção.

Martha Mears

Martha Mears

Então vem o caso estranho da dublagem de Rita Hayworth que, nos anos 40, estrelou diversos musicais dançando e …. cantando? Bem, realmente não. Embora Rita fosse uma artista importante em musicais, sua voz era sempre dublada … por uma boa quantidade de senhoritas: Martha Mears (Modelos / Cover Girl / 1944 e O Coração de uma Cidade / Tonight and Every Night / 1945);

Anita Ellis

Anita Ellis

Anita Ellis (Gilda / Gilda / 1946 , Quando os Deuses Amam / Down to Earth / 1947, A Dama de Shanghai / The Lady from Shanghai / 1947, Carmen / The Loves of Carmen / 1948); Jo Ann Greer (Uma Viúva em Trinidad / Affair in Trinidad / 1952, A Mulher de Satã / Miss Sadie Thompson / 1953, Meus Dois Carinhos / Pal Joey / 1957), e Nan Wynn (Minha Namorada Favorita / My Gal Sal / 1942 e Bonita Como / You Are Never Lovelier / 1942). É espantoso como os fãs de cinema não perceberam a mudança constante de vozes da “Deusa do Amor” nos seus numerosos números musicais.

Larry Parks e Al Jolson

Larry Parks e Al Jolson

Mas nem toda dublagem ficava escondida em Hollywood. Além do caso já mencionado de Mario Lanza vocalizando O Príncipe Estudante, a dublagem mais famosa foi a de Sonhos Dourados / The Jolson Story / 1946 com Al Jolson cantando para Larry Parks. Parece que ninguém se incomodou com o fato de que o verdadeiro Jolson não estivesse na tela porque Parks realizou um excelente trabalho imitando perfeitamente os maneirismos e as bravatas teatrais do biografado. O filme fez tanto sucesso que ensejou uma continuação, O Trovador Inovidável / Jolson Sings Again / 1949 com os mesmos resultados.

Keefe Brasselle como Eddie Cantor e Marilyn Erskine como Ida Cantor.

Keefe Brasselle como Eddie Cantor e Marilyn Erskine como Ida Cantor.

Menos popular foi Nas Asas da Fama / The Eddie Cantor Story / 1954, com o mal escolhido para o papel Keefe Brasselle, fingindo que cantava ao som das gravações de Eddie Cantor, sem ter aprendido nada da mímica e estilo maravilhosos de Larry Parks. Aconselhado não se sabe por quem, Brasselle gravou ele mesmo um album com as canções apresentadas no filme, e o resultado foi pior ainda.

Jane Froman e Susan Hayward

Jane Froman e Susan Hayward

Outro esforço famoso de dublagem foi feito por Susan Hayward em Meu Coração Canta / With a Song in My Heart / 1952, a história da cantora Jane Froman. Susan teve uma atuação tão convincente, que se esqueceu de que não estava realmente cantando. E a gente nem sentia que a voz era de Jane Froman.

Quando Hollywood necessitava de cantoras ou cantores para usá-los nos seus filmes como dubladores, as big bands, assim como o palco e o radio, eram fontes de talento excelentes. Alguns desses artistas qualificaram-se como “dubladores profissionais” em virtude da quantidade de “ghost singing “ que fizeram para outros.

Eileen Wilson

Eileen Wilson

Eileen Wilson, que cantou para Ava Gadner e Cyd Charisse entre outras era muito prolífica. Por três anos sucessivos ela foi a voz cantante de Ava em Mercador de Ilusões / The Hucksters / 1947, Vênus, a Deusa do Amor / One Touch of Venus / 1948 (ïncluindo a canção “Speak Low”, que se ouvia em todo o decorrer do filme) e Lábios que Escravizam / The Bribe / 1949. Em 1948, Eileen vocalizou para Cyd Charisse no filme Minha Vida é uma Canção / Words and Music e em 1949 cantou “Through a Long And Sleepless Night para Dorothy Patrick em Falam os Sinos / Come to the Stable. Nos últimos dias da era das grandes orquestras, Eileen teve a honra de ser escolhida como substituta de Doris Day na banda de Les Brown. Nos anos 50, emprestou a voz para Sherree North em O Encanto de Viver / The Best Things In Life Are Free / 1956 e As Noites de Mardi Gras / Mardi Gras / 1958; Dolores Michaels em Primavera do Amor / April Love / 1957; e Barbara Bel Geddes em A Lágrima Que Faltou / The Five Pennies / 1959.

Jo Ann Greer

Jo Ann Greer

Cantora de orquestra com Les Brown e Ray Anthony, Jo Ann Greer realizou um trabalho extenso de dublagem em Hollywood, sem ganhar crédito pelas suas “missões de resgate”. Além de dublar para Rita Hayworth (nos filmes mencionados linhas atrás), Jo serviu a Gloria Grahme em Fúria Assassina / Naked Alibi / 1954, Kim Novak em No Mau Caminho / 5 Against the House /1955, Esther Williams em A Favorita de Júpiter / Jupiter’s Darling / 1955, June Allyson em O Belo Sexo / The Opposite Sex / 1956, Susan Kohner em Imitação da Vida / Imitation of Life / 1959, Carole Mathews em Música e Romance / Meet Me at the Fair / 1953 e Charlotte Austin em Arco-Íris / Rainbow Round my Shoulder / 1952. Jo e Rita Hayworth desfrutaram de um bom relacionamento nos três filmes que fizeram juntas. Rita comparecia às sessões de gravação e dançava descalça para ela diante do microfone, a fim de que Jo pudesse acompanhar a sua respiração e movimentos enquanto cantava.

Virginia Verrill

Virginia Verrill

Nos anos 30, a principal dubladora entre as mulheres parece ter sido Virginia Verrill. Foi ela quem dublou Jean Harlow em Tentação dos Outros / Reckless / 1935 e Suzy / Suzy / 1936 e introduziu pessoalmente na tela, “That Old Feeling” no filme Vogas de New York / Vogues of 1938 / 1937, produzido por Walter Wanger, mas também apareceu em Amor que Regenera / Hideout / 1934 da MGM cantando “All I Do Is Dream Of You”. Virginia era principalmente uma cantora do rádio e começou sua carreira no vaudeville aos cinco anos de idade. Aos quatorze anos estava cantando off-screen a canção título do filme A Vida é uma Dança / Ten Cents a Dance / 1931. Ela fez parte da banda de Orville Knapp em 1934, porém não pôde excursionar com o grupo, porque sua mãe achou que sua filhinha era muito moça. Virginia foi originariamente escolhida para encabeçar o elenco de Goldwyn Follies / The Goldwyn Follies / 1938, sendo anunciada como “a segunda Myrna Loy”. Todavia, a Goldwyn Company decidiu que as semelhanças entre as duas artistas eram muito fortes e Miss Verrill foi subitamente substituida por Andrea Leeds. Ela concordou em dublar para Andrea desde que o estúdio nunca revelasse este fato, tendo sido tomadas precauções extraordinárias, para guardar o segredo. A orquestra gravou todas as canções sem a cantora e mais tarde, em um palco fechado, Miss Verrill gravou a sua trilha sonora por meio de play back. Não mais do que uma dúzia de pessoas estavam a par do que estava sendo feito e eles foram proibidos de falar. A dublagem foi perfeita. Não houve a menor falha na sincronização e, após a pré-estréia, três estúdios pediram a Samuel Goldwyn o empréstimo de Miss Leeds para musicais.

Nan Wynn

Nan Wynn

Nan Wynn possuia um estilo vocal maravilhoso, porém nunca teve uma grande chance de chegar ao estrelato. Ela obteve um papel de destaque na tela ao lado de William Lundigan em Um Tiro nas Trevas / A Shot in the Dark / 1941, mas frequentente era vista como cantora de boate em filmes como A Garota dos Milhões / Million Dollar Baby / 1941, Dois Caraduras de Sorte / Pardon my Sarong / 1942, Injúria / Good Luck, Mr. Yates / 1943, Sua Alteza Quer Casar / Princess O’Rourke / 1943, Sinfonia da Saudade / Is Everybody Happy? / 1943, Orgia Musical / Jam Session / 1944 e Nas Garras da Intriga / Intrigue / 1947. Como dubladora notabilizou-se – como já foi mencionado – por ter vocalizado para Rita Hayworth em Minha Namorada Favorita e Bonita Como Nunca.

Eta Moten

Eta Moten

Falando sobre seu filme de estréia na RKO, Namoradeira Profissional / Professional Sweetheart / 1933, Ginger Rogers comentou: “Minha única queixa foi ter sido dublada cantando “My Imaginary Sweetheart”. Eu vinha cantando profissionalmente no palco e na tela durante anos e achava que era ridículo ouvir a voz de outra cantora vindo de minha boca”. Aquela voz pertencia a atriz negra do teatro Etta Moten. O ano de 1933 foi um grande ano para Etta. Ela dublou Joan Blondell no número sobre a Depressão “Remember My Forgotten Men” em Cavadoras de Ouro / na Warner Bros. e introduziu pessoalmente a música “The Carioca” em Voando para o Rio / Flying Down to Rio, o número que impôs Fred Astaire e Ginger Rogers como uma dupla. Ainda na Warner, Etta cantou outro clássico, “St. Louis Blues” em Mulheres do Mundo / Ladies They Talk About. Nos anos seguintes Miss Moten participou, de A Espiã 13 / Operator 13 / 1934 (dublando a atriz negra Theresa Harris, que fazia o papel de uma escrava); Mais Próximo do Céu / The Green Pastures / 1936, como un anjo e Um Dia Nas Corridas / A Day at the Races / 1937 como uma cantora.

Gloria rafton

Gloria Grafton

Gloria Grafton cantou para Lucille Ball em A Rainha dos Corações / Best Foot Forward / 1943 e trabalhou como atriz em Aurora Sangrenta / Cry Havoc / 1943; O Anjo Perdido / Lost Angel / 1943; Dê-se com a Gente / Meet the People / 1944; A Felicidade Vem Depois / Marriage is a Private Affair / 1944; Por Fim Mulher / Up Goes Maisie / 1946; O Homem Sem Coração / The Private Affairs of Bel Ami / 1947 e Joan of Arc / Joana D’Arc / 1948.

Bonnie Lou Williams

Bonnie Lou Williams

Bonnie Lou Williams cantou para June Haver em Vocação Proibida / The Daughter of Rosie O’Grady / 1948, Bonequinha Linda / Oh, You Beautiful Doll / 1949 e Crepúsculo de uma Glória / Look for the Silver Linning / 1949; Virginia Mayo em O Mundo de um Palhaço / Always Leave Them Laughing / 1949, Conquistando West Point / The West Point Story / 1950, Garotas e Melodias / Painting the Clouds with Sunshine / 1951, O Professor e a Corista / She’s Working Her Way Through College / 1952, Vivendo sem Amor / She’s Back on Broadway / 1953; Lana Turner em Mares Violentos / The Sea Chase / 1955; Betsy Drake em A Comédia da Vida / Dancing in the Dark / 1949; Phyllis Kirk em Três Cadetes em Apuros / About Face / 1952; Joanne Dru em Horas Sombrias / Hell on Frisco Bay / 1955.

Louanne Hogan

Louanne Hogan

Louanne Hogan cantou para Jeanne Crain em Corações Enamorados / State Fair / 1945, Margie / Margie / 1946, Noites de Verão / Centennial Summer / 1946, Apartamento para Dois / Apartment for Peggy / 1948; Joan Leslie em Rapsódia Azul / Rhapsody in Blue / 1945 e Cinderella Jones / 1946; Virginia Mayo em A Princesa e o Pirata / The Princess and the Pirate / 1944.

Virginia Rees cantou para Evelyn Keyes em Sonhos Dourados / The Jolson Story / 1946, Lucille Ball em Quem Manda é o Amor / Easy to Wed/ 1946; Angela Lansbury em As Garçonetes de Harvey / The Harvey Girls / 1946; Adele Jergens em Mentira Salvadora / Ladies of the Chorus / 1949; Marie Windsor em Fogo no Inferno / Hellfire / 1949; Vera Ralston em Os Tiranos Também Morrem / Timberjack / 1955; Marlene Dietrich in A Mãe Solteira / The Lady is Willing / 1942.

Neste último filme, após uma das canções de Marlene Dietrich, Fred MacMurray, que contracenava com ela, disse algo como “Eu não sabia que você podia cantar”. Esta piada arrancou gargalhadas do público na pré-estréia, porque Marlene estava cantando ligeiramente mal. Virginia  estava no côro ao fundo no número em questão, e Morris Stoloff (o chefe do Departamento de Música da Columbia), que apreciava seu trabalho, pediu-lhe para dublar  a  inesquecível  estrela alemã.

India Adams

India Adams

A vocalografia é extensa: India Adams cantou para Cyd Charisse em A Roda da Fortuna / The Band Wagon / 1953 e Joan Crawford em Se Eu Soubesse Amar / Torch Song / 1953 e Johnny Guitar / Johnny Guitar / 1954; Adele Addison para Dorothy Dandridge em Porgy e Bess / Porgy and Bess / 1959;

Adele Addison

Adele Addison

Jim Bryant

Jim Bryant

Jimmy Bryant para Richard Baymer em Amor, Sublime Amor / West Side Story / 1961; Jud Conlin para Michael Kidd em Dançando nas Nuvens / It’s Always Fair Weather / 1955; Diana Coupland para Lana Turner em Atraiçoado / Betrayed / 1954; Beryl Davis para June Haver em A Noiva de Papai / The Girl Next Door / 1953;

Diana Coupland

Diana Coupland

Beryl Davis

Beryl Davis

Hal Derwin

Hal Derwin

Hal Derwin para Larry Parks em Quando os Deuses Amam / Down to Earth / 1947 e Lee Bowman em Desespero / Smash Up /1947 e Meus Sonhos Te Pertencem / My Dream is Yours / 1949 e Cliff Robertson em Uma Aventura em Balboa / 1958; Dorothy Ellers (também conhecida como Suzanne Ellers) para Virginia Mayo Um Tigre Domesticado / The Kid From Brooklyn / 1948; Trudy Erwin para Lucille Bremer em Yolanda e o Ladrão / Yolanda and the Thief / 1945, Quando as Nuvens Passam / Till the Clouds Roll By / 1946 e Lana Turner em É Probido Amar / Mr. Imperium / 1951 e A Viúva Alegre / The Merry Widow /1952 e, como ela mesma, cantando com a banda de Kay Kyser em Noivas de Tio Sam / Stage Door Canteen / 1943;

Trudy Erwin

Trudy Erwin

Marilyn Horne para Dorothy Dandridge em Carmen Jones / Carmen Jones / 1954; Helen Kane (que inspirou a criação da Betty Boop) para Debbie Reynolds em Três Palavrinhas / Three Little Words / 1950 (no número “I Wanna Be Loved by You”);

Helen Kane

Helen Kane

Bing Crosby para Eddie Bracken em Do Outro Mundo / Out of This World / 1945; Arthur Freed (produtor dos grandes musicais da MGM) para Leon Ames em Agora Seremos Felizes / Meet Me in St. Louis / 1944; Marjorie Lane (esposa de Brian Donlevy) para Eleanor Powell em Nascí para Dançar / Born to Dance / 1936, Melodia da Broadway de 1936 / The Broadway Melody of 1936 / 1935, Melodia da Broadway de 1938 / The Broadway Melody of 1938 / 1937, Rosalie / Rosalie / 1937; Paula Raymond para Hedy Lamar em Idílio Perigoso / Experiment Perilous / 1944; Francis Langford para Lucille Ball em Garotas em Penca / Too Many Girls / 1940;

Frances Langford

Frances Langford

Bill Lee para Ricardo Montalban em Numa Ilha com Você / On an Island with You / 1948 e Christopher Plummer em A Noviça Rebelde / The Sound of Music / 1965; Robert McFerrin para Sidney Poitier Porgy e Bess / Porgy and Bess / 1959;

Robert McFerrin

Robert McFerrin

Trudy Ewen para Kim Novak em Meus Dois Carinhos / Pal Joey / 1957; Lisa Kirk para Rosalind Russell em Em Busca de um Sonho / Gypsy / 1962;

Lisa Kirk

Lisa Kirk

Carol Richards

Carol Richards

Carol Richards para Vera Ellen em Sua Excelência, a Embaixatriz / Call Me Madam / 1953 e Cyd Charisse em A Lenda dos Beijos Perdidos / Brigadoon / 1954 e Meias de Seda / Silk Stockings / 1957; Kaye Lorraine para Gloria Grahme em A Vida Íntima de uma Mulher / A Woman’s Secret / 1949; Giorgio Tozzi para Rossano Brazzi em No Sul do Pacífico / South Pacific / 1958;

 Giorgio Tozzi

Giorgio Tozzi

Martha Tilton para Barbara Stanwyck em Bola de Fogo / Ball of Fire e Maria Montez em Ao Sul de Tahiti / South of Tahiti / 1941; Betty Wand para Leslie Caron em Gigi / Gigi / 1958 e Rita Moreno em Amor, Sublime Amor / West Side Story / 1961;

Marta Tilton

Marta Tilton

Betty Wand

Betty Wand

Ben Cage (segundo marido de Esther Williams) para George Montgomery em Turbilhão / Coney Island / 1943 e Precisa-se de Maridos / Three Little Girls in Blue e Victor Mature em Minha Namorada Favorita / My Gal Sal / 1942 e A Canção do Havaí / Song of the Islands / 1942, Bill Shirley para Jeremy Brett em Minha Bela Dama / 1964; Muriel Smith para Zsa Zsa Gabor em Moulin Rouge / Moulin Rouge / 1952; etc

Bill Shirley

Bill Shirley

Ben Cage e Esther Williams

Ben Cage e Esther Williams

Hoje as vozes invisíveis de Hollywood já foram identificadas, e seus donos merecem o reconhecimentp por parte dos estudiosos de cinema, pela contribuição que deram, quase sempre incógnitos, para o sucesso de muitos filmes.