Antes de fazer seu grande filme da década de cinquenta, A Malvada / All About Eve / 1950, Bette atuou em um drama sentimental, dirigido por Curtis Bernhardt com muita precisão e invenção técnica (usando a iluminação de uma maneira original nos retrospectos), chamado Depois da Tormenta / Payment on Demand (somente lançado em 1951), no qual ela fazia o papel de Joyce Ramsey, a mulher de um advogado bem sucedido, David Anderson Ramsey (Barry Sullivan) que, logo no início da trama, anuncia sua intenção de pedir o divórcio.
Joyce então recorda os momentos principais de sua vida conjugal e, através de uma série de vinhetas, nós vemos que ela própria contribuiu para a ruína do seu casamento por causa de sua ambição desmedida, sua busca de ascenção social a qualquer custo; estas vinhetas são originais porque, quando a ação se volta para o passado, o primeiro plano escurece e o fundo se ilumina, dando aos cenários uma impressão de transparência.
Quando Depois da Tormenta foi exibido para os administradores do Cinema Roxy em Nova York, eles acharam que o final da história, no qual não havia esperança de que os Ramseys se reconciliariam, era muito deprimente, e pediram que fosse mudado. Bernhardt teve uma reunião com seu co-roteirista Bruce Manning e Howard Hughes, então dono da RKO-Radio, a distribuidora do filme, e eles resolveram deixar o final ambíguo, a fim de que o público decidisse se o casal voltaria a ficar junto
Em A Malvada, Eve Harrington (Anne Baxter), está prestes a receber o prêmio Sarah Siddons, outorgado à melhor atriz de teatro do ano. Todas as celebridades do palco estão presentes. O presidente da entidade (Walter Hampden) pronuncia um discurso interminável, durante o qual uma das convidadas, Karen Richards (Celeste Holm) recorda como, há pouco tempo, Eve era apenas uma admiradora da brilhante Margo Channing (Bette Davis, substituindo Claudette Colbert) estrela na melhor tradição. Um dia, impressionada com a persistência da jovem fã, Karen – cujo marido, Lloyd Richards (Hugh Marlowe) é o autor das peças que Margo interpreta -, apresenta Eve ao pequeno grupo que eles formam com o diretor, namorado de Margo, Bill Sampson (Gary Merrill), e a camareira Birdie (Thelma Ritter). Comovida ao ouvir o relato que Eve fez de sua triste existência, Margo a contrata como sua secretária particular. Aos poucos, a astuciosa Eve vai abrindo seu caminho para a fama, utilizando todos os meios para conseguir seu objetivo. Para obter o papel de Margo em uma peça, ela perturba a vida de Karen, Lloyd, Bill e do crítico teatral Addison DeWitt (George Sanders), que acaba descobrindo sua verdadeira identidade e seu passado pouco recomendável. Enquanto Eve trama para conquistar a glória, Margo percebendo que, interpretar o papel de jovens aos quarenta anos, é muito difícil, depõe suas armas, e se casa com Bill. Eve triunfa, recebe seu troféu mas, ao entrar em casa depois da festa, depara-se com uma moça chamada Phoebe (Barbara Bates), que veio lhe transmitir sua admiração, e começa a fazer com Eve, o que ela fizera com Margo. Logo Eve será substituida por Phoebe… a eterna Eve, que se reflete no infinito de um espelho.
Baseado no conto “The Wisdom of Eve” de Marry Orr, inspirado em um episódio verídico ocorrido com a atriz austríaca Elisabeth Bergner, o filme é uma sátira do mundo teatral novaiorquino (incluindo comentários sarcásticos sôbre Hollywood e a Televisão) e uma crítica à sociedade americana, na qual o arrivismo é uma das caraterísticas essenciais. Trata-se de uma obra essencialmente falada, o cinema intervindo somente por um retrospecto inteligentemente bem colocado e um comentário em voz-off (dito por dois personagens, Addison DeWitt e Karen Richards), que nos põe ao par do drama. Os planos são geralmente muito longos porque os diálogos (irônicos e sofisticados) têm um lugar importante no espetáculo, sendo sempre lembrado aquele aviso clássico de Margo ao subir a escada: “Fasten your seatbelts – it’s going to be a bumpy night”.
Joseph L. Mankiewicz nos mostra, sob aspectos diferentes, vários personagens femininos (Margo, Eve, Karen, Birdie e Phoebe), destacando-se a atriz célebre envelhecida, que a certa altura compreende com angústia o que vai ser sua vida tanto no plano sentimental como no professional, e a jovem principiante na arte cênica ambiciosa, calculadora e hipócrita com ânsia de sucesso, respectivamente interpretadas magnificamente por Bette Davis e Anne Baxter. Porém as composições de Celeste Holm e Thelma Ritter também são excelentes, daí todas as quatro terem sido indicadas para o Oscar.
No seu conjunto, o filme recebeu quatorze indicações para o prêmio da Academia, ganhando seis: Melhor Diretor, Filme, Melhor Ator Coadjuvante (George Sanders), Melhor Figurino em preto e branco (Edith Head e Charles Lemaire), Melhor Roteiro (J. L. Mankiewicz) e Melhor Som (Departamento de Som da 20thCentury-Fox, diretor Thomas T. Moulton).
Divorciada de William Grant Sherry em 3 de julho de 1950, assim que a filmagem de A Malvada terminou, Bette casou-se com Gary Merrill em 28 de julho do mesmo ano na cidade de Juárez no México. Eles se divorciariam em 6 de julho de 1960.
Até conseguir outro grande sucesso com O Que Aconteceu com Baby Jane? / Whatever Happened to Baby Jane? / 1962, Bette fez mais nove filmes, uns um pouco melhores do que os outros, porém nenhum deles com notável qualidade artística: Mulher Maldita / Another Man’s Poison / 1951
(Dir: Irving Rapper, como Janet Frobisher, escritora de romances policiais que matara seu marido e depois envenena o amigo dele / Gary Merrill, companheiro do falecido no assalto a um banco); Telefonema de um Estranho / Phone Call from a Stranger / 1952
(Dir: Jean Negulesco, como Marie Hoke, a viúva paralítica de uma das vítimas de um desastre de avião, que recebe a visita – assim como duas outras – de um dos sobreviventes do acidente / Gary Merrill); Lágrimas Amargas / The Star / 1952
(Dir: Stuart Heisler, como Margaret Elliott, atriz premiada com o Oscar, tentando lidar com o fato de que sua carreira se encerrou, que precisa de dinheiro e de encontrar um meio de recompor sua vida); A Rainha Tirana / The Virgin Queen / 1955
(Dir: Henry Koster, como a Rainha Elizabeth I da Inglaterra, envolvida com jovem Walter Raleigh / Richard Todd); A Festa de Casamento / The Cattered Affair / 1956
(Dir: Richard Brooks, como Mrs. Agnes Hurley, a matriarca de uma famíla modesta às voltas com uma festa de casamento); Ao Despertar da Tormenta / Storm Center / 1956
(Dir: Daniel Taradash, como Alicia Hall, diretora da biblioteca de uma pequena cidade dos Estados Unidos, afastada do seu pôsto, porque se recusara a retirar um livro de tendência marxista do catálogo); Ainda Não Comecei a Lutar / John Paul Jones / 1959
(Dir: John Farrow, como Catarina II, Imperatriz da Rússia, que chamou o herói militar americano do século XVII / Robert Stack, para ser o comandante naval de sua Marinha; O Estranho Caso do Conde / The Scapegoat / 1959 (Dir: Robert Hamer, como a mãe viciada em morfina do castelão / Alec Guiness, cujo irmão gêmeo / Alec Guinees assumiu sua identidade; Dama por um Dia / A Pocketful of Miracles / 1961
(Dir: Frank Capra, como Apple Annie, a mendiga vendedora de maçãs que um gângster / Glenn Ford ajuda a transformar em uma dama da sociedade.
A história de Que Terá Acontecido a Baby Jane? é a seguinte. Nos anos vinte, Baby Jane Hudson (Bette Davis) é uma criança prodígio do music-hall, que canta e dansa, e sustenta sua família. Porém nos anos trinta, os papéis se invertem. Sua irmã Blanche (Joan Crawford) torna-se uma estrela de Hollywood, e Jane é esquecida. No auge de sua carreira, Blanche é vítima de um acidente de automóvel provocado involuntariamente por Jane, que se tornara uma alcoólatra. Inválida das duas pernas, Blanche torna-se dependente de Jane,submetendo-se aos maus tratos de sua irmã. Jane martiriza Blanche sequestrando-a, privando-a de alimentação, e imitando sua assinatura em cheques que ela endossa ao mesmo tempo em que canta, acompanhada por um pianista, seu antigo sucesso de criança, na esperança de voltar à cena. Quando Jane surpreende uma conversa telefônica entre Blanche e um médico, ao qual pedira ajuda, Jane agride selvagemente sua irmã, arrasta-a para o seu quarto, e a amarra à sua cama. Depois, Jane mata a criada, que ela havia despedido e que, preocupada com a situação de Blanche, entrara na casa escondida para vê-la. O pianista, vendo Blanche amarrada e amordaçada, foge horrorizado. Compreendendo que ele vai avisar a polícia, Jane conduz sua irmã moribunda para uma praia. Nos últimos segundos que lhe resta de vida, Blanche revela a Jane que ela não fôra a responsável pelo acidente como a fizera crer por tanto tempo, mas foi ela mesma, Blanche, que desejando aniquilar Jane, jogara o carro contra um muro. Esta revelação faz com que Jane mergulhe definitivamente na loucura. Um pouco mais tarde, a policia encontra-a dançando perto do cadáver de sua irmã.
Jane e Blanche são dois monstros: Jane como um carrasco colérico, cruel e demente; Blanche como uma vítima, mas também cruel na sua hipocrisia, na sua violência interior, na sua mentira. Ambas refletem a visão do mundo pessimista de Robert Aldrich e sua predileção por cenas truculentas. Este filme é um grand-guignol doentio, uma “farsa macabra” digna do diretor. Ele fabrica um pesadêlo e começa por encerrar o espectador em um ambiente sufocante, onde convivem duas estrelas envelhecidas, ultrajantemente maquiladas, invejosas uma da outra, rivais, rancorosas. A esta dupla perversa, – a louca e a paralítica – Aldrich acrescentou um gigante obeso (o pianista), interpretado de maneira impressionante por Victor Buono, que completa a sensação de mal-estar. O filme, como “horror psicológico”, é, muito bom, e Bette cantando “I’ve Written a Letter to Daddy”, um espetáculo a parte!
Apenas nove dias depois de ter terminado Que Terá Aconteccido a Baby Jane? , Bette colocou um anúncio nos jornais intitulado “Empregos Procurados, Mulheres “, que dizia: Mãe de três filhos – com 10, 11 e 15 anos – , divorciada, americana, trinta anos de experiência como atriz no cinema. Ainda se movimenta e é mais amável do que dizem os boatos. Deseja emprego fixo em Hollywood (esteve na Broadway). Bette Davis aos cuidados de Martin Baum, agente. Referências a pedido. Betty comentou depois: “O anúncio era metade brincalhão, metade sério”.
No início de 1963, a Academia indicou-a como Melhor Atriz por Baby Jane, mas ela perdeu para Anne Bancroft, pondo a culpa em Joan Crawford que, segundo ela, teria feito tudo para impedí-la de ganhar a estatueta; Joan inclusive convenceu Anne Bancroft a aceitar que ela, Joan, recebesse o prêmio em seu nome, caso vencesse. “Quando o nome de Anne Bancroft foi anunciado, fiquei branca”, Bette escreveu. “Momentos depois, Joan passou pelo camarim do mestre de cerimônia, Frank Sinatra, onde eu estava com Olivia de Havilland. O olhar de Joan dizia claramente, “Você não ganhou e eu estou muito feliz” (cf. Ed Sikov).
Depois do êxito do filme de Robert Aldrich, Bette começou – com algumas exceções – uma segunda carreira como especialista no gênero de horror, sendo que nenhum dos seus 15 filmes derradeiros – Vidas Vazias / La Noia / 1963 (Dir: Damiano Damiani); Alguém Morreu em Meu Lugar / Dead Ringer / 1964 (Dir: Paul Henreid); Escândalo na Sociedade / Where Love Has Gone / 1964 (Dir: Edward Dmytryk); Com a Maldade na Alma / Hush…Hush Sweet Charlotte / 1965 (Dir: Robert Aldrich); Nas Garras do Ódio / The Nanny / 1965 (Dir: Seth Holt); O Aniversário / The Anniversary / 1968 (Dir: Roy Ward Baker); Quartos Conjugados / Connecting Rooms / 1970 (Dir: Franklin Gollins); Bunny O’Hare / Bunny O’Hare / 1971 (Dir: Gerd Oswald); Semeando a Ilusão / Lo Scopone Scientifico / 1972 (Dir: Luigi Comencini); A Mansão Macabra / Burnt Offerings / 1976 (Dir: Dan Curtis); O Perigo da Montanha Encantada / Return from Witch Mountain / 1978 (Dir: John Hough);
Morte sobre o Nilo / Death on the Nile / 1978 (Dir: John Guillermin); Mistério no Bosque / The Watcher in the Woods / 1980 (Dir: John Hough); Baleias de Agosto / The Whales of August / 1987 (Dir: Lindsay Anderson); A Madrasta / Wicked Stepmother / 1989 (Dir: Larry Cohen) – chegaram perto dos melhores filmes que ela havia atuado até então. Merece destaque apenas Com a Maldade na Alma, pela comparação que tem sido feita com O Que Aconteceu com Baby Jane?
Na trama de Com a Maldade na Alma, quando a Louisiana Highway Commission resolve construir uma estrada através de sua propriedade, Charlotte Hollis (Bette Davis) ameaça os operários com uma espingarda. Trinta e sete anos antes, o amante casado de Charlotte, John Mayhew (Bruce Dern), havia sido assassinado; e embora o assassino nunca tivesse sido descoberto, a população local está convencida da culpa de Charlotte. Acreditando que foi seu pai que matou Mayhew, ela se torna uma reclusa na sua velha mansão, vivendo na companhia de sua governanta, Velma (Agnes Moorehead). Agora, para enfrentar a Highway Commission, Charlotte pede a ajuda de Miriam (Olivia de Havilland), sua prima pobre que morou com a família quando criança. No seu retôrno, Miriam renova seu relacionamento como Drew Bayliss (Joseph Cotten), o médico local que cuida de Charlotte.
Com a chegada de Miriam, a excêntrica Charlotte torna-se progressivamente mais perturbada – suas noites assombradas pelo som de um piano tocando a canção que Mayhew escrevera para ela e pela aparição da mão e da cabeça desincorporadas do seu falecido marido. Percebendo que Miriam e Drew estão tentando fazer com que Charlotte fique completamente louca, a fim de se apossarem de sua fortuna, Velma procura auxílio com o Mr. Willis (Cecil Kellaway), um investigador da Companhia de Seguros Lloyd’s of London, que ainda está interessado no caso Mayhew, e que visitara a víuva dele, Jewel (Mary Astor); mas Miriam mata Velma quando esta tenta remover Charlotte da mansão por motivo de segurança. Em seguida, Miriam e Drew armam um truque para Charlotte matar Drew com uma arma descarregada, e Miriam ajuda Charlotte a jogar o corpo dele em um pântano. O reaparecimento de Drew converte Charlotte em uma demente choramingona. Pensando que Charlotte está inteiramente louca, e trancada no seu quarto, Miriam e Drew vão para o jardim e comentam o que haviam feito. Quando Miriam abraça Drew, ela vê Charlotte que os havia escutado. Furiosa, ela empurra um pedra enorme do balcão, que cai sobre eles, matando-os. Mais tarde, Charlotte é levada pelas autoridades. Mr. Willis entrega-lhe um envelope da agora falecida Jewel Mayhew, contendo a confissão de Jewell do assassinato de seu marido.
A filmagem de Com a Maldade na Alma – baseado como O Que Aconteceu com Baby Jane, em um romance de Henry Farrell – começou em 1 de junho de 1964, mas foi interrompida pela doença falsa de Joan Crawford (que se internou no Cedars of Lebanon Hospital e se recusou a sair com medo de competir com Bette, particularmente depois de ter provocado a ira de sua colega naquele incidente da entrega do Oscar no ano anterior) e também porque Bette foi obrigada pela justiça a filmar cenas adicionais para Escândalo na Sociedade. Crawford atuou no filme apenas quatro dias, sendo substituída por Olivia de Havilland.
Alguns críticos e o próprio diretor, Robert Aldrich, acharam que a interpretação de Bette em Com a Maldade na Alma foi melhor do que em O Que Aconteceu com Babe Jane. A razão de Aldrich foi simplesmente técnica: o seu uso de múltiplas câmeras sobre Charlotte, permitindo captar todas as reações da atriz. Bette gostou de trabalhar com Aldrich novamente, porém não apreciou certos aspectos da sua segunda colaboração: “Ele tinha algumas faltas de gôsto estranhas. Acho que a cena em que a cabeça salta pela escada abaixo foi demais. Baby Jane tinha algumas cenas chocantes, e era altamente dramático, mas nenhuma cabeça pulando pela escada”.
Considerada uma das maiores atrizes da América, Bette Davis ficou inicialmente hesitante em aderir à televisão mas, apesar de suas restrições, eventualmente aderiu à telinha e, por mais de meio século, aceitou papéis grandes e pequenos, estrelou ou coadjuvou outros atores, participou de teleteatros, telefilmes, seriados e minisséries, espetáculos de variedades, game shows, cerimônias de gala e de homenagem, e programas de entrevistas. Ela foi quatro vêzes indicada para o Emmy, tendo conquistado o prêmio em 1979 por sua atuação no telefilme Difícil Reencontro / Strangers: The Story of a Mother and Daughter, ao lado e Gena Rowlands.
Em 1977, Bette foi a primeira atriz a ser honrada com o Lifetime Achievement Award, anteriormente concedido somente a John Ford, James Cagney, Orson Welles e William Wyler. Ela continuou trabalhando até a sua morte no dia 6 de outubro de 1989 em Neuilly-sur-Seine na França. Seu epitáfio: “She did it the hard way”.