Aos dezessete anos de idade, Eugene W. Castle (1897-1960), mais conhecido como Gene Castle, era um cinegrafista freelance em San Francisco, Califórnia, filmando eventos locais e tentando ingressar na indústria cinematográfica através do cine-jornal. Assim, o jovem ambicioso visitou o escritório local da Pathé News, onde conheceu o presidente da companhia, Leon E. Franconi, que lhe deu a chance que ele estava procurando. Gene tornou-se um montador muito eficiente e, no início dos anos vinte, ocupava posição de destaque neste setor da Fox News (depois Movietone News), experiência que lhe seria muito valiosa.
Posteriormente, achando que os filmes tinham potencial fora da sua exibição convencional nos cinemas, Gene tornou-se um distribuidor de filmes educacionais e industriais, colocando-os à disposição de escolas e grupos comunitários, fundando a Castle Films. Prova do seu sucesso foi que, durante a Depressão, sua firma mantinha escritórios e ambas as costas dos Estados Unidos, em Nova York e San Francisco.
O produto institucional da Castle era oferecido no formato profissional de 35mm e também em 16mm, o formato amador introduzido pela Eastman Kodak em 5 de julho de 1923. Quando o equipamento para filme sonoro de 16mm entrou no mercado em 1933, Gene aproveitou-se rapidamente dessa nova tecnologia e prosperou.
Em agosto de 1933, a Castle Films mudou-se para escritórios mais espaçosos no 12º andar do prédio de 70 andares da RCA no Radio City de Nova York e, dentro de um ano, Gene contratou o vice presidente de uma agência de publicidade de Chicago, Fred Wagner, para dirigir o escritório mais novo da companhia nessa cidade.
A larga experiência de Gene na área do cine-jornal, comercial e publicidade preparou-o para o seu próximo empreendimento. Em 1937, um público afluente cada vez maior estava adquirindo câmeras e projetores de cinema e usufruindo de entretenimento na sua residência. Alguns desses consumidores utilizavam o formato de 16mm enquanto outros preferiam o formato de 8mm, introduzido em 1932, que era mais portável e econômico. Algumas estimativas indicavam que as vendas de equipamentos para cinema doméstico chegavam a dois milhões. Este era um mercado maior do que os filmes industriais jamais tiveram, e Gene se dedicou a ele de corpo e alma.
Em maio de 1937, a Pathé reavivou a Pathegrams, sua divisão de filme-doméstico, sob a liderança de O. Henry Briggs (que mais tarde chefiaria o estúdio PRC). Os canais de distribuição de Gene já estavam organizados, de modo que foi a Castle Films que cuidou das vendas da nova Pathegrams. Além disso, usando material filmado de suas fontes de cine-jornais, Gene montou tpara a Pathegrams três cine-jornais especiais de um rolo: Hindenburg Explodes!, cobertura dramática do célebre desastre aeronautico; England’s Coronation, relato da coroação de George V; e The Life of Edward – Britain’s Ex-King, biografia sucinta do Duque de Windsor, o monarca que havia abdicado recentemente.
A Pathegrams e a Castle se separaram em julho de 1937. Ray Hall da Pathé News foi encarregado das vendas da Pathegrams, e a Allied Distributing Company (de Chicago) assumiu a distribuição do quarto lançamento da Pathegrams, A Day with the Dionne Quintuplets.
Desconectado da Pathegrams, Gene Castle fundou a sua própria companhia de filmes para exibição no lar. Em julho de 1937, ele contratou um antigo colega da Fox News, Don Hancock, na capacidade de montador e gerente. Hancock, que havia inaugurado a Fox News, estava atuando como supervisor de produção para Amadee J. Van Beuren, produtor independente que distribuia seus filmes através da RKO Radio Pictures. Hancock deixou Beuren para trabalhar com Gene.
Colhendo material de sua própria filmoteca, cine-jornais e filmes mudos, Gene constituiu uma linha de filmes de um rolo sobre vários tópicos. Ele mesmo montava os filmes, dando ao seu produto um toque pessoal, profissional, e incorporou seu sobrenome ao logo da companhia, a representação de uma torre de castelo.
A Castle Film oferecia projetores de 16 e 8 mm, em edições sonoras ou silenciosas (nove minutos na velocidade sonora e doze minutos na velocidade silenciosa). Havia ainda edições de três minutos para donos de projetores de brinquedo e clientes econômicos; estas versões condensadas eram chamadas de edicões “headline”, porque incluiam os destaques, ou manchetes, da matéria.
Como a maioria dos projetores para uso doméstico não tinha aparelhamento de som, Gene adicionou subtítulos explicativos às versões silenciosas. Para os indivíduos e instituições que possuiam projetores sonoros, todos os filmes da Castle estavam disponívies em versões “deluxe” em 16mm.
Em 1937, a duração de um rolo parecia apropriada para a maioria dos propósitos. Nas salas de cinema, cine-jornais, filmes esportivos ou travelogues (narrações de viagens), e desenhos animados geralmente não passavam de dez minutos cada um. A Castle Films reproduzia a experiência de ida ao cinema, oferecendo matérias similares de um rolo para serem vistas em casa. O formato de um rolo tornou-se um padrão na indústria, e a Castle Films nunca se desviou dele, exceto para uma experiência brevecom filmes um pouco mais longos em 1950.
O foco de Gene Castle na audiência domiciliar obteve um grande sucesso.Em dezembro de 1937, Gene tinha uma dúzia de filmes em lançamento: três cine-jornais, e três filmes de antologia na série “See” (imitada da revista Look). Em 1938, Gene acrescentou travelogues à sua linha de produção e acertou com o produtor de desenhos animados Paul Terry o lançamento dos seus Terrytoons recentes no mercado doméstico.
As vendas de cine-jornais era especialmente boas, e Gene relançou Hindenburg Explodes! e England’s Coronation sob a sua própria marca. Ele vendeu ambos os filmes por um preço 25% mais caro do que os lançamentos normais da Castle. Outro lançamento de cine-jornal tornou-se uma tradição anual: a série “News Parade” condensava as melhores matérias do ano. A Castle expandiu este tema nos anos quarenta; travelogues transformaram-se em “The World Parade”; filmes esportivos em “The Sport Parade”; filmes sobre animais em “The Adventure Parade”, e musicais em “The Band Parade”.
Em setembro de 1941, Gene celebrou o maior contrato jamais concedido à uma companhia de cinema comercial com o United States Government’s Office of Education, que desejava circular 50 filmes de treinamento educacionais e vocacionais. A Castle satisfez as numerosas estipulações relacionadas no acordo, que demandava a edição, promoção e distribuição de 12 mil a 15 mil cópias em 16mm e, com este ajuste bem sucedido, a companhia continuou a ganhar novos contratos com o governo, tendo co única competidor a Soundies Distributing Corporation of America.
Depois que presidente Franklin D. Roosevelt declarou a guerra em dezembro de 1941, Gene Castle enfatizou seus lançamentos de cine-jornais e deixou o público ansioso informado. Títulos como Japs Bomb U.S.A.!, Midway and Coral Sea Battles! e Axis Smashed in Africa suscitaram manchetes de jornal e emocões para seus clientes do cinema em casa. Gene lhes prometeu que a Castle Film lançaria regularmente esses episódios da guerra tão regularmente quanto os acontecimentos os justificassem. Anúncios de página inteira alardeavam: “Você pode ter um completo relato da guerra nos Castle Films!” e, com efeito, 37 matérias sobre a guerra foram editadas.
A Castle Films continuou a oferecer produtos escapistas para serem exibidos em família. Novos Terrytoons substituiram os velhos, e uma série de “Fun Cartoons in Color” apresentava personagens de livros infantís para as crianças. Seguindo o ditado, “se você não pode vencê-los, junte-se a eles”, a Soundies Distributing Corporation of America assinou contrato com sua rival em 1945. Os soundies eram filmes musicais de três minutos feitos para serem exibidos em juke boxes (vitrolas de pé de uns dois metros aproximadamente (Ver nosso artigo de 13 de fevereiro de 2012). Os soundies haviam sido lançados no mercado domiciliar antes, mas não na mesma escala da Castle. Gene selecionou 101 soundies, organizou as músicas por tema, e reuniu musicais em um rolo para todos os gostos. Esses musicais de um rolo tornaram-se conhecidos como “Castle Music Albums”, apresentados aos clientes pela primeira vez em 1946. Gene também se manteve ocupado na sala de edição e montou pessoalmente os rolos de “Football Parade”em meados dos anos quarenta.
Em 1945, os magnatas de Hollywood perceberam como era exitoso o campo de exibição domiciliar; o formato portável de 16mm tornara-se uma alternativa viável para o formato em 35mm adotado nos cinemas. Em áreas remotas ou subdesenvolvidas onde não existiam cinemas, um exibidor de 16mm poderia trazer o produto de Hollywood para um público pagante. O mercado institucional de escolas, bibliotecas, igrejas e grupos comunitários também usava filmes de 16mm.
Em 1947, a United World Films, Inc., a divisão da Universal Pictures para aluguel de filmes em 16mm, adquiriu a maioria das ações da Castle Films. Subsequentemente, a Castle tornou-se uma subsidiária da Universal, utilizando o acervo de filmes clássicos da Universal (v.g. de Abbott e Costello, W, C. Fields, Boris Karloff, etc.). A fusão com a Universal também deu acesso aos desenhos de Walter Lantz com o Picapau (Woody Woodpecker), Andy Panda, Oswald the Rabbit e Chily Willy. Quando a Universal foi comprada pela MCA, Inc. em 1962, a Castle ganhou acesso aos filmes sonoros da Paramount anteriores a 1950, lançando sequências dos grandes espetáculos de Cecil B. DeMille, comédias dos Irmãos Marx e outros. Nos anos cinquenta, os excertos da série de westerns de Hopalong Cassidy licenciada por William Boyd e cine-jornais montados com material filmado pela NASA de espaçonaves foram os mais vendidos nos anos sessenta.
Em 1977, a Castle Films mudou sua denominação para Universal 8, mas a era do video doméstico pôs um fim ao empreendimento da Universal no cinema em casa em 1984. Para se ter uma idéia de como o inventory da Castle Filmes era extenso (mais de 1000 filmes durante 40 anos), recomendo o livro de Scott McGillivray Castle Films: A Hobbyst Guide, iUniverse, 2004, de onde extraímos muitas informações.
A Castle Films teve uma concorrente, a Office Films, Inc., fundada por Leslie Winik em 1939, para produzir shorts educacionais e de entretenimento. Depois de comprar os filmes de Chaplin na Keystone, a companhia entrou no mercado domiciliar e obteve também muitos desenhos animados Van Beuren. A Official mudou o nome de Cubby Bear para Brownie Bear e os seus personagens humanos Tom e Jerry foram renomeados como Dick e Larry a fim de não serem confundidos com o gato e o ratinho dos cartoons da MGM. Além dos desenhos animados, a Official oferecia filmes esportivos, cine-jornais e specialties (exclusivos) como, por exemplo, um filme de lembranças da New York World’s Fair de 1939.
Durante os anos quarenta, Robert R. Young adquiriu a Official e obteve os direitos para exibição domiciliar dos westerns e filmes B da PRC produzidos por ele. A Official adquiriu ainda o acervo da Soundies Distributing Corporation of America, lançando numerosos musicais curtos.
No final dos anos quarenta, a companhia utilizou uma quantidade de curtas da Columbia Pictures inclusive Krazy Kat e Scrappy (desenhos), Community Sing (musicais) e comédias curtas estreladas por Buster Keaton, Charley Chase e outros. Os curtas da Columbia ficaram disponiveis durante os anos cinquenta juntamente com comédias curtas da Educational Pictures de E.W. Hammond.
No anos cinquenta, a Official ofereceu as comédias Our Gang de Hal Roach para exibição domicilar; devido aos conflitos envolvendo os nomes Our Gang (Os Peraltas) e The Little (Os Batutinhas), a Offcial rebatizou a série de Hal Roach’s Famous Kid Comedies.
No Brasil, a organização especializada em filmes de 16 mm mais famosa foi a Corrêa Souza Filmes, fundada em 1932 por João Corrêa de Souza. Sua empresa vendia aparelhos projetores de 16mm, alugava filmes e programas completos – educativos, recreativos e culturais – de longa ou pequena metragem. Os filmes eram exibidos em residências, clubes, fábricas, escolas e jantares assim como nas festas familiares de aniversário. O “Cinema em Casa” da Corrêa Souza Filmes constituia um motivo de grande atração e divertimento para pessoas de todas as idades, pois exibia filmes naturais (como se chamavam na época os documentários), desenhos, shorts musicais, comédias e filmes de longa metragem. Em 1997, a empresa mudou sseu campo de atuação, ganhando cada vez mais espaço no mercado de produção de eventos, sempre aproveitando a experiência adquirida com sua história.
Havia também, nos anos 50 / 60, filmotecas com um estoque de filmes de 16mm para aluguel ou empréstimo como, por exemplo, as da Mesbla, Citéra Ltda, Cine-Fornecedora, Embaixadas Americana, Canadense, Britânica e Francêsa INCE (Instituto Nacional de Cinema Educativo), Shell e outras.