Em 1935, sob a produção de David O. Selznick, Greta Garbo e Clarence Brown fizeram Anna Karenina / Anna Karenina, adaptação muito bem feita do romance de Tolstoi. Orientada delicadamente por Brown, a atriz deu vida à personagem trágica, por meio de uma interpretação que se destaca por um ar distante e um olhar frio, próprio de uma mulher forte que enfrenta as convenções sociais. Sem a preocupação de abranger todos os acontecimentos de uma obra literária bastante longa, Clemence Dane, Salka Viertel e S N Behrman (diálogos) conseguiram construir um roteiro tenso e compacto que, tratado por meio de uma linguagem cinematográfica impecável, flui maravilhosamente até o desfecho terrível.
Com valores de produção de primeira ordem – notável fotografia em preto e branco de William Daniels (indicado para o Oscar); direção de arte suntuosa de Cedric Gibbons e seus colaboradores; lindo score de Herbert Stothart acrescido de trechos de composições de Tchaikowky, entre elas o Romance op. 6, n. 6 (Apenas um Coração Solitário); figurinos luxuosos de Adrian; um bom elenco em torno da “Divina” (Fredric March, Basil Rathbone, Maureen O’Sullivan, Freddie Bartholomew etc.); e cenas antológicas (v. g. a primeira aparição de Anna saindo do meio da fumaça de uma locomotiva; o banquete; o encontro de Anna e Vronski no jardim sob um caramanchão florido; o baile; a corrida de cavalos no prado; Karenin dizendo ao filho angustiado que sua mãe está morta; a ópera com as danças folclóricas; o suicídio na estação de trem) – , este filme se impõe como um dos melhores do currículo do diretor.
Antes de ser emprestado para a Twentieth Century-Fox, Brown fez mais seis filmes na MGM: Fúrias do Coração / Ah! Wilderness / 1935, Ciúmes / Wife VS. Secretary / 1936, Mulher Sublime / The Gorgeous Hussy / 1936, O Romance de Madame Walewska / Conquest / 1937, Ingratidão / Of Human Hearts / 1938 e Este Mundo Louco / Idiot’s Delight / 1938
Comédia dramática nostálgica, baseada na peça de Eugene O’Neill, Fúrias do Coração retrata os problemas da adolescência e os valores familiares em uma pequena cidade do interior na Nova Inglaterra, acompanhando as angústias e confusões de um jovem idealista, Richard Miller (Eric Linden) durante o período que vai da sua formatura até o feriado do Quatro de Julho, no seu caminho para a idade adulta.
Richard mora com os pais (Lionel Barrymore, Spring Byington); sua irmã, Mildred (Bonita Granville); seus irmãos, o universitário Arthur (Frank Albertson) e o mais moço, Tommy (Mickey Rooney); a tia solteirona (Aline MacMahon), irmã da mãe de Richard; e o tio Sid (Wallace Beery), irmão do pai de Richard e alcoólatra desempregado – e o conflito tem início quando o pai da namorada de Richard, Muriel (Cecilia Parker), fica sabendo que o rapaz escreveu para sua filha uma “poesia inapropriada” (citando frases de Omar Khayám e Swinburne) e a obriga a desfazer sua amizade com ele. Revoltado, Richard vai para um bar, onde descobre o álcool e os artifícios de uma mulher de vida livre; porém, após ouvir os conselhos do tio Sid, ele percebe rapidamente que seu coração pertence a Muriel, e alcança a maturidade. Brown narra com bom humor esse rito de passagem, extraindo dos seus intérpretes a graça e humanidade necessárias; porém em certas passagens percebe-se algum resquício teatral.
Em Ciúmes, o tema banal e corriqueiro – as atenções de um editor, Van Stanhope (Clark Gable) para com sua dedicada secretária, Helen (Jean Harlow) despertam o ciume da esposa Linda (Myrna Loy), estimulado pela sogra (May Robson) – é valorizado pela direção sem tempos mortos de Brown e pelo desempenho do trio de astros. Ao contrário do que ocorre normalmente no tratamento desse triângulo, existe uma certa alquimia entre o patrão e sua datilógrafa, um ciúme que cresce no coração da esposa, mas isto não resulta em adultério. Van não está disposto a sacrificar sua felicidade conjugal com Linda e será justamente Helen que tentará reconciliar o casal, embora esteja ardendo de desejo pelo seu belo patrão. No final, tudo entra nos eixos com uma certa lucidez de cada uma das partes.
Mulher Sublime é um drama histórico enfocando a vida amorosa de Peggy O’Neal (Joan Crawford), sua amizade e influência sobre o Presidente dos Estados Unidos, Andrew Jackson (Lionel Barrymore). Os valores de produção são melhores do que o script com Crawford vestida elegantemente por Adrian e namorando um punhado de astros (Melvyn Douglas, Robert Taylor, Franchot Tone, James Stewart). Sente-se o toque poético de Brown nas cenas do relacionamento de Jackson com a esposa, muito bem interpretada por Beulah Bondi (indicada para o Oscar, juntamente com o fotógrafo George Folsey); porém a deficiência do roteiro prejudica o espetáculo, tornando-o monótono.
O Romance de Madame Walewska põe em relêvo o relacionamento amoroso entre a Condessa Maria Walewska (Greta Garbo) e Napoleão (Charles Boyer). Embora a História tivesse sido modificada pela necessidade de dramaturgia do filme, este conserva uma certa realidade histórica com relação aos lugares e aos acontecimentos. Brown, parte do princípio de que o público já conhece a História e, para não arrastar o andamento da narrative, faz alguns saltos no tempo, concentrando-se nos episódios em que há uma evolução real na relação entre Napoleão e Maria.
Dispondo de um orçamento vultuoso e apoiado por um equipe da qual fazem parte o Diretor de Arte Cedric Gibbons e seu associado William A. Harnung, o músico Herbert Stothart, o figurinista Adrian (que não dispensa as jóias de Eugene Joseff) e do experimentado fotógrafo Karl Freund, o diretor criou um espetáculo opulento e nas cenas íntimas prevalece a arte interpretativa de Greta Garbo e Charles Boyer, que estão presentes praticamente em todas as cenas. Ela, como sempre, enquadrada em formosos close-ups. “És um ser de carne e de sangue ou um fantasma vindo da neve?”, pergunta Napoleão àquela que será sua amante polonesa, quando a vê pela primeira vez. Porém, para os espectadores, a “Divina” surge logo no início do filme diante dos cossacos que invadiram o castelo de seu marido, sob as sombras expressionistas provocadas pelas luzes de Freund.
Uma cena bem forte ocorre quando Napoleão pretende se divorciar de Josefina e Maria fica grávida; ela vai contar ao imperador sobre o bebê, mas este lhe diz secamente que precisa se casar com a Arquiduquesa Maria Luísa da Austria, para ter uma dinastia. Porém há também um momento de humor quando a Condessa Pelagia (Maria Ouspenskaia), a tia senil de Maria, não reconhece o imperador, travando-se entre eles uma conversa hilariante enquanto os dois estão jogando cartas.
Em Ingratidão, na época da Guerra Civil americana, Jason Wilkins (James Stewart), deseja estudar medicina, mas enfrenta a resistência do pai, o pastor Ethan Wilkins (Walter Huston), que cria a família na pobreza, para servir de exemplo a seus paroquianos. Diante disso, a mãe, Mary Wilkins (Beulah Bondi) vende seus bens mais valiosos para financiar os estudos do filho. Jason vai para a Costa Leste e volta somente com a morte do pai. Em seguida, Jason se alista no exército da União e sua mãe não tem mais notícias dele. Desesperada, ela escreve ao presidente Lincoln (John Carradine), que se prontifica a ver o que aconteceu com Jason. Quando este é encontrado, o presidente repreende-o por ter sido um filho egoista, e o faz prometer que se reunirá à sua mãe, o que vem a acontecer.
Pintura consistente da América Rural do século XIX, esse drama histórico moralista originou-se de um projeto de estimação do diretor, e este o considerava um de seus melhores trabalhos. O filme, rodado principalmente em Lake Arrowhead, na Califórnia (onde o diretor de arte Cedric Gibbons supervisionou a construção de uma cidade de fronteira com cerca de 50 edificações, plantações de milho, hortas com repolhos, um cais e um barco a vapor), apresenta uma esplêndida foto em exteriores de Clyde de Vinna e proporcionou a Beulah Bondi uma indicação para o Oscar.
Este Mundo Louco é uma versão confusa e desarticulada de uma peça anti- fascista e em favor da paz de Robert E. Sherwood, ganhadora do Prêmio Pulitzer de 1936, que mistura comédia sofisticada com drama politico. No enredo do filme, o ator de vaudeville Harry Van (Clark Gable), veterano da Primeira Guerra Mundial, tenta voltar ao show business e acaba participando de um número de telepatia com uma inepta e alcoólatra, Madame Zuleika (Laura Hope Crews). Durante uma tournée em Omaha, ele conhece a acrobata Irene Fellara (Norma Shearer) e eles vivem um breve romance. Vinte anos depois, quando Harry excursiona pela Europa com um grupo de dançarinas, ele e suas companheiras se vêm retidos na fronteira de um país beligerante indeterminado, que está se preparando para as hostilidades da Segunda Guerra Mundial.
No hotel onde ficam isolados encontram-se também um grupo de viajantes, entre os quais um pacifista exaltado, Quillery (Burgess Meredith), um cientista que está pesquisando a cura do câncer, Dr. Hugo Waldensee (Charles Coburn), um casal inglês em lua-de-mel (Peter Willes, Pat Paterson), um alemão fabricante de armas, Achille Weber (Edward Arnold) e uma aristocrata russa expatriada, que se parece muito com a Irene de duas décadas antes. O duelo de ironias entre Gable e Shearer, a pose e o sotaque dela, e as expressões dele ao ouvir suas mentiras bem como o número musical de Gable cantando “Puttin’ on the Ritz” divertem, mas isso não basta para salvar o espetáculo.
Em 1938, a MGM emprestou Clarence Brown e Myrna Loy para a Twentieth Century-Fox (em troca de receber da Fox Tyrone Power para a filmagem de Maria Antonieta / Marie Antoinette / 1938), onde eles fizeram E As Chuvas Chegaram / The Rains Came / 1939, drama romântico-exótico inspirado no romance de Louis Bromfield com sequências espetaculares (um terremoto, uma inundação), premiadas com o primeiro Oscar a ser concedido na categoria Efeitos Especiais.
Em Ranchipur na Índia, durante uma festa no palácio do Marajá, Tom Ransome (George Brent) – cuja reputação de conquistador fascina a jovem Fern Simon (Brenda Joyce), filha de missionários americanos – reencontra uma antiga amante, que é agora Lady Edwina Esketh (Myrna Loy), por ter se casado com rico mas entediante Lord Esketh (Nigel Bruce). Após ter ficado a sós na recepção com Edwina em um encontro amoroso, Tom fica alarmado, quando percebe que ela decidiu conquistar seu amigo, o Major Safti (Tyrone Power), médico dedicado a ajudar os mais necessitados. As chuvas chegam e Ranchipur é abalada por um terremoto, que rompe as represas, provocando uma inundação, no decurso da qual Lord Esketh e o Marajá perdem suas vidas. Edwina se apresenta como voluntária para ajudar no hospital. Seu desprendimento faz com que o Major se apaixone por ela mas, quando Edwina se torna vítima da praga, ele não consegue salvá-la.
Brown apreciava uma fotografia bem brilhante, bem contrastada, e o fotógrafo Arthur Miller então lambuzou de óleo o cenário e os acessórios, obtendo assim um rendimento mais cintilante como o diretor queria. Uma cena serve como exemplo do instinto estético-cinematográfico formidável de Brown. Tom mostra o palácio a Edwina. Eles relembram o passado. Ele diz: ”Você ainda é encantadora. É excitante vê-la novamente. Belos close-ups de Myrna Loy. Relampeja um trovão, uma ventania balança as cortinas tênues da janela, cai a chuva, e a luz se apaga. Tom acende o isqueiro, que ilumina dois rostos cheios de paixão. Ela assopra a chama do isqueiro, e escurece.
Retornando à MGM, Brown realizou: Edison, O Mago da Luz / Edison, The Man / 1940, Aventura no Oriente / They Met in Bombaim / 1941, Pede-se um Marido / Come Live With Me / 1941, A Comédia Humana / The Human Comedy / 1943, Evocação / The White Cliffs of Dover / 1944 e A Mocidade é Assim Mesmo / National Velvet / 1944
Indicado ao Oscar de Melhor Roteiro Original, Edison, o Mago da Luz é o segundo filme de um par de cinebiografias descrevendo a vida de Thomas Alva Edison, lançado depois de O Jovem Thomas Edison / Young Tom Edison / 1940, estrelado por Mickey Rooney, que conta a história da juventude do grande inventor.
Boa parte do filme ficcionaliza ou exagera os acontecimentos reais, mas a interpretação de Spencer Tracy – beneficiado por uma leve semelhança física com o biografado – dá autenticidade à figura do retratado. A cena mais lembrada é a do pedido de casamento que Edison, no andar de baixo da fábrica, faz à Mary (Rita Johnson, que trabalha no andar de cima, usando o Código Morse, cujos sinais são “traduzidos” pelos seus companheiros de trabalho. Outro bom momento ocorre quando Edison explica a Mary o que é eletricidade até a chegada do policial e a frase do inventor:”Alguém sempre interfere na ciência”. Mais para o final, instalam-se duas cenas de suspense: uma, antes da invenção do fonógrafo e outra, que precede a invenção da lâmpada elétrica, notando-se nesta um esplêndido close-up de Tracy ao lado da lâmpada acesa.
Em Aventura no Oriente, Gerald Meldrick (Clark Gable) and Anya von Duren (Rosalind Russell) são ladrões de jóias rivais em atividade na Índia. Ambos estão atrás de um colar de diamantes de propriedade da Duquesa de Beltraves (Jessie Ralph). Para conquistar a confiança da duquesa, Gerald faz-se passar por um detetive da Lloyd’s de Londres enquanto Anya finge ser uma aristocrata. Anya consegue roubar a jóia, mas Gerald se apodera dela. Eles afinal se entendem e fogem juntos do inspetor de polícia Cressney (Mathew Boulton) em um cargueiro, onde são chantageados pelo Capitão Chang (Peter Lorre). Desvencilhando-se de ambos, desembarcam clandestinamente em Hong Kong. Gerald se disfarça de capitão das tropas britânicas, para roubar um chinês rico. Eventualmente enviado para uma expedição contra os japonêses invasores, é condecorado pelos seus atos de bravura. Entretanto, o inspetor acaba prendendo o casal de larápios, que já haviam se regenerado.
Nessa aventura cômico-romântica (que, na parte final, torna-se um filme de guerra), não há preocupação com a verossimilhança nem na intriga nem nos cenários (um oriente de fantasia e de pacotilha), nem nas situações. Mas a qualidade da realização, o rítmo imprimido à narrativa, e a dupla dinâmica formada por Clark e Rosalind, garantem uma hora e trinta e dois minutos de projeção agradáveis.
Na trama de Pede-se um Marido, Johnny Jones (Hedy Lamarr), refugiada austríaca nos Estados Unidos, deve ser expulsa do país, a não ser que se case com um cidadão americano. Bill Smith (James Stewart), um humilde escritor sem dinheiro, concorda em receber um “empréstimo semanal” para se casar com ela, salvando-a da deportação. Mas o que Smith não sabe é que Johnny é amante de um editor, Barton Kendrick (Ian Hunter). Este concorda com o matrimônio de conveniência enquanto tenta arrumar coragem para se divorciar de sua esposa (Verree Teasdale). Inspirado pelo seu relacionamento bizarro com Johnny, Smith resolve escrever um romance sobre isso. O manuscrito vai parar nas mãos de Kendrick, e este e sua esposa reconhecem os personagens retratados no livro. Seguem-se alguns acontecimentos, até que Johnny e Smith, depois de passarem um dia no campo na casa da avó de Smith (Adeline de Walt Reynolds), admitem que estão apaixonados um pelo outro.
Faltou vivacidade a esta comédia romântica, mas Stewart e Lamarr conseguem sustentar o interesse da platéia. Em uma cena, Bill e Johnny estão deitados em camas separadas por uma “Muralha de Jericó” reminiscente de Aconteceu Naquela Noite / It Happened One Night / 1934 e ele recita o poema de Christopher Marlowe que deu o título ao filme. Interessante a cena final, quando Johnny ilumina o rosto de Bill com uma lanterna, ele se levanta, e os dois se beijam por cima da “Muralha”.
O filme é significativo porque marcou o início do trabalho de Clarence Brown como produtor. Ele produziu e dirigiu Pede-se um Marido, como fez em mais seis filmes. Brown também produziu dois outros filmes, O Jardim Encantado / The Secret Garden / 1949 (Dir: Fred W. Wilcox) e Nunca Me Deixes Ir / Never Let Me Go / 1953 (Delmer Daves)
Embora tenha sido divulgado que A Comédia Humana foi baseado em um romance de William Saroyan, este autor apenas apresentou à MGM um argumento original, que serviu de base para o roteiro de Howard Eastabrook, e depois é que Saroyan escreveu o livro com base no dito argumento. O trabalho do escritor foi premiado com o Oscar de Melhor História Original. Houve ainda indicações para as categorias de Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Mickey Rooney) e Melhor Fotografia em preto e branco (Harry Stradling).
Em torno de uma linha de enredo que tem como centro Homer Macaulay (Mickey Rooney), um jovem entregador de telegramas, frequentemente contendo mensagens de condolência do Departamento de Guerra, transcorre uma série de cenas curtas dramáticas, cômicas ou poéticas, mostrando com muito sentimentalismo a repercussão do conflito mundial na frente doméstica, no caso, a pequena cidade de Ithaca da Califórnia.
Encenados com a simplicidade e a sensibilidade natural do diretor surgem alguns momentos encantadores: as crianças tentando roubar frutas, sendo cuidadosamente observadas, com uma alegria secreta, pelo ancião dono do pomar; o jantar no qual o telegrafista humilde (James Craig) subitamente descobre que a família e os amigos de sua namorada rica (Marsha Hunt), afinal são pessoas comuns e amáveis; a despedida gentil dos três soldados (Robert Mitchum, Don DeFore, Barry Nelson) que haviam saído com duas garotas locais (Donna Reed, Dorothy Morris); o menino Ulysses (Jackie “Butch” Jenkins) tendo uma crise de medo histérica ao ver um autômato em uma vitrine; a fascinação do “quatro olhos” Lionel (Darryl Hickman) pelos livros, quando percorre os salões da biblioteca com Ulysses; Homer lendo o telegrama fatídico para uma mãe mexicano-americana.
Baseado em um longo poema narrativo de Alice Duer Miller, Evocação é a história de Susan Dunn (Irene Dunne), jovem americana que visita a Inglaterra na companhia de seu pai (Frank Morgan), assim que irrompe o Primeiro Conflito Mundial. Ela se apaixona por um aristocrata inglês, Sir John Ashwood (Alan Marshall) e se casa com ele. Eles têm um filho, John (Roddy Mac Dowall), porém seu marido é morto na guerra. Em 1939, John (Peter Lawford) se alista. Ferido mortalmente em Dieppe, ele morre no hospital, onde sua mãe é enfermeira-chefe. Lady Ashwood compreende que esses sacrifícios são necessários para se construir um mundo novo.
Este filme de guerra é obviamente patriótico, feito especialmente para fortificar a amizade entre os americanos e seus aliados britânicos mas, apesar de seu clima dramático, inclui certos momentos de humor como os diálogos maledicentes entre Irene e os aristocratas britânicos e a irascibilidade do pai dela. Quando a narrativa ainda está nos anos trinta, uma cena causa arrepios: dois adolescentes alemães que fazem parte de um programa de intercâmbio, hospedados na casa de campo da família inglêsa, deixam escapar em uma conversa suas tendências nazistas, ponderando como aquele local seria perfeito para os planadores, transportando tropas alemãs, desembarcarem. Brown incutiu emoção na história e a fotografia de George Folsey – indicada para o Oscar – é realmente admirável.
Clássico “filme para a família”, adaptado do romance de Enid Bagnold, A Mocidade é Assim Mesmo, mostra a persistência e a coragem de uma jovem de Sussex, Inglaterra chamada Velvet Brown (Elizabeth Taylor), apaixonada por cavalos. Velvet conhece um jovem errante, Mi Taylor (Mickey Rooney) e o convida para jantar com sua família – sua mãe (Anne Revere), seu pai (Donald Crisp) e seus irmãos (Juanita Quigley, Angela Lansbury e Jackie “Butch” Jenkins) – que o abriga. Velvet ganha um cavalo em uma rifa, lhe dá o nome de Pie, e persuade Mi, que era um ex-jóquei, a ajudá-la a treiná-lo para disputar a principal corrida de obstáculos do país. Ao perceber que o jóquei que supostamente montaria Pie, não acredita nas possibilidades do animal, Velvet pede para Mi cortar seus cabelos bem curtos, a fim de que ela possa se passar por jóquei, mesmo sabendo que, se for desmascarada será desclassificada.
Brown narra os esforços da heroína com candura e calor humano, mostrando sua afinidade com o tema e os exteriores rurais, estes captados lindamente em Technicolor por Leonard Smith. A sequência da corrida deveu muito aos cuidados do montador Robert Kerne que, juntamente com Ann Revere, foi agraciado com o Oscar, tendo sido indicados ainda Brown, Leonard Smith e os responsáveis pela Direção de Arte: Cedric Gibbons e Urie McCleary.
Ainda nos anos quarenta, Clarence Brown realizou três filmes, Virtude Selvagem / The Yearling / 1946, Sonata de Amor / Song of Love / 1947 e O Mundo Não Perdoa / Intruder in the Dust / 1949, o primeiro e o terceiro dos quais podem ser considerados suas obras-primas no período sonoro.
Drama familiar sobre a infância e o fim da inocência, Virtude Selvagem começou a ser feito em 1941, com direção de Victor Fleming e Spencer Tracy, Anne Revere e Gene Eckman nos papéis principais; porém uma série de incidentes paralisaram a produção, que seria retomada cinco anos mais tarde sob o comando de Clarence Brown e com Gregory Peck, Jane Wyman e Claude Jarman Jr.
No entrecho, Jody (Claude Jarman Jr.), filho único de um casal de fazendeiros (Gregory Peck, Jane Wyman), habitantes de um lugar ermo nos Everglades da Flórida no século passado, vive em comunhão com a natureza. Ele se afeiçoa pelo filhote de uma corça, que fora morta por seu pai, porque este precisava dos orgãos dela, para curar uma mordida de cascável. O filhote cresce e devora as plantações de milho, ameaçando a família de fome. É preciso que Jody mate seu animal de estimação; sem ter coragem de fazer isso, sua mãe se encarrega da triste missão enquanto o menino foge de casa, amaldiçoando seus pais. Depois de uma longa escapada, Jody voltará ao seu lar, após ter passado da meninice para a maturidade.
Com a delicadeza de sempre, Brown reconstituiu, através de uma sucessão de episódios emocionais, a atmosfera terna e sensível do romance de formação de Marjorie Kinnan Rawlings, ganhador do Prêmio Pulitzer. A amizade de um menino por um animal e a descrição da natureza selvagem foram tratados pelo diretor com muito sentimento e senso cinematográfico (destacando-se uma caça ao urso espetacular por sua montagem e seus travelings alucinantes), servindo-se de uma equipe técnica de primeira qualidade, sem deixar que o excesso de música quebrasse a unidade do filme. Além do filme, Clarence Brown; Gregory Peck; Jane Wyman e Harod Kress foram indicados respectivamente para o Oscar de Melhor Diretor, Ator, Atriz, Montagem. Arthur E. Arling, Charles Rosher e Leonard Smith ganharam o Oscar de Melhor Fotografia em Cores e Cedric Gibbons e Paul Groese o de Melhor Direção de Arte.
Aceitando certas liberdades (assumidas na própria apresentação do filme) com os fatos verdadeiros e levando em conta de que se trata de uma produção típica de Hollywood dos anos quarenta, Sonata de Amor é uma cinebiografia romanceada e condensada bastante apreciável, graças à competente direção de Brown e à razoável autenticidade que o trio de intérpretes principal deu às personalidades dos três gênios da música. As cenas domésticas com a participação dos filhos de Clara (Katherine Hepburn) e Robert (Paul Henreid) Schumann e da sua governanta insatisfeita são bem divertidas. Um toque comovente é a admiração que cada um dos quatro musicistas – pois além de Brahms (Robert Walker), Franz Liszt (Henry Daniels) também entram na trama – têm pelo outro, e como se ajudam mutuamente.
A cena mais grandiosa é a da execução da música da ópera “Fausto”, quando Schumann enlouquece de vez; mas o filme tem mais um momento engraçado – quando Clara pula um trecho, executando ao piano “Carnaval”, para poder terminar logo o concêrto e ir amamentar seu sétimo filho récem-nascido – e, é claro, a música maravilhosa, com a intervenção de Arthur Rubinstein na dublagem.
Último grande filme de Clarence Brown e o melhor de sua carreira, O Mundo Não Perdoa teve como inspiração o romance de William Faulkner e uma recordação da sua adolescência, quando presenciou um dos distúrbios raciais mais sangrentos, ocorrido em Atlanta.
Em uma pequena cidade do Sul dos Estados Unidos, Lucas Beauchamp (Juano Hernandez), um orgulhoso proprietário de terras negro, é acusado do assassinato de um branco. Preso e ameaçado de ser linchado, ele encontra um apoio na pessoa de Chick Mallison (Claude Jarman Jr.), sobrinho do advogado John Gavin Stevens (David Brian). Acompanhado por uma velha senhora, Miss Eunice Habersham (Elizabeth Patterson), tão obstinada quanto ele na busca da verdade, e um amiguinho negro, Aleck Sander (Elzie Emanuel), Chick encontra a prova que inocenta Lucas – cujo filho o ajudara no passado. Com o auxílio de Stevens e do xerife (Will Geer) é preso o verdadeiro culpado: o irmão da vítima.
Brown trata esse drama social de uma maneira objetiva, tensa e sincera, usando uma estrutura narrativa de filme policial de mistério (que já existia no romance), para fazer com que o espectador participe da ação e solucione o crime, além de um estilo naturalista, que dá a impressão de realidade (a maior parte do filme foi rodada em Oxford, Mississipi – a cidade natal de Faulkner, reconhecida com a “Jefferson” do livro e o emprego de figurantes locais contribuiu para dar mais autenticidade ao espetáculo assim como o uso do som natural e a ausência de música).
O cineasta explorou ao máximo a fotografia em preto e branco de Robert Surtees, que é excelente, evocando perfeitamente o ambiente sulista, e conseguiu extrair do seu elenco sem astros interpretações impecáveis, destacando-se a de Juano Hernandez, que faz passar com inteligência a integridade firme, o porte altivo (quase arrogante) de seu personagem.
Entre os melhores momentos do filme destacam-se estes três: a peregrinação noturna inquietante dos dois rapazes e Miss Habersham para exhumar o corpo da vítima em um cemitério no meio do mato; a coragem de Miss Habersham sentada em uma cadeira, enfrentando a multidão racista impedindo-a de entrar na cadeia, mesmo quando o líder dos racistas despeja gasolina perto dela e ameaça acender um fósforo; a horda de cidadãos – que parece querer assistir ao linchamento como uma espécie de entretenimento – na expectativa de ver o que Crawford Gowrie (Charles Kemper), o irmão da vítima, vai fazer com Lucas; a retirada da turba, silenciosa e decepcionada – uma imagem mais poderosa do que qualquer discurso contra a intolerância e o fanatismo.
Clarence Brown encerrou sua carreira nos anos cinquenta com cinco filmes menos importantes: Agora Sou Tua / To Please a Lady / 1950; Anjos e Piratas / Angels in the Outfield / 1951; No Palco da Vida / It’s a Big Country /1951; Uma Aventura em Roma / When in Rome / 1952 e O Veleiro da Aventura / Plymount Adventure /1952.
Agora Sou Tua mostra um ás da corrida automobilística, Mike Brannan (Clark Gable) acusado por uma jornalista, Regina Forbes (Barbara Stanwick), de ter sido responsável por vários acidentes mortais; depois, os dois se apaixonam e ele, em Indianópols, às portas da vitória, joga o carro fora da pista para evitar o desastre como o carro de um companheiro. Em Anjos e Piratas forças celestiais ajudam o treinador Aloysius X. “Guffy” McGovern (Paul Douglas) de um time de beisebol, “Os Pittsburgh Pirates”, a ganhar o campeonato. Palco da Vida é um filme decantando as virtudes da democracia americana (Brown dirigiu Gary Cooper em um monólogo de cinco minutos, exaltando o Texas). Em Uma Aventura em Roma, o gangster Joe Brewster (Paul Douglas) foragido de San Quentin se faz passar por padre em Roma durante os festejos do Ano Santo; um padre de verdade, Padre Halligan (Van Johnson), ajuda-o a encontrar a fé.
A viagem do Mayflower trazendo os Puritanos para a América é o tema de Veleiro da Aventura, em cuja trama o capitão Christopher Jones (Spencer Tracy) desdenha de seus passageiros, tenta seduzir uma mulher casada, Dorothy Bradford (Gene Tierney), e é indiretamente responsável por seu afogamento; depois se redime, ajudando a colônia a sobreviver no Novo Mundo. Em todos esses filmes Brown esforçou-se para garantir um bom entretenimento, mas não não conseguiu reviver os bons tempos de um império – a MGM – em desintegração.