Ele foi um dos mais importantes e prestigiosos atores do cinema americano durante os anos 30. Mais tarde, especializou-se em interpretar figuras históricas tais como Émile Zola, Juarez e Louis Pasteur, alternando sua carreira entre a Broadway e Hollywood. Muni se dedicava intensamente a cada papel, mudando sua voz, seu corpo e até seu rosto, e por sua predileção para se esconder sob a maquilagem, foi chamado de “O Novo Lon Chaney”. Embora tivesse atuado em apenas 23 filmes, recebeu cinco indicações para o Oscar da Academia, ganhando uma vez como Melhor Ator em A História de Louis Pasteur / The Story of Louis Pasteur / 1936.
Paul Muni
Mehilem Meyer Weisenfreund nasceu no dia 22 de setembro de 1895 em Lemberg, Galicia, província do Império Austro-Húngaro, hoje denominada Lviv na Ucrânia. Seus pais, Salche e Nachum Favel Weisenfreund, eram atores itinerantes, formando uma dupla (ambos interpretando papéis masculinos, pois mulheres no palco ainda eram mal vistas) em um vaudeville ídiche, que incluia esquetes, canções e danças. O casal teve três filhos antes de Mehilem. Um morreu ao nascer. Joseph nasceu em junho de 1891. Elias, em agosto de 1892, ambos em Budapest. Traduzido para o inglês, Mehilem seria Michael. Mas seus progenitores preferiram usar o apelido austríaco de Muni.
De Budapest, os Weisefreunds foram para a Inglaterra, onde conseguiram, com o auxílio de um lojista admirador do tipo de espetáculo que faziam, abrir um teatrinho em Whitechapel. Este, no entanto, foi muito prejudicado pela luta de guangues rivais em frente ao prédio, causando inclusive a morte de uma pessoa, e a família então decidiu ir para a América. O pai foi o primeiro a partir e, assim que conseguiu dinheiro com a ajuda de um parente em Nova York, mandou as passagens para o resto da família, instalando-se todos no Lower East Side em 1901. Três anos depois, a família se mudou para Cleveland.
Nesta cidade, Muni apareceu pela primeira vez em um palco, no Perry Theatre, um nickelodeon que oferecia sessões contínuas durante todo o dia, de onze horas da manhã até as onze horas da noite. Enquanto os pais se apresentavam entre as exibições de filmes mudos de um rolo, Muni e seus irmãos, no poço da orquestra, providenciavam o acompanhamento musical e/ou a sonoplastia, Joseph tocando piano e os outros dois, seus violinos. Posteriormente, os pais se integraram no Teatro Ídiche e, em 1908, Muni, ainda adolescente, juntou-se a eles, interpretando personagens muito mais velhos, disfarçando sua pouca idade por meio da maquilagem.
Certo dia, o pai resolveu que a família iria para Chicago em busca de melhores oportunidades. Ele alugou um teatro na Twelfth Street (depois Roosevelt Road) e deu o nome de Weisenfreund’s Pavilion Theatre. Eles passaram a apresentar peças inteiras e contrataram um outro ator chamado Adolph Gertner, que atuava alternativamente como ponto, carpinteiro, ator e porteiro. Aliás, todos os membros da família Weisenfreund desempenhavam tarefas múltiplas.
Nessa época, Muni sofreu um grande drama: seu pai descobriu que sua mãe tinha um amante, ficou doente, e faleceu pouco depois. Após o funeral, a mãe de Muni foi para Toronto na companhia do novo companheiro, e seus irmãos passaram a trabalhar como músicos, tocando em casamentos e Bar Mitzvahs. Adolph Gertner comprou o teatro e mudou o nome para Gertner’s Pavilion Theatre. Ele ofereceu emprego para Muni, mas este recusou. Preferiu aceitar o convite dos Grossman, donos do Teatro Casino, que rivalizava com o Wiesefreund’s, para integrar sua trupe itinerante. O jovem ator não se esqueceu de levar consigo o seu estojo de maquilagem, a fim de interpretar os mais variados papéis de idosos barbudos e, ocasionalmente, velhas com bigodes.
Em 1919, o talento de Muni foi reconhecido por Maurice Schwartz, que o levou para o seu Yddish Art Theatre em Nova York, e ele se tornou uma grande atração durante os anos vinte. Porém foi somente em 1926, quando estava com 31 anos de idade e havia trabalhado no teatro ídiche durante dezoito anos em mais de trezentos papéis diferentes, que Muni estreou na Broadway em uma peça de língua inglêsa, “We Americans”, fazendo o papel de um imigrante judeu de meia idade, Morris Levine. Pouco tempo depois a peça foi comprada pela Universal Pictures, mas foi George Sidney o escolhido para o papel de Levine no filme A Alma de uma Nação / We Americans / 1928. O diretor Edward Sloman explicou que Muni não foi selecionado, porque sua maquilagem de homem de meia idade poderia não ser convincente na tela. Poucos anos depois, Muni se tornaria um grande astro na Warner, célebre por suas maquilagens.
Quando os talkies revolucionaram a indústria cinematográfica, os estúdios começaram a contratar atores-capazes-de-falar. Um velho amigo de Muni, Albert Lewis, executivo da Fox Films em Nova York, providenciou um teste com o ator, que havia impressionado o vice-presidente da companhia, Wilfrid Sheehan, por sua atuação na peça “Four Walls”, grande sucesso no meio teatral.
Muni foi contratado pela Fox, teve o nome artístico mudado para Paul Muni, e seu primeiro filme, The Valiant / 1929 (Dir: William K. Howard), proporcionou-lhe a primeira de suas indicações para o Oscar da Academia; porém não teve bom resultado na bilheteria. O mesmo ocorreu com seu segundo filme, O Amigo de Napoleão / Seven Faces / 1929 (Dir: Berthold Viertel), no qual Muni usava sua habilidade com a maquilagem para interpretar seis personagens diferentes: Papa Chibou, Diablero, Willlie Smith, Franz Schubert, Don Juan, Joe Gans (um boxeador negro) e Napoleão. Desiludido por causa do fracasso financeiro desses espetáculos e insatisfeito com os papéis que o estúdio estava lhe oferecendo, Muni retornou à Broadway
Cartaz de O Amigo de Napoleão
Após ter trabalhado em três peças que não lhe satisfizeram, foi chamado por Howard Hawks para fazer um teste em Nova York; aceitou, não para convencer o produtor Howard Hughes, mas a si próprio, de que era o ator certo, para o papel que lhe caberia em Scarface: a Vergonha de uma Nação / Scarface / 1932. Como Muni achava que não tinha um tipo físico suficientemente forte para interpretar um gangster, Hawks mandou fazer um terno com ombreiras e sapatos com saltos mais altos para ele, a fim de lhe dar uma aparência mais corpulenta. Um quarteto notável de roteiristas – Ben Hecht, W. R. Burnett, John Lee Mahin, Seton I. Miller – adaptou o romance de Armitage Trail baseado na vida de Al Capone, aqui rebatizado de Tony Camonte, e interpretado magníficamente por Paul Muni. Hecht declarou que pretendia mostrar Camonte e a irmã Cesca (Ann Dvorak) como equivalentes na Era da Proibição a César e Lucrécia Borgia, embora no filme esta analogia nunca se tornou explícita. A fotografia de Lee Garmes, o elenco afinadíssimo que incluia ainda George Raft, Osgood Perkins (pai de Anthony Perkins), Boris Karloff e a vivacidade cinematográfica de Hawks, eram outros trunfos do espetáculo. Scarface se tornou um clássico do filme de gangster, súmula de tudo o que já havia sido feito e modelo do que ainda se faria no gênero.
Vince Barnett, Paul Muni e Karen Morley em Scarface
George Raft e Paul Muni em Scarface
Paul Muni e Ann Dvorak em Scarface
Cena de Scarface
Osgood Perkins, Paul Muni e Karen Morley em Scarface
Paul Muni em Scarface
O grande problema com o filme ocorreu com o Código Hays. Eles exigiram a mudança do título, sugerindo Vergonha de uma Nação, dezenas de cortes, a inclusão de uma cena na qual o gansterismo é denunciado solenemente, e uma montagem inteiramente nova, mostrando o vilão sendo julgado e enforcado, em vez de ser abatido a tiros na sarjeta. Hughes cedeu, vários cortes foram feitos, o título foi eufemizado, e muitas cenas (não dirigidas por Hawks) foram adicionadas. Mesmo assim, o filme foi proibido pela New York State Board. Hughes recorreu à justiça, ganhou a causa, lançou o filme com o título original, e restaurou os cortes, deixando apenas uma cena censurada pelo Código Hays intacta. Scarface estreou no Strand Theatre em Nova York, quase um ano depois da filmagem ter sido completada.
Durante o ano em que o filme ficou banido, Muni aumentou seu prestígio artístico na peça “Counsellor at Law”, interpretando o papel de George Simon, advogado judeu de Nova York, que começa a questionar sua ascenção profissional, quando descobre a infidelidade da esposa, chegando quase ao suicídio. O personagem seria encarnado no cinema de modo igualmente primoroso por John Barrymore em O Conselheiro / The Counsellor / 1933.
Paul Muni em O Fugitivo
Cena de O Fugitivo
Paul Muni em O Fugitivo
Cena de O Fugitivo
Cena de O Fugitivo
Paul Muni e Glenda Farrell em O Fugitivo
Helen Vinson e Paul Muni em O Fugitivo
Na primavera de 1932, Muni estava com dois sucessos, Scarface na tela e “Counsellor at Law” no palco, quando a Warner o chamou para fazer O Fugitivo / I Am a Fugitive from a Chain Gang / 1932, drama social dirigido por Mervyn LeRoy e baseado em uma história real. O personagem de Muni, James Allen, um veterano da Primeira Guerra Mundial, desempregado, é envolvido inocentemente em um roubo. Preso, ele é submetido às crueldades desumanas de uma prisão do Sul dos Estados Unidos, consegue fugir, e, adotando um novo nome, torna-se um construtor respeitável em Chicago. Marie (Glenda Farrell), sua locadora, descobre a verdade sobre ele e o chantageia, obrigando-o a se casar com ela. O casamento é um desastre. Uma noite, James conhece Helen (Helen Vinson) e os dois se apaixonam. Ele pede o divórcio de Maria, mas ela recusa e, por vingança, o denuncia. A prisão do Sul lhe oferece o perdão em noventa dias, caso ele se entregue. Desejando limpar seu nome antes de se casar com Helen, James concorda; porém quando chega ao Sul, descobre que eles o enganaram. Depois que seu pedido de perdão é recusado duas vêzes, ele escapa de novo da cadeia e passa a viver como um fugitivo desesperado. Por meio de uma narrativa fluente e um vigor dramático acompanhamos a trajetória do protagonista até um dos finais mais belos e amargos do Cinema, quando ele consegue se encontrar com Helen à noite, em um local deserto, e ela lhe pergunta: “De que você está vivendo?” Ele responde: “Eu roubo”, e desaparece nas trevas. Muni teve sua segunda indicação para o Oscar de Melhor Ator .
O contrato de Muni e a Warner Bros. lhe dava o direito de aprovação dos scripts e ele se tornou extremamente seletivo na aceitação dos mesmos. Muni era um perfeccionista obsessivo e podia passar mêses pesquisando sobre seu personagem e preparando sua atuação. No set, ele dependia quase que totalmente do conselho e opiniões de sua esposa Belle, também atriz de teatro, com quem se casara em 1921. Se por acaso Belle não aprovasse determinada tomada, esta teria que ser refilmada.
A Warner anunciou Muni como “O Maior Ator do Mundo” e em seguida o colocou em uma série de filmes para provar isso: A Humanidade Marcha / The World Changes / 1933 (Orin Nordholm Jr., fazendeiro ambicioso torna-se um pioneiro no transporte de carne em caminhões frigoríficos, alcançando sucesso financeiro, mas fracassando na sua vida particular no decorrer de muitas décadas); Olá, Nellie! / Hi, Nellie / 1934 (Samuel Bradshaw, editor combativo é rebaixado para a seção de consultório sentimental de um jornal, porque não quís abrir mão de seus princípios, e acaba desvendando um caso de corrupção); A Barreira / Bordertown / 1935 (Johnny Ramirez, causídico mexicano expulso da Ordem dos Advogados, torna-se sócio de uma buate, e vem a ser acusado de um crime cometido pela mulher do seu sócio); Inferno Negro / Black Fury / 1935 (Joe Radek imigrante, operário de uma mina de carvão, iludido por uma nebulosa organizacão, prejudica os companheiros de sindicato, e depois se redime), e Dr. Sócrates / Dr. Socrates / 1935 (Dr. Lee Caldwell, médico de uma cidade pequena vê-se involuntariamente envolvido com gangsters, e acaba entregando-os à policia).
Paul Muni e Bette Davis em A Barreira
Paul Muni e Karen Morley em Inferno Negro
Ann Dvorak e Paul Muni em Dr. Sócrates
Por sua atuação em Inferno Negro, Muni chegou em segundo lugar na disputa pelo Oscar de Melhor Ator de 1935 (ganho por Victor MacLaglen), levando-se em conta os write-in votes, que eram permitidos na época, ou seja, os eleitores da Academia podiam escrever na cédula de votação o nome de atores que não tivessem sido indicados. Os write-in votes só perduraram por dois anos, 1935 e 1936. Em Dr. Sócrates Muni ficou conhecendo seu diretor William Dieterle, sob o comando do qual criaria três clássicos da cinebiografia: A História de Louis Pasteur/ The Story of Louis Pasteur / 1936, Émile Zola / The Life of Emile Zola / 1937 e Juarez / Juarez / 1939.
Somente por insistência de Muni, que tinha o direito de dar a palavra final sobre o argumento de seus filmes, Jack Warner autorizou a produção de A História de Louis Pasteur. Dieterle narrou a trajetória do célebre químico francês de maneira direta e acessível, respeitando os fatos históricos e Muni personificou soberbamente o biografado, conquistando o Oscar. O filme foi indicado para o troféu da Academia, agradou aos críticos e ao público, convencendo Jack Warner de que novas cinebriografias com o ator seriam do agrado popular.
Paul Muni em A História de Louis Pasteur
Paul Muni na cerimônia do Oscar ao lado de Luise Rainer e Frank Capra
Émile Zola ganhou o Oscar de Melhor Filme e deu a Muni mais uma indicação para o troféu de Melhor Ator. A cena mais contundente é a do julgamento de Alfred Dreyfuss, na qual Muni brilha intensamente, discursando em favor do oficial judeu injustamente acusado. Graças ao extraordinário talento do ator, bastou um único take para que Dieterle se desse por satisfeito. Muni leu tudo o que encontrou a respeito de Zola, cada palavra das transcrições do julgamento de Dreyfus e muitos romances do escritor em traduções. Na sua pesquisa, descobriu alguns gestos famosos e idiosincrasias de Zola: seu andar com os ombros caídos, uma risada excêntrica, o modo pelo qual ele enfiava seu guardanapo sob seu colarinho, como colocava suas mãos para a frente e dava uma batidinha no seu estômago pensativamente. Um dia Muni irrompeu no departamento de pesquisa do estúdio. “Quero saber mais”, ele disse. “Mas Mr. Muni, nós lhe demos tudo que pudemos encontrar sobre Zola”. “Acho que conheço Zola agora”, Muni respondeu, impacientemente. ”Quase. Quase. Agora desejo conhecer algo sobre seus antepassados” (cf. Jerome Lawrence em Actor – The Life and Times of Paul Muni, W.H. Allen, 1975).
Paul Muni em Émile Zola
Paul Muni em Émile Zola
No terceiro papel cinebiográfico, Muni assumiu as feições de Benito Juarez, chamado de o Lincoln mexicano por causa de sua luta para libertar seu país dos interesses imperiais europeus. No script original havia uma preocupação em dar igual importância às figuras do líder revolucionário e do Imperador Maximiliano e sua esposa Carlota, que Napoleão III colocou no trono do México. A certa altura da produção, o script foi reformulado para encurtar os papéis de Brian Aherne (Maximiliano) e Bette Davis (Carlota) e dar mais força ao de Muni. Mesmo assim, Aherne quase conseguiu ofuscar Muni, personificando com muita propriedade o trágico príncipe austríaco. Aherne foi indicado para o Oscar. Quando a Warner realizou Juarez, o mexicano Miguel Contreras Torres acionou a companhia, alegando que o filme era um plágio da sua produção, Juarez y Maximiliano / 1934. A Warner perdeu a ação e ainda se viu obrigada a distribuir o filme mexicano. Para isso, elaborou uma versão em inglês, exibida no Brasil como A Imperatriz Louca / The Mad Empress, sob a marca Vitagraph, tendo no elenco Conrad Nagel, Evelyn Brent, Lionel Atwill e a atriz austríaca Medea de Novara.
Paul Muni em Juarez
No intervalo entre essas cinebiografias, Muni foi emprestado para a MGM para interpretar o papel de um chinês em Terra dos Deuses / The Good Earth / 1937, baseado no romance de Pearl S. Buck. Os efeitos especiais a cargo de James Basevi eram especialmente notáveis na famosa sequência da praga de gafanhotos. Os técnicos começaram usando cenas de cinejornal de uma praga de gafanhotos ocorrida na África, porém o diretor Sidney Franklin não ficou satisfeito com estas tomadas de arquivo. Por sorte, ocorreu outra praga, desta vez em Utah, exatamente na ocasião da filmagem. Os cinegrafistas do estúdio foram para lá e trouxeram não somente tomadas de milhões de gafanhotos, mas também vários barris com os insetos vivos, para jogá-los sobre os atores. Paul Muni e Luise Rainer tiveram grandes desempenhos como o pobre camponês Wang e sua devotada mulher O-Lan, mas somente Luise foi indicada para o Oscar. Muni provavelmente também seria indicado mas, pelas regras então em vigor na Academia, só podia haver uma indicação por ano para cada categoria, e ele já havia sido indicado por Émile Zola.
Paul Muni e Luise Rainer em Terra dos Deuses
Luise Rainer e Paul Muni em Terra dos Deuses
Muni foi também emprestado para a RKO, onde fêz Inferno entre Nuvens / The Woman I Love / 1937, cujo roteiro foi extraído do romance de Joseph Kessel, que havia servido de base para Tripulantes do Céu / L’équipage / 1935, estrelado por Annabella, Charles Vanel e Jean-Pierre Aumont. A RKO contratou o mesmo diretor do filme francês, Anatole Litvak, e colocou Muni no papel de Charles Vanel, Miriam Hopkins no papel de Annabella e Louis Hayward no papel de Jean-Pierre Aumont, o triângulo amoroso formado entre dois aviadores da Primeira Guerra Mundial e a esposa de um deles.
Após Juarez, Muni interpretou seu papel favorito em Não Estamos Sós / We Are Not Alone / 1939: o do médico do interior, Dr. David Newcome, que, na Inglaterra durante a Primeira Guerra Mundial, é acusado de matar a mulher e ter um caso amoroso com uma governante austríaca. Ele, Jane Bryan (como a amante) e Flora Hobson (como a esposa) tiveram atuações impecáveis e Goulding reproduziu satisfatoriamente o ambiente britânico do romance de James Hilton.
Jane Bryan e Paul Muni em Não Estamos Sós
Entretanto, nem Juarez nem Não Estamos Sós tiveram bom êxito comercial e Muni voltou mais uma vez à Broadway, na peça de Maxwell Anderson, “Key Largo”, grande sucesso no palco, depois filmada por John Huston. Ao retornar a Hollywood, rompeu seu contrato com a Warner, quando o estúdio, em vez de produzir a cinebiografia de Beethoven (que ele tanto insistira para ser filmada), lhe ofereceu o papel de um fugitivo da justiça, que se escondia nas montanhas da Califórnia. Humphrey Bogart aceitou o papel que Muni recusou; O Último Refúgio / High Sierra / 1941 elevou Bogart ao estrelato.
Paul Muni em O Renegado
Pouco depois, Muni assinou contrato com a Twentieth Century-Fox, para fazer, sob as ordens de Irving Pichel, O Renegado / Hudson’s Bay / 1941, no qual ele era Pierre Radisson, caçador de peles franco-canadense imiscuido na aventura semihistórica da criação da Hudson’s Bay Company. O ator, como sempre, construiu seu personagem com muito esmêro, inclusive aprendendo a falar o dialeto franco-canadense. Porém de nada adiantou seu esfôrço, porque apesar dos altos valores de produção, a narrativa era estática e enfadonha.
Cornel Wilde, Merle Oberon e Paul Muni em A Noite Sonhamos
Na década de quarenta, Muni trabalhou no teatro e no rádio e participou de mais cinco filmes: Os Comandos Atacam de Madrugada / Commandos Strike at Dawn / 1942, de John Farrow, como Eric Torensen, um patriota norueguês, neste filme de resistência aos nazistas com um assunto interessante e boas cenas de ação; Noivas de Tio Sam / Stage Door Canteen / 1942 de Frank Borzage, como ele mesmo em uma breve aparição no meio de um elenco astros e estrelas do teatro e do cinema, neste musical patriótico para o esforço de guerra; A Noite Sonhamos / A Song to Remember / 1945 de Charles Vidor compondo com exagero a figura de Józef Elsner, professor de Frédérick Chopin (Cornel Wilde), nesta cinebiografia bem sucedida financeiramente, embora histórica e artisticamente duvidosa; Alma Russa / Counter-Attack / 1945, de Zoltan Korda, como Alexei Kulkov um paraquedista soviético que mantém em cheque sete prisioneiros nazistas em um porão subterrâneo, neste drama de guerra clautrofóbico cheio de suspense; Eu e o Sr. Satã / Angel on my Shoulder / 1946, de Archie Mayo, como o gangster Eddie Kagle, que depois de morto Satã (Claude Rains) faz retornar à terra no corpo do juiz Frederick Parker, nesta comédia-dramática fantástica enriquecida pelos contrastes divertidos e pela interpretação dos dois excelentes atores.
Após ter desistido da idéia de estrelar uma cinebiografia de Alfred Nobel, por dificuldade de encontrar um produtor e pelos rumores de que o inventor da dinamite seria homossexual (tal assunto seria impossível de ser filmado na época), Muni atuou no seu primeiro drama televisivo, repetindo o papel de George Simon em “Counsellor at Law” no programa Philco Playhouse (1948) e, dirigido por Elia Kazan, apresentou-se em Londres como Willy Loman na peça “Death of a Salesman” de Arthur Miller (1949).
Paul Muni, o diretor Joseph Losey e o fotógrafo Henri Alekan na filmagem de O Homem Que O Mundo Esqueceu
Em 1952, Muni atuou em uma produção ítalo-americana, que pretendia fazer, no molde neorealista, duas versões: uma, para lançamento na América como Embarkation at Midnight e outra, para ser lançada na Itália como Imbarco a Mezzanotte. O filme exibido na América, onde recebeu finalmente o título de O Homem que o Mundo Esqueceu / Stranger on a Prow, foi produzido por Bernard Vorhaus e John Weber, dirigido por Joseph Losey e escrito por Ben Barzman, cineastas que rumaram para a Europa depois da caça às bruxas anti-comunista. De modo que os créditos saíram assim: “Produzido por Noel Calef (i.e. Vorhaus-Weber), dirigido por Andrea Forzano (i.e. Joseph Losey), roteiro de Andrea Forzano (i.e. Ben Barzman)”.
Cena de O Homem Que O Mundo Esqueceu
Neste filme, que tem traços de O Fugitivo e uma mensagem contra a injustiça, Muni interpreta, com uma humanidade tocante, um homem que perambula pelas ruas, possuindo como seu único bem um revólver. Um menino italiano se encontra perto dele na porta de uma leiteria. O homem havia matado a dona do estabelecimento, para matar sua fome com um queijo; o menino roubara uma garrafa de leite, por ter perdido o dinheiro que sua mãe lhe dera. Os dois culpados, perseguidos pela polícia, fogem, e se escondem. O homem será abatido pelos policiais, após ter salvo o menino em perigo de morte. Muni provou que o cinema ainda precisava dele.
Entretanto, somente sete anos depois, ele retornaria à tela em Rebeldia de um Bravo / The Last Angry Man, convocado para diante das câmeras por Daniel Mann pela última vez, interpretando o papel do Dr. Samuel Abelman, um médico que praticava a medicina em uma comunidade pobre, habitada na sua maioria por negros. Seu desempenho mereceu uma quinta indicação para o Oscar de Melhor Ator.
Antes disso, obteve seu maior triunfo na Broadway como Henry Drummond, o personagem inspirado em Clarence Darrow na peça “Inherit the Wind” (que Spencer Tracy faria na versão cinematográfica de Stanley Kramer), uma interpretação notável que lhe deu o Tony Award. Durante essa temporada, ele teve que deixar temporariamente o espetáculo, para ter um olho removido por causa de um tumor.
Paul Muni, no teatro em Inherit the Wind
Após Rebeldia de um Bravo, Muni, com problemas de saúde, retirou-se do teatro e do cinema e só saiu da aposentadoria em 1962, para comparecer, como artista convidado, em um dos episódios da série Saints and Sinners.
Paul Muni faleceu no dia 25 de agosto de 1967 em Santa Bárbara, Califórnia, e atingiu a imortalidade nas mentes daqueles que o viram representar.