Ele foi um dos atores dramáticos mais eminentes do cinema de Weimar desfrutando de um enorme sucesso internacional no final dos anos vinte, antes de emprestar seus serviços ao Terceiro Reich.
Theodor Friedrich Emil Janenz nasceu no dia 23 de julho de 1884 em Rorschach, Suiça, filho de pai americano e mãe alemã. Posteriormente a família morou em Leipzig e depois Görlitz. O pai viajava muito e eventualmente abandonou sua esposa e seus quatro filhos.
Após uma breve experiência na marinha mercante aos quinze anos de idade, Jannings começou seu treinamento na ribalta no Görlitz Stadttheater em 1900, trabalhando em companhias itinerantes entre 1901 e 1914. Neste ano retornou a Berlim e assumiu compromissos em vários teatros de Max Reinhardt em 1915/16, no Königliches Schauspielhaus em 1918, e no Deutsches Theater até 1920.
Jannings estreou no cinema no filme de propaganda Im Schützengraben / 1914, seguindo-se: Frau Eva / 1915-16; Im Angesicht des Toten; Der Morphinist; Aus Mangel an Beweisen; Passionels Tagebuch; Das Leben ein Traum; Stein under Steinen; Nächte des Grauens; Der 10, Pavillon der Zitadelle; Die Bettlerin von St. Marine; Unnheilbar (todos de 1916); Hoheit Radieschen / 1916-17; Die Ehe der Luise Rohrbach / 1916-17; Kinder des Ghettos / 1917-18; Das Geschäft; Gesühnte Schuld; Lulu; Wenn vier dasselbe tun; Das fidele Gefängnis; Der Ring der Giuditta Foscari (todos de 1917); Nach zwanzig Jahren / 1917-18; Der dunke Weg; Keimendes Leben (2 partes); Die Augen der Mumie Mâ; Der Mann der tat (todos de 1918). Desta fase, somente Die Ehe der Luise Rohrbach e Die Augen der Mumie Mâ foram exibidos no Brasil com os títulos em português respectivos de Os Dois Maridos de Mme. Ruth (ou Senhora Ruth ou Dona Ruth) e A Múmia, este o mais importante, porque foi dirigido por Ernst Lubitsch.
A partir de 1919, Jannings começou a adquirir reputação internacional, atuando em uma série de dramas nos quais interpretava personagens imponentes da História como Louis XV (Madame Dubarry / Madame Dubarry / 1919 de Ernst Lubitsch); Henrique VIII (Anna Boleyn ou O Barba Azul Coroado / Anna Boleyn / 1920, também de Lubitsch); Danton (Danton / Danton / 1921); Pedro, o Grande (Pedro, o Grande / Peter der Grosse / 1922); Harun-al-Rashid (Figuras de Cêra / Das Wachsfigurenkabinett / 1923); Nero (Quo Vadis? / Quo Vadis? / 1923-24) ou da Literatura como Dimitri Karamázof (Die Brüder Karamasoff / 1920); Otelo (Otelo / Othello / 1921-22); Tartufo (Tartufo / Tartuff / 1925) e Fausto (Fausto / Faust / 1925-26, ambos de F.W. Murnau).
Entre esses, fez outros filmes: Colombina ou Estrela Cadente / Colombine / 1919; Die Braut des Apachen; Vendeta / Vendetta; Die Tochter des Mehemed; Rosa / Rose Bernd; Das Grosse Licht; As Filhas de Kohlihesel / Kohlhiesels Tötcher); Algol; O Craneo da Filha do Faraó ou A Filha do Faraó / Der Schädel der Pharaonentocher / 1920; O Chacal Amoroso / Der Stier von Olivera / 1920-21; Der Schwur des Peter Hergatz / 1921; Die Ratten; Amores de Faraó / Das Weib des Pharao (todos de 1921); A Divina Comédia do Amor / Tragödie der Liebe (4 partes) / 1922-23; Du solist nicht töten; Alles für Geld (ambos de 1923), sobressaindo As Filhas de Kohlihesel, variação em tom de farsa de A Megera Domada de Shakespeare e Amores de Faraó, fantasia histórica evocando o Egito antigo, ambos sob direção de Lubitsch. No primeiro, Jannings era Peter Xaver; no segundo, o Faraó Amenes.
A consagração mundial de Jannings solidificou-se em 1924-25, quando emergiram duas obras-primas às quais ele dedicou seu enorme talento: A Última Gargalhada / Der letzte Mann de F.W. Murnau e Varieté / Varieté de E.A. Dupont, nas quais interpreta, pela ordem, o porteiro pomposo de um grande hotel rebaixado para a condição de encarregado do lavatório e o presidiário Stephan Huller, ex- trapezista de circo traído pela amante e assassino de seu rival. Nesses mesmos anos fez ainda: Maridos e Amantes / Nju; Eine unverstandene Frau; Gesünthe Schuld; Seja a Amante de seu Próprio Marido / Liebe macht blind (no qual Jannings faz uma ponta aparecendo como ele mesmo em uma cena passada em um estúdio).
Corpulento, projetando uma presença enorme na tela, Jannings era uma figura trágica ideal. Graças ao seu sucesso estrondoso nos filmes de Murnau e Dupont, a Paramount contratou-o por três anos, apesar de seus ataques histéricos e de sua fama de “destruir” as performances de seus colegas com seus exageros histriônicos.
Em 4 de outubro de 1926, ele partiu da cidade portuária de Cuxhaven na Alemanha com destino a Hollywood, onde os estúdios costumavam preparar uma espécie de lenda para seus astros estrangeiros. Como seu verdadeiro local de nascimento na Suiça tinha muitas conotações germânicas, a Paramount anunciou que Jannings havia nascido no Brooklyn e depois foi levado para a Europa com um ano de idade. Isto porque, ao contrário de Greta Garbo, cujo background europeu a Metro enfatizou, porque sua popularidade apoiava-se mais nas audiências alemã e francêsa, Jannings foi apresentado primordialmente como um astro para a América, onde seu personagem do homem aniquilado, seu uso exagerado dos olhos e sobrancelhas e sua habilidade para se disfarçar com a maquilagem, deliciava as platéias, assim como Paul Muni faria uma década após.
Em Los Angeles, Jannings instalou-se com sua esposa, a ex-cantora Gussy Holl, na Hollywood Boulevard, em uma suntuosa cópia de uma mansão sulina, onde viveu cercado de cachorros latindo da raça Chow, papagaios grasnando e pássaros piando. No fundo do seu quintal havia um galinheiro e, confinados nele, estavam Greta Garbo, Pola Negri, Valentino, John Gilbert, Conrad Veidt, Lya de Putti e outras galinhas e galos batizados com o nome dos muitos visitantes que mereceram esta distinção, por terem trazido salsichas (cf. Josef von Sternberg em Fun in a Chinese Laundry, Mercury House, 1965).
Jannings era um anfitrião muito divertido, com sua ironia mordaz, suas brincadeiras licensiosas e seus excessos de mesa Rabelaisianos, e continuou assim depois que retornou à Europa, recebendo seus convidados na casa de campo que comprou na Austria, tendo como vizinhos Stefan Zweig e Max Reinhardt.
Personificando mais uma vez uma pessoa infeliz destinada a um fim trágico, Jannings surgiu como August Schilling, um bancário desgraçado por uma mulher sedutora em Tortura da Carne / The Way of All Flesh / 1927 de Victor Fleming e no papel do Grão Duque Sergius Alexander, general czarista que se vê reencenando seu próprio passado como um figurante de Hollywood em A Última Ordem / The Last Command / 1928 de Josef von Sternberg. Por estes dois filmes, Jannings recebeu o Oscar de Melhor Ator, o primeiro a ser concedido pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.
No seu período americano Jannings fez ainda: A Rua do Pecado / The Street of Sin / 1927-28; Alta Traição / The Patriot / 1928 (pela última vez sob o comando de Ernst Lubitsch assumindo as feições do Czar Paulo I); Pecados dos Pais / Sins of the Fathers / 1928; Perfídia / Betrayal / 1929; porém seu forte sotaque germânico pôs um fim na sua carreira americana, quando a indústia aderiu ao som
Em 1929 ele voltou para a Alemanha e no ano seguinte, dirigido por Josef von Sternberg em O Anjo Azul / Der Blaue Engel, teve mais uma atuação brilhante como Immanuel Unrat, o professor autoritário e mal amado pelos seus alunos que se torna um palhaço grotesco e patético por sua paixão pela bela cantora de music hall Lola-Lola, personagem que impulsionou Marlene Dietrich para o estrelato.
Em 10 de setembro de 1930, a UFA lançou o primeiro cinejornal sonoro alemão e convocou Jannings para fazer um discurso de apresentação. Entre 1930 e 1935, além de trabalhar no teatro, Jannings foi Albert Winkelmann na comédia Favorito dos Deuses / Liebling der Götter / 1930; Gustav Burke no drama criminal Tempestade de Paixões / Stürme der Leidenschaft / 1931, dirigido por Robert Siodmak; o Rei Pausole na comédia Die Abenteuer des Königs Pausole / 1932-33; e Peter Petersen versão de Fanny (com alguns elementos de Marius) de Marcel Pagnol em Abnegação / Der schwarze Walfisch / 1934-35.
A partir de 1934-35, Jannings foi recrutado para a propaganda do Terceiro Reich. Embora não fosse membro do partido, ele era um defensor entusiástico da ideologia nazista e assim participou de alguns filmes aberta ou camufladamente políticos. Após a produção da Deka, Alma Mascarada / Der alte und der junge König / 1934-35, de Hans Steinhoff, no qual Jannings era o velho Rei da Prússia, Frederico I, veio uma série de filmes da Tobis: o drama Ilusão da Mocidade ou Conflito / Traumulus / 1935, no qual Jannings era o diretor de um colégio interno, Professor Niemeyer, que vivia em um universo à parte, mas acabava abrindo os olhos para o mundo que o cercava após o suicídio de seu aluno predileto; a comédia Der zerbrochene Krug / 1937, na qual Jannings era Adam, o juiz de uma aldeia que julgava o caso para determinar quem quebrou um jarro, sabendo que fôra ele mesmo o causador do dano;
a cinebiografia Robert Koch / Robert Koch, der Bekämpfer des Todes no qual Jannings era o cientista pioneiro na luta contra a tuberculose; o drama de guerra pacifista Der letzte Appell, jamais exibido por ordem do governo e do qual só restam algumas fotos (todos de 1939); a comédia Altes Herz wird wieder jung / 1942-43, na qual Jannings era o diretor de fábrica Hoffman às voltas com uma neta cuja existência desconhecia; Wo ist Herr Bellings?, no qual Jannings era o industrial Eberahrd Bellings, mas caiu doente e o filme não pôde ser completado. Entre esses filmes surgiram os três mais abertamente políticos: Crepúsculo / Der Herrscher / 1936-37, Ohm Kruge / 1940-41 e Die Entlassung / 1942.
Em Crepúsculo, de Veit Harlan, Jannings é Mathias Clausen, poderoso industrial do Ruhr (inspirado na dinastia Krupp), que fica viúvo e se enamora de sua jovem secretária. Seus filhos adultos e respectivos maridos e esposas fazem de tudo para perturbar seu novo casamento e eventualmente tentam interditá-lo por insanidade. A acusação de insanidade é rejeitada, e Clausen e sua amada, depois de muita tensão emocional, saem vitoriosos. No final, ele deserda sua família e ajuda a reconstruir a Alemanha, legando sua fábrica ao Estado. A semelhança com Hitler é evidente. Desde o início o magnata do aço é apresentado como um ditador e em certo momento os operários o chamam de Füherer.
Em Ohm Kruger, de Hans Steinhoff, Jannings é Paul Kruger, o grande herói Boer que, imobilizado em uma clínica na Suiça, conta a sua vida. Steinhoff definiu claramente esta obra como “um filme de propaganda política (…) destinado a tirar a máscara da Inglaterra”. Para cumprir este objetivo, o filme faz uma paródia da Rainha Vitória, apresentando-a como uma bêbada, presidindo uma plutocracia corrupta e sem escrúpulos; mostra as maquinações diabólicas de Cecil Rhodes e Joseph Chamberlain; aponta o jovem Winston Churchill como responsável pelo massacre de mulheres prisioneiras nos campos de concentração, que teriam sido inventados pelos britânicos; e o paralelo entre o líder do Transvaal e Hitler é evidente.
Em Die Entlassung, de Wolfgang Liebeneiner, Jannings é um Bismark envelhecido, persuadido a sair da aposentadoria para prestar assistência ao novo Rei, o arrogante Guilherme II (que havia antagonizado o resto da Europa) com seu conhecimento superior e experiência na diplomacia política. Moral do filme: o trabalho de Bismarck ficou inacabado, aguardando a emergência de um novo Füherer. Este líder, claro, é Adolf Hitler, cuja ascenção ao poder é vista como a realização do destino da Prússia.
Depois de cogitados Gustaf Gründgens e Willi Forst, Goebbels sugeriu o nome de Emil Jannings para interpretar o papel de Joseph Süss Oppenheimer no famoso filme anti-semita Jud Suss / 1940, e estava certo de que o ator não se recusaria, porque o Ministro do Reich tinha certas provas da existência de sangue judeu na árvore genealógica dele. Jannings poderia ter aceitado, apesar da ameaça sinistra, porém o diretor Veit Harlan recusou esta escolha, alegando que “não se podia ter uma ópera com três baixos”, referindo-se a Eugen Klöpfer e Heinrich George, que já haviam sido contratados para papéis secundários.
A escolha final recaiu sobre Ferdinad Marian (que, em um primeiro casamento, havia esposado uma judia, com quem tivera uma filha). Marian foi intimado para comparecer ao escritório de Goebbels às duas da madrugada e na noite anterior implorara a Harlan que o ajudasse a sair dessa incumbência; porém intimidado pelo Ministro, Marian aceitou (cf. David Stewart Hull em Film in the Third Reich, Simon and Schuster, 1969).
O processo pelo qual o governo nazista assumiu o contrôle completo de todas as companhias cinematográficas começou em dezembro de 1936 e terminou nos primeiros mêses de 1938. Imediatamente depois disso, Goebbels ordenou que diretores e artistas fossem colocados no conselho de administração de todas as companhias cinematográficas, alegando que tal medida era para melhorar o nível artístico do Filme Alemão.
A Tobis, então parcialmente nas mãos do governo, obedeceu logo e, em 20 de janeiro de 1937, Willi Forst, Emil Jannings e Gustaf Gründgens foram eleitos para servirem como parte do conselho de seis membros da companhia. Devido à esta nova posição na empresa, a partir de 1937 Jannings assumiu o total controle da produção de seus filmes. Em 1941 ele foi agraciado como Artista do Estado (Staatsschauspieler), a maior honraria concedida a um ator.
Em dezembro de 1944, Jannings começou a filmar Wo ist Herr Belling?, porém a produção foi interrompida quando a enfermidade e a angústia pela derrota evidente de seu país na Segunda Guerra Mundial levaram-no a pleitear a cidadania austríaca e se retirar para a sua casa em Wolfgangsee. Após o fim do conflito, ele foi proibido pelas autoridades aliadas de trabalhar no teatro e no cinema e faleceu em 3 de janeiro de 1950 com a idade de 65 anos, vitimado pelo câncer.
Bom saber mais sobre o magistral Jannings.
Olá, Nahud. Adorei seu post sobre Hedy Lamarr. Muito bem pesquisado, lindas fotos. Você é um mestre. Um forte abraço.