Dotado de uma voz magnífica com sotaque britânico, ele foi um dos atores mais bonitos de Hollywood, intérprete de grande talento e charme, que se tornou astro no cinema mudo e no falado.
Ronald Charles Colman nasceu em Richmond, Surrey no dia 9 de fevereiro de 1891, filho de Charles Colman, um comerciante de sedas e de sua esposa escocesa, Marjory Read Fraser. Educado em um internato em Littlehampton, Sussex, teve que deixar o colégio abruptamente aos 16 anos de idade por razões financeiras, quando seu pai faleceu, vitimado pela pneumonia. Para se sustentar, o rapaz foi obrigado a desistir do seu sonho de estudar na Universidade de Cambridge e a trabalhar como escriturário na British Steamship Company. Para fugir do seu serviço tedioso e rotineiro, matriculou-se na Bancroft Amateur Dramatic Society, onde se familiarizou com a arte da ribalta.
Quando completou 18 anos, alistou-se no London Scottish Regionals, um regimento territorial que, durante a Primeira Guerra Mundial, passou a fazer parte do Exército Regular. Em um confronto com os alemães, Ronald foi ferido na perna, desligado de sua funções por invalidez, condecorado, e mandado de volta para a casa da família em Ealing.
Foi então que alguns amigos seus, que também eram amigos da gerente de teatro Lena Ashwell, o informaram de que ela estava precisando de um “jovem, moreno” para um pequeno papel em um esquete que seria montando no London Coliseum. O esquete intitulava-se “The Maharanee of Arakan”, escrito por Rabindranath Tagore. Ronald obteve o papel, no qual ele não dizia praticamente nada: entrava com o rosto pintado de preto, balançava uma bandeira e tocava um trompete.
Lena Ashwell apresentou Ronald a atriz Gladys Cooper que, por sua vez, necessitava de um jovem ator para um papel modesto em sua nova peça “The Misleading Lady”. Ele tinha apenas 25 anos na época, era muito desajeitado e, nesse período inicial de sua trajetória artística, não havia nenhuma razão para se supor que estivesse destinado à fama teatral. Seu próximo compromisso deu-se em uma peça importante, “Damaged Goods”, que discutia pela primeira vez em um palco o tema da sífilis. Ronald interpretou o papel do paciente e recebeu a aprovação dos críticos.
Pouco depois o jovem ator recebeu uma proposta do pioneiro do cinema britânico, George Dewhurst, para participar de um filme de dois rolos, que acabou não sendo lançado. Ele continuou sua carreira no teatro até que obteve o papel principal em “The Live Wire” e passou a viver com a sua parceira na peça, Thelma Raye, que havia se separado de seu marido australiano.
Mais ou menos nessa ocasião, George Dewhurst ofereceu a Ronald um papel secundário no filme The Toilers /1919, dirigido por Tom Watts. Não foi um começo dos mais auspiciosos de uma longa carreira cinematográfica, mas o nome de Ronald foi automaticamente para os arquivos do London Casting Bureau (no qual as características físicas e qualidades de cada ator ou pretendente a ator eram listadas para benefício dos agentes etc.) com esta observação: “não é fotogênico”.
Ronald fez mais alguns filmes para outros pioneiros da cinematografia inglêsa como Walter West (A Daughter of Eve / 1919; Snow in the Desert / 1919; A Son of David / 1919); Cecil Hepworth (Sheba / 1919; Anna the Adventuress / 1920); e The Black Spider / 1920 para a British & Colonial Kinematograph Company, dirigido pelo Americano William J. Randolph.
Na primavera de 1920, Ronald integrou o elenco da peça “The Great Day”, prevista para uma excursão em Nova York. A esta altura, Thelma já havia obtido o divórcio. Eles se casaram no dia 18 de setembro e no mês seguinte, aos 29 anos de idade, Ronald partiu para a América, com uma passagem de segunda classe só de ida, um terno, algumas cartas de apresentação, pouco dinheiro, e um razoável grau de confiança.
Ronald trabalhou em algumas peças como, por exemplo, “East is West”, “East of Suez” e “La Tendresse”; nesta última, foi visto pelo director Henry King, que estava procurando deseperadamente um ator para atuar ao lado de Lilian Gish em A Irmã Branca / The White Sister / 1923. Ao ser convidado por King para fazer um teste, Ronald foi franco: “Agradeço ter me chamado para uma entrevista, mas não sou bom em filmes. Disseram-me em Londres que não fotografo bem”. Durante o teste, King lhe pediu permissão para “tomar certas liberdades” com sua aparência, mudou seu penteado e pintou um bigode nele. Da noite para o dia, Ronald ganhou um excelente papel em uma produção importante de Hollywood e, na companhia de Thelma, que já havia chegado em Nova York, chegou junto com a equipe de filmagem em Nápoles, onde iria ser rodado o filme.
Baseado em um livro de Marion Crawford, A Irmã Branca é a história de uma jovem italiana, Angela Chiaromonte (Lillian Gish), que se separa do seu amante Giovanni (Ronald Colman), quando ele entra para o exército. Acreditando que ele foi morto na África, ela se torna uma noviça em um convento e finalmente, decide ordenar-se freira. Enquanto isso, Giovanni, que havia sido feito prisoneiro na África, consegue escapar e volta para pedir a mão de Angela, mas é tarde demais … Esplendidamente fotogrado por Roy Overbaugh, o filme fez muito sucesso, mas durante a filmagem o casamento de Ronald e Thelma foi se desintegrando -Thelma voltou para Londres e Ronald continuou filmando em Sorrento, Capri, Lago Montagna, Tivoli e Roma.
Ronald fez mais um filme com Lilian Gish e Henry King, Romola / Romola / 1924, que inspirou milhares de cartas de fãs da Itália endereçadas ao Signor Colman; algumas diziam assim: “Você é obviamente italiano, porque então mudou seu nome para Colman? Tem vergonha de sua nacionalidade?”. Durante a locação em Florença, Colman recebeu convite de Samuel Goldwyn para trabalhar na sua produtora independente. O primeiro filme de Ronald na Goldwyn, Inc. foi A Eterna Questão / Tarnish / 1924, dirigido por George Fitzmaurice. Naquela época, o roteirista (no caso, Frances Marion) permanecia no set durante a filmagem como um ajudante do diretor. Várias vêzes, Fitzmaurice e Marion (que participaram de outros filmes de Colman) comentaram a qualidade da voz de seu leading man. Frances Marion disse: “Sua voz nos dá a impressão de um músico tocando um noturno de Chopin”.
Em seguida, Ronald continuou trabalhando em seis filmes: Noite Romanesca / Her Night of Romance / 1924, O Paraíso Achado ou O Impostor / A Thief in Paradise / 1925, A Mulher que eu Amo / His Supreme Moment / 1925, A Caprichosa / The Sporting Venus / 1925, A Mana de Paris / Her Sister from Paris / 1925 e O Anjo das Sombras / The Dark Angel / 1925. Este último filme citado foi um marco na carreira de Colman: pela primeira vez o seu nome não apareceu nos créditos abaixo da estrela feminina. Além disso, o personagem que ele interpretava corporificava pela primeira vez o cavalheiro galante que colocava a honra e o auto-sacrifício acima de seus sentimentos pessoais, o personagem com o qual o público o associaria completamente. Não era mais um latin lover, com toques de Valentino, e ficou claro que este personagem fílmico, com o qual Colman ficava mais à vontade, agradava ao público. No entrecho de O Anjo das Sombras, um jovem soldado, Capitão Trent (Ronald Colman), fica cego na guerra e, por causa disso, resolve não voltar para os braços de sua noiva, Kitty Vane (Vilma Banky). Este drama romântico que inundou de lágrimas os lenços das espectadoras, inaugurou a melhor fase da carreira de Colman no cinema mudo.
Ele fez, sucessivamente, um dramalhão, Stella Dallas / Stella Dallas / 1925 e uma comédia de costumes, O Leque de Lady Margarida / Lady Windermere’s Fan / 1925, respectivamente dirigidos por Henry King e Ernst Lubitsch. Produção dispendiosa, roteirizada por Francis Marion, Stella Dallas incluia um espectro de artistas em diversas fases de suas carreiras: o adolescente praticamente desconhecido Douglas Fairbanks Jr.; Colman, que estava chegando ao ponto alto de sua trajetória fílmica na cena silenciosa; Alice Joyce, então uma grande estrela; e, no papel título, Belle Bennett, uma antiga estrela trazida de volta às telas. O papel de Colman como Stephen Dallas, o marido de Stella que se separa de sua esposa socialmente inaceitável, é relativamente pequeno; porém ele incutiu refinamento e sensibilidade ao personagem.
O talento de Colman para a comédia (que ele gostava muito de fazer) foi muito bem explorado por Lubitsch e continuou em pleno vigor no seu próximo filme, Kiki / Kiki / 1925, uma comédia-dramática divertidíssima, estrelada por Norma Talmadge, escrita por Hans Kraly e dirigida por Clarence Brown, na qual Ronald Colman interpretava o papel do gerente teatral parisiense Victor Renal, assediado por Kiki (Norma Talmadge), uma aspirante a corista.
A esta altura, Samuel Goldwyn, que vinha ganhando muito dinheiro emprestando o ator para outras companhias, celebrou com ele um novo contrato, mais lucrativo, e o cedeu (à Famous Players-Lasky) pela última vez, para aquele que seria o seu filme mais magnificente da fase silenciosa: Beau Geste / Beau Geste / 1926, que elevou Ronald Colman ao pico do sucesso e da fama
Este filme de aventura histórica, cujo enredo foi extraído do célebre romance de Percival Christopher Wren, contava com uma equipe de primeira: Herbert Brenon (director), J. Roy Hunt (fotógrafo) e, além de Colman (Beau Geste), com os atores Neil Hamilton (Digby Geste), Ralph Forbes (John Geste), Alice Joyce (Lady Brandon), Mary Brian (Isobel, Noah Beery (Sargento Lejaune), William Powell (Boldini) e Victor McLaglen (Hank). Filmado no meio do deserto do Arizona, sob um sol ardente, noites muito frias, vento, moscas, escorpiões, para testar a resistência de todos, Beau Geste agradou em cheio aos espectadores, aos críticos, ao autor da obra original que lhe serviu de inspiração, e foi um dos dez filmes mudos mais lucrativos jamais feitos.
Nos seus quatro filmes seguintes, Beijo Ardente / The Winning of Barbara Worth / 1926; A Noite de Amor / The Night of Love / 1927; A Chama do Amor / The Magic Flame / 1927; Dois Amantes / Two Lovers / 1928, Colman formou um par romântico famoso com a atriz húngara Vilma Banky, sua companheira em O Anjo das Sombras. Colman ficou incomodado pelo “romance” entre ele e Vilma inventado pelo departamento de publicidade de Goldwyn. O público adorava a dupla Colman-Banky e Goldwyn astutamente percebeu logo isso. Porém, como contou a filha única de Colman, Juliet Benita Hume no seu livro Ronald Colman, A Very Private Person (William Morrow & Company, 1975) – que nos ajudou enormemente na elaboração deste artigo – , o “romance” Colman-Banky foi permanentemente suprimido pelo casamento de Vilma com o ator Rod la Rocque, em uma cerimônia gigantesca encenada por Sam Goldwyn com seis damas-de-honra, seis padrinhos da noiva (um dos quais era Colman – escolhido por Sam), Cecil B.DeMille foi o padrinho do noivo e o próprio Goldwyn entregou a noiva para seu futuro marido. O bolo de noiva fantástico era de papier-mâché para surpresa dos convidados que tentaram comê-lo. Todo o evento com seu elenco de astros poderia ter sido parte de um dos filmes mais luxuosos de Goldwyn. Quando perguntaram a Vilma qual seria o nome de seu primeiro filho, ela respondeu: “Não sei, você vai ter que perguntar a Sam Goldwyn”.
Quando Dois Amantes foi concluído, Colman partiu para as suas primeiras férias de Goldwyn e Hollywood. Durante um almoço em um restaurante londrino, ele ficou encantado com uma certa morena que estava em uma mesa próxima. Nenhuma palavra foi dita, e ele não sabia quem ela era, mas eles trocaram olhares furtivos o tempo todo. Era uma jovem atriz britânica, já bem conhecida no seu próprio país – Benita Hume.
Colman foi chamado de volta a Hollywood por um telegrama de Goldwyn dizendo-lhe que adquirira os direitos de filmagem de um romance de Joseph Conrad, intitulado The Rescue. O filme, com o mesmo nome na versão original, passou aquí no Brasil em 1929 como Culpas de Amor, e nele, Colman interpretava o herói Tom Lingard – um aventureiro que se apaixona pela mulher de um Membro do Parlamento Inglês – , contracenando com a nova descoberta francêsa de Goldwyn, Lily Damita. A história transcorre em Java, mas foi rodada na ilha de Santa Cruz (localizada no condado de Santa Barbara na Califórnia) sob mau tempo, custos crescentes de produção, e o mau genio do diretor Herbert Brenon, que piorou depois que ele quebrou a zzperna durante a filmagem. Apesar disso, a brilhante fotografia proporcionada por três ases da câmera (George Barnes, Joseph Biroc, James Wong Howe), e tanto o filme quanto Colman, obtiveram boas resenhas.
Graças à sua voz admirável, Ronald Colman foi mais bem sucedido do que qualquer outro ator ao fazer a transição para o cinema falado.