Ao ser convidado pelo general Marshall para ajudá-lo a explicar aos soldados por que eles tinham que lutar, pela série Por que Combatemos / Why We Fight (1942-1945), o diretor Frank Capra respondeu: “General, acho justo dizer-lhe que nunca fiz um documentário em toda a minha vida. Na verdade, nunca cheguei nem perto de alguém que tivesse feito um”. Marshal retrucou: “Eu também nunca fui um comandante-chefe antes. Milhares de jovens mericanos nunca tinham tido suas pernas alvejadas. Os rapazes que estão comandando navios hoje, até há um ano nunca tinham visto o oceano”. Envergonhado, Capra aceitou o encargo e voltou a se dirigir a Marshall nestes termos: “Desculpe general. Vou fazer os melhores documentários que jamais foram feitos”.
A série, realizada sob o patrocínio do Army Pictorial Service, no velho estúdio da Fox na Western Avenue, continha sete filmes: Prelúdio de Guerra / Prelude to War / 1943, Os Nazistas Atacam / The Nazis Strike / 1943, Divide e Vencerás / Divide and Conquer / 1943, A Batalha da Inglaterra / Battle of Britain / 1943, Battle of China / 1944, Battle of Russia / 1944 e War Comes to America / 1945. Um sino badalando com a palavra “Liberdade” gravada nele e uma letra V enorme, apareciam no final de cada filme, que se compunha principalmente de cine-jornais alemães, italianos e japoneses, realizados nos últimos vinte anos ou filmes de propaganda feitos por esses países antes e durante a guerra (descobertos no Office of Alien Property Custodian, agência destinada a guardar material dos países inimigos dos Estados Unidos) e diagramas e mapas usados com técnica de animação (feitos pelo estúdio de Walt Disney), para ajudarem a exposição dos assuntos. Foram também utilizados, cine-jornais de países aliados, trechos de filmes de ficção, breves encenações, fotos de manchetes de jornais, narração, música e efeitos sonoros.
Para esse trabalho, foi criado o 834th Photo Signal Detachment, onde o tenente coronel Frank Capra contou com a colaboração principal do Major Anatole Litvak, dos capitães Anthony Veiler e William Hornbeck, todos veteranos de Hollywood; diretor, roteirista e montador, respectivamente. O sargento Richard Griffith (subsequentemente chefe do departamento de cinema do Museu de Arte Moderna) encarregou-se da pesquisa e outros artistas e técnicos de cinema, além dos já citados, deram a sua contribuição anônimamente (vg. Eric Knight, Walter Huston, Dimitri Tiomkin, Lloyd Nolan, Leonard Spielgass, Robert Heller), pois nenhum crédito pessoal aparecia nos filmes da série. Os outros filmes realizados pela unidade também receberam a contribuição de renomados cineastas, técnicos, escritores etc. Prelúdio de Guerra ganhou um Oscar da Academia “pela vigorosa concepção e dramatização autêntica e emocionante dos fatos que levaram nossa nação a entrar em guerra, e dos ideais pelos quais lutamos”.
A unidade organizada por Capra lançou também um cine-jornal para as tropas, o Army-Navy Screen Magazine, e vários filmes adicionais, inclusive Know Your Ally: Britain / 1943, The Negro Soldier / 1944, a produção britânico-americana, A Conquista da Tunisia / Tunisian Victory / 1944, Know Your Enemy: Japan / 1944 e Here is Germany / 1945. Este último foi preparado inicialmente por Ernst Lubitsch com o título de Know Your Enemy: Germany. A idéia de Lubitsch era traçar a ascenção da Alemanha moderna através de um tal de Karl Schmidt, que seria mostrado em várias épocas. Dois anos depois, o projeto foi reativado, reescrito e entregue a Gottfried Reinhardt, Anthony Veiler e William L. Shirer, e o resultado final, Here is Germany, só seria distribuido em 1945.
Quanto ao antepenúltimo, A Conquista da Tunísia, Anatole Litvak e sua equipe haviam dado uma boa cobertura ao evento, mas o navio que transportava o filme foi alvejado. Como o presidente Roosevelt estava ansioso para assistir o material colhido nos desembarques do Norte da África, Capra e John Huston partiram para a base de treinamento do exército no deserto de Mojave, na Califórna, onde a paisagem se assemelha com a da Tunisía. Lá puseram as tropas a subir e descer morros, sob um fogo de artilharia falso. Depois, em Orlando, na Flórida, para similar bombardeios pesados sobre as fortificações do Norte da África, Huston pediu aos pilotos dos aviões que fingiam ser alemães, que voassem bem perto dos bombardeiros onde estavam as câmeras, para não serem identificados. Mais tarde, alguém teve a idéia de juntar as cenas “fabricadas” com as autênticas rodadas pelos inglêse.
Capra convidou William Wyler para dirigir um filme para a série Porque Combatemos. Wyler escolheu The Negro Soldier e pediu a Lillian Hellman que escrevesse um script. Lillian comunicou a Wyler que havia convidado o ator negro Paul Robeson, então no auge de sua fama, para atuar no filme. Entretanto, seus planos falharam, e Wyler procurou dois outros escritores, Marc Connelly (ganhador do Pulitzer Prize em 1930 por sua peça “The Green Pastures” e colaborador de George S. Kaufman em alguns sucessos da Broadway durante os anos vinte) e Carlton Moss (escritor negro que havia trabalhado com Orson Welles e John Houseman para o Federal Theater no Harlem).
Porém, quando Wyler chegou em New Orleans, ele sentiu o ambiente de segregação. “Mr. Moss não podia viajar na mesma cabine do trem que nós usavamos. Não podia se hospedar conosco no mesmo hotel.” Rumando para a Georgia, a equipe visitou um esquadrão de negros da Força Aérea do Exército. “Nós falamos com o coronel que estava no comando. Ele era o único branco. Eu perguntei: ‘O Senhor tem algum problema aqui?’. Ele respondeu: ‘Bem, um pouquinho’. Ele disse que a população local não gostava de ver rapazes negros em aeroplanos. ‘Eles acham que é muita arrogância’. O coronel contou que um dia alguns fanáticos ‘pegaram o telefone e chamaram a KKK local’. Wyler achou que o Exército não gostaria de ver nada disso registrado, certamente não em um filme destinado a levantar a moral. Além disso, no Tuskegee Institute, a famosa universidade negra, seu cientista mais eminente, George Washington Carver, recusou-se a recebê-lo. ‘Ele recebeu Marc Connelly, não a mim’, recordou Wyler. De volta a Washington, uma semana depois, Wyler decidiu abandonar a produção, sendo substituido por Stuart Heisler. The Negro Soldier foi feito para aquietar os protestos contra a segregação nas fôrças armadas. Nem a segregação nem os protestos contra ela são mencionados no filme – a segregação é mostrada, como uma instituição aparentemente benigna e aceita.
Nem todos os filmes da unidade de Capra foram bem recebidos. The Battle of China descrevendo a China como uma nação resolutamente unida sob Chiang Kai-shek, parecia tão questionável que foi logo retirado de circulação. Know Yor Enemy: Japan – no qual Joris Ivens trabalhou com o roteirista Carl Foreman – foi completado em 1944, porém não foi distribuido, porque retratava o Imperador Hiroito como um criminoso de guerra. A série Porque Combatemos também fez isso, mas houve uma mudança de orientação política. Agora era percebido que o Imperador deveria ser mantido depois da guerra, como uma ajuda à manutenção da ordem.
Assim como aconteceu na realização da série Porque Combatemos, outros documentários de grande prestígio foram feitos para as forças armadas por veteranos de Hollywood. Entre eles estavam John Huston, John Ford, William Wyler e George Stevens. Em abril de 1942, John Huston apresentou-se ao quartel-general do U.S. Army Signal Corps Exército dos Estados Unidos para o serviço ativo. Sua primeira missão foi realizar um documentário, focalizando a vida dos soldados na base aérea de Adak, nas ilhas Aleutas, na costa do Alasca. No começo, Report from the Aleutians / 1943 mostra as atividades cotidianas e horas de lazer dos homens. O climax é o ataque à ilha Kiska, dominada pelos japoneses. Para filmá-lo, Huston e o cameraman Rey Scott executaram mais de 15 missões sobre os alvos inimigos, tendo o cinegrafista recebido uma condecoração pelo desempenho de nove missões em apenas seis dias.
Filmadas com negativo Kodachrome de 16mm, cuja velocidade lenta exigia forte iluminação, a maioria das cenas tiveram que ser rodadas, no período de seis mêses, na chuva e sob a neblina quase constante de Adak. O comentário, escrito por Huston e falado por seu pai, Walter, passa um sentimento de que o péssimo tempo, o tédio e a solidão eram tão inimigos quanto os japoneses. Mesmo com o final otimista (ouvem-se na trilha sonora a canção “Going Home” e a confirmação de que todos os aviões voltaram a salvo”), Report from the Aleutians não agradou aos militares. Eles acharam o filme muito longo, porém Huston insistiu na manutenção de todas as cenas.
Ao retornar das Aleutas, Huston, ajudou Frank Capra a “fabricar” as cenas para a Conquista da Tunísia e, ao concluí-las, dirigiu-se à Itália, agregando-se ao 143º Regimento da 36ª Divisão de Infantaria do Texas. Ele foi encarregado de realizar The Battle of San Pietro / 1944, que aborda a sangrenta reconquista de uma pequena aldeia italiana pelo batalhão de infantaria. Durante muito tempo, só se conhecia a versão de Huston sobre a filmagem (narrada em sua autobiografia, “An Open Book”, 1980); porém, em 1998, o historiador militar Peter Maslowski (“Armed with Cameras – The American Military Photographers of World War II”) contestou a informação de Huston de que o filme foi rodado durante a batalha e, recentemente, outro historiador, Mark Harris (“Five Came Back”, 2014), afirmou categoricamente que The Battle of San Pietro foi um filme escrito, interpretado e dirigido, contendo apenas dois minutos de documentação real, não reconstruida. Huston também jamais reconheceu que seu documentário – narrado por ele mesmo – foi inteiramente uma recriação. Segundo Mark Harris, as tomadas mais “verdadeiras” são as que o cinegrafista Jules Buck filmou no primeiro dia em que a equipe de Huston chegou na cidade e uma outra na qual Buck, Huston e Eric Ambler se abrigaram para não serem atingidos pelas balas de uma metralhadora. Esta tomada é diferente das outras no filme por causa de seu movimento brusco, violento e caótico.
O resto de Battle of San Pietro é uma invenção. Harris revela que, no dia 10 de janeiro de 1944, a reportagem do famoso correspondente de guerra, Ernie Pyle, intitulada “This One Is Captain Waskow”, apareceu nos jornais de todo o país. O relato da morte do soldado americano de 25 anos de idade na Batalha de San Pietro tornou-se uma das histórias mais lidas da carreira de Pyle e o ajudou a ganhar um Prêmio Pulitzer. Ela inspirou um filme de ficção Também Somos Seres Humanos / The Story of G.I. Joe / 1945 e chamou a atenção de milhares de americanos para a pequena aldeia de San Pietro. O texto de Pyle era o tipo de reportagem de primeira mão que Huston esperava fazer em San Pietro e ele não se intimidou pelo fato de que, quando o artigo apareceu, a batalha já havia terminado há muito tempo. Não pensou em escolher uma outra cidade para servir como tema de seu filme. Só poderia ser um lugar onde o Capitão Waskow e tantos outros jovens americanos haviam morrido pelo seu país. Assim, com a cooperação total do exército, ele concebeu, encenou e rodou o filme.
De qualquer forma, o alto escalão do Pentágono não gostou de ver as cenas nas quais há uma justaposição das vozes dos soldados conversando (gravadas antes da batalha) com as imagens dos seus corpos mortos sendo colocados em sacos, achou o filme demasiadamente realista, e mandou engavetá-lo permanentemente. Ele só foi salvo, quando o General Marshall pediu para assistí-lo algumas semanas depois. Marshall concordou com seus colegas do Pentágono que o documentário era inadequado para o público em geral, mas poderia servir como filme de treinamento, a fim de introduzir os novos pracinhas nas realidades ásperas do combate, desde que fossem feitos alguns cortes. O filme acabou sendo exibido nos cinemas em 1945.
A seguir, Huston foi incumbido de uma reportagem sobre a recuperação de combatentes vítimas de distúrbios neuropsíquicos. A intenção era comprovar a viabilidade da reabilitação e mostrar aos empregadores que os feridos estavam aptos para o trabalho na indústria. O cineasta passou três meses no Mason General Hospital, em Brentwood, Long Island, onde rodou 350 mil pés de negativo, base de Let There Be Light / 1945. O diretor de fotografia Stanley Cortez escondeu as câmeras nas alas e divisões da instituição, registrando as entrevistas individuais dos pacientes e as terapias de grupo em imagens perturbadoras.
Um pracinha que perdeu a memória durante uma explosão de granada em Okinawa é hipnotizado e começa a recordar seu terror e medo da batalha. Outro soldado, que guagueja, recebe amobarbitol. Ele começa a falar e depois a gritar, meio soluçando: “Eu posso falar, Oh Deus, escutem! Deus, eu posso falar!” Os depoimentos se sucedem, compondo um impressionante registro dos efeitos da guerra e, após a montagem, adicionou-se a narração feita por Walter Huston.
Entretanto, o War Department vetou sua apresentação, alegando que ele violava a privacidade dos pacientes – embora todos os que foram filmados tivessem dado o seu consentimento prévio para a exibição. A proibição gerou protestos, como o de James Agee: “Não sei o que é necessário para revogar essa desgraçada decisão, mas se for preciso dinamite, então dinamite é o meio indicado”. Em junho de 1946 o Museu de Arte Moderna em Nova York programou uma exibição de Let There Be Light mas, poucos minutos antes de começar a sessão, dois policiais militares chegaram e confiscaram a cópia. Até a liberação definitiva do filme em 1980, graças aos esforços do Vice-Presidente dos EUA, Walter Mondale e de Jack Valenti, presidente da Motion Picture Association of America, poucos assistiram ao filme. No Brasil, Let There Be Light integrou a programação da Retrospectiva John Huston, organizada pelo Serviço de Divulgação e Relações Culturais dos Estados Unidos (U.S.I.S.), em outubro de 1982.
Como a inteligência militar havia antecipado a ofensiva japonesa na Ilha Midway, John Ford e seu assistente de câmera de 24 anos de idade, Jack MacKenzie Jr., foram até lá, a fim de registrar este ponto decisivo da Guerra para o Field Photographic Branch, que fazia parte do Office of Strategic Service (OSS), dirigido pelo coronel William “Wild Bill” J. Donovan.
Em A Batalha de Midway/ The Battle of Midway / 1942 em cores (16mm Kodachrome depois ampliado para 35 mm Technicolor) eles filmaram o ataque nipônico e a reação americana, inclusive um plano memorável da bandeira dos Estados Unidos sendo içada no tumulto da batalha. Ford montou essas tomadas com as vozes de atores (Henry Fonda, Jane Darwell, Donald Crisp, Irving Pichel) e um esplêndido score de música folclórica e hinos patrióticos, criando uma empatia impressionante entre as pessoas que estavam no cinema e aqueles que estavam na tela. Durante a filmagem, uma ofensiva de mais ou menos 60 “Zeros” – os aviões de combate japoneses – atingiu o lugar onde Ford estava filmando, deixando-o por uns instantes inconsciente e com um estilhaço de bala de metralhadora no seu braço esquerdo.
Por causa da rivalidade entre as forças armadas, era importante dar a mesma atenção à Marinha, ao Exército e ao Corpo de Fuzileiros Navais. Quando o montador Robert Parrish lhe informou que estava faltando algum material filmado para os Fuzileiros, Ford tirou do bolso um close-up em filme de 35mm colorido do filho do presidente Roosevelt, o fuzileiro major James Roosevelt. Naquela noite, eles levaram uma cópia do filme para a Casa Branca, porque era preciso o apoio do presidente para que fosse lançado. Roosevelt conversou durante toda a projeção e então, subitamente, ficou completamente em silêncio, quando seu filho apareceu. No final, Eleanor estava em prantos, e o presidente proclamou: “Quero que toda mãe na América veja este filme!” A maioria delas viu. Na estréia no Radio City Music Hall, as mulheres gritavam, as pessoas choravam muito, e os lanterninhas tinham de levá-las para fora da sala. Ford foi condecorado e o documentário ganhou o Oscar da Academia, entregue à Marinha e à Twentieth Century-Fox.
O Secretário da Marinha, Frank Knox amigo íntimo do coronel Donovan, que havia conduzido pessoalmente a primeira investigação sobre Pearl Harbor poucos dias após o bombardeio, aprovou a proposta de Donovan de fazer o que Knox chamava de “uma apresentação completa em filme do ataque a Pearl Harbor em 7 de dezembro de 1941”.
Ford designou Gregg Toland como diretor e cinegrafista de December 7th e o tenente Samuel G. Engel como roteirista-produtor, esperando uma operação rápida “típica de cine-jornal”, um relato breve, fatual, sobre o que acontecera em Pearl Harbor. Quando se passaram seis semanas sem que nenhum filme chegasse, Ford foi para Honolulu e descobriu que Toland e Engel haviam transformado December 7th em uma miscelânea em longa-metragem de documentário e dramatização. Eles combinaram as poucas tomadas verdadeiras do ataque, que haviam sido filmadas pelo pessoal da Marinha, com muitas recriações, usando marujos em Pearl Harbor e soldados na adjacente base aérea de Hickam Field; miniaturas de navios americanos; aviões japoneses filmados por Ray Kellog; encenações da vida antes da guerra na ilha de Oahu. Depois seriam filmadas as cenas com Walter Huston como Tio Sam evocando os encantos do Havaí enquanto Harry Davenport como Mr. C (a consciência de Tio Sam) lhe mostrava o perigo da espionagem por parte de muitos nipo-americanos, que passara despercebida pelas autoridades. No decorrer do filme ouve-se a insinuação de que os danos teriam sido menores, “se tivessemos ficado mais alertas”.
Enquanto decidia se iria mostrar esta versão a Donovan, Ford filmou a reconstrução dos navios danificados em Pearl Harbor, um dos quais ainda estava em chamas, quando chegou ao local. Ele também passou um dia dirigindo algumas reencenações do ataque, convocando amigos em Oahu para atuarem como atores. A cena mais linda do filme é o funeral no meio da praia com os marujos depositando as coroas de flores sobre as covas na areia e as bandeirinhas americanas tremulando ao vento enquanto se ouve um tenor cantando “My Country ‘Tis of Thee”.
Outra cena muito bonita é aquela na qual a voz de um dos soldados mortos se identifica como Robert L. Kelly do Exército dos Estados Unidos e vemos seu retrato na parede de sua casa. Ele nos diz que é natural de Ohio e nos apresenta a seus pais. A mesma voz continua mostrando retratos de mais seis soldados mortos – cada qual representando armas, regiões e origens raciais diferentes – e de seus respectivos progenitores. Um locutor pergunta: “Mas porque vocês todos falam com a mesma voz?”. E vem a resposta: ”Porque nós todos somos iguais. Nós somos todos americanos”.
A versão original de 82 minutos de December 7th acabou sendo arquivada pelas altas patentes militares. Toland entrou em depressão, requereu sua transferência para bem longe de Washington, e Ford mandou-o para o Rio de Janeiro em abril de 1943. Finalmente, Ford recebeu aprovação de uma nova versão de 20 minutos, omitindo a conversa entre Tio Sam e Mr. C. O filme tornou-se então um hino à capacidade de reação dos Estados Unidos e à Democracia, fazendo desfilar – após um discurso do ator Dana Andrews percorrendo um cemitério acompanhado por um veterano da Primeira Guerra (Paul Hurst) – as bandeiras de vários países amigos (inclusive a do Brasil), e terminando com um avião fazendo um V da vitória de fumaça no ar. December 7th ganhou o Oscar da Academia, concedido à Marinha e ao Field Photographic Branch.
O Field Photography Branch realizou muitos filmes de treinamento para o pessoal da OSS, filmou e fotografou vôos de reconhecimento aéreo, produziu informações sobre áreas de interesse vital para os planejadores militares, documentou mais de cinquenta missões de combate inclusive o Doolittle Raid contra o Japão e a Invasão da Normandia; mas somente uma fração desse material filmado foi vista em cine-jornais. Ford cuidou pessoalmente de alguns filmes mas, tendo em vista o vasto âmbito das atividades da Field, ele funcionou na maioria das vezes como um produtor executivo, designando e treinando equipes de cinegrafistas e supervisionando seus projetos, alguns mais íntimamente do que outros.
Entre os filmes mais ambiciosos incluiam-se: Undercover, curso de treinamento de agentes secretos que se infiltram em território inimigo; Meet the Enemy (Germany), German Air Power, German Manpower, This is Japan, Japanese Behaviour e Natural Resources of Japan, informações sobre os poderes do Eixo; Crete, análise de como os alemães ocuparam a ilha do Mediterrâneo ocupada por ingleses, em doze dias, com um poder aéreo superior; Inside Tibet, a viagem de uma missão militar e diplomática; Burma Butterflies, Chinese Commandos, Preview of Assam, a atividade da OSS no teatro de operações da China-Burma-India; Seabees, o trabalho dos Batalhões de Construção Naval através do mundo; Project Gunn, missão para resgatar prisioneiros de guerra na Romania; Cayuga Mission, a assistência da OSS a partisanos na Itália; We Sail at Midnight, os “navios da vitória” deixando o porto de Nova York para a Grã Bretanha; Mission to Giessen, história dramatizada de um agente da OSS que caira de paraquedas na Alemanha, a fim de obter inteligência tática durante os meses finais da guerra na Europa; e Manuel Quezon: In Memoriam, cobertura do funeral do presidente filipino exilado e seu enterro no Arlington National Cemetery.
Após ter deixado a produção de The Negro Soldier, William Wyler foi apresentado pelo roteirista Sy Bartlett ao Major General Carl A. Spaatz, que havia sido encarregado de organizar para combate a Oitava Força Aérea baseada na Grã Bretanha. Huston disse a Spaatz: “General, eu não sei para onde o senhor vai e nem para fazer o quê, mas seja lá o que o senhor for fazer, eu penso que isto deve ser registrado em filme”. Spaatz virou-se para seu chefe do estado-maior, Brigadeiro General Claude E. Duncan, e ordenou: “Tome conta dele”. Nomeado major, Wyler recebeu a incumbência de recrutar uma equipe e adquirir equipamento de câmera em Los Angeles. Ele alistou dois cinegrafistas, William Clothier e William Skall, e o técnico de som Harold Tannenbaum, cinco anos mais velho do que Wyler, e que morreria dez meses depois em uma missão de bombardeio. Quando Wyler chegou em Londres, o primeiro esquadrão de bombardeiros americanos B-17 (conhecidos como “Fortalezas Voadoras”) havia acabado de iniciar as missões de combate. Wyler elaborou uma lista de cinco projetos, sendo que dois continham elementos chave para o que mais tarde tornou-se Por Céus Inimigos / The Memphis Belle, The Story of a Flying Fortress.
Ele chamou um projeto de Nine Lives, a história de uma missão de bombardeio e a tripulação de um único bombardeiro. O outro projeto, chamado Phyllis Was a Fortress, seria baseado nas experiências da tripulação de um bombardeiro denominado “Phyllis” durante uma única missão de combate sobre a França ocupada. Os outros três projetos tinham menos interesse para Wyler, mas ele os propôs como parte das ordens que sua unidade havia recebido: Ferry Command, documentário sobre a entrega transatlântica de bombardeiros; The First Americans, documentário sobre os membros do Eagle Squadron, que foram os primeiros pilotos americanos na guerra; e A.F. – A.A.F., documentário sobre a cooperação perfeita entre as forças aéreas.
Depois de passar por um treinamento árduo (entre outras coisas como operar seu equipamento com máscaras pesadas ligadas a garrafas de oxigênio, uma vez que os B-17 eram não pressurizados, e tão frios, que o congelamento dos dedos ou das mãos deixava um bom número de pilotos fora de ação), Wyler e sua equipe participaram da primeira missão de combate com o 91º Bomb Group, aquartelado in Bassingbourn, cuja missão era atingir as instalações portuárias em Bremen e a base naval de Wilhelmshaven. Wyler voaria em um B-17, apelidado de “Jersey Bounce”, pilotado pelo Capitão Robert K. Morgan, um rapaz de 24 anos natural da Carolina do Norte. Comumente, Morgan e sua tripulação igualmente jovem voava em outra fortaleza voadora chamada de “Memphis Belle”, mas esta estava em conserto. Wyler revelou somente 250 pés de filme, “ de qualidade duvidosa”. Sua segunda missão de bombardeio ocorreu seis semanas após a primeira quando ele se uniu a Morgan e sua tripulação, desta vez na “Memphis Belle”, para alvejar bases de submarino em Lorient e Brest na Bretanha. Curiosamente, o nome “Memphis Belle” surgiu em homenagem à heroína de um filme que Morgan e seu co-piloto haviam visto, Dama por uma Noite / A Lady for a Night / 1942. A heroína, interpretada por Joan Blondell, era a dona de uma barcaça-cassino no Mississipi, que ia para Memphis. Ela e a barca eram chamadas de Memphis Belle.
Wyler realizou ao todo cinco missões (as duas últimas em outros B-17 que não a “Memphis Belle”) e, após a quinta, a mais perigosa de todas, foi condecorado com a Air Medal, e voltou para a Califórnia para montar o filme em Fort Roach. Wyler pediu à Oitava Força Aérea que mandasse a “Memphis Belle” para Fort Roach, porque precisava da tripulação para gravar os diálogos em voice-overs. No estúdio em Fort Roach, Wyler conseguiu evocar a atmosfera de um combate aéreo com o diálogo pelo interfone, que tipicamente ocorre a bordo de uma Fortaleza Voadora. Ele havia trazido 19 mil pés de material filmado em cores – todo ele silencioso – e precisava recriar a conversa da tripulação no calor da batalha.
The Memphis Belle (originariamente intitulado Twenty-Five Missions), acompanha a tripulação de uma Fortaleza Voadora B-17 na sua última missão. O filme tem cenas notáveis de perigo e tensão. A viagem de volta para a Inglaterra é espetacular. Quando os aviões inimigos voam enquadrados de todos os ângulos, tomadas subjetivas através do visor das metralhadoras restituem a perspectiva e captam a emoção de um tiroteio aéreo. Em uma sequência excitante, a B-17 move-se em forma de espiral desordenada, Duas figuras de pára-quedas aparecem na fortaleza descontrolada; as exclamações esbaforidas da tripulação da “Memphis Belle” (“saiam daí rapazes!”) através do interfone enchem a trilha sonora. O diálogo pelo interfone foi reconstruído na fase de pós-produção, porque o ruído do motor e das armas a bordo tornava a gravação direta impossível. No final, vemos o retorno das Fortalezas – muitas delas danificadas -, os rapazes que chegaram feridos ou mortos, a alegria dos sobreviventes, a cerimônia de sua condecoração, e a visita do Rei e da Rainha da Inglaterra para cumprimentá-los
Em junho de 1944 – o mês em que Roma foi libertada pelos Aliados – Wyler e John Sturges (que já fizera vários filmes de treinamento para o Signal Corps) integraram-se no 57º Grupo de Aviões de Combate na base aérea de Alto, na Corsega. Sua tarefa era contar a história dos bombardeiros P-47 Thunderbolt da 12ª Fôrça Aérea, usados na Operação Strangle, com a finalidade de atingir as rotas de abastecimento alemãs na Itália.
Como não havia espaço nos aviões para o diretor e o cinegrafista, as câmeras tiveram que ser montadas na proa, na cabine do piloto, nas asas e até na cauda – todas cronometradas com o mecanismo de disparo das armas do avião. Bastava apertar dois botões, um marcado “Começo” e outro marcado ”Pare”, mas alguns dos homens a bordo não queriam se incomodar em operar as câmeras durante o vôo, outros achavam que a sua simples presença no avião dava má sorte, e outros simplesmente se esqueciam de usá-las no calor do momento. Por outro lado, elas só mostravam a perspectiva do piloto. Era preciso também tomadas contextuais – dos danos causados no solo e dos P-47 voando no céu. Para comprovar o quão mortífero foi o bombardeamento, Wyler e Sturges rumaram para Nápoles e de lá foram conduzidos de jipe para a frente de batalha, de onde trouxeram tomadas dos corpos estendidos nas margens das estradas, carros e linhas férreas destroçados, pontes e aquedutos derrubados.
O material filmado aéreo adicional foi obtido de um B- 25, bombardeiro médio de duas hélices, com Wyler sentado na frente ao lado do piloto, Sturges na cauda, e o tenente sargento Karl H. Maslowski, que era o outro cinegrafista, movendo-se rapidamente de um lado para o outro do avião com sua câmera. Ironicamente, esse material filmado em um vôo de rotina, sem artilharia antiaérea, sem armas de fogo, foi o mais penoso da guerra. O B-25 era um avião muito barulhento. Em determinado momento durante o vôo, Wyler arrastou-se pelo interior do avião com uma Eyemo, deitou-se no chão e começou a filmar. O ruído dos motores e o som alto do vento com a janela aberta do aparelho fizeram com que ele perdesse a maior parte de sua audição. Thunderbolt só seria completado após o armistício e quando foi oferecido de graça aos exibidores pelo War Department, ninguém se interessou. Finalmente, em julho de 1947, a Monogram Pictures distribuiu o filme com uma breve apresentação de James Stewart.
Depois de passar seis meses no Norte da África, Egito e Irã cumprindo tarefas para o Signal Corps, George Stevens foi encarregado de dirigir e organizar a Special Coverage Unit (SPECOU) – na qual estavam, os cinegrafistas Joseph Biroc e William Mellor, os roteiristas Ivan Moffat e Anthony Veiler, e os romancistas Irwin Shaw e William Saroyan – que, acompanhando o exército americano durante dois mêses segundo as instruções dos Generais Patton e Bradley, documentaram momentos cruciais do conflito mundial, como a invasão da Normandia, a libertação de Paris, o encontro das forças americanas e soviéticas no rio Elba, a devastação ocorrida na Batalha do Bolsão das Ardennas, a rendição de 320 mil homens da Companhia B do Exército Alemão, a descoberta de uma fábrica subterrânea gigantesca de bombas V-2 em Nordhausen, Alemanha, a chegada da 99ª Divisão de Infantaria no campo de concentracão de Dachau, o retiro de Hitler em Berchtesgaden nos Alpes etc.
A SPECOU se desfêz, mas Stevens permaneceu na Europa, encarregado de reunir evidência cinematográfica para instruir o processo dos criminosos de guerra nazistas nos julgamentos de Nuremberg em 1945-46. Nos próximos meses ele se devotou à realização de dois documentários: Nazi Concentration and Prison Camps e The Nazi Plan. O primeiro filme é uma compilação de 59 minutos de atrocidades. Antes das imagens dos campos, aparecem na tela documentos assinados por Stevens e Ray Kellog (que assumira a chefia do Field Photographic Branch), atestando sua autenticidade. A declaração escrita de Kellog foi feita na presença de John Ford, cuja assinatura aparece ao lado da sua. O segundo filme, procura demonstrar que os crimes de guerra da Alemanha foram o resultado de mais de uma década de planejamento e premeditação.
Em acréscimo a esses documentários de combate identificados com grandes diretores de Hollywood, foram feitos outros colaborativamente por equipes de filmagem (algumas vezes incluindo talentos de Hollywood) das várias forças armadas, destacando-se: A Batalha pelas Marianas / The Battle for the Marianas / 1944; Atacar! A Batalha da Nova Inglaterra / Attack! The Battle of New Britain / 1944; A Tomada de Tarawa / With the Marines at Tarawa / 1944 (dirigido por Louis Hayward (não creditado), premiado com o Oscar de Melhor Documentário Curto); Resisting Enemy Interrogation / 1944 (dirigido por Bernard Vorhaus (não creditado), Indicado para o Oscar de Melhor Documentário Longo); To the Shores of Iwo Jima / 1945; The Fleet That Came to Stay / 1945; Fury in the Pacific / 19
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Mais uma vez, uma excelente pesquisa e informação refente ao cinema.
OBRIGADO.
Obrigado José Maria. Veja de novo, pois acrescentei mais fotos.Um forte abraço.
Texto muito bom!
Obrigado Antonio. Você como sempre muito gentil. Gosto muito dos filmes sobre a Segunda Guerra Mundial, um assunto que sempre me fascinou. Vi praticamente todos os filmes de guerra americanos produzidos entre 1939 e 1949.Consegui cópias dos mais difíceis com colecionadores americanos. Assim, pude classificá-los por assuntos, como você verá no meu Hollywood na Segunda Guerra Mundial IV. Não sei se conseguí, pois alguns filmes são difíceis de classificar. Conto com leitores como você para me corrigirem.