Entre o início da Segunda Guerra Mundial na Europa até o ataque nipônico contra Pearl Harbor, Hollywood produziu filmes de propaganda de vários tipos: 1. filmes contra o Nazismo (Casei-me com um Nazista / The Man I Married / 1940, Fuga / Escape / 1940, Fugitivos do Terror / Three Faces West / 1940, O Grande Ditador / The Great Dictator / 1940, Quatro Filhos / Four Sons / 1940, Tempestades d’Alma / The Mortal Storm, O Homem Que Quís Matar Hitler / Man Hunt / 1941, Náufragos / So Ends Our Night / 1941, Proibidos de Amar / They Dare Not Love / 1941;
2. Filmes de resistência (A Besta de Berlim / Hitler, Beast of Berlin / 1939; A Voz da Liberdade / Underground / 1941);
3. Filmes “de prontidão”, mostrando que a América estava preparada para a guerra (Asas nas Trevas / Flight Command / 1940, Demônios do Céu / Dive Bomber / 1941, Batalhão de Paraquedas / Parachute Batallion / 1941, Revoada de Águias / I Wanted Wings / 1941);
4. Filmes incentivando a aliança anglo-americana (Mulheres na Guerra / Women in War/ 1940; Rumo ao Oeste / Escape to Glory / 1940, Um Ianque na RAF / A Yank in the RAF / 1941, Sedutora Internacional / International Lady / 1941, Confirme ou Desminta / Confirm or Deny / 1941, Esquadrilha Internacional / International Squadron / 1941, Quando Nasce o Dia / Sundown / 1941);
5. Filmes de espionagem ou sabotagem (Submarino Fantasma / The Phantom Submarine / 1940, Man at Large / 1941, Scotland Yard / Scotland Yard / 1941, Espiões do Eixo / World Premiere / 1941;
6. Filmes passados na Primeira Guerra Mundial, exaltando o heroismo (Regimento Heróico / The Fighting 69th / 1940; Sargento York / Sergeant York / 1940);
7. Filmes incentivando a intervenção dos Estados Unidos na Guerra: Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent / 1940; Levanta-te meu Amor / Arise my Love / 1940, Na Estrada de Burma / Burma Convoy / 1942);
8. Comédias patrióticas sobre recrutamento (Ordinário, Marche! / Buck Privates / 1941; Marinheiros de Água Doce / In the Navy / 1941; Aviadores Avariados / Keep’em Flying; Sorte de Cabo de Esquadra / Caught in the Draft / 1941, O Sabichão / Tanks a Million / 1941;
9. Comédias curtas satirizando o nazismo (Empapelando o Mundo / You Nazty Spy / 1940 (Três Patetas). Esses filmes levaram certos grupos a acusarem Hollywood de estar incitando o povo americano à guerra.
Em setembro de 1941, dois senadores isolacionistas, Gerald P. Nye do North Dakota e Bennett Champ Clark do Missouri, pediram uma investigação do Senado. Eles relacionaram a queixa com o o tema do monopólio (na verdade um oligopólio) da indústria cinematográfica, que tinha sido novamente despertado pela ação judicial antitruste proposta pelo Departamento de Justiça contra os grandes estúdios.
O senador Nye sustentou que apenas quatro ou cinco homens mantinham o controle monopolístico sobre o que milhões de americanos viam nos seus cinemas, e os três que citou pelo nome – Harry Warner da Warner Bros, Barney Balaban da Paramount e Nicolas Schenck da Loew’s Inc. -, eram todos judeus. Além de seus sentimentos religiosos e étnicos em relação à luta na Europa, Nye acusou-os de querer que os Estados Unidos interviessem, a fim de proteger seus interesses comerciais na Grã-Bretanha. Warner, Balaban e Schenck compareceram como depoentes, embora a voz mais persuasiva tivesse sido a de Darryl F. Zanuck, que começou indicando seu lugar de nascimento: Wahoo, Nebraska, e descrevendo seus pais e avós como americanos nativos e membros da Igreja Metodista durante toda a vida. O defensor da indústria, Wendell L. Willkie, ex-candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, argumentou que os filmes haviam sido baseados em fatos incontestáveis. O resto dos depoimentos foi anticlimático e a subcomissão do Senado na qual transcorreu a investigação não se reuniu novamente, antes que Pearl Harbor tornasse seu trabalho obsoleto.
Em 17 de dezembro de 1941, dez dias após o ataque japonês, o presidente Roosevelt nomeou o jornalista Lowell Mellett coordenador dos filmes de propaganda, para assessorar Hollywood na sua ajuda ao esforço de guerra. Roosevelt disse a Mellett: “O cinema americano é um dos meios de informação e entretenimento de nossos cidadãos e portanto deve ficar livre de censura na medida em que a segurança nacional permita”. A mensagem de Roosevelt era de muita importância para a indústria do cinema, indicando que Hollywood poderia continuar suas operações comerciais e sem grande interferência de Washington.
Mellett apenas comunicou a todos os estúdios que havia seis assuntos relacionados com a guerra, e que o governo esperava ver tratados em filmes de ficção, cine-jornais, shorts, e documentários: As Questões – por que combatemos, a paz; O Inimigo – sua natureza; Nossos Aliados: Trabalho e Produção; A Frente Doméstica – sacrifício; e As Forças Armadas dos Estados Unidos – sua tarefa nas frentes de batalha.
Na verdade, os estúdios já haviam começado a apoiar as políticas intervencionistas não oficiais do presidente. Em junho de 1940, o Hays Office havia formado o Motion Picture Committee Cooperating for National Defense com a finalidade de produzir shorts relacionados com a defesa do país e cuidar da distribuição gratuita dos filmes de propaganda produzidos por várias agências governamentais. Após o ataque japonês, este grupo tornou-se o War Activities Committee of the Motion Picture Industry – WAC, liderado pelo ex-executivo da RKO, George Schaefer, que conseguiu colocar aqueles filmes em mais de dez mil cinemas. Entre os filmes que circulavam nessa ocasião – denominados Victory Films -, estavam os de recrutamento, procurando atrair voluntários para as forças armadas ou braços para a indústria de guerra. No meio de muitas dezenas de outros, incluiam-se Quem Quiser Ter Asas / Winning Your Wings, no qual aparecia James Stewart convocando os rapazes para a aviação; A Mulher e a Guerra nos Estados Unidos / Women in Defense, com Katharine Hepburn narrando um comentário escrito por Eleanor Rosevelt, destinado a encorajar a adesão feminina; Força para a Defesa / Power for the Defense, mostrando como a energia do Vale do Tennessee era usada para movimentar as máquinas das fábricas; Aviões de Bombardeio / Bomber e Tanques de Guerra / Tanks, realçando a construção e o valor de tais veículos na guerra moderna.
Poucas semanas após a entrada dos Estados Unidos no conflito mundial, tanto a Warner como Disney começaram a trabalhar nos projetos de animação relacionados com o esforço de guerra. Em janeiro de 1942 foram lançados Any Bonds Today? , desenho de dois minutos do coelho Pernalonga produzido pela unidade de Leon Schlesinger, estimulando a compra dos bônus de guerra e The New Spirit, desenho de oito minutos do Pato Donald produzido por Walt Disney, destacando a importâcia do recolhimento dos impostos para a vitória, ambos produzidos para o Departamento do Tesouro.
O estúdio Disney, com seus 1.200 empregados, foi o único classificado como fábrica de produção de guerra oficial pelo governo e, por causa disso, ficava cercado por sacos de areia e artilharia antiaérea. Durante a Segunda Guerra Mundial, 90% dos animadores realizaram centenas de fimes de treinamento e de informação e desenharam mais de mil insígnias militares, sendo que o Pato Donald figurou em mais de quatrocentas das mesmas. Em 1943, Disney fez The Spirit of 43, Vitória pela Fôrça Aérea / Victory Through Air Power (baseado no livro do major Alexander de Seversky sôbre o bombardeio estratégico de longo alcance, encaixando desenho e ação “ao vivo”), e dois especiais, Educação para a Morte / Education for Death -The Making of a Nazi e Razão e Emoção / Reason and Emotion. No mesmo ano, Vida de Nazista / Der Fuherer’s Face, desenho do Pato Donald satirizando o nazismo, obteve o Oscar da Academia. Nos outros desenhos, Disney também introduzia temas de propaganda , como em Donald é Sorteado / Donald Gets Drafted / 1942, A Mascote do Exército / The Army Mascot / 1942, O Soldado Invisível / The Vanishing Private / 1942, Aviador do Barulho / Sky Trooper / 1942, A Sentinela / Private Pluto / 1943,; O Automo … Bastão / Victory Vehicles / 1943, Pateta, o Marujo / How to be a Sailor / 1944, O Paraquedista / Commando Duck / 1944 etc.
As unidades de animação dos outros estúdios atuaram mais esporadicamente mas no todo a produção de cartoons relacionados com a guerra foi substancial. Eis alguns exemplos: a unidade de Fleischer na Paramount (e depois seus sucessores na fase Famous Studios) acionou o marinheiro Popeye em filmes como Popeye Motorizado / Many Tanks / You’re a Sap, Mr. Jap / 1942, Ao Fundo os Japoneses / Scrap the Japs / 1942, Spinach for Britain / 1943 etc. e o Superhomem (Superman) em Sabotagem e Companhia / Destruction Inc. / 1942, A Mão Infalível / The Eleventh Hour / 1942 e Japoteurs / 1942; a unidade Hanna-Barbera da MGM ganhou o Oscar de 1943 pelo seu desenho patriótico O Rato Patriota / Yankee Doodle Mouse; a unidade de Schlesinger na Warner usou novamente o Pernalonga, desta vez para enfrentar os japoneses em Bugs Bunny Nips the Nips / 1944 e os alemães em Herr Meets Hare / 1945 enquanto o Patolino (Daffy Duck) desafiava o oficial nazista Von Vulture em Daffy – the Commando / 1943 e o Gaguinho (Porky Pig) estrelava a paródia de um filme de ficção da Warner, Confessions of a Nutzy Spy / 1942; a unidade de Paul Terry (Terrytoons) na Universal, colocou seu Gandy Goose em Pigeon Patrol / 1942, o primeiro cartoon que retatou os japoneses como animais – o vilão era um abutre nipônico; George Pal fez uma alegoria da invasão nazista da Dinamarca e da resistência no seu Puppetoon As Tulipas Voltarão a Florir / Tulips Shall Grow / 1942, e recebeu uma indicação para o Oscar.
Convém mencionar ainda os desenhos da série Private Snafu que a Warner produziu para a Army-Navy Screen Magazine. Supervisionados por Chuck Jones, estes cartoons tinham valores de produção modestos, eram exibidos somente para o pessoal militar e muito mais sensuais e maliciosos do que os desenhos animados comerciais. Chuck Jones dirigiu (sem ser creditado) quase a metade da série, inclusive o desenho de abertura, Coming Snafu / 1943, I. Freleng e Frank Tashlin dirigiram a maioria dos restantes, e Mel Blanc providenciou a voz do Soldado Snafu.
Hollywood procurou compensar a perda do mercado europeu, bloqueado pela expansão nazista, aproximando-se da América Latina. Em 14 de junho de 1940, Errol Flynn, foi recebido no Palácio do Catete pelo presidente Getúlio Vargas, com a presença também da Sra. Alzira Vargas e Getulio Vargas Filho. No dia seguinte, Flynn escreveu para o presidente Roosevelt relatando o acontecimento. Ele disse a Roosevelt que, pela conversa, acreditava que Vargas era favorável à união panaamericana. Depois do encontro com Vargas, o ator americano fez uma declaração em inglês para a Hora do Brasil, transmitida em cadeia nacional. Flynn saudou os brasileiros com um “Boa noite!” , falado em português, agradeceu a acolhida do povo brasileiro e terminou seu discurso dizendo que esperava que sua visita ajudasse no estreitamento das relações entre a América do Sul e a América do Norte.
Em 1941, Walt Disney fez o roteiro latino-americano em prol da política da boa vizinhança, durante o qual seus artistas colheram as histórias e os tipos que seriam utilizados em Alô, Amigos! / Saludos Amigos!, lançado no ano seguinte. O episódio brasileiro, Aquarela do Brasil, mostrava Aurora Miranda dançando e cantando com o Pato Donald e o Zé Carioca, este dublado pelo violonista Zezinho de Oliveira. A receita seria repetida, sem Aurora Miranda, em Você Já Foi à Bahia? / The Three Caballeros, produção de 1944.
Disney chegou ao Rio em 17 de agosto de 1941 e ficou entre nós até 8 de setembro. Entre os vários eventos dos quais participou, destacaram-se o encontro com o presidente Getulio Vargas e sua esposa Sra. Alzira Vargas na estréia de Fantasia no cinema Pathé-Palace; a audição de músicas brasileiras executadas pela orquestra da Radio Clube do Brasil com Paulo Tapajós e Nuno Roland como cantores e Ary Barroso ao piano; a conversa com Vila Lobos; a transmissão pela Hora do Brasil, na qual reproduziu no microfone a voz do camondongo Mickey (que era a sua própria voz em falsete); o almoço no Palácio Itamaraty recepcionado por Oswaldo Aranha, Ministro das Relações Exteriores, quando foi condecorado com o grau de oficial da Ordem do Cruzeiro do Sul; o espetáculo especial que lhe foi oferecido no Cassino da Urca com uma breve reconstituição de Branca de Neve, na qual o cantor Candido Botelho apareceu como o Príncipe Encantado e as “girls” do cassino representaram os sete anões.
Em abril de 1941, Douglas Fairbanks Jr. foi convidado pelo subsecretário de Estado Sumner Welles, com a aprovação do presidente Roosevelt, para cumprir uma missão na América Latina. O objetivo oficial da excursão era investigar os efeitos dos filmes americanos naquela região (“Queremos que os outros povos nos vejam como realmente somos” disse ele em uma entrevista), mas na realidade visava avaliar o grau de simpatia dos latino-americanos para com os países do Eixo e os Estados Unidos. Ele chegou ao Brasil em 24 de abril e os jornais da época cobriram diuturnamente sua estadia em nosso país, inclusive seu encontro com o Presidente Getúlio Vargas e sua visita ao campo do Botafogo, a tempo de assistir ao Fla Flu no final do Torneio Início, vencido pelo Fluminense.
É muito conhecido o episódio da estada de Orson Welles no Brasil para filmar It’s All True. No livro-entrevista organizado por Peter Bogdanovich (This is Orson Welles, 1992) o diretor deixou bem claro que veio ao nosso país por motivos políticos, isto é, para promover as relações entre os Estados Unidos e o Brasil. “A RKO entrou com o dinheiro, porque estavam sendo chantageados, obrigados, influenciados – ou qualquer outro termo que você queira usar – por Nelson Rockefeller, que era também um de seus patrões na época, para dar esta contribuição para o esforço de guerra … Eu simplesmente não sabia como recusar. Era um trabalho de graça para o governo, que realizei, porque foi colocado para mim como um dever”.
Welles chegou ao Brasil em 8 de fevereiro de 1942 com a intenção de filmar dois episódios de It’s All True (Tudo é Verdade). O primeiro episódio era sobre o carnaval, o samba e o cadomblé; o segundo episódio, uma história feita em homenagem a quatro jangadeiros cearenses que haviam realizado uma grande façanha. No ano anterior, Welles tinha lido na revista Time uma reportagem sobre a travessia por mar da Praia do Peixe (hoje Praia de Iracema) de Fortaleza ao Rio de Janeiro, feita pelos jangadeiros Manuel Olímpio Meira (o Jacaré), Jeronimo André de Sousa (o Mestre Jerônimo), Raimundo Correia Lima (o Tatá) e Manuel Pereira da Silva (o Manuel Preto), para pedir providências ao Presidente da República sobre os seus direitos previdenciários. Depois de 61 dias com 2.381 km percorridos, os jangadeiros chegaram à Baia de Guanabara e foram recepcionados como heróis. Vargas os recebeu e, só depois de conseguirem a promessa do presidente de ampará-los, voltaram para o Ceará, desta vez em um bimotor da Navegação Aérea Brasileira.
Em 16 de fevereiro, o Diário da Noite anunciou que o baile de gala do Teatro Municipal, patrocinado pela Sra. Darcy Vargas em benefício da Cidade das Meninas seria filmado em Technicolor por Orson Welles e constituiria sequências principais da sua esperadíssima produção Tudo é Verdade”. A Sra. Adalgiza Nery Fontes, Candido Portinari, Herbert Moses, José Lins do Rego e Welles comporiam o júri que julgaria as fantasias femininas e masculinas e cinco orquestras típicas dirigidas por Fon-Fon, Donga, Napoleão Tavares, Sátiro Melo e Chiquinho executariam o repertório do Carnaval de 1942.
Em 27 de fevereiro, Welles e Phil Reismann, vice-presidente da RKO-Radio Pictures, encontraram-se com o presidente Getulio Vargas no Palácio Rio Negro, estando presentes também a Sra. Alzira Vargas; Turner Catledge, do jornal Chicago Sun; Lourival Fontes, diretor geral do DIP e Assis Figueiredo, diretor da Divisão de Turismo do DIP.
Welles filmou o carnaval carioca e, em 8 de marco rumou para Fortaleza, acompanhado de seu assistente Richard Wilson. Dois meses mais tarde, Jacaré e seus três companheiros foram trazidos de avião para o Rio onde, ao lado de Grande Otelo, participariam de algumas cenas do episódio carnavalesco e reconstituiriam, em uma praia da Barra da Tijuca, a chegada da jangada “São Pedro” à Baía de Guanabara. Várias tomadas chegaram a ser feitas no dia 19, mas uma manobra infeliz da lancha que rebocava a jangada jogou ao mar agitado os seus quatro tripulantes. Três se salvaram, porém o corpo de Jacaré nunca foi encontrado.
Ainda assim, Welles retomou a filmagem, apesar das coações veladas da ditadura getulista (ao governo não interessava que o mundo visse um Brasil mestiço com pescadores vivendo em casas de pau-a-pique) e do assédio crescente da RKO e do governo americano, que o acusavam de estar gastando muito dinheiro e só filmando “crioulos, miséria e misticismo”, além de levar uma vida mundana extravagante.
Welles chegou novamente a Fortaleza no dia 13 de junho, e ali rodou (com o fotógrafo húngaro George Fanto e seu assistente de câmera, Reginaldo Calmon – e acionando um fotógrafo de cena local, Chico Albuquerque), nas areias do Mucuripe, a história de amor entre um jovem pescador (José Sobrinho) e uma bela morena (Francisca Moreira da Silva), o casamento dos dois, a morte do jangadeiro e seu enterro nas dunas, a consequente revolta dos pescadores pelas suas precárias condições de vida.
Na fase de montagem, devido a mudanças na empresa, Welles foi demitido, e o filme confiscado pela RKO, que depois foi vendida à Lucille Ball e Desi Arnaz, para se tornar o Desilu Studio. Posteriormente, a Desilu veio a ser absorvida pela Paramount Pictures, onde 309 latas de negativo em nitrato foram descobertas em 1982 por um executivo do estúdio, Fred Chandler. Este material foi usado por Richard Wilson, Myron Meisel e Bill Krohn em um documentário em 1993.
Em maio de 1943, John Ford chegou ao Brasil, para – com aprovação do DIP e do nosso Ministro da Guerra – supervisionar a produção de uma série de filmes que descrevessem a contribuição do Brasil para o esforço de guerra. Associados ao comandante Ford nesse projeto vieram também o cinegrafista Gregg Toland, o produtor e roteirista Samuel G. Engel, Bert Cunningham (fotógrafo especialista em cine-jornais) e técnicos. Ford ficou entre nós apenas três semanas, durante as quais foi ao Cassino da Urca; visitou Quitandinha; assistiu na Atlântida a filmagem de Moleque Tião / 1943 com Grande Otelo, e foi apresentado ao presidente Getulio Vargas por Raoul Roulien no Palácio Rio Negro em Petrópolis.
Após a partida de Ford, a missão ficou sob o contrôle de Gregg Toland, que contou ainda com a assessoria de um brasileiro, Jorge de Castro, cinegrafista da Marinha. A chamada Missão Ford, inicialmente prevista para durar quatro mêses, acabou se estendendo por mais de um ano. Foram fotografados vários aspectos do esforço de guerra, registrando a cooperação entre a Marinha Brasileira e a Americana, o patrulhamento do Atlântico Sul, a produção de materiais essenciais para a guerra tais como borracha, cristal de quartzo, mico, manganês etc.
Em maio de 1944, um dos filmes realizados pela Missão Ford, São Paulo Industrial, foi apresentado no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e poucos dias depois em São Paulo no Palácio dos Campos Elíseos. São Paulo não mostrava a pobreza urbana ou favelas e uma única pessoa de cor sequer aparecia no documentário – o exato oposto do que Welles tentara descrever em It’s All True. Era um tributo ao principal centro cosmopolita e industrial do Brasil e ao esforço de guerra do país bom vizinho como um todo. O filme serviu de modelo para outros exemplares da Missão Ford como, por exemplo, Belo Horizonte / 1945, sobre a capital de Minas Gerais, enfatizando os recursos vitais em tempo de guerra da região como o minério de ferro.
O relacionamento de Hollywood com Washington assumiu uma dimensão mais formal e burocrática em junho de 1942, com a criação oficial do Office of War Information – OWI, dirigido pelo radialista Elmer Davis. As funções do OWI eram: intensificar a compreensão da opinião pública sobre a guerra no país e no exterior, coordenar as atividades de informação do governo, e servir como contato com a imprensa, o radio e o cinema. A OWI repartiu sua responsabilidade no além-mar com o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs – OCIAA (ex-Office for Coordination of Comercial and Cultural Relations between the Americas), chefiado pelo neto de John D. Rockefeller, Nelson Aldrich Rockefeller. O cinema desempenhou um papel importante na estratégia de propaganda do OCIAA.
A Divisão de Cinema ficou sob a responsabilidade de John Hay Whitney, amigo multimilionário de Nelson, que tinha experiência em Hollywood e fácil acesso aos altos escalões da colônia cinematográfica. Uma de suas funções era promover a produção americana de filmes de longa e curta-metragem (v.g. Arsenal of Might / 1942, Keeping Fit / 1942, What Are We Fighting For / 1943, com 10 minutos de duração, produzidos pela Universal para a série apelidada de America Speaks), e de cine-jornais sobre os Estados Unidos e as “outras Américas”, distribuindo-os nos países latino-americanos.
A Divisão também promovia a inclusão de artistas latino-americanos nos filmes mericanos (vg. Carmen Miranda, Arturo de Cordova, Carlos Ramirez, Tito Guizar, José Iturbi, Xavier Cugat etc.), tratava de melhorar a imagem que Hollywood havia forjado para os latinos, e aconselhava os estúdios que evitassem as gafes sobre os costumes da América Latina (onde já se viu a nossa Carmen Miranda cantando em português uma rumba intitulada “South American Way” em um filme feito para homenagear a Argentina – Serenata Tropical / Down Argentine Way / 1941 (Dir: Irving Cummings) – no qual, aliás, não havia um só cidadão argentino no elenco?).
A equipe de trabalho de Mellett, agora chamada de Bureau of Motion Pictures – BMP, estava dentro do ramo doméstico do OWI. Do seu escritório em Washington, Mellett supervisionava a produção de shorts de propaganda e um escritório em Hollywood sob a chefia de Nelson Poynter, cuidava das relações com a indústria cinematográfica.
Enquanto a distribuição dos filmes de propaganda transcorria tranquilamente, a tentativa do BMP de trabalhar com os realizadores de Hollywood em filmes relacionados com a guerra foi uma tarefa mais complexa e difícil. Em dezembro, Mellett surpreendeu a indústria, enviando uma carta para todos os estúdios, aconselhando-os a submeter seus scripts e os copiões dos filmes rotineiramente ao escritório do BMP, que poderia recomendar alguns cortes. O BMP codificou seus pontos de vista em um manual. A primeira pergunta que todos os envolvidos na produção deveriam fazer era: “Este filme conseguirá ajudar a ganhar a guerra?”. Inicialmente os executivos da indústria protestaram, mas depois concordaram com a censura informal proposta por Mellett. Por volta de 1943, após a saída de Mellett e Poynter, desprestigiados com um corte de verbas pelo Senado, o OWI e a indústria estabeleceram relações de trabalho mais confortáveis, que seriam mutuamente benéficas.
Outro órgão importante de supervisão por parte do governo, o Office of Censorship, chefiado por Byron Price, fiscalizava a importação de filmes estrangeiros e a exportação de filmes domésticos. Basicamente, o que os censores queiram era saber se tais filmes poderiam ser de algum valor para o inimigo. Por exemplo, se mostravam em segundo plano estaleiros ou vias férreas, fábricas de produção de guerra e instalações militares, o contorno da costa e posições estratégicas, e novas aeronaves ou armamentos.
O Office of Censorship interessava-se também por cenas que pudessem ser transformadas em propaganda do inimigo ou que apresentassem cidadãos dos países aliados ou neutros de forma depreciativa. Por exemplo, em 1942, a Republic Pictures anunciou que estava engavetando os planos de filmar o seriado Fu Manchu Strikes Back, em respeito ao povo chinês. Mas após considerarem com calma os lucros que haviam auferido com o primeiro seriado, Os Tambores de Fu Manchu / Drums of Fu Manchu /1940, preferiram apenas transformar o famoso vilão oriental em um inimigo dos japoneses. Entretanto, o novo Fu Manchu acabou não aparecendo nas telas. Diferentemente da OWI, o Office of Censorship não conversava com os chefes dos estúdios antes ou durante a produção. Qualquer alteração que fosse necessária no conteúdo dos filmes era feita na pós-produção, sendo, portanto, mais dispendiosa.
Apoiados pelo Research Council of the Motion Picture Academy, presidido por Darryl F. Zanuck, os estúdios dedicaram-se aos filmes de treinamento – também conhecidos como pedagógicos ou filmes “nuts and bolts” (de aspectos práticos) -, sem visarem a lucros. Em 1944, a produção tinha alcançado a percentagem de vinte filmes por semana e, graças a eles, segundo palavras do general Eisenhower, a fase de treinamento pôde ser abreviada colocando os soldados prontos para entrar em combate com maior antecedência.
A princípio, os pedagogos das forças armadas fizeram restrições aos shorts de Hollywood: “Um filme de treinamento deve ser considerado como um livro escolar … Não existe obrigação da parte do livro escolar de ser divertido ou agradável”. Porém quando o Exército precisou de uma série de filmes sobre “condicionamento antes do combate” e “psicose do campo de batalha”, ele recorreu instintivamente a Hollywood, “onde as instalações e o pessoal experimentado da indústria cinematográfica americana podiam incutir nesses filmes o realismo e a dramatização de que necessitamos”. O resultado foi a série de muita influência, Fighting Men (1942-1943), devotada principalmente às pressões psicológicas da guerra.
Em fevereiro de 1942, o General Marshall ordenou a criação do Signal Corps Photographic Center depois denominado Army Pictorial Service (APS) para produzir filmes para o treinamento, endoutrinação e divertimento das forças armadas americanas e de seus aliados. O APS instalou-se no Astoria Studios em Long Island, Nova York (fundado em 1920 pela Famous Players-Lasky, depois Paramount), e produziu mais de 2.500 filmes durante a guerra com mais de 1.000 dublados em outros idiomas
Em julho do mesmo ano, foi formada pela Fôrça Aérea dos Estados Unidos (USAAF) a First Motion Picture Unit (FMPU), comandada pelo tenente coronel Jack Warner, com a tarefa de produzir filmes para treinamento das tropas e dos cinegrafistas de combate. Inicialmente a FMPU operava nos estúdios da Vitagraph que, no entanto, se mostrou inadequado para a produção de filmes na escala requerida pela unidade. Assim, em outubro, o FMPU requisitou o Hal Roach Studios, que foi apelidado de Fort Roach. Warner voltou para a sua companhia produtora Warner Bros. e o tenente coronel Paul Mantz (o famoso stunt pilot) assumiu o comando da unidade.
O primeiro projeto foi um filme de treinamento de vôo intitulado Learn and Live, que se passava em um “Paraíso de Pilotos”onde aparecia o ator Guy Kibee como São Pedro. Para demonstrar as técnicas corretas da aviação eram mostrados onze erros comuns de direção de vôo. O filme foi muito elogiado e levou a uma série de filmes inclusive Learn and Live in the Desert, Ditch and Live e Learn and Live in the Jungle. Outro filme realizado pela FMPU, Resisting Enemy Interrogation, foi louvado pelos militares e considerado “o melhor filme educativo” produzido durante a guerra, tendo sido indicado para o Oscar de Melhor Documentário em 1944.
Os Film Daily Yearbooks de 1942 e 1943 dão uma lista imensa do pessoal de cinema que prestava serviço nas forças armadas naqueles anos, destacando-se: Darryl F. Zanuck, Merian C. Cooper, James Stewart, Frank Capra, Lloyd Bacon, Robert Montgomery, Douglas Fairbanks Jr., John Ford, Gregg Toland, Anatole Litvak, Garson Kanin, Richard Barthelmess, Alan Ladd, Van Heflin, Jon Hall. John Alton, Louis Hayward, Robert Cummings, Gene Autry, Lew Ayres, John Huston, George Cukor, William Keighley, Clark Gable, Joseph H. Lewis, William Holden, Cesar Romero, Robert Preston, George O’Brien, George Brent, Robert Taylor, Victor Mature, Melvyn Douglas, John Carroll, John Payne, Gilbert Roland, Wayne Morris, Donald Crisp, MacDonald Carey, Bruce Cabot, Sterling Hayden, Henry Fonda, Robert Stack, Robert Parrish, Robert Mitchum, Burgess Meredith, George Stevens, Ronald Reagan, Glenn Ford, entre inúmeros outros.
Isso sem contar os artistas que, no futuro, iriam despontar nas telas, como Lee Marvin, Charles Bronson, Rock Hudson, Paul Newman, Kirk Douglas, Jason Robards Jr., Telly Savalas, George Kennedy, James Arness, Jack Palance e Audie Murphy (o soldado mais condecorado na Segunda Guerra Mundial, recebendo 24 medalhas, inclusive a Congressional Medal of Honor), contando-se, entre os diretores, Robert Altman, Richard Brooks, Martin Ritt, Samuel Fuller etc. O ator Donald Crisp, veterano da Primeira Guerra Mundial, com 62 anos de idade, estava em atividade na inteligência militar e até Francis Ford, o irmão mais velho de John Ford, alistou-se em abril de 1943, mas foi desligado, durante um treinamento, quando descobriram sua verdadeira idade: sessenta e cinco anos. Robert Taylor, por esemplo, serviu como instructor de vôo no setor de transporte aeronaval, chegou a dirigir 17 filmes de treinamento e narrou o documentário de longa-metragem Belonave / The Fighting Lady. Clark Gable, na aviação, cumpriu várias missões sobre a Alemanha e atingiuou o posto de Major. James Stewart, comandante de bombardeiro, fez muitos vôos arrojados contra o inimigo e se reformou em 1968 como general-brigadeiro da Air Force Reserve.
Muita gente pode ter pensado que John Wayne, o homem que simbolizaria o patriotismo e o orgulho americano praticamente ganhou a Segunda Guerra Mundial. E, se ele não ganhou, Errol Flynn ganhou – ou pelo menos ele retomou Burma sozinho (em Um Punhado de Bravos / Objective Burma / 1945), o que naturalmente enfureceu os inglêses. O fato porém é que nem Wayne nem Flynn jamais vestiram um uniforme ou dispararam um só tiro no conflito mundial.
Pai de quatro filhos, casado (embora separado da esposa, Josephine) e com 34 anos de idade em 1942, Wayne foi classificado pelo Selective Service como 3-A (isenção por ser arrimo de família). Em 1944, quando os militares receavam uma falta de combatentes, ele foi reclassificado como 1-A (apto para o serviço militar). Não existe prova de que ele tivesse contestado essa reclassificação, porém seu empregador, o estúdio da Republic Pictures o fez, solicitando que fosse concedida ao ator a classificação 2-A (isenção no interesse nacional, isto é, venda de bônus de guerra, visita às tropas etc.). Wayne foi muito criticado, por não ter demonstrado interesse em servir a pátria, preferindo incrementar sua carreira.
Errol Flynn não serviu nas forças armadas porque sofria de malária recorrente e também de tuberculose. Quando a Warner Bros. tentou fazer o seguro dele nos meados dos anos trinta, os médicos verificaram que ele estava nos estágios iniciais de insuficiência cardíaca congestiva. Flynn tentou se alistar no Exército, na Marinha, no Corpo de Fuzileiros Navais e no Corpo Aéreo do Exército, mas foi rejeitado em todas as vêzes. O estúdio ocultou as razões de sua rejeição, porque seus executivos acharam que isto prejudicaria a imagem cinematográfica do astro.
Ficou muito conhecido o caso de Lew Ayres, que interpretara o papel do jovem soldado alemão morto ao esticar o braço para fora da trincheira, tentando pegar uma borboleta no filme Sem Novidade no Front / All Quiet on the Western Front / 1930. Em março de 1942, Ayres foi classificado como 4E e internado em um Co Camp (Conscientious Objector Camp) destinado para pessoas que, por questões de consciência, recusavam-se a tomar parte ativa na guerra. A notícia de que um ator de Hollywood recusara-se a cumprir seu dever patriótico, despertou o clamor público, e foi causa de debate. Eventualmente, ele foi reclassificado, serviu com coragem e distinção durante três anos e meio como padioleiro e enfermeiro no corpo médico das operações no Pacífico Sul e doou todo o dinheiro que ganhou nas forças armadas para a Cruz Vermelha Americana. Os nativos das Filipinas na Campanha de Leyte costumavam chamá-lo de Dr. Kildare, personagem que ele encarnava na conhecida série da MGM.
Nenhum artista convocado obteve tanta publicidade como Ronald Reagan. Ele ficava bem de uniforme e seu estúdio e as revistas de fãs esforçaram-se para retratá-lo como o soldado do Exército modelo, casado com uma esposa exemplar do tempo da guerra, Jane Wyman, que também era atriz. Como oficial da cavalaria da reserva, Reagan foi chamado em abril de 1942 mas, devido a sua deficiência de visão, ficou desqualificado para o serviço ativo. Ele jamais deixou a Califórnia durante o conflito mundial. Seu primeiro pôsto foi no quartel da cavalaria em Fort Mason, sendo em seguida requisitado pela Força Aérea para integrar a FMPU, sua unidade cinematográfica sediada no Hal Roach Studios. Os shorts mais conhecidos nos quais participou foram Além do Dever / Beyond the Line of Duty / 1942 (premiado com o Oscar de Melhor Curta-Metragem de dois rolos e Artilheiros das Nuvens / Rear Gunner / 1943.
Mais tarde, quando Reagan enveredou pela política, ele deixou claro que não era um herói de guerra, mas sempre que contava suas histórias sobre aquele acontecimento, fundia realidade e ficção na sua mente, chegando às vêzes a confundir as duas. Por exemplo, Reagan contou para o líder de Israel Yitzhak Sahmir e os caçadores de nazistas Simon Wiesenthal e Rabin Marvin Hier que sua precupação com Israel datava desde a epóca em que, como oficial do Signal Corps, ele filmou os campos de concentração. Quando desafiado pelos repórteres, para esclarecer sua declaração, Reagan disse que estava se referindo a alguns “filmes secretos” (na realidade exibidos nos cinemas americanos em 1945), que havia visto em Fort Roach.