FILMES BÍBLICOS NO CINEMA MUDO AMERICANO
dezembro 26, 2014Desde os seus primórdios o Cinema Americano produziu filmes cujas tramas e personagens são baseados no Antigo e no Novo Testamento. Porém temos que distinguir: 1. Filmes que respeitam bastante o texto da Bíblia (vg. Da Manjedoura a Cruz, cujos intertítulos foram extraídos diretamente dos Evangelhos; 2. Filmes que contam uma história da Bíblia, porém acrescentam personagens e situações não incluídas no Livro Sagrado (vg. Os Dez Mandamentos, que apresenta a história de Moisés do Livro do Êxodo, mas também adiciona outro enredo desenrolado na era moderna; 3. Filmes que focalizam um personagem ou história relativamente secundários da Bíblia (vg. Salomé, no qual a filha de Herodes, é transformada em um personagem principal embora seu nome nunca seja mencionado nos Evangelhos); 4. Filmes nos quais os eventos bíblicos são apenas elementos subsidiários na história do filme (vg. Ben-Hur que, apesar de seu subtítulo A Tale of the Christ, é na verdade a história do seu personagem-título, um judeu aristocrata que se encontra momentanemente com Jesus durante a narrativa).
O primeiro filme bíblico americano foi exibido em 30 de janeiro de 1898. Chamava-se The Passion Play e foi produzido por Richard G. Hollaman, presidente do Eden Museum (museu de cera que também apresentava concertos musicais até 18 de dezembro de 1896, quando filmes começaram a ser projetados) e Albert Eaves, dono de uma companhia especializada em confeção de trajes para teatro. A Passion Play é uma representação dramática descrevendo o sofrimento de Jesus Cristo (algo parecido com o espetáculo de Nova Jerusalém em Pernambuco). O filme de Hollaman foi realizado relativamente em segredo por dois motivos principais: primeiro, porque estava sendo produzido sem licença de Edison nem dos empresários Klaw e Erlanger, que achavam que detinham os direitos de filmagem de todas as Paixões de Cristo, porque haviam adquirido dos habitantes de Horitz, na Boêmia, os direitos de filmagem das performances ao vivo da Paixão de Cristo internacionalmente conhecida, que ali vinham sendo apresentadas há séculos; segundo, porque a intencão de Hollaman-Eaves era apresentar audaciosamente seu filme como um registro autêntico filmado de outra Paixão de Cristo famosa, encenada em Oberammergau na Bavária desde 1634. Henry C. Vincent supervisionou a produção, pintou os cenários, fabricou os adereços e selecionou os atores. Frank Russell interpretou Cristo, Frank Gaylor assumiu os traços de Judas e Fred Strong o papel de Pilatos. William Paley fotografou as cenas com sua câmera no telhado do Grand Central Palace em Nova York. Como a filmagem só era possível nos dias de sol e mesmo assim somente por umas poucas horas, ela levou seis semanas para acumular 23 cenas. Filmadas em trinta fotogramas por segundo, elas produziram dezenove minutos de projeção. As cenas, com seus cenários escassos e composições simples e frontais, evocavam a longa e poderosa tradição das pinturas religiosas.
Em 1898, Sigmund Lubin fez em Filadélfia uma versão da Paixão de Cristo, sua produção mais cara e ambiciosa até então. Lubin era muito interessado em religião e bem versado em história bíblica. Ele empregou quase mil pessoas na realização do espetáculo religioso. Cada participante ganhava um ou dois dólares por dia além do transporte e almoço grátis. O próprio Lubin participou da filmagem, interpretando alguns dos papéis principais, inclusive o de Pôncio Pilatos. O filme foi oferecido com uma palestra impressa, escrita por Lubin, e instruções para proporcionar uma apresentação a mais eficiente. Lubin ficou tão satisfeito com a sua primeira grande produção que, durante anos, enviou projetores, projecionistas e cópias da sua Passion Play para conventos, missões e prisões – gratuitamente.
Nos próximos anos foram feitos outros filmes bíblicos curtos respectivamente por três companhias: Edison Manufacturing Company (The Star of Bethlehem / 1909), Kalem (Ben-Hur / 1907 com Herman Rotter como Ben-Hur e o futuro grande cowboy da tela William S. Hart como Messala; David and Goliath / 1908; Jerusalem in the Time of Christ / 1908), Vitagraph (The Judgement of Solomon/ 1909 com William Humphrey como Salomão, Jephtah’s Daughter / 1909 com a nadadora australiana Annette Kellerman no papel-título); Saul and David / 1909 com Maurice Costello como David e William V. Ranous como Saul; Salome com Florence Lawrence como Salomé e Maurice Costello como Herodes; The Way to the Cross / 1909; The Life of Moses / 1909 com Pat Hartigan como Moisés; The Deluge / 1911; Adam and Eve / 1912 com Harry T. Morey como Adão e Leah Baird como Eva; Powers Picture Play (Jephtah’s Daughter / 1913 nova versão com os atores inglêses Constance Crawley e Arthur Maude); Tanhauser (Joseph in the Land of Egypty / 1914 com James Cruze (depois diretor) como José e Marguerite Snow como a mulher de Potifar).
FILMES BÍBLICOS DE LONGA-METRAGEM (MAIS DE 50 MIN.) REALIZADOS NO PERÍODO SILENCIOSO:
DA MANJEDOURA A CRUZ / FROM THE MANGER TO THE CROSS / 1912.
Dir: Sidney Olcott. El: Robert Henderson-Bland (Jesus), Gene Gauntier (Maria), Alice Hollister (Maria Madalena), Samuel Morgan (Pilatos), James Ainsley (João Batista), Robert G. Vignola (Judas), George Kellog (Herodes).
Primeiro filme bíblico com mais de 50 minutos realizado pela Kalem com intertítulos extraídos pelo roteirista Gene Gauntier (que também interpretou o papel da mãe de Jesus) diretamente da versão do Rei James dos Evangelhos e cenas filmadas em Belém, Nazaré e Jerusalem – que eram certamente melhores do que os cenários pintados dos filmes anteriores. Não se sabe porque Gauntier não mostrou o batismo de Jesus ou sua ressurreição do túmulo. Porém, na sua maior parte, o espetáculo – que se assiste como uma peça teatral, sem close-ups ou movimentos de câmera – é fiel à Bíblia, com cenários e vestuário que parecem razoavelmente autênticos. Quando a Kalem o pré-estreou para membros da igreja ele foi muito elogiado, mas teve alguns problemas com alguns padres hostís, que questionavam se filmes religiosos seriam apropriados para serem exibidos em um cinema para fins de entretenimento, revivendo os mesmos transtôrnos que as Paixões de Cristo haviam enfrentado no final do século passado.
JUDITH OF BETHULIA / 1913-1914.
Dir: D.W. Griffith. Blanche Sweet (Judite), H.B. Walthall (Holofernes), Mae Marsh (Naomi), Robert Harron (Nathan), Lillian Gish (Jovem mãe), Dorothy Gish (Mendiga aleijada), Harry Carey (Traidor assírio).
Comumente considerado como o clímax do período de Griffith na Biograph, trata-se mais propriamente de um começo de sua transferência para o filme de longa-metragem. Sem que a Biograph soubesse o que ele estava fazendo, Griffith realizou secretamente seu primeiro filme de quatro rolos (na velocidade da projeção silenciosa cerca de uma hora) em Chatsworth, California. Achando que o filme, por sua longa duração, não seria viável comercialmente, a companhia adiou o lançamento até 1914, depois que Griffith havia deixado de pertencer aos seus quadros. O filme foi baseado em uma peça inspirada no Livro de Judite do Velho Testamento, sobre o cerco da cidade israelita de Bethulia pelos Assírios. Griffith segue o texto bíblico fielmente apenas com uma mudança: Judite se apaixona por Holofernes embora estivesse determinada a seduzí-lo e depois assassiná-lo, para salvar seu povo. O fato de estar apaixonada por ele cria uma tensão dramática: ela vai ou não vai prosseguir com o seu plano? William K. Everson (American Silent Film, 1780) achou que o espetáculo não precisava ser tão longo, criticou as cenas de batalha, mas reconheceu alguns méritos, principalmente as interpretações de Henry B. Walthall e Blanche Sweet. Judith of Bethulia é apontado como o primeiro filme a manter uma orquestra no set. Os historiadores dizem que Griffith usou-a para ajudar Blanche Sweet em algumas cenas emocionais. Porém Blanche não conseguiu se lembrar se músicos estiveram presentes em alguma etapa da produção. Como ela observou, Griffith usava a música praticamente menos do que qualquer outro director. Ele declarou certa vez que jamais empregaria um ator “que não fosse capaz de sentir o papel o suficiente para chorar nos ensaios” – cf. Kewin Bronlow em The Parade’s Gone By, 1968.
INTOLERÂNCIA / INTOLERANCE / 1916.
Dir: D. W. Griffith. Lillian Gish (A mulher que embala o berço). Episódio judaico: Howard Gaye (O Cristo), Lillian Langdon (Maria, a mãe), Olga Grey (Maria Madalena), Gunter von Ritzau e Erich von Stroheim (Os fariseus), George Walsh (O noivo de Caná), Bessie Love (A noiva de Caná). Obs. No anúncio brasileiro do filme vem o nome do ator Wallace Reid como intérprete do Cristo, mas trata-se de um erro: Wallace Reid fez uma pequena ponta não creditada como um menino que morre em uma batalha.
Antes de empreender Nascimento de uma Nação / The Birth of a Nation / 1915, Griffith havia terminado um melodrama intitulado The Mother and the Law, baseado no massacre de Ludow no Colorad, onde várias dezenas de grevistas de uma mina morreram. O sucesso estrondoso de Nascimento de uma Nação assim como certas críticas que o apontavam como racista, o levaram a imaginar, a partir do núcleo de The Mother and the Law, um espetáculo cujo gigantismo e mensagem de importância universal silenciaria os seus detratores. Assim, ele enriqueceu o melodrama contemporâneo com três evocações, três metáforas históricas, da Intolerância através dos tempos (Queda da Bailônia, A Crucificação do Cristo, e a Noite de São Bartolomeu), que dariam ao conjunto uma amplitude espacio-temporal jamais vista. A originalidade essencial do filme reside no entrelaçamento desses quatro episódios, por meio de uma montagem audaciosa, que abolia o princípio da continuidade e da linearidade narrativa. A medida em que o filme progride, os trechos de cada um dos episódios tornam-se cada vez mais curtos e esta aceleração intensifica, sob o plano dinâmico, o conteúdo dramático de cada história.
Intolerance também foi inovador na sua fotografia quando, por exemplo, Billy Bitzer montou a câmera em um elevador móvel para criar movimentos rápidos sobre o cenário colossal da côrte babilônica. A filmagem durou 16 semanas e custou 400 mil dólares (cifra enorme para a época). Foram construídos cenários monumentais e reunidos 5 mil figurantes. Segundo declarou Lillian Gish, “Griffith não tinha um diretor de arte; só havia um carpinteiro que era um gênio. Ele se chamava Huck Wortman. Griffith lhe dizia ou desenhava o que queria e este pequeno carpinteiro ia e construía”. Porém o fotógrafo Karl Brown revelou (Adventures of D.W. Griffith, 1973) que havia um membro da equipe chamado W. L. Hall com o título de artista cênico. A metragem da película impressa equivaleu a 76 horas de projeção, mas o filme no seu lançamento comportava 14 bobinas (13.500 pés), ou seja, o correspondente a cerca de três horas de projecão. O sucesso tanto na América como no exterior não ficou a altura das esperanças e sobretudo das somas de dinheiro investidas. O filme perdeu o mesmo valor da metade do seu orçamento e deixou Griffith endividado por longo tempo. Para tentar recuperar o prejuízo, Griffith montou as histórias moderna e da Babilônia separadamente e as lançou como filmes autônomos. No Basil, Intolerância teve sua exibição somente em 1920 e depois, em 1922, foi lançado somente o filme separado da Babilônia. No episódio que nos interessa, Griffith não teve a intenção de contar toda a história do Cristo. Ele e sua roteirista Anita Loos escolheram algumas partes dos Evangelhos que pareciam ilustrar o tema da intolerância. Já o episódio da Babilônia, este não está diretamente baseado na Bíblia, mas contém alguns personagens nela mencionados.
SALOMÉ / SALOME / 1918.
Dir: J. Gordon Edwards. El: Theda Bara (Salomé), G. Raymond Nye (Rei Herodes), Albert Roscoe (João Batista), Herbert Heyes (Sejanus), Bertram Grassby (Príncipe David), Genevieve Blin (Rainha Miriam), Vera Doria (Naomi), Alfred Fremont (Galba).
Herodes, rei tirânico da Judéia, casa-se com Miriam a irmã do herdeiro legítimo do trono, Príncipe David. Salomé, a prima bela e traiçoeira de Herodes convence-o a outorgar o cargo poderoso de alto sacerdote a David, a fim de acalmar os judeus; porém depois ela ordena secretamente a Sejanus, que está apaixonado por ela, a afogar o príncipe. Depois que Salomé persuade Herodes de que Miriam está tentando matá-lo, a rainha, também, perde sua vida. João Batista chega na Judéia, denuncia publicamente a corte de Herodes, despertando a curiosidade de Salomé. Esta vai procurar João no deserto e tenta em vão seduzí-lo. Durante sua prisão, o santo homem rejeita-a novamente e ela promete destruí-lo. No festim do aniversário de Herodes, Salomé executa uma dança sensual e pede a cabeça de João Batista como recompensa.
Quando ela beija seus lábios sem vida, ocorre uma tempestade e Herodes, aterrorizado, ordena a execução imediata de Salomé. Algumas igrejas protestaram contra a divergência entre a intriga do filme e o texto bíblico como nas cenas em que Salomé declara seu amor por João Batista bem como contra a aparência jovem de João e o vestuário usado por Theda Bara. O director Gordon Edwards respondeu as críticas dizendo que a sua Salomé não foi inspirada em uma única versão da história, mas sim em uma combinação de muitas versões e que ele fez uso de licença poética. Segundo os críticos, o diretor reconstituiu com autenticidade a antiga Jerusalem e a vida dos seus habitantes, mas apontaram duas notas discordantes: a representação de um João Batista bem barbeado e a sua caminhada pelo deserto carregando uma cruz. Nascida com o nome de Theodosia Goodman, Theda Bara encarnava na tela a mulher vampiro, que arrastava cruelmente os homens para a tragédia e, portanto, era uma intérprete ideal para o papel de Salomé. A publicidade da Fox divulgou que Theda descendia de um artista (ou sheik do deserto) e de uma atriz francêsa (ou de uma princesa egípcia) e que seu nome seria um anagrama para “Arab death”. O público adorou o mito e Theda se tornou um dos artistas mais populares do cinema entre 1915 e 1919, ao lado de Mary Pickford e Charles Chaplin.
A RAINHA DE SABÁ / QUEEN OF SHEBA / 1921.
Dir: J. Gordon Edwards. Betty Blithe (Balkis, Rainha de Sabá), Fritz Leiber (Salomão), Claire De Lorez (Esposa de Salomão), George Siegmann (Rei Armud), Herbert Heyes (Tamaran), Nell Craig (Vashti), Herschel Mayall (Menton), G. Raymond Nye (Adonija, irmão de Salomão), George Nichols (Rei David), William Hardy (O escravo gigante, Olos), Joan Gordon (Nomis).
Salomão é coroado Rei de Israel, e seu irmão Adonijah torna-se seu maior inimigo. Quando o país de Sheba é conquistado pelo Rei Armud, ele captura as donzelas locais. Uma delas, Nomis, afoga-se para escapar de seus algozes. Quando a multidão fica sabendo do suicídio, irrompe uma revolução e Armud tem que fazer uma concessão. Ele oferece casamento a Balkis, irmã de Nomis e Rainha de Sabá (embora ele estivesse prometido para a Princesa Vashti), para acalmar a tensão. Balkis finge que aceita sua proposta e o apunhala no dia do matrimônio. Novamente Rainha de Sabá, Balkis ruma para a corte do Rei Salomão a fim de pedir seu conselho sobre como governar seu reino. Infelizmente, a princesa Vashti conseguiu se refugiar lá e, ajudada por Adonijah, conspira contra Balkis e o rei Salomão, que haviam se apaixonado um pelo outro. Após alguns incidentes (inclusive uma corrida de bigas conduzida por Balkis e Vashti), Salomão e Balkis assumem sua paixão, porém ele está casado com a filha do faraó. Temendo uma guerra com o Egito, Balkis decide deixar Salomão, depois de ter passado uma noite com ele e de lhe ter dado um filho, David. Cinco anos depois, ela manda o menino para conhecer seu pai, mas Vashti e Adonijah sequestram David. Avisada por Salomão, Balkis arma um exército e mata Adonijah. Ela pensa que chegou tarde demais quando vê seu filho desacordado, porém as preces de Salomão produzem um milagre, e o garoto desperta. Balkis e seu filho retornam para o reino de Sabá enquanto Salomão os contempla de seu castelo.
Entre os cenários se destaca o Templo de Salomão. Betty Blithe contou que o diretor do filme tinha em seu escritório, como único adorno, um quadro magnífico do Templo, que depois foi duplicado no cenário tridimensional. Betty atingiu o estrelato graças a este filme e a sua disposição de aparecer semi-nua em frente da câmera (ela costuma brincar, dizendo que os vinte e oito trajes que usou no filme podiam caber em uma caixa de sapatos). Betty se tornou uma atriz popular nos Estados Unidos, mas atuou também na Europa ( Ela / She / 1925) . No cinema falado, ficou relegada a papéis coadjuvantes. Continuou ativa nos anos quarenta e fez sua última aparição na tela na sequência do baile em Minha Bela Dama / My Fair Lady / 1964. Nesta ocasião, Kevin Bronlown entrevistou-a para seu livro The Parade’s Gone By, 1968, e Betty lhe forneceu algumas informações sobre seu relacionamento com o diretor J. Gordon Edwards (avô de Blake Edwards), o teste que fêz, e a filmagem de The Queen of Sheba, notadamente a corrida de bigas eletrizante, tendo a frente duas mulheres. “Eu conduzia quatro cavalos brancos e ela (Nell Craig), conduzia quatro cavalos pretos. Eu tinha muita força nas minhas pernas e nos meus pés. É claro, que eles puzeram um homem deitado dentro da biga, caso algo saísse errado. E como aqueles cavalos corriam! Parecia que estavamos voando. Os cavalos sentiam que estavam competindo. Então Nell Craig foi puxada para a frente pelos animais. Ela tinha belas mãos, mas não havia força nelas. Quebrou duas costelas. Então colocaram um dublê; um dos homens vestiu sua roupa, e continuamos com a maravilhosa corrida de bigas. Foi realmente uma corrida. O público em Nova York levantou-se excitado. Tom Mix organizou os cavalos … eles não falaram nada para mim, mas muitos ficaram feridos”.
SALOMÉ / SALOME / 1922.
Dir: Charles Bryant. Nazimova (Salome), Rose Dione (Herodias), Mitchell lewis (Herod), Nigel De Brulier (Jokaanan), Earl Schenck (Jovem sírio), Arthur Jasmine (Pagem), Frederic Peters (Naaman), Louis Dumar (Tigellinus).
O filme foi baseado na peça em um ato de Oscar Wilde, que por sua vez se inspirou na história contada no Novo Testamento em Marcos e Mateus, embora estes dois Evangelhos não mencionem o nome de Salomé, referindo-se somente à “filha de Herodes”. Na peça, ela é a enteada do Rei Herodes da Judeia. A esposa de Herodes, Herodiades é amaldiçoada por Jokanaan (conhecido como João Batista na Bíblia). Ele proclama que o casamento do rei é ilegítimo porque Herodiades é a viúva do irmão de Herodes. Na Bíblia, Salomé ajuda sua mãe a se vingar da acusações de João Batista, mas na peça de Wilde sua motivação é outra. Enraivecida por causa da recusa de Jokaanan de receber o seu beijo, ela dança para Herodes em troca da cabeça do profeta. O rei concede seu pedido; porém sente repugnância ao ver Salomé, beijando a cabeça do decapitado, e ordena sua execução. Antes de morrer espetada pelas lanças dos guardas do palácio, ela exclama: “O mistério do Amor é maior do que o mistério da Vida”.
A maior atração de espetáculo são os trajes e cenários ultra estilizados desenhados em preto e branco e ouro e prata por Natacha Rambova com inspiração nas ilustrações que Aubrey Beardsley fizera para a edição impressa da obra de Wilde. (Rambova teve a audácia de pintar mamilos no peito de um capitão sírio e coroar Nazimova como Salomé com bolinhas de vidro presas ao cabelo, que balançam com o movimento da cabeça). Por causa de sua pretensão artística, o filme teve dificuldade de encontrar um distribuidor e, quando estreou na primavera de 1922, foi rotulado como “bizarro”. Chamada simplesmente de “Madame”, a russa Alla Nazimova (Mariam Edez Adelaida Leventon) foi um sucesso no palco antes de entrar para o cinema. Seus filmes para a Metro foram exitosos, mas no começo de 1920, a popularidade diminuiu, e ela começou a produzir seus próprios espetáculos, inclusive Salomé. Embora tivesse recuperado sua reputação como grande atriz, os filmes foram moderadamente bem sucedidos nas bilheterias. Nazimova então voltou para o teatro e apareceu na tela esporadicamente em papéis secundários como a mãe de Robert Taylor em Fuga / Escape / 1940 ou a senhora Zofia Koslowska em Desde que Partiste / Since You Went Away / 1944. Nazimova estava com 44 anos quando interpretou uma adolescente em Salomé, mas soube transmitir com eficiência o caráter petulante e depravado da personagem.
O REI PASTOR /THE SHEPPERD KING / 1923.
Dir: J. Gordon Edwards. Violet Mersereau (Princesa Micol), Nerio Bernardi (David), Edy Darclea (Princesa Herab), Virginia Lucchetti (Adora, irmã adotada de David), Guido Trento (Saul), Ferrucio Biancini (Jônatas), Alessandro Salvini (Doeg), Mariano Bottino (Adriel), Samuel Balestra (Golias), Adriano Bocanera (Samuel), Enzo De Felice (Ozem).
Saul, Rei de Israel, prepara-se para combater os Filisteus apesar das advertências do profeta Samuel que prediz que Saul perderá seu trono e escolhe David como o novo rei. O filho de Saul, Jônatas, acreditando que ele é o homem na profecia de Samuel, envia-o para uma armadilha na luta contra os filisteus. David retorna vitorioso e deixa a corte, depois da tentativa de Saul de matá-lo. Ele reune homens e quando os filisteus atacam Saul, David os vence. Saul e Jônatas são mortos na batalha; David é aclamado rei, e se casa com a filha de Saul, a princesa Micol. Drama bíblico produzido e distribuído pela Fox Film Corporation baseado em uma peça “The Shepherd King” de Wright Lorimer e Arnold Reeves. Produção suntuosa, filmada em parte no Egito e com um elenco formado quase todo por atores italianos. Nerio Bernardi começou sua carreira no teatro, participou de mais de duzentos filmes italianos ou estrangeiros entre 1918 e 1968 (vg. Osvaldo em O Imperador de Capri / L’Imperatori di Capri / 1949, La Franchise em Fan Fan la Tulipe / Fan Fan la Tulipe / 1952, Professor Greaves em Satanik / Satanik / 1968), foi dublador na Espanha durante a Segunda Guerra Mundial (vg. de Basil Rahtbone em A Marca do Zorro / The Mark of Zorro / 1940, de Donald Crisp em Como Era Verde o Meu Vale / How Green Was MyValley / 1941) e terminou seu longo percurso artístico na televisão (vg. Marquês Belmonte no primeiro episódio da série de TV francêsa Arsène Lupin / 1971). Violet Mersereau trabalhou com D. W. Griffith de 1908 a 1911 e depois assinou contrato com a Nestor Company, notabilizando-se como a heroina ingênua e desamparada perfeita, tão do agrado do público na era da cena muda. O Rei Pastor foi o penúltimo filme em uma carreira que se encerrou em 1925.
OS DEZ MANDAMENTOS / THE TEN COMMANDMENTS / 1923.
Dir: Cecil B. DeMille. Prólogo: Theodore Roberts (Moisés), Charles deRoche (Ramsés), Estelle Taylor (Miriam, irmã de Moisés), Julia Faye (Esposa do faraó), Terrence Moore (Filho do Faraó), James Neill (Aarão, irmão de Moisés), Lawson Butt (Dathan), Clarence Burton (Capataz), Noble Johnson (O Homem de Bronze). História moderna: Edythe Chapman (Mrs. McTavish), Richard Dix John McTavish), Rod LaRoque (Dan McTavish), Leatrice Joy (Mary Leigh), Nita Naldi (Sally Lung), Robert Edeson (Inspetor Reading), Charles Ogle (Médico), Agnes Ayres (A rejeitada).
Um prólogo descreve as histórias bíblicas do Êxodo: o mau tratamento dos judeus pelos egípcios; sua fuga através das águas separadas do Mar Vermelho; a entrega dos Dez Mandamentos para Moisés; Moisés vendo os israelitas contemplar o Bezerro de Ouro e quebrando as tábuas da Lei. O resto do filme transcorre em uma San Francisco moderna, mostrando o destinos opostos de dois irmãos, Dan e John McTavish, ambos apaixonados por Mary Leigh. Ela escolhe Dan, que se torna um construtor bem sucedido, usando material de qualidade inferior e subornando o inspetor de obras. No final, Dan é procurado pelo assassinato de sua amante oriental, Sally Lang, da qual teria contraído lepra. Quando tenta sair do país, sua lancha bate nos rochedos e ele morre. Mary casa-se com John, modesto carpinteiro e moralmente correto. Jeanie Macpherson escreveu o roteiro a partir da sugestão recebida através de um concurso promovido pelo Los Angeles Times. A frase de abertura da sugestão do vencedor do concurso, F.C. Nelson de Lansing, dizia: “Você não pode transgredir Os Dez Mandamentos – eles te destruirão”. Com este tema nas mãos, DeMille e Macpherson resolveram trabalhar com uma estrutura em duas partes. Um prólogo bíblico recreando os episódios principais do Livro do Êxodo e uma história moderna alegórica referindo-se à frase de F.C. Nelson, unindo o espetáculo ao melodrama.
Foi o filme mais caro da Famous Players-Lasky até então. Os cenários egípcios de Paul Iribe eram espetaculares (notadamente a “Avenida das Esfinges” composta por quatro estátuas colossais e 24 esfinges) e baseados em pesquisa arqueológica. A cidade de Ramsés foi construida nas dunas de areia de Guadalupe no norte do condado de Santa Barbara, Califórnia. Uma cidade de tendas, chamada Acampamento DeMille, foi erguida para acomodar o elenco e a equipe técnica. De acordo com as estatísticas da produção publicadas na época foram empregados 500 carpinteiros, 400 pintores e 380 decoradores na construção dos desenhos de Iribe e 2.500 figurantes participaram da filmagem. O fotógrafo Bert Glennon foi coadjuvado por um pequeno exército de colegas incluindo J. Peverell Marley (que logo se tornou um dos cinegrafistas prediletos de DeMille) e Archie Stout (conhecido pela sua habilidade em filmar ao ar livre). Ray Rennahan, da Technicolor Motion Picture Corporation, rodou cenas coloridas do Êxodo, que foram integradas com cenas monocromáticas tingidas. Os efeitos especiais ficaram a cargo de Roy Pomeroy, (um especialista em miniaturas), salientando-se, além da divisão das águas do Mar Vermelho e o recebimento deslumbrante do Decálogo por meio de uma chuva de faíscas e explosões, o colapso da catedral e a tempestade marítima na segunda parte do espetáculo.
BEN-HUR / BEN-HUR / 1925.
Dir: Fred Niblo. Ramon Novarro (Judá Ben-Hur), Francis X. Bushman (Messala), May McAvoy (Esther), Betty Bronson (Maria), Claire McDowell (Miriam), Kathleen Key (Tirzah), Carmel Myers (Iras), Nigel De Brulier (Simonides), Mitchel Lewis (Xeque Ilderim), Leo White (Sanballat), Frank Currier (Quintus Arrius), Charles Belcher (Balthazar), Dale Fuller (Amrah), Winter Hall (José).
A trama gira em torno da disputa entre o aristocrata judeu Judá Ben-Hur e seu amigo de infância, o centurião romano Messala. Ao rever Messala, os dois conversam, e Judá percebe que ele não é mais um amigo compreensivo, mas um opressor. Mais tarde, quando Judá, sua mãe Miriam e sua irmã Tirzah assistem a uma parada em homenagem a Gratus, o novo comandante de Jerusalém, uma telha cai do terraço de sua residência e atinge a cabeça de Gratus, deixando-o desacordado. Os soldados romanos invadem a casa e prendem Judá e sua família. Embora Messala soubesse que foi um acidente, Judá é condenado a cumprir pena como escravo remador em uma galera, desconhecendo que destino levaram sua mãe e Tirzah. No percurso pelo deserto até o mar, um jovem carpinteiro de Nazaré sacia a sua sede. Durante uma batalha naval, Judá salva a vida de Quintus Arrius, o comandante da frota. Ele é adotado por Arrius e se torna popular e rico como um campeão de corrida de quadrigas.
O ajuste de contas com Messala ocorre em uma disputa na arena, que Judá vence espetacularmente, deixando seu adversário mortalmente ferido. No final, Judá reencontra a mãe e a irmã, que haviam contraído lepra e foram curadas por Jesus bem como seu fiel servidor Simonides e a filha deste, Esther, por quem sempre estivera atraído. A história dos bastidores dessa versão do romance de Lew Wallace envolveu mudança abrupta de elenco e equipe técnica. O diretor Charles Brabin e o ator George Walsh, incialmente escolhidos pela roteirista June Mathis, foram respectivamente substituídos por Fred Niblo e Ramon Novarro – depois de testados John Bowers, Robert Frazer, Antonio Moreno, Edmund Lowe, William Desmond, Allan Forrest, Buck Jones, e mais uma dúzia de outros atores, inclusive Ben Lyon. Este último contou para o historiador Kevin Bronlow, que achou rídicula a sua escolha para o papel, porque se achava muito magro; mas, mesmo assim, foi fazer o teste. “Quando tirei minha roupa, a turma da maquilagem disse: ‘Bem, teremos que fazer alguma coisa. Vamos pintar músculos em você’. Eles começaram a iluminar meu corpo e braços, para me fazerem aparecer mais musculoso. De repente, o assistente do maquilador teve uma idéia brilhante: ‘Sei como fazer para que ele pareça mais forte. Passar óleo nele, como fazemos quando vamos a praia’ . Então eles fizeram isto e eu fui para o set, fazer o teste. Eles acenderam luzes muito fortes e levou quinze minutos para me iluminarem. Quando eles estavam prontos para rodar, todos os meus músculos haviam desaparecido e eu não conseguí o papel. Acabei Ben Lyon em vez de Ben-Hur”.
O homem originariamente esperado para dirigir Ben Hur era Rex Ingram, diretor de Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse / 1921 (o grande sucesso de Rudolph Valentino) e amigo íntimo de June Mathis. Havia uma cláusula no seu contrato com a Metro, estipulando que ele iria dirigir Ben-Hur; e, se o filme viesse a ser feito por outra companhia, ainda assim a Metro lhe daria a permissão para fazê-lo. O próprio Marcus Loew havia lhe prometido o filme. Quando Ingram soube que Ben-Hur seria feito sem ele, ficou muito abalado. Como recordou Ramon Novarro: “Sua reação foi cem por cento irlandesa – se é que você me entende”. A produção de Ben-Hur começou muito conturbada por: atrasos na filmagem – Francis X. Bushman contou para Bronlow que na sua chegada a Itália lhe disseram que suas cenas só seriam rodadas “em agosto próximo”. Bushman teve tempo visitar vinte e cinco países na Europa, até ser chamado de volta. Quando retornou a Itália, a produção continuava estagnada; demora na construção dos cenários em virtude de disputas trabalhistas e greves estimuladas por Mussolini; ineficiência profissional constatada pela exibição das cenas filmadas por parte de Louis B. Mayer, Irving Thalberg e Harry Rapf, os novos responsáveis pela produção após a fusão da Goldwyn Company com as companhias Louis B. Mayer e Metro. Eles resolveram jogar fora tudo o que havia sido filmado, fazer as substituições de Brabin por Niblo e de Walsh por Novarro, trocar June Mathis pelos roteiristas Bess Meredith e Carey Wilson e, finalmente (após novas atribulações como o afogamento de figurantes na refilmagem da sequência da batalha naval), trazer a produção para Hollywood. Apesar de ter gasto mais de três milhões de dólares, a MGM continuou a desembolsar somas extravagantes em uma escala impressionante. Um novo Circus Maximus foi erguido na interseção das ruas La Cienega e Venice em Los Angeles sob os cuidados de Cedric Gibbons e A. Arnold Gillespie, seguindo o modelo do cenário italiano e combinando miniaturas com a construção em tamanho normal.
Ali foi filmada a sequência mais espetacular do filme: a corrida de quadrigas, filmada por B. Reeves Eason e seu assistente Silas Clegg e supervisionada por Fred Niblo, instalado em uma plataforma. As câmeras de quarenta e dois cinegrafistas foram escondidas em cada posição que pudesse render um ângulo eficaz (atrás dos escudos dos soldados, ocultas nas estátuas enormes, enterradas em covas etc.). A multidão foi dividida por seções e cada seção ficou sob o contrôle de um assistente de direção. Foram ainda convocados assistentes extras e entre os que ofereceram seus serviços estava um jovem da Universal: William Wyler. “Recebí uma toga e um jogo de sinais”, recordou Wyler para Bronlow. “Os sinais eram uma espécie de semáforo, e eu tinha que fazer a minha seção se levantar e aplaudir e se sentar de novo, ou fazer o que fosse preciso. Deve ter havido outros trinta assistentes fazendo o meu trabalho. Dizem que fui o assistente de direção responsável por toda a sequência, mas isto foi tudo o que fiz”. Trinta e quatro anos depois, Wyler seria o diretor da segunda verão da MGM de Ben-Hur. Havia doze quadrigas e quarenta e oito cavalos. Os dublês conduziram dez delas e os próprios Bushman e Novarro as suas. Apesar do número de cameramen – René Guissart, Percy Hilburn, Karl Struss, Clyde De Vinna, George Meehan, E. Burton Steene etc. – a fotografia é muito bonita e uniforme e a montagem, sob os cuidados de Lloyd Nosler – notadamente na corrida de bigas – é arrebatadora.Ben-Hur estreou no Cinema George M. Cohan em Nova York no dia 30 de dezembro de 1925. O custo final da produção chegou a pouco menos de quatro milhões de dólares. O filme rendeu mais do que nove milhões, porém os custos de distribuição, e os royalties de 50% pagos à Erlanger ‘s Classical Cinemas Corporation (detentora dos direitos autorais do livro de Wallace), deixou a MGM com pouco mais de três milhões de dólares. Entretanto, o prestígio que deu à MGM foi inestimável.
O REI DOS REIS / THE KING OF KINGS / 1927.
Dir: Cecil B. DeMille. H. B. Warner (Jesus, o Cristo), Joseph Schildkraudt (Judas), Ernest Torrence (Pedro), Dorothy Cumming (Maria), Jacqueline Logan (Maria Madalena), Rudolph Schildkraudt (Caifás), Sam De Grasse (O Fariseu), Victor Varconi (Pilatos), Robert Edeson (Mateus), James Neill (Tiago), Joseph Striker (João), Sydney D’Albrook (Tomé), William Boyd (Simão Cireneu), Montagu Love (Centurião romano), John T. Prince (Tadeu), Charles Belcher (Felipe), Clayton Packard (Bartolomeu), George Siegmann (Barabás), Marta (Julia Faye), Alan Brooks (Satã).
DeMille havia planejado filmar The Deluge, baseado na história do Velho Testamento sobre Nóe e o Dilúvio, porém abandonou o projeto quando soube que a Warner Bros. intencionava produzir A Arca de Noé / Noah’s Ark / 1928. O roteirista Denison Clift, contratado de DeMille, sugeriu-lhe então uma outra história bíblica: a Vida de Cristo. DeMille gostou da ídéia, mas confiou a Jeanie Macpherson a tarefa de adaptar os Evangelhos para a tela. Devido ao sucesso de Os Dez Mandamentos, DeMille e Macpherson pretendiam originariamente que The King of Kings tivesse uma estrutura em duas partes, com uma história moderna tratando de um homem que tenta seguir os passos do Cristo; mas depois desistiram. Entretanto, DeMille queria desenvolver uma história de amor entre Judas e Maria Madalena, que constava em uma antiga lenda germânica da Idade Média pouco conhecida. Para interpretar o papel do Cristo, DeMille escolheu H. B. Warner. Henry Byron Warner, que alcançara seu maior êxito nos anos dez, tinha cinquenta e um anos em 1926 e estava quase esquecido em Hollywood, mas a idade e o relativo anonimato ajudaram na composição do personagem. No decorrer da filmagem, o padre jesuita Daniel A. Lord, consultor official da Igreja Católica no filme, estava perturbado (melhor dizendo, horrorizado) com as modificações que De Mille estava pretendendo fazer em relação ao Evangelhos mas, à medida que a produção prosseguia, algo de estranho começou a acontecer. Cristo começou a tomar conta do filme. Certo dia, DeMille tocou na mão do padre Daniel Lord. “Ele é grande, não é? disse DeMille. “Warner”? Lord respondeu. “Jesus. Ele é grande”. Depois, após uma pausa, “Tenho dúvida se vamos precisar da história de Maria Madalena e Judas” (cf. Robert S. Birchard em Cecil B DeMille’s Hollywood, 2004).
O filme começa mostrando Maria Madalena como uma prostituta de luxo (ela tem um leopardo de estimação e uma biga puxada por zebras) que arde de ciúmes ao saber que seu amante Judas Iscariotes agora segue um carpinteiro de Nazaré; mas, felizmente, De Mille abandona logo este falso triângulo amoroso e o resto da narrativa prossegue muito reverenciosamente. DeMille preocupou-se em evitar acusações de anti-semitismo, incluindo uma cena que não está na Bíblia: depois do terremoto que se seguiu à crucifixação, Caifás cai se ajoelha e roga a Deus, “Senhor Deus Jeová, não lance sua ira sobre o povo de Israel – somente eu sou culpado!”. Por causa da preocupação de que qualquer escândalo pudesse arruinar as expectativas de bilheteria para The King of Kings, os atores comprometeram-se por escrito a manter um comportamento exemplar dentro e fora do estúdio. DeMille mandou seu fotógrafo, Peverell Marley, estudar as pinturas clássicas especialmente as do Renascimento para criar o aspecto visual da realização. Com a direção de arte de Mitchell Leisen (auxiliado por Anton Grot, Dan Sayre Groesbeck) e do decorador Theodore Dickson, foram reproduzidos com o maior cuidado alguns lugares do Templo de Jerusalém, a via dolorosa, a colina do calváro etc. Entre esses cenários (construidos em Culver City) se destacavam o palácio de Herodes e o Sinédrio por sua elegância arquitetônica. O Rei dos Reis foi lançado em duas versões. A versão “roadshow”, exibida em Nova York e em cidades maiores, tinha 155 minutos de duração e incluia várias cenas coloridas. A versão que a maioria dos americanos viu tinha 112 minutos de duração e apenas uma cena colorida.
A ARCA DE NÓE / NOAH’S ARK / 1929.
Dir: Michael Curtiz. Dolores Costello (Mary/Miriam), George O’Brien (Travis/ Japheth, Noah Beery (Nickoloff/ Rei Nephilim), Louise Fazenda (Hilda / Criada da taverna), Guinn “Big Boy” Williams (Al / Ham), Paul McAllister (Sacerdote / Noah), Nigel De Brulier (Soldado / Sumo Sacerdote), Anders Randolf (Alemão / Líder dos soldados), Armand Kaliz (Francês / Líder dos guardas do rei), Myrna Loy (Dançarina / Escrava), William V. Mong (Estalajadeiro / Guarda).
Tal como Intolerância de D.W. Griffith e Os Dez Mandamentos de Cecil B. DeMille, A Arca de Noé tinha uma história moderna usada como contraponto paralelo a um segmento bíblico. Em um trem que vai de Constantinopla para Paris, Mary, jovem alsaciana integrante de uma trupe teatral, dois americanos, Travis e Al, um alemão, um francês, um russo e um sacerdote se envolvem em uma discussão a respeito da Cristandade, que é abruptamente interrompida por uma colisão. Eles encontram abrigo em uma estalagem, onde a discussão continua, quando chega a notícia de que a guerra foi declarada. Em Paris, Mary e Travis se apaixonam e Travis e Al se alistam; Mary torna-se dançarina em uma cantina sempre procurando por Travis. Quando Mary repudia um russo, ele faz com que ela seja incriminada como espiã alemã; porém no dia marcado para a execução, Travis a reconhece no último minuto. A esta altura é feita uma comparação entre a situação da Primeira Guerra Mundial e a história bíblica do Dilúvio. O êxito do Vitafone havia saneado os cofres do estúdio, permitindo a construção de cenários enormes nos terrenos de Burbank e forçado a introdução de algumas sequências faladas, já que fazer o filme inteiramente falado, seria excessivamente custoso e pouco recomendável, haja visto o número escasso de salas que poderiam exibí-lo.
Um exército de artesãos construiu nos terrenos exteriores do estúdio uma pequena cidade com linhas telefônicas e alto falantes, pelos quais a voz do diretor e música ambiental pudessem ser escutados em todos os cantos. A construção dos cenários (desenhados por Anton Grot), que ocupavam uma extensão de quase 3 km quadrados, empregou um grande número de operários trabalhando em três turnos. O templo de Jaghuth, onde se desenrola a cena mais espetacular do filme, media uns 116 metros de um extremo a outro e sua viga mais elevada atingia 26 metros. A estátua de Moloch, o deus pagão, pesava 15 toneladas e media 31 metros de altura. O interior da Arca se extendia por 60 metros e estava dividido em níveis unidos por escadas – o primeiro para os animais, o segundo para a forragem e a comida, o terceiro para Noé e sua família – e incorporavam compartimentos separados para as distintas espécies de animais. O número de figurantes chegou a 10 mil e, para sequência da inundação, foram construidos grandes tanques nas colinas próximas do estúdio, capazes de armazenar e liberar 14 mil toneladas de água. Quando o fotógrafo Hal Mohr soube que Curtiz e Zanuck iriam despejar de verdade toda essa água sobre os dublês e milhares de figurantes, ele se negou a continuar a filmagem, e foi substituido por Barney McGill, que aceitou as explicações que lhe deram. O resultado final visto na tela foi o previsto e desejado, embora com consequências nefastas. Vários figurantes ficaram feridos gravemente e pelo menos um perdeu uma perna.
Minhas saudações Professor A. C Gomes de Mattos
Satisfação em tê-lo em seu espaço e de ter aos olhos magnífico trabalho de pesquisa e informação.
Os filmes bíblicos vinham fascinando as plateias dos cinemas desde seu período inicial, e alavancou na década de 1950, quando vieram as superproduções como SANSÃO E DALILA (de DeMille, 1949), QUO VADIS (de Mervyn LeRoy, 1951, que embora não fizesse parte da bíblia é um épico religioso), e O MANTO SAGRADO (de Henry Koster, 1953, primeiro filme lançado no processo cinemascope, tendo como pano de fundo a época de Cristo). Contudo, ao longo deste tempo, Cecil B DeMille refilmou OS DEZ MANDAMENTOS, em 1956, aproveitando toda a tecnologia avançada até então e que em 1923 ele nem imaginava sonhar, bem como um outro REI DOS REIS, em 1961, dirigido por Nicholas Ray.
Mas falando de Cecil B DeMille, este cineasta era um visionário. Alguns críticos mais modernos o veem como um diretor artificial, contudo não vejo desta forma. Ele era um cineasta que sabia dirigir como ninguém cenas de multidão e seus filmes, mesmo que de cunhos moralistas para os padrões mais modernos, arrecadaram nas bilheterias. É pertinente dizer que foi a partir de Cecil B. DeMille que abriu a saga das superproduções épicas de Hollywood, e viu que as histórias bíblicas poderiam ser sucesso de crítica e bilheteria, tanto que ele disse: “Por que gosto de filmar dramas bíblicos? Bom, a Bíblia sempre foi um Best Seller ao longo dos séculos, logo, por que eu iria desperdiçar dois mil anos de publicidade gratuita?” – de fato, DeMille não estava blefando quando divulgou isso em suas memórias.
O REI DOS REIS que o cineasta dirigiu em 1926 com o inglês H.B.Warner, DeMille praticamente compôs um clima de “retiro espiritual” tanto para os atores quanto para a equipe técnica. No caso dos atores, estes tinham que cumprir uma cláusula em que eram proibidos se mostrarem dirigindo carros luxuosos, fumando ou bebendo, e ainda, ter casos românticos que implicassem com suas imagens, como de fato aconteceu com B. Warner, o intérprete de Jesus, que durante a produção, teve um caso com uma moça, que repentinamente saiu de sua vida e que ameaçou a carreira do ator e todo o comprometimento da produção do filme. Acredita-se que para “calar o bico”, esta moça tivesse sido paga por DeMille para deixar B.Warner em paz. Todas as manhãs, antes de iniciar as filmagens, havia cultos religiosos, e DeMille obrigava seus atores e equipe técnica a assistirem. A cena da crucificação de Cristo foi filmada, na verdade, na noite de natal.
Anos depois, um padre confessou a H. B Warner: “Vi o senhor no filme quando eu era criança. Hoje, toda vez que penso em Jesus, é o seu rosto que encontro”.
Parabéns por esta matéria e agradecendo por nos oferecer esplendorosa informação. E aproveitando, lhe desejo um Feliz Natal e Votos de um ano vindouro cheio de saúde, paz, prosperidade, e claro, que HISTÓRIAS DE CINEMA tenha muito mais para contar para seus cinéfilos e leitores. Grande abraço, Mestre!
PAULO TELLES
Blog Filmes Antigos Club
http://articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/
Olá professor Antônio!
Gostaria de parabenizá-lo por seu trabalho, dizer que comecei a ler seu livro sobre o cinema Noir, e fiquei encantada com a qualidade e quantidade das informações.
Venho por meio deste comentário, perguntá-lo sobre uma possível reedição, ainda que digital, dos seus títulos (principalmente os lançados pela editora Rocco).
Obrigada pela atenção
E. Marie
Prazer em revêl- Paulo. E obrigado pelas informações, enriquecendo meu post. Até breve.
Prezada Marie, vou tomar a liberdade de responder através seu e-mail.