Arquivo mensais:novembro 2014

OS WESTERNS DE ANDRE DE TOTH

Creditado como Andre De Toth ou Andre de Toth, este diretor húngaro com um conhecimento profundo de seu ofício, noção precisa de economia narrativa e posicionamento da câmera, e cuidado especial com o detalhe, realizou filmes expressivos na sua carreira (Ninguém Escapará ao Castigo / None Shall Escape / 1944, Caminho da Tentação / Pitfall 1948, Museu de Cera / House of Wax /1953, Cidade Tenebrosa / Crime Wave / 1954, Espia de Duas Caras / The Two Headed Spy / 1958, Contra Espionagem / Man on a String / 1960, Inferno no Deserto / Play Dirty / 1969) e foi um dos diretores importantes no gênero western nos anos cinquenta. Seis dos dez westerns que dirigiu nessa década (Terra do Inferno / Man in the Saddle /1951, Ouro da Discórdia / Carson City / 1952, Torrentes de Vingança / Thunder over the Plains / 1953, O Pistoleiro / The Stranger Wore a Gun / 1953, Alma de Renegado / Riding Shotgun / 1954 e Feras Humanas / The Bounty Hunter / 1954) foram interpretados por Randolph Scott e são todos de boa qualidade. Os quatro restantes, Renegado Heróico / Springfield Rifle / 1952, O Sabre e a Flecha / Last of the Comanches / 1952, A Um Passo da Morte / The Indian Fighter / 1955 e A Quadrilha Maldita / Day of the Outlaw/ 1959, mantêm o mesmo padrão e, de um modo geral, se equivalem, o derradeiro sobressaindo um pouco sobre os demais. Além desses, De Toth dirigiu Abrasadora / Ramrod / 1947, estréia auspicosa no “cinema americano por excelência”.

Andre De Toth

Andre De Toth

ABRASADORA / RAMROD.

toth

O vaqueiro Dave Nash (Joel McCrea) torna-se capataz do rancho de Connie Dickason (Veronica Lake), depois que seu noivo deixou a cidade, ameaçado de morte por Frank Ivey (Preston Foster), rico proprietário da região, apoiado pelo pai dela (Charles Ruggles). Para se vingar de Frank e obter maior poder, Connie não hesita em seduzir Dave e seu amigo, o pistoleiro Bill Schell (Don DeFore), envolvendo-os nas suas intrigas, que trazem consequências trágicas.

toth ramrod cena

John Ford ia dirigir o filme para a Enterprise, uma nova companhia criada por Charles Enfeld e David Loew mas, ocupado com a filmagem de Paixão dos Fortes / My Darling Clementine / 1946, ele indicou De Toth para substituí-lo. Filmado no Zion National Park em Utah, é um western prematuramente adulto com elementos noir (fotografia escura, mulher fatal, ambição) girando em torno da velha história de criadores de ovelhas contra criadores de gado. De Toth mantém uma tensão permanente, utilizando com mestria os planos longos, e compõe algumas cenas originais (a narrativa começa no meio da história) e de violência chocante para a época (por exemplo, aquela em que Bill encosta o cigarro aceso na mão do capanga covarde de Frank, obrigando-o a sacar sua arma e, em seguida, matando-o friamente).

TERRA DO INFERNO / MAN IN THE SADDLE.

Cena de Terra do Inferno

Cena de Terra do Inferno

Laurie (Joan Leslie) casou-se por interesse com um fazendeiro rico, Will Isher (Alexander Knox), porém seus verdadeiros sentimentos dirigem-se para Owen Merritt (Randolph Scott). Com ciúmes de Owen, Will manda seus capangas, chefiados por Dutcher (Richard Rober), invadirem suas terras. Após várias escaramuças e morticínios, Owen vai procurar Will, sem saber que este já havia resolvido deixá-lo em paz, após ter obtido de Laurie o compromisso de que partiria em sua companhia para outro lugar. Neste momento, confundindo Owen com Will, Dutcher mata o patrão e, depois de um duelo sem misericórdia, vem a ser morto por Owen.

toth man in the saddle poster

Este primeiro filme no qual De Toth dirigiu Randolph Scott, beneficia-se de um elenco de apoio muito eficiente e um bom roteiro. Em acréscimo, tem a bela paisagem de Alabama Hills, Lone Pine, soberba fotografia noturna (vg. o tiroteio em um saloon totalmente no escuro, iluminado apenas pelo clarão dos tiros) e muita ação, salientando-se o estouro da boiada, o tiroteio no meio de uma tempestade de areia e a longa briga entre Owens e um dos bandidos (John Russell), quando os dois homens rolam pelo barranco ao lado da cachoeira.

OURO DA DISCÓRDIA / CARSON CITY.

Cena de Ouro da Discórdia

Cena de Ouro da Discórdia

O engenheiro Jeff Kinkaid (Randolph Scott) inicia a construção da ferrovia que vai ligar Virginia City a Carson City, contrariando os interesses de Jack Davis (Raymond Massey). Chefe de um bando de assaltantes de diligências, Davis faz tudo para impedir a obra e finalmente é desmascarado por Kinkaid, quando tenta roubar o primeiro trem a fazer o percurso.

O filme estava previsto para reunir o director Michael Curtiz e o ator Errol Flynn, que haviam trabalhado juntos em outros espetáculos do mesmo gênero. Porém Flynn se recusou a participar do projeto, e Curtiz também, alegando que não queria ser cobaia do novo sistema Warner Color. De Toth e Randolph Scott ocuparam seus lugares e o resultado foi um western com um detalhe curioso – os assaltantes oferecem um lanche regado a champanhe para os passageiros das diligências assaltadas, razão pela qual ficam conhecidos como “O Bando do Champanhe”- e muita ação, ilustrada principalmente pelo assassinato do cocheiro da carroça de carga (jogado inconsciente dentro do veículo em um despenhadeiro); a briga entre Kinkaid e seu empregado brutamonte; o episódio do desmoronamento da mina; o tiroteio ente Kinkaid e Jack Davis em um cânion rochoso; e o assalto ao trem no final.

RENEGADO HERÓICO / SPRINGFIELD RIFLE.

Andre De Toth e Gary Cooper

Andre De Toth e Gary Cooper

Em Fort Hadley, no Colorado, o Major Alexander Kearney (Gary Cooper) é julgado por uma corte marcial e expulso do exército. Trata-se de um ardil, para que ele possa se infiltrar como espião em um bando que rouba cavalos da União, para vendê-los aos confederados. Kearney descobre que os ladrões agem em ligação com o seu próprio comandante, Tenente Coronel John Hudson (Paul Kelly) e, com a ajuda de seis homens leais e um carregamento de novos fuzís Springfield, consegue capturá-los.

Cena de Renegadp Heróico

Cena de Renegadp Heróico

A trama tem um aspecto interessante: o desenvolvimento da contra-espionagem no exército da União durante a Guerra Civil. A experimentação do novo rifle Springfield, que dá título ao filme, funciona apenas como um elemento acessório. Gary Cooper interpreta com perfeição o militar que sacrifica tudo a serviço de sua pátria e De Toth mantém a narrativa constantemente dinâmica, com muitas peripécias e surpresas. Ele se serve muito bem da paisagem fotogênica de Alabama Hills, Lone Pine, coberta de neve ou de bruma, uma natureza selvagem na qual ocorrem as cenas emocionantes do combate final com os cavalos em disparada, o fogo cercando os bandidos, e o tiroteio entre Kearney e Hudson por entre as pedras.

O SABRE E A FLECHA / LAST OF THE COMANCHES.

Cena de O Sabre e a Flecha

Cena de O Sabre e a Flecha

Os Comanches incendeiam a cidade de Dry Buttes. Somente seis cavalarianos escapam da destruição e têm que percorrer centenas de quilômetros através do deserto, para chegar ao seu forte. “Nós sobramos – diz o Sargento Matt Trainor (Broderick Crawford), que assumira o comando dos sobreviventes – “talvez por sorte ou talvez por azar”. No meio do caminho, eles recolhem os passageiros de uma diligência, entre os quais está uma mulher, Julia Lanning (Barbara Hale) e depois um rapazinho Kiowa, Little Knife (Johhny Stewart), que os conduz a uma antiga missão espanhola, onde encontram um pouco de água e são intermitentemente atacados pelos índios.

Broderick Crawford e Barbara Hale em O Sabre e a Flecha

Broderick Crawford e Barbara Hale em O Sabre e a Flecha

Nesta refilmagem no gênero western do filme de guerra Sahara / Sahara / 1943, De Toth trabalha bem com a ação (ataque dos índios à cidade seguindo uma manada de cavalos em disparada, tempestade no deserto, angústia e sofrimento causados pela sede, o indiozinho cavalgando nas dunas em busca de socorro etc.) e com o problema da água (usada como arma em um blefe – Trainor exige que os índios entreguem suas armas e se retirem em troca do precioso líquido que, na verdade, já se esgotara) sustentando o suspense.

TORRENTES DE VINGANÇA / THUNDER OVER THE PLAINS.

Phillys Kirk e Randolph Scott em Torrentes de Vingança

Phillys Kirk e Randolph Scott em Torrentes de Vingança

Após a Guerra de Secessão, o Estado do Texas ainda não estava apaziguado e um exército de ocupação é encarregado de pacificar o país. Um “carpetbagger”, H. L. Balfour (Hugh Sanders) em conluio com o coletor de impostos corrupto, Joseph Standish (Elisha Cook Jr.), compra a preço vil o algodão dos fazendeiros que não podem pagar seus tributos. Um certo número de homens da região sob o comando de Ben Westman (Charles McGraw) ataca e destrói os carregamentos de algodão adquiridos por Balfour e a cabeça de Westman é posta a prêmio. Denunciado por um de seus concidadãos, Henley (Jack Woody), Westman consegue escapar, porém Henley é encontrado morto e as suspeitas recaem sobre Westman. O Capitão David Porter (Randolph Scott), de origem texana, é encarregado de capturar Westman. Ele consegue prendê-lo, mas Westman será enforcado dentro de três dias, se a prova de sua inocência não for feita. Arriscando sua carreira militar, Porter, veste-se de civil, aceita se unir ao fora-da-lei e obtém uma confissão de Standish, que lhe permite provar que Balfour fora o assassino de Henley. Westman é salvo e a ação de Porter leva à pacificação definitiva do Texas.

Lex Barker e Randolph Scott em Torrentes de Vingança

Lex Barker e Randolph Scott em Torrentes de Vingança

Uma subtrama envolvendo um jovem official de West Point mau caráter e conquistador, Bill Hodges (Lex Barker), e Nora (Phillys Kirk), a esposa solitária (mas leal) do capitão Porter, completa o enredo. Algumas cenas de ação se destacam como aquela em que o informante caminha pela escuridão enquanto um grupo de fazendeiros o segue, e um deles o mata a facadas; o momento em que Porter surpreende Hodges beijando Nora à fôrça e os dois lutam; e o tiroteio final, quando Porter enfrenta três bandidos pelas ruas desertas da cidade, e vai eliminando um a um.

O PISTOLEIRO / THE STRANGER WORE A GUN.

Ernest Borgnine, R. Scott e Lee Marvin em O Pistoleiro

Ernest Borgnine, R. Scott e Lee Marvin em O Pistoleiro

Após a Guerra Civil, o ex-confederado Jeff Travis (Randolph Scott), serve de espião para Quantrill mas, decepcionado com o incêndio e saque da cidade de Lawrence, desliga-se do bando, e se torna jogador profissional em uma barcaça do Mississipi, associado a Josie Sullivan (Claire Trevor). No curso de uma briga, Jeff vai ser abatido, quando seu adversário é apunhalado por um desconhecido. Refugiado em Prescott, no Arizona, Travis descobre que seu salvador é Jules Mourrett (George Macready), cidadão influente, mas que na realidade chefia uma quadrilha de assaltantes de diligências. Mourret quer que ele faça o mesmo que fazia para Quantrill, assumindo a identidade de um detetive que fora contratado por Jason Conroy (Pierre Watkin) e sua filha Shelby (Joan Weldon), donos da empresa que explora o serviço de transporte, para saber onde eles escondem o ouro que carregam, também cobiçado por Degas (Alfonso Bedoya), assaltante mexicano, rival de Maurrett. Quando os homens de Mourrett matam o cocheiro da diligência, Travis se passa para o lado dos Conroys, e elimina os bandidos.

toth the strange wore a gun poster

Repleto de lances movimentados (planejados para serem filmados em 3-D – toda espécie de coisas apontadas ou arremessadas em direção à câmera: socos, armas, tochas, jarros, cadeiras), o filme tem um compasso rápido e as figuras interessantes de Mourrett e seus capangas, Dan (Lee Marvin) e Bull (Ernest Borgnine), bem como o mexicano truculento, interpretado por Bedoya. A morte de Degas por Bull, ambos com um sorriso nos lábios; as cenas do duelo a bala entre Travis e Dan, e o confronto final entre Travis e Mourrett dentro do saloon em chamas, são as cenas que despertam mais excitação.

ALMA DE RENEGADO / RIDING SHOTGUN.

Cena de Alma de Renegado

Cena de Alma de Renegado

Larry Delong (Randolph Scott) trabalha como guarda de diligência, enquanto procura Dan Marady (James Millican), o assassino de sua irmã e sobrinho. Larry cai em uma emboscada, sendo capturado por Marady e seus capangas, que o deixam amarrado para morrer na montanha. O assalto da diligência não passa de um truque para afastar o xerife Tub Murphy (Wayne Morris) e seus homens da cidade, permitindo que o bando se apodere do cofre do casino local. Larry consegue escapar e revela aos cidadãos de Deep Water o projeto dos bandidos, mas ninguém acredita nele e o acusam de ter roubado aqueles que fora encarregado de proteger. Refugiado em uma cantina, Larry consegue fugir e liquidar Marady e seu assecla Pinto (Charles Buchinski, o futuro Charles Bronson).

Cena de Alma de Renegado

Cena de Alma de Renegado

O filme lembra um pouco Matar ou Morrer / High Noon / 1952, mostrando o herói sozinho tanto diante dos bandidos como da população de sua própria cidade. A única pessoa decente é o xerife, mas ele está mais interessado em comer do que em fazer justiça (em uma situação tensa na narrativa, ele dá um tempo para pegar um pedaço de torta). Narrado em voz over por Delong, a história começa nos exteriores e depois a intriga se transfere para as ruas e prédios de Deep Water, onde De Toth constroi uma tensão permanente, incutindo algum humor no enredo como, por exemplo, o dono da cantina (Fritz Feld hilariante) preocupado com o seu espelho novo durante o tiroteio ou a aparição de sua mulher e a filharada, para lhe confiscar o dinheiro recebido de Delong. A melhor cena de ação é o assalto final do casino e a morte de Pinto com a ajuda do menino e seu estilingue e o segundo revólver (a Berringer de bolso de estimação de Marady), que Delong trazia consigo .

FERAS HUMANAS / THE BOUNTY HUNTER

Cena de Feras Humanas

Cena de Feras Humanas

Jim Kipp (Randolph Scott) é um caçador de recompensas temido por todos os fora-da-lei do Oeste. Ele é contratado pela Agência Pinkerton para descobrir o paradeiro de três bandidos, que assaltaram um trem e roubaram cem mil dólares. Uma pista o leva até Twin Forks, onde faz amizade com Julia (Dolores Dorn), filha do dr. Spencer (Harry Antrim), que cuidara dos ferimentos de um dos assaltantes. Após mais algumas investigações, Jim identifica os três malfeitores e recupera o dinheiro roubado.

toth the bounty hunter poster

Filmado em 3-D, mas lançado no formato comum, não é dos melhores westerns de De Toth, mas tem alguns elementos susceptíveis do agrado do público. A idéia básica permite uma série de episódios, onde violência e paranóia (cada habitante da cidade suspeita de seu vizinho) se sucedem em ritmo acelerado. Um achado feliz é o truque de Jim, fazendo crer que tem a foto de um dos bandidos. Outro, a surpresa de que um dos bandidos era uma mulher.

A UM PASSO DA MORTE / THE INDIAN FIGHTER.

Kirk Douglas e Elsa Martinelli em A Um Passo da Morte

Kirk Douglas e Elsa Martinelli em A Um Passo da Morte

Kirk Douglas em A Um Passo da Morte

Kirk Douglas em A Um Passo da Morte

Por volta de 1870, perto de Fort Laramie, os Sioux, comandados por Red Cloud (Eduard Franz), recusam-se a deixar passar os comboios de emigrantes através de seu território. Eles se opõem também à procura de minas de ouro, que atraem aventureiros como Wes Todd (Waltet Matthau) e Chivington (Lon Chaney Jr.), culpados de várias mortes. Encarregado de uma missão de pacificação, o batedor Johnny Hawks (Kirk Douglas) apaixona-se por Onahti (Elsa Martinelli), filha de Red Cloud. Mas a trégua é rompida pelas atividades dos contraventores brancos.

toth india fighter poster

Acompanhando as peregrinações de um comboio ameaçado pelos índios, enganados por traficantes de armas e de álcool, o filme coloca com lucidez o drama das espoliações das quais as populações indígenas são vítimas e mostra com razoável realismo e equilibrio a sociedade indígena. Tem sobretudo a vantagem de ser um western autenticamente bucólico, pelo esplendor natural do Oregon e pela maneira como De Toth descreve a ligação amorosa entre o batedor e a índia. A direção chega ao ápice nas cenas de ataque ao forte e no duelo mortal entre Johnny Hawks e Gray Wolf (Harry Landers), um índio hostil.

A QUADRILHA MALDITA / DAY OF THE OUTLAW.

Cena de A Quadrilha Maldita

Cena de A Quadrilha Maldita

No início do enredo, temos uma situação clássica: a hostilidade de dois homens, Blaise Starett (Robert Ryan) e Hal Crane (Alan Marshal), causada por um deles, de cercar com arame farpado as suas terras. É o velho antagonismo entre criadores de gado e fazendeiros, sendo que, no caso presente, existe um conflito sentimental: Starett está apaixonado pela mulher de Crane, Helen (Tina Louise). No momento crucial, quando vai se travar um duelo aparentemente mortal, surge uma horda de sete foras-da-lei, liderados por um ex-capitão do exército sulista, Jack Bruhn (Burl Ives). O chefe do bando, embora fragilizado físicamente, utiliza seu prestígio para evitar atos abomináveis, impondo continência aos seus comandados. O filme fica então carregado de um curioso suspense, fruto da violência contida com o risco iminente de um massacre.

Cena de A Quadrilha Maldita

Cena de A Quadrilha Maldita

Cena de A Quadrilha Maldita

Cena de A Quadrilha Maldita

A história é muito bem narrada, com o aproveitamento magnífico dos cenários naturais do Mount Bachelor no Oregon (as planícies e as montanhas cobertas de neve, o vilarejo friorento, o vento) para se criar (com a ajuda da fotografia monocromática) um clima estranho e sombrio, uma impressão de tristeza e desolação. Uma das intervenções de Bruhn para conter os impulsos eróticos de seus homens ocorre durante uma dança de salão, focalizada por uma câmera vertiginosa, que contrasta com o fundo musical suave utilizado no decorrer da narrativa.

 

LEOPOLDO FRÓES NO CINEMA

“Até Leopoldo Fróes, o nosso teatro teve três épocas: a 1a de João Caetano, a 2a de Vasques e a 3a de Fróes. Seguiram-se, após, outras, como a de Procópio Ferreira, Jaime Costa etc. Mas não creio que alguma tenha marcado tanto quanto a do Fróes. O público adorava-o”, foi o que disse o crítico teatral e amigo íntimo do ator, Bricio de Abreu, no seu livro Esses Populares Tão Desconhecidos, 1963.

Sergio Viotti, no seu livro Dulcina e o Teatro de seu Tempo, 2000, acrescentou: “Fróes representava, na memória do teatro nacional, um fato único, talvez isolado mesmo, em seu tempo. Ninguém como ele exerceu tal imenso fascínio sobre o público. Era um ‘astro’, como nos habituamos a aceitá-lo, ainda hoje, em termos de renome, publicidade e chamariz. Foi, na verdade, um ídolo.”

Na opinião de seu biógrafo, Raimundo Magalhães Junior (As Mil e Uma Vidas de Leopoldo Fróes, 1966), “ele foi o maior ator brasileiro dos primeiros decênios deste século, e suas relações com o cinema, merecem ser divulgadas.”

Leopoldo Fróes

Leopoldo Fróes

Leopoldo Constantino Fróes da Cruz nasceu a 30 de setembro de 1882 na antiga Rua de São Francisco, em Niterói. A mãe D. Idalina, faleceu  quando o filho tinha apenas onze anos de idade. Seu pai era o advogado e professor de Direito Comercial Luis Carlos Fróes da Cruz , que militou na política fluminense, tendo sido membro do Congresso Constituinte de 1891, exerceu depois o mandato de deputado federal em mais de uma legislatura, e foi vereador e presidente da Câmara de Niterói.

O desejo mais ardente do pai era o de encontrar no filho um successor: na cátedra, na banca de advogado e nas posições políticas. Porém o jovem Leopoldo não tinha a menor vontade de ser advogado. Gostava, realmente, era de teatro. Representava, nas férias, com grupos de amadores. Em Niterói, fêz parte do Grêmio Dramático Assis Pacheco. À revelia do pai, escapava às vêzes, para o interior, em pequenas trupes, que percorriam vilas e cidades fluminenses, representando em palcos improvisados. Certa vez, quando se exibia em Barra Mansa, o juiz de direito local recebeu uma carta do Dr. Fróes da Cruz, pedindo-lhe o favor de recambiá-lo, sob as vistas de um oficial de justiça…

Porém, de nada valeria a oposição paterna. O teatro estava no seu sangue. Até o episódio da sua formatura fôra algo teatral. O rapaz o premeditara, como um ator, que prepara em silêncio uma grande cena, para com ela surpreender a platéia. Na colação de grau dos novos bacharéis, cada um declararia o nome de seu paraninfo e este, dando-lhe o braço, o acompanharia à mesa, para o recebimento do diploma. O professor Luis Carlos esperara, em vão, que o filho o convidasse para paraninfo mas o rapaz queria dar a nota sensacional da solenidade, com um elaborado coup de théâtre. A cerimônia seria assistida pelo Presidente da República, Campos Sales. Quando o director da Faculdade o chamou, Leopoldo se ergueu e, com a voz muito clara, para ser ouvido por toda a sala, declarou: “Meu paraninfo é o Exmo. Sr. Dr. Manuel Ferraz de Campos Sales, Presidente da República!”. Foi uma sensação! O chefe do Governo, surpreendido com o gesto de Froés, que não o consultara, mas delicado demais para recusar-se a servir de paraninfo e, ainda, por deferência ao professor Fróes da Cruz, seu companheiro do Congresso Constituinte de 1891, levantou-se e acompanhou o audacioso môço que, assim passava a ser, teatralmente, a primeira figura da festa, deixando em plano secundário o orador da turma.

Faculdade Livre de Direito

Faculdade Livre de Direito

Fróes chegou a ser delegado de polícia e advogado criminal, mas acabou reconhecendo sua incompatibilidade com essas profissões. Então resolve o pai enviá-lo a Londres, com um emprego em nossa Embaixada, onde nunca chegou, pois ficou em Paris até que o dinheiro que levava terminasse. Voltando ao Brasil, procura  novamente seguir o teatro. Os nossos recursos cênicos eram parcos e havia ainda a oposição da família. Resolve, então, embarcar para Lisboa, onde chegou em 11 de setembro de 1902. O que lhe importava agora era mostrar ao pai que poderia continuar na Europa, vivendo dignamente de uma profissão que no Brasil ainda era vista com verdadeiro horror pelos pais de família.

Embora gostasse mais da opereta não teve dúvida em aceitar o papel que lhe ofereceram em um drama de Marcelino Mesquita, “O Rei Maldito”, representado no Teatro do Príncipe Real pela Companhia Alves da Silva. Seguiram-se dois anos de ociosidade, nos quais faz relações no meio teatral e finalmente é chamado para interpretar o papel de um brasileiro na revista “O ano em três dias”, encenada pelo ator José Ricardo. Fróes ficou vinculado ao elenco por mais três anos, representando revistas, mágicas, operetas, zarzuelas. Depois de viver maritalmente com uma atriz, Maria Portuzellos, e de manter uma ligação com outra, Ausenda de Oliveira, Fróes envolveu-se com mais uma atriz, a espanhola Dolores Rentini, sua companheira na revista “O ano em três dias”.

Dolores Rentini

Dolores Rentini

Froés e Dolores (que era casada com o empresário José Loureiro) fugiram para a Espanha e, quando regressaram, seus lugares já estavam tomados na companhia de José Ricardo. Apareceu, então, uma oportunidade para ambos na Companhia Taveira, que estreou no nosso Teatro Recreio. Entretanto, as primeiras referências da crítica brasileira a Leopoldo Fróes, como ator profissional, “foram vagas, incolores, inexpressivas”, como diz R. Magalhães Junior na sua biografia do ator.

Quando a Companhia Taveira se despediu do Rio, vários de seus artistas permaneceram no Brasil entre eles o tenor Almeida Cruz, Fróes e Dolores, que resolveram organizar uma companhia de operetas, acreditando que a melhor época para o teatro seria a da Exposição Nacional, que comemorava os cem anos da Abertura dos Portos. A estréia se deu a 30 de outubro de 1908 com a mágica de Eduardo Garrido, “O gato prêto” (na qual Dolores fazia o papel de Florinda, Fróes o de um baixo cômico, Barnabé, e o tenor Almeida Cruz o do galã Jasmim), sendo apresentadas em seguida: a opereta “A Mascote” de Edmond Audran“A Capital Federal” e “A filha de Maria Angu” de Artur Azevedo;  a revista de Sousa Bastos “Tim-tim por tim-tim; “Os Sinos de Corneville” de Robert Planquette; “O Burro do Senhor Alcaide” de Gervásio Lobato e D. João Câmara; e uma revista brasileira, “Bumba, meu boi!” de Alvaro Colás.

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Passado o período da Exposição Nacional, o interesse pelo teatro começou a declinar e, logo, Fróes e Dolores  voltaram para Portugal, onde trabalharam (com José Simões Coelho e o cançonetista brasileiro Geraldo Magalhães), na companhia de operetas de Luís Galhardo, que, todavia, não despertou maior interesse, em virtude da pouca eficiência do empresário. Por sugestão de Geraldo Magalhães, formou-se então uma nova empresa , financiada por ele, Fróes e Simões Coelho, que acabou chegando ao nosso país, contratada por Juca de Carvalho para uma grande tournée pelas principais cidades brasileiras.

A estréia se deu em Belém a 6 de janeiro de 1911 com a opereta de Oscar Straus, “Sonho de Valsa”. Dolores fazia o papel da violinista Franzi, chefe de uma orquestra de moças de Viena e Fróes, o papel de Joaquim XIII, príncipe do fictício grão-ducado de Flausemberg, e a temporada prosseguiu com êxito por São Luiz, Fortaleza e finalmente Recife, onde, vitimada pela febre amarela, Dolores Rentini veio a falecer. Era a sexta figura da companhia que morria da mesma doença.

Fróes foi buscar um pouco de conforto e solidariedade no seio da família. Ficou algum tempo em Niterói até que reagiu e embarcou para Portugal, ingressando na companhia dramática de Angela Pinto, considerada a Sarah Bernhardt portuguêsa. Mas já no início de 1914 estava de novo no Brasil, para se fazer ator brasileiro e, na bela frase de R. Magalhães Junior, “marcar, com a ressonância do seu nome, três lustros da nossa vida teatral”.

Leopoldo Fróes e Lucilia Peres

Leopoldo Fróes e Lucilia Peres

No seu regresso de Portugal, Fróes encontra Lucília Peres, a grande atriz do teatro declamado daquela época e passa a viver com ela. Em pouco tempo eles fundaram a Companhia Lucília Peres-Leopoldo Fróes. A estréia se deu a 12 de maio de 1915 com a comédia “Mulheres Nervosas” de Lum e Touché. Fróes logo dominou a platéia encarnando um poeta que não tem remédio senão virar confeiteiro e dar expansão a sua inclinação para as letras – escrevendo versinhos para “balas de estalo”! Em sete meses e meio, de meados de maio a 31 de dezembro, Fróes e Lucília montaram exatamente vinte e uma peças, entre as quais a famosa “Dama das Camélias” de Alexandre Dumas Filho. Entretanto, devido as suas rixas a respeito da escolha de peças e distribuição dos papeís, além de uma vida íntima conturbada, os dois artistas resolveram se separar.

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Enquanto Lucília tentava organizar uma companhia no Rio, em São Paulo Fróes obtinha um êxito retumbante com a apresentação  no Teatro Boa Vista, da comédia “Flores de Sombra” de Cláudio de Sousa,” na qual compunha admiravelmente o papel de Osvaldo, “o rapaz bôemio e de bom coração, o galã espirituoso, que vinha  pôr o meio rural em polvorosa”. No Rio, a peça estreou a 23 de abril de 1917 no Teatro Trianon e teve cento e oito representações consecutivas, deixando Fróes cheio de dinheiro e satisfação. Seguiram-se várias peças, (inclusive a deliciosa comédia de França Junior ”As doutoras” e “Nossa terra” de Abbadie Faria Rosa (na qual Fróes, com uma face avermelhada e uma cabeleira loura, era um alemão ingênuo apaixonado pelo Brasil) até irromper outro êxito avassalador de Fróes: “O Simpático Jeremias” de Gastão Tojeiro, estreado a 28 de fevereiro de 1918.

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R. Magalhães Junior escreveu: “ … a peça, inegavelmente muito engraçada, dava a Leopoldo a oportunidade de interpretar o papel de um criado metido a filósofo. Tinha o nome extravagante de Jeremias Taludo e se declarava discípulo do filósofo Sirênio Calado, espécie de Diógenes moderno, entre cínico e pessimista. Ao mesmo tempo, Jeremias tocava violão, cantava modinhas e lia Schopenhauer, sem prejuízo do seu serviço na Pensão das Magnólias, em Petrópolis, onde surgira atendendo a um anúncio”.

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Entre outras grandes criações do ator estavam: o seu Brito de “O genro de muitas sogras” de Arthur Azevedo; Alberto Loriflan em “O Café do Felisberto” de Tristan Bernard; o Cardeal Gonzaga em “A Ceia dos Cardeais” de Julio Dantas; o criado do papel-título de “Admirável Chrichton” de J. M Barrie; o seringueiro Coronel Fortuna em “Quebranto” de Coelho Neto; o italiano pistonista e regente de uma banda de música do interior em “Sol de Verão” de Viriato Correia; Henri Levier em “As Vinhas do Senhor” de Flers e Croisset; Tonio em “Quando o amor vem” de Edouard Bourdet; Raoul de Trembley Matour em Senhorita Talharim de Félix Gandera; Pigmalião Sereno em O Comissário de Polícia de Gervásio Lobato, o Seu Aquele de Chame um Taxi de Raul Pederneiras; Henrique Clavel de O ilustre Desconhecido de Tristan Bernard; Paulo Normand de A Menina do Chocolate de Paul Gavault; Sebastião Viégas em “A pequena do Alvear” de Flers e Caillavet; e o motorista Andréa em “O Gigolô” de Renato Viana – peça que repetiu as façanhas de “Flores de Sombra” e “O Simpático Jeremias”. Além de atuar como intérprete, Fróes escreveu três peças: “O Outro Amor”, “Senhorita Gasolina”e, a mais notória, “Mimosa”, para a qual compôs uma canção, a que deu o mesmo título.

Fróes e Carmen Azevedo na peça Gigolô

Anúncio de GigolôRecordação de Brício de Abreu: “Conhecí e conviví com Fróes durante toda essa época. Talvez o sucesso, o dinheiro a aclamação do público que o cortejava e admirava tenham dado maior expansão a um temperamento já por si difícil de definir-se e suportar-se nos tempos dificultosos. Fróes era exatamente vaidoso e suscetível. Brigava com colegas, críticos e autores, mas, possuia um grande coração sempre pronto a ajudar e socorrer colegas necessitados”.

Leopoldo Fróes de palhaço

BUsto de Fróes no Retiro dos Artistas

Em 1918, ele se rebelou com a situação dos artistas em dificuldade, fundando com Eduardo Leite, a “Casa dos Artistas”, da qual seria depois o presidente de honra. R. Magalhães Junior fechou com estas palavras um dos capítulos de sua biografia: “Por ela, nunca pouparia canseiras nem sacrifícios. Estaria sempre pronto a ajudá-la, em suas dificuldades, com donativos ou festivais. Não hesitaria em pintar o rosto e aparecer como palhaço, no picadeiro do Circo Sarrasani, numa festa em benefício dos seus cofres. A Casa dos Artistas viria a alcançar subvenções do governo federal e do governo municipal. E, embora arrostando, por vezes, grandes dificuldades, sobreviveria como um marco da solidariedade e do espírito de classe da gente de teatro. E vale como um verdadeiro monumento à memoria de seu ilustre fundador, o comediante Leopoldo Fróes”.

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Em 1927, deu-se a estréia da Companhia Leopoldo Fróes – Chaby Pinheiro com a peça “Maître Bolbec et son mari” de Louis Verneuil e Georges Berr (traduzida errôneamente como “O advogado Bolbec e seu marido”, pois no original francês o personagem era uma advogada), seguindo-se “O Leão da Estrela” de Félix Bermudes, João Bastos e Ernesto Rodrigues; ”Rosas de Outono”, comédia rômantica de Jacques Deval; “O Café do Felisberto”, no qual o comediante português se limitou a fazer o papel relativamente curto e sem importância do patrão do garçom Alberto, tendo no entanto o prazer de, em uma cena curta, magistralmente representada, arrancar uma ovação tão vigorosa quanto a que Fróes recebia no final da peça, depois de haver esgotado todos os seus recursos interpretativos (cf. Magalhães Junior); “Gigolô” (cabendo a Chaby outro papel inexpressivo); “O Conde Barão”, quando então Chaby teve mais oportunidade de mostrar seu enorme talento como um indivíduo boçal, com tanto de ignorante como de ousado e oportunista, dizendo títalo em vez de título, metamirfose em vez de metamorphose, muito obrigadíssimo em vez  de muitissimo obrigado, inzactamente em vez de exatamente – e , quando os monarquistas lhe acenam com um título de barão, quer que lhe dêem também um de conde (cf. Magalhães Junior); “Longe dos Olhos” de Abbadie Faria Rosa; e outros espetáculos.

Chaby Pinheiro

Chaby Pinheiro

A chegada de Fróes e Chaby

A chegada de Fróes e Chaby

Em 1928, o chamado “Período Leopoldo Fróes” começou a declinar. Havia propulsionado o nosso teatro de comédia incentivando o público, habituando-o ao teatro. Novos artistas foram surgindo e obtendo a preferência desse público. Mas, segundo Brício de Abreu, é inexato que tivesse ele abandonado o grande ator. “O que se deu foi que Fróes começou a fugir ao gênero que lhe dera popularidade, montando peças do chamado grande teatro”.

Em 1929, convidado, atuou ao lado de Adelina e Aura Abranches em Lisboa no Teatro Apolo. Depois passou para o Nacional de Lisboa, contracenando com Amélia Rey Colaço. Em 1930, foi a Paris, contratado pela Paramount, para fazer com Beatriz Costa, Minha Noite de Núpcias. No início do cinema falado,  a companhia americana resolveu produzir versões de seus filmes em vários idiomas nos estúdios de Joinville- Saint Maurice  e Minha Noite de Núpcias era a versão portuguêsa de Her Wedding Night / 1930 com Clara Bow e Ralph Forbes, dirigidos por Frank Tuttle.

Anúncio de Minha Noite de Núpcias

A revista Cinearte cobriu o acontecimento, anunciando que “um dos príncipes do teatro brasileiro” faria o papel masculino de maior realce, ao lado dos artistas portuguêses Beatriz Costa, Alvaro Reis, Estevão Amarante,  Maria Emilia Rodrigues e Maria Sampaio e de outros brasileiros como Francisco Azeredo, Maria Janocopulos e Mario Marano, orientados pelo director alemão E.W. Emo.

Cena de Minha Noite de Núpcias

Cenas de Minha Noite de Núpcias

Cenas de Minha Noite de Núpcias

Por ocasião da filmagem, cerca de cinquenta pessoas, representando doze nacionalidades, tomaram parte em um almoço que a Paramount ofereceu a Marlene Dietrich, quando de sua visita àquele famoso estúdio da companhia. Entre os convivas estavam: Conrad Veidt, Olga Tschecowa, Beatriz Costa, Leopoldo Fróes, Camila Horn, Adelqui Millar, Walter Rilla, Benno Vigny e muitos outros.

O enredo, do gênero vaudeville, aborda as aventuras de Claudio Mallet (Alvaro Dias), um compositor de canções populares que, para fugir ao assédio das fãs, deixa em seu lugar um amigo, Raul Laforte (Estevão Amarante). Este conhece com uma estrela de cinema, Gilberta Landry (Beatriz Costa), casa-se com ela por engano e surgem muitas complicações, envolvendo ainda João Pestana (Leopoldo Froes), amigo de Claudio, Julieta (Maria Emilia Rodrigues), a noiva de Claudio e Melusina (Maria Sampaio), uma linda morena apaixonada pelo compositor e muito ciumenta.

 Fróes já havia participado no Brasil de um filme, Perdida / 1916, realizado por Luis de Barros e exibido no antigo cinema Pathé na Avenida Rio Branco; porém teve umas desavenças com o director e o resultado não saiu bom.

Anúncio de Perdida

Em As Mil e Uma Vidas de Leopoldo Froés, Raimundo Magalhães Junior conta que a crítica na época malhou seu desempenho nestes termos: “Uma de nossas primeiras fitas foi levada à tela como concurso do Sr. Leopoldo Fróes, tendo o inteligente ator, tão aplaudido no palco, feito um trabalho positivamente infeliz”. Assim, o nosso inesquecível ator ficou uma tanto ressabiado com a sétima arte, e só aceitou filmar Minha Noite de Núpcias anos mais tarde em Paris, porque lhe ofereceram uma pequena fortuna.

Beatriz Costa e Leopoldo Fróes em Minha Noite de Núpcias

Beatriz Costa e Leopoldo Fróes em Minha Noite de Núpcias

O filme, apesar de todos os seus defeitos, divertiu muito o público e o melhor intérprete, o mais natural, o mais engraçado foi sem dúvida Leopoldo Fróes que, desta vez, mereceu os maiores elogios em todas as publicações, chegando mesmo um comentarista a dizer que ele “tinha cinema nas veias”.

Infelizmente o grande ator não pôde gozar o triunfo que representara  o lançamento de seu filme em Lisboa em maio de 1931, pois, durante as filmagens, apanhou um resfriado, que se transformou em pneumonia, obrigando-o a se recolher em um sanatório suiço, onde veio a falecer em 2 de março de 1932.

PIERRE FRESNAY

Profissional notável pela sua dicção incisiva e interpretações precisas, Pierre Fresnay foi um dos grandes atores do cinema francês ao lado de Harry Baur, Raimu, Louis Jouvet, Michel Simon e Jean Gabin.

Pierre Fresnay

Pierre Fresnay

Pierre Jules Louis Laudenbach, nascido em Paris, no dia 4 de abril de 1897, de origem alsaciana por parte do pai, Jean Henri Laudenbach, e lorena por parte da mãe, Claire Dietz, foi educado em um meio universitário (seu pai era professor de filosofia), mas descobriu desde a infância, que queria ser ator. As famílias Laudenbach e Dietz, ambas protestantes, poderiam ser suspeitas de serem refratárias a certos meios, como o do teatro, reputados frívolos, porém a vocação do jovem Pierre não provocou nenhuma hostilidade, nenhuma reticência. Pelo contrário, ele foi estimulado por seu tio Jules Dietz (conhecido pelo nome artístico de Claude Garry), ex-membro (sociétaire) da Comédie Française, que apresentou Pierre, então com quatorze anos de idade, a Réjane. Em 17 de fevereiro de 1912, a conhecida atriz colocou o rapaz em uma peça encenada no seu teatro, para dizer apenas duas frases. Em novembro de 1914, Pierre Laudenbach foi admitido no Conservatório, na classe de Georges Berr, e escolheu o pseudônimo de Pierre Fresnay.

Pierre Fresnay no Teatro

Pierre Fresnay no Teatro

Durante a Primeira Guerra Mundial, muitos intérpretes masculinos foram convocados, abrindo-se espaço para novos talentos. Em consequência, Fresnay, aluno do Conservatório, e ainda menor de idade para ser mobilizado, foi selecionado para atuar na Comédie Française. Ele estreou no papel de Clitandre em “Les Femmes Savantes” de Molière e, após dez meses de trabalho duro, que lhe permitiram se familiarizar com o repertório da grande companhia teatral, foi enfim chamado para servir à pátria. Antes de partir, assinou um contrato para integrar o elenco permanente da companhia (pensionnaire), quando voltasse ao seu país.

Ao retornar, em 1919,  nomeado membro da Comédie Française em 1924, ele se rebelou contra a negligência de alguns de seus colegas e contra os privilégios exorbitantes concedidos a outros; após um ato governamental, que ele considerou um abuso de poder, Fresnay pediu demissão. Quando estreou em um teatro do Boulevard (na peça de Sacha Guitry, “Un Miracle”) seus antigos patrões lhe moveram um processo, porque ainda o consideravam um membro da Comédie Française e, como tal, proibido de se apresentar em outro teatro. Fresnay foi condenado a pagar uma indenização por danos à instituição e, depois deste incidente, começou sua carreira no cinema sonoro com Marcel Pagnol.

Pôster de A Virgem Louca

Anos atrás, ele participara de alguns filmes mudos em pequenos papéis (Quand même / 1915, France d’abord / 1915, L’Essor / 1920, La Ballonée / 1922, Les Mystères de Paris / 1922, Le Diamant noir / 1922, Le Petit Jacques / 1923, Les Premières Armes de Rocambole / 1924, A Virgem Louca / La Vierge Folle / 1928) e de apenas um filme falado em curta-metragem, Ça aussi c‘est Paris / 1930), de pouca repercussão. Pierre Fresnay era tão pouco conhecido no meio do cinema, que muitos críticos escreviam seu nome … Fresnel.

Marcel Pagnol, Fresnay e Orane Demazis

Marcel Pagnol, Fresnay e Orane Demazis

Cena de Marius

Cena de Fanny

Cenas de Marius, Fanny, Cesar

Cenas de Marius, Fanny, Cesar

Como na cena silenciosa não foi possível ao ator demonstrar sua magnífica dicção tão particular, seu primeiro papel realmente marcante foi na famosa trilogia de Marius / 1931 (Dir: Alexander Korda) – Fanny / 1932 (Dir: Marc Allégret) – Cesar / 1936 (Dir: Marcel Pagnol), comédias de costume meridionais, que revelaram o mundo de Pagnol com sua humanidade simples e calorosa, seu folclore marselhês, imposto nas tela pelo texto e por atores maravilhosos. Como Marius, o rapaz atormentado pelo desejo de evasão, Fresnay ofereceu ao público um bom trabalho mas, ao lado de Raimu, por melhor que fosse sua atuação, não poderia ter sido senão um coadjuvante eficiente.

Pôster de Ame de Clown

Antes de ter a oportunidade de dar vida a um personagem que lhe permitiu demonstrar seu talento com maior intensidade em Sous les Yeux D’Occident / 1936 (Dir: Marc Allégret), Fresnay fez, entre Marius e Cesar, Ame de Clown / 1933 (Dir: Marc Didier, Yvan Noé); uma simples aparição em O Homem Que Sabia Demais / The Man Who Knew Too Much / 1934 (Dir: Alfred Hitchcock); A Dama das Camélias / La Dame aux Camélias / 1934 (Dir: Fernand Rivers, supervisionado por Abel Gance e primeiro dos oito filmes que fez com sua amante, Yvonne Printemps); KoenigsmarkKoenigsmark / 1935 (Dir: Maurice Tourneur); A Vida de um Homem Pobre / Le Roman d’un Jeune Homme Pauvre / 1935 (Dir: Abel Gance) e, depois da trilogia Pagnol, Mademoiselle Docteur / Mademoiselle Docteur ou Salonique, nid d’éspions (Dir: G. W.Pabst) / 1936. Em nenhuma dessas produções Fresnay atingiu a mesma capacidade artística que demonstrou, ao interpretar Razoumov, o personagem complexo, feito de inteligência e covardia, imaginado por Joseph Conrad no seu romance Under Western Eyes (1911). Em Sous les Yeux d’Occident, ele sobressaiu diante de seus ilustres colegas Jean-Louis Barrault, Michel Simon e Gabriel Gabrio, transmitindo com um vigor impressionante o desespero do protagonista, o estudante ambicioso que encontra escondido em seu quarto o assassino de um ministro da repressão tzarista, e se torna um traidor.

Pierre Fresnay e Yvonne Printemps em Adrienne Lecouvreur

Pierre Fresnay e Yvonne Printemps em Adrienne Lecouvreur

Pôster de Koenigsmark

Pierre Fresnay e Pierre Blanchar em Mademoiselle Docteur

Pierre Fresnay e Pierre Blanchar em Mademoiselle Docteur

Pôster de A Dama das Camélias

Pôster de A Dama das Camélias

Em 1937, Fresnay obteve novo triunfo em A Grande Ilusão / La Grande Illusion, uma das obras-primas de Jean Renoir. No decorrer das cenas em que Fresnay e Erich von Stroheim contracenam, interpretando dois aristocratas, o capitão de Boeldieu e o comandante von Rauffenstein, difícil dizer qual o melhor. As cenas nas quais o aristocrata francês, subindo no telhado da fortaleza, começa a tocar sua flauta, para atrair a atenção dos guardas, a fim de que seus dois companheiros possam escapar enquanto o aristocrata alemão sente uma angústia dilacerante, sabendo que vai ser obrigado a mandar seus homens atirarem no seu prisioneiro, são muito comoventes. Pouco depois, o alemão coloca uma flor sobre o peito do francês, que ele mandou matar, mas que poderia se tornar seu amigo – um momento ao mesmo tempo patético e poético.

Pierre Fresnay e Stroheim em A Grande Ilusão

Pierre Fresnay e Stroheim em A Grande Ilusão

Desde então catalogado como um “astro comercial” como Raimu, Jean Gabin, Pierre Richard Willm e alguns outros, Fresnay teve que se curvar às vezes ao mercantilismo, fazendo filmes de qualidade artística variada – La Bataille Silencieuse / 1937 (Dir: Pierre Billon); Chéri Bibi (De Volta à Ilha do Diabo) / Chéri-Bibi / 1937 (Dir: Léon Mathot); Mulheres Perdidas ou O Puritano / Le Puritain (Dir: Jeff Musso); Adrienne Lecouvreur / Adrienne Lecouvreur / 1938 (Dir: Marcel L’Herbier, com YP); Alerta no Mediterrâneo / Alerte en Méditerranée / 1938 (Dir: Léo Joannon); Três Valsas / Trois Valses / 1938 (Dir: Ludwig Berger com YP); Le Duel / 1938 (sua única incursão atrás das câmeras dirigindo ele mesmo, Raimu e YP); O Fantasma da Esperança / La Charrete Fantôme / 1939 (Dir: Julien Duvivier); Le Dernier des Six / 1941 (Dir: Georges Lacombe); Mamouret ou le Briseur de Chaînes / 1941 ( J. Daniel-Norman); Le Journal tombe à cinq heures /1942 (Dir: George Lacombe);

Cena de O Assassino Mora no 21

Cena de O Assassino Mora no 21

Pôster de A Mão do DiaboO Assassino mora no 21 / L’Assassin habite au 21 / 1942 (Dir: Henri-Georges Clouzot); A Mão do Diabo / La Main du Diable / 1942 (Dir: Maurice Tourneur; Sombra do Pavor / Le Corbeau / 1943 (Dir: Henri-Georges Clouzot); Je suis avec toi / 1943 (Dir: Henri Decoin com YP); L’Escalier sans fin / 1943 (Dir: Georges Lacombe); La Fille du Diable / 1945 (Dir: Henri Decoin); Le Visiteur / 1946 (Dir: Jean Dréville); Monsieur Vincent, Capelão das Galeras / Monsieur Vincent / 1947 (Dir: Maurice Cloche); Les Condamnés / 19447 (Dir: Georges Lacombe com YP); Sua Última Missão / Barry / 1948 (Dir: Richard Pottier); Horizontes Vencidos / Au Grand Balcon / 1948 (Dir: Henri Decoin); Vient de paraître / 1948 (Dir: Jacques Houssin; A Valsa de Paris / La Valse de Paris / 1948 (Dir: Marcel Achard com YP); e Ce Siécle a cinquante ans (Fresnay simplesmente se encarrega do comentário neste filme de montagem de Denise Tual) – mas mantendo sempre seu perfeccionismo interpretativo.

Pierre Fresnay em A Sombra do Pavor

Pierre Fresnay em A Sombra do Pavor

Como filme, Sombra do Pavor, produzido pela Continental, no qual ele era o doutor Rémy Germain, o médico acusado por cartas anônimas de ser amante da mulher de um psiquiatra, foi o melhor. Durante a Ocupação, Fresnay participou de quatro filmes da firma alemã, presidiu o Sindicato dos Atores, e manifestou simpatia por Pétain, o que lhe valeu, após a Libertação, seis semanas de detenção preventiva no comissariado de Neuilly.

Pierre Fresnay em Monsieur Vincent

Em termos de desempenho, o ator brilhou mais em Monsieur Vincent, Capelão das Galeras, que abordou os episódios da vida e obra de São Vicente de Paulo com apreciável rigor histórico e sem grandiloquência, apresentando um quadro convincente da França no século XVII. O filme de Maurice Cloche segue passo a passo o caminho do padre, misturando humildade e tenacidade, até chegar às portas da santidade. Foi um enorme sucesso internacional, graças principalmente à extraordinária composição de Pierre Fresnay. Ele assimilou totalmente o personagem de São Vicente de Paulo com o qual possuía certa semelhança física, e ficou ainda mais parecido com o biografado, graças a uma maquilagem incrivelmente hábil. Ganhou a Coppa Volpi de melhor Interpretação Masculina no Festival de Veneza.

Pôster de Deus Necessita de Homens

Nos anos cinquenta, Fresnay começou muito bem com Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes / 1950, drama religioso a necessidade que uma população primitiva e sem padre, de receber todos os sacramentos. Ele faz o papel de um sacristão, Thomas Gourvennec, que tenta suprir a ausência do vigário na ilha de Sein, na Bretanha. Desencorajado pela atitude de seus paroquianos, que roubam os destroços dos navios naufragados, o vigário retorna ao continente e Thomas, crente atraído pelo cerimonial religioso, ocupa seu lugar. A performance de Fresnay neste filme situa-se sem dúvida entre as mais eletrizantes de sua carreira.

Pierre Fresnay em Desespero d'Alma

Pierre Fresnay em Desespero d’Alma

No curso da década, Fresnay apareceu ainda em: Monsieur Fabre / 1951 (Dir: Henri Diamant-Berger); Un Grand Patron / 1951 (Dir: Yves Ciampi); Le Voyage en Amérique / 1951 (Dir: Henri Lavorel com YP); Il est minuit, Docteur Schweitzer / 1952 (Dir: André Haguet); La Route Napoléon / 1953 (Dir: Jean Delannoy); Desespero d’alma / Le Défroqué / 1953 (Dir: Léo Joannon); Les Evadés / 1954 (Dir: Jean-Paul le Chanois); Les Aristocrates / 1955 (Dir: Denys de la Patellière); Vingança Diabólica / L’Homme aux Clefs d’or / 1956 (Dir: Léo Joannon); Les Oeufs de L’Autruche / 1957 (Dir: Denys de la Patellière); Les Fanatiques / 1958 (Dir: Alex Joffé); Et sa soeur / 1958 (Dir: Maurice Delbez); Tant d’Amour perdu / 1958 (Dir: Léo Joannon); Les Affreux / 1959 (Dir: Marc Allégret); La Millième Fenêtre / 1959 (Dir: Robert Ménegoz). Não foi uma fase muito feliz para o ator, mas ensejou a sua última grande atuação.

Pôster de Vingança Diabólica

Antes de Monsieur Vincent, Fresnay já havia interpretado personagens reais (o marechal de Saxe em Adrienne Lecouvreur;

Cena de Adrienne Lecouvreur

Cena de Adrienne Lecouvreur

Cena de A Valsa de Paris

Cena de A Valsa de Paris

PIerre Fresnay em Il est minuit Dr. Schweitzer

PIerre Fresnay em Il est minuit Dr. Schweitzer

o aviador pioneiro do Correio Aéreo, Didier Daurat – mas que aparece no filme sob o pseudônimo de Gilbert Carbot – em Au Grand Balcon; o compositor Jacques Offenbach em A Valsa de Paris) e prosseguiu depois assumindo as feições do entomologista Jean-Henri Fabre em Monsieur Fabre e do missionário Albert Schweitzer em Il est minuit, Dr. Schweitzer. Porém seu grande papel nesse período foi o de uma figura de ficção, o sacerdote apóstata Maurice Morand em Desespero d’alma. O filme é um combate espiritual que se trava entre a fé de um jovem convertido, Lacassagne, e o orgulho intelectual do apóstata. Em uma das cenas culminantes do espetáculo – que os espectadores jamais esqueceram – Morand, para ferir Lacassange, pronuncia as palavras da consagração sobre um balde de vinho em uma boate. O rapaz absorve o vinho consagrado e os frequentadores daquele ambiente sacrílego pensam que se trata de uma brincadeira. No dia de sua ordenação, Lacassagne vai visitar Morand e este o mata em um acesso de cólera. Depois, veste a batina do novo sacerdote e se entrega à polícia dizendo: “Maurice Morand, padre católico”, na perfeita compreensão do sacríficio que acabara de se consumar pela salvação de sua alma.

Fresnay, Jean Gabin, e Nöel em  A Velha Guarda

Fresnay, Jean Gabin, e Nöel em A Velha Guarda

Depois de fazer seu filme derradeiro em 1960, A Velha GuardaLes Vieux de la Vieille (Dir: Gilles Grangier), no qual se viu acompanhado por outros dois astros, Jean Gabin e Nöel-Nöel, mas que lhe causou decepção, Fresnay dedicou-se por mais um tempo às suas atividades no teatro, que vinha dividindo com as da tela, e finalmente se entregou à televisão e às emissões radiofônicas. Por sorte, os admiradores de seu domínio verbal e voz admirável, podem garimpar nos sebos e no you tube as gravações em disco das suas narrações de textos de alta qualidade como, por exemplo, as Fábulas de La Fontaine, as Confissões de Rousseau, as Memórias do Além-Túmulo de Chateaubriand, Terra dos Homens de Saint-Exupéry ou as cartas de amor à Josephine de Napoleão Bonaparte. Outra atividade anexa da carreira de Fresnay foi sua colaboração em longas-metragens de ficção ou documentários como narrador (vg. Les Inconnus dans la Maison / 1942 de Henri Decoin, O Direito de Matar / Justice est Faite / 1950 de André Cayatte, O Corcunda de Notre-Dame / Notre-Dame de Paris / 1956 de Jean Delannoy).

Pierre Fresnay faleceu no dia 9 de janeiro de 1975 e foi enterrado no cemitério de Neuilly-sur-Seine em um funeral pomposo assistido pelo presidente da República. Como relata Charles Ford no seu livro Pierre Fresnay, Le Gentilhomme du Cinéma (France-Empire, 1981), que muito me ajudou na elaboração deste artigo, três atrizes foram chamadas de “Madame Pierre Fresnay”: Rachel Berendt, Berthe Bovy e Yvonne Printemps.

Rachel, trabalhou somente no teatro e apareceu somente uma vez no cinema em Paris-Béguin / 1931, de Augusto Genina, ao lado de Jean Gabin e Fernandel. Berthe, conquistou na Comédie Française e no cinema uma situação invejável. Ela entrou em um estúdio cinematográfico muito cedo, integrando (como um pagem) o elenco de L’Assassinat du Duc de Guise / 1908) realizado por André Calmettes, fez mais alguns filmes mudos e, no cinema sonoro, outros tantos (vg. A Caminho do “Front” / Je t’attendrai de Léonide Moguy, La Belle Aventure de Marc Allégret, Anjo Pecador / Boule de Suif de Christian-Jaque, La Maison Bonnadieu de Carlo Rim).

Pierre Fresnay e Yvonne Printemps

Pierre Fresnay e Yvonne Printemps

Em 1935, Yvonne, divorciou-se de Sacha Guitry e Fresnay de Berthe. Yvonne assumiu a direção do Theâtre de la Michodière e Fresnay a função de diretor artístico. Yvonne nunca quís se casar com Fresnay, dizendo que o “sim” que ela havia pronunciado uma vez não dera certo. Na ocasião de seu divórcio, Berthe exigiu firmemente uma pensão alimentícia populda de Fresnay. O dinheiro foi depositado em uma conta especial e Berthe nunca tocou nele. Para alguns de seus amigos íntimos ela dizia: “É uma poupança para Pierre. No dia em que ele se desembaraçar dessa peste de Printemps, ele não terá nem mais um centavo, e poderá contar com este pecúlio”. O destino decidiu de outra forma, pois Fresnay morreu antes de Yvonne Printemps. A fidelidade de Berthe Bovy ao amor pelo seu marido era igual ao seu ódio por Yvonne Printemps. Afastada do mundo, enclausurada na sua residência, Berthe somente vivia com a esperança, alimentada por quarenta anos, de ver Yvonne Printemps desaparecer antes dela. Seu desejo foi atendido. Morta em abril de 1977, ela sobreviveu três meses à sua rival.