Arquivo mensais:julho 2014

OS MELHORES WESTERNS DE JOHN STURGES

 

 

Realizador de filmes “B” e/ou “Co-features” interessantes no início de sua carreira (O Signo de Aries / The Sign of the Ram / 1948, Sete Homens Maus / The Walking Hills / 1949, A Noite de 23 de Maio / Mystery Street / 1950, Nobre Rebelde / The Magnificent Yankee / 1950, Bondade Fatal / Kind Lady / 1951, A Um Passo do Fim / The People Against O’Hara / 1951, Vida contra Vida / Jeopardy / 1953), dois filmes de guerra excelentes (Fugindo do Inferno / The Great Escape / 1963, A Águia Pousou / The Eagle has Landed / 1976) e a obra-prima (Conspiração do Silêncio / Bad Day at Black Rock / 1954), entre alguns trabalhos frustrados (vg. O Velho e o Mar / The Old Man and the Sea / 1958, Quando Explodem as Paixões / Never So Few / 1960), John Sturges fez pelo menos sete westerns importantes, confeccionados com boa técnica (aprendida desde a sala de corte), embora inferiores aos de Anthony Mann, Budd Boetticher e Delmer Daves: A Fera de Forte Bravo / Escape from Fort Bravo / 1953, Punido pelo Próprio Sangue / Backlash / 1956, Sem Lei e Sem Alma / Gunfight at O.K. Corral / 1957, Duelo na Cidade Fantasma / The Law and Jack Wade / 1958, Duelo de Titãs / Last Train from Gun Hill / 1959, Sete Homens e um Destino / The Magnificent Seven / 1960 e A Hora da Pistola / Hour of the Gun / 1967). Era o seu gênero preferido, conforme ele próprio declarou aos jornalistas.

John Sturges

John Sturges

A FERA DE FORTE BRAVO / ESCAPE FROM FORT BRAVO / 1953. MGM.

Pôster de A Fera de Forte Bravo

Durante a Guerra Civil, Forte Bravo, situado no Arizona, serve de campo de prisioneiros sulistas, que são vigiados pelo duro e implacável Capitão Roper (William Holden), segundo oficial no comando. O terceiro oficial no comando, Tenente Beecher (Richard Anderson), diplomado por West Point, está noivo de Alice Owens (Polly Bergen), filha do comandante do forte (Carl Benton Reid). Entre os Confederados estão um soldado veterano, Campbell (William Demarest), um soldado temperamental, Cabot Young (William Campbell) e um soldado mais jovem e sensível, Bailey (John Lupton), que receia ser um covarde. Uma manhã, juntamente com o Capitão John Marsh (John Forsythe), eles não respondem à chamada. Os quatro conseguiram fugir graças a Carla Forester (Eleanor Parker), que chegara ao forte para libertar seu noivo (Marsh) e flertara com Roper, a fim de desviar sua atenção. Ressentido, Roper se lança à perseguição dos fugitivos e, quando os recaptura, surgem os Mescaleros.

Cena de A Fera de Forte Bravo

William Holden e Eleonor Parker em A Fera de Forte Bravo

Cena de A Fera de Forte Bravo

Cena de A Fera de Forte Bravo

Cena de A Fera de Forte Bravo

Fotografado por Robert Surtees no Desert Valley e New Mexico no formato pre-CinemaScope da MGM (1.66:1), o filme se tornaria o mais lucrativo de Sturges. A história original de Michael Pate – Philllip Rock, intitulada “Rope’s End”, foi roteirizada por Frank Fenton e Robert Surtees designado como fotógrafo: ele filmou em Ansco Color, marcando a despedida do diretor dos programmers em preto e branco. A partitura de Jeff Alexander, misturando composição original ( balada cantada por Stan Jones que serviu também de tema de amor durante todo o filme) e árias folclóricas e militares, soube manter-se discreta e mesmo ausente, notadamente na meia-hora final. O filme enfatiza a cooperação mútua entre ianques e rebeldes, para enfrentar um inimigo comum. Sturges utiliza todos os elementos da paisagem do Vale da Morte (rochas, nuvens pesadas de tempestade, desfiladeiros, planaltos descobertos etc.) como peças de uma estratégia idealizada pelos índios. A sequência em que estes cercam o pequeno grupo de brancos e lançam do alto da colina uma chuva de flechas sibilantes sobre eles é realmente notável.

PUNIDO PELO PRÓPRIO SANGUE / BACKLASH / 1956. Universal-International.

Pôster de Punido Pelo Próprio Sangue

Em Gila Valley no Arizona, logo após a Guerra Civil, Jim Slater (Richard Widmark) e Karyl Orton (Donna Reed) envolvem-se na identificação de cinco homens brancos massacrados pelos Apaches e do único sobrevivente, que traíra seus companheiros e ficara com os sessenta mil dólares em ouro, que eles possuíam. Karyl quer recuperar a parte que cabia a seu marido, um dos que pereceram na matança, e Jim quer vingar seu pai, que abandonara a família anos antes, e teria sido também uma das cinco vítimas da chacina. Na sua investigação, Jim é obrigado a matar um ajudante do xerife, Tommy Welker (Regis Parton), que o atacara, sendo perseguido pelos irmãos do falecido, Tony e Jeff (Harry Morgan, Robert J. Wilke) e se encontra com: um sargento da cavalaria, George Lake (Barton MacLane), que enterrara os corpos dos falecidos; apaches em pé-de-guerra; um pistoleiro, Johnny Cool (William Campbell); um fazendeiro, ex-major da Guerra Civil, Major Carson (Roy Roberts) em disputa com um vizinho ladrão de cavalos chamado Jim Bonniwell (John McIntire). Jim descobre que Bonniwell é seu pai e o “sexto homem”, resultando um confronto final Edipiano.

Richard Widmark em Punido Pelo Próprio Sangue

Donna Reed em Punido Pelo Próprio Sangue

John McIntire em Punido Pelo Próprio Sangue

Originalmente intitulado “Fort Starvation” e com roteiro de Borden Chase baseado no romance de Frank Gruber, o filme foi rodado em Nogales, Arizona e na cidade de fachada erguida no Old Tucson Studios (a mesma usada em Winchester 73) sob um calor intenso e alguns percalços: uma carruagem tombou durante uma manobra arriscada resultando ossos quebrados e contusões nos seus condutores e um refletor caiu de um telhado, mandando o fotógrafo Irving Glassner para o hospital. O elemento de mistério dá originalidade ao espetáculo. Por sua trama tortuosa e tema freudiano, o filme lembra o filme de Anthony Mann citado, também roteirizado por Borden Chase (e outro parceiro); porém Sturges não teve a mesma criatividade que Anthony Mann, limitando-se a manter a narrativa sob controle. O duelo derradeiro entre pai e filho é um exemplo da perfeição técnica na maneira de se apresentar uma cena de violência.

SEM LEI E SEM ALMA / GUNFIGHT AT O.K. CORRAL / 1957. Paramount.

PÔster de Sem Lei  e Sem Alma

O enredo episódico cobre o período do primeiro encontro entre Wyatt Earp (Burt Lancaster) e Doc Holiday (Kirk Douglas) em Fort Griffin, no Texas, até o tiroteio no O.K. Corral, em Tombstone, contra Ike Clanton (Lyle Bettger) e seu grupo, depois de uma passagem por Dodge City. É dado também relevo às relações tempestuosas entre Holiday e sua amante Kate Fisher (Jo Van Fleet) e ao namoro de Wyatt com uma jogadora, Laura Denbow (Rhonda Fleming).

Burt Lancaster e Kirk Douglas em Sem Lei e Sem Alma

Cena de Sem lei e Sem Alma

Cena de Sem lei e Sem Alma

Cena de Sem lei e Sem Alma

Stuart N. Lake, biógrafo de Wyatt Earp, submeteu um script ao produtor Hal Wallis, mas este o rejeitou, e entregou a tarefa a Leon Uris, que providenciou um tratamento desvirtuando o fato histórico, (tal como fêz John Ford em Paixão dos Fortes / My Darling Clementine / 1946), e focalizando principalmente a relação de amor e ódio entre Earp e Holliday. A fotografia em Technicolor e Vista Vision foi entregue a Charles Lang Jr. e Dimitri Tiomkin compôs uma trilha musical parecida com a de Matar ou Morrer / High Noon / 1952, colaborando novamente com Ned Washington em uma balada título, desta vez cantada por Frankie Laine. Filmado na área adjacente do Paramount Ranch (Long Branch Saloon, cenas de rua) e no Old Tucson Studios e outras locações no Arizona (salão de barbeiro, interiores do Hotel Cosmopolitan, Fort Griffin e exteriores de Dodge City; rancho dos Clanton; duelo final, “coreografado como um balé”, como explicou Hal Wallis), o espetáculo foi um sucesso de bilheteria e recebeu indicações para o Oscar nas categorias de Melhor Som e Melhor Montagem. O excesso de situações e personagens quase chegou a desequilibrar o ritmo da narrativa, porém Sturges, com sua experiência no gênero, conseguiu manter o espectador atento até o ajuste de contas final (que dura seis minutos na tela, mas levou 44 horas para ser filmado), admiravelmente encenado.

DUELO NA CIDADE FANTASMA / THE LAW AND JAKE WADE / 1958. MGM.

Pôster de Duelo na Cidade Fantasma

O bandido Clint Hollister (Richard Widmark) vai ser enforcado. Seu ex-cúmplice, Jake Wade (Robert Taylor), consegue libertá-lo. Clint insiste para que Jake lhe diga onde escondeu os vinte mil dólares que roubaram de um banco, mas ele, agora xerife e noivo de Peggy (Patricia Owens), se recusa a fazer tal revelação (Jake pensa que matou uma criança durante o último assalto, daí a sua conversão para o lado da lei). Mais tarde, Clint e seus outros antigos companheiros, Rennie (Henry Silva), Ortero (Robert Middleton), Wexler (DeForest Kelley) e Burke (Eddie Firestone) encontram Jake e o aprisionam, juntamente com sua noiva, obrigando-o a conduzí-los até à cidade fantasma, onde escondera o produto do roubo.

Richard Widmark e Robert Taylor em Duelo na Cidade Fantasma

Cena de Duelo na Cidade Fantasma

Richard Widmark em Duelo na Cidade Fantasma

Cena de Duelo na Cidade Fantasma

Cena de Duelo na Cidade Fantasma

Rodado em CinemaScope principalmente nas Montanhas Rochosas cobertas de neve, onde a temperatura chega perto de zero, o filme tem aspectos psicológicos (a relação de amizade ambígua entre Jake e Clint; o ódio que Wexler tem de Jake; o degenerado Rennie, que confessa ter matado o próprio pai) e sociais (Clint: “Durante a guerra eles me nomearam oficial para fazer as mesmas coisas pelas quais me enforcariam uma semana antes”). Os cenários naturais das Montanhas Rochosas e a cidade fantasma recriada em estúdio são perfeitamente integrados à história. No ataque noturno dos comanches, suas flechas e vultos provocam uma angústia de grande poder dramático, sequência de ação que rivaliza, em termos de excitação, com as de A Fera de Forte Bravo.

DUELO DE TITÃS / LAST TRAIN FROM GUN HILL / 1959. Paramount.

Pôster de Duelo de Titãs

O xerife Matt Morgan (Kirk Douglas), de uma cidade vizinha, desembarca em Gun Hill à procura dos estupradores e assassinos de uma jovem índia (Ziva Rodann), que era sua esposa. Ele descobre que um dos culpados é Rick (Earl Holliman), filho de um antigo parceiro, Craig Belden (Anthony Quinn), que se tronou um rico pecuarista e “controla” toda a comunidade. Embora perturbado por esta revelação, Belden recusa-se a lhe entregar o filho. Morgan espera por Rick na cidade e o captura, mantendo-o preso em um quarto de hotel até que chegue o último trem que sairá de Gun Hill enquanto Belden e seus homens, cercam o local e planejam o resgate do rapaz. Apesar de conquistar a simpatia da amante de Belden, Linda (Carolyn Jones), uma “madame” empresária como Katy Jurado em Matar ou Morrer, o representante da lei, tal como o xerife deste filme de Fred Zinnemann, fica sozinho contra todos: porém a despeito de tudo, deve prender o criminoso.

Cena de Duelo de Titãs

Anthony Quinn e Kirk Douglas em Duelo de Titãs

Kirk Douglas e Carolyn Jones em Duelo de Titãs

Anthony Quinn e Kirk Douglas em Duelo de Titãs

Cena de Duelo de Titãs

Baseada em uma história de Les Crutchfield, roteirizada por James Poe (com cenas adicionais e/ou reescritas por Dalton Trumbo) e música de Dimitri Tiomkin, a produção foi filmada por Charles Lang Jr. em Technicolor e Vista Vision no Old Tucson Studios (o rancho de Belden, saloon, interiores do hotel, tiroteio na estação ferroviária) e no histórico Empire Ranch, situado no sudeste de Tucson. Para começar, o diretor mostra belas imagens em um cenário natural de cores maravilhosas, e logo surge o drama e o começo de um suspense, sempre renovado (e com uma situação reminiscente da trama de Galante e Sanguinário / 3:10 to Yuma / 1957 de Delmer Daves), que permanecerá até o final. O conflito psicológico opõe dois velhos amigos em um ajuste de contas estritamente familiar, alterando situações teatrais de tragédia com cenas de ação e movimento. A tensão aumenta na sequência em que Matt com o rifle no queixo de Rick, atravessa lentamente a rua principal de Gun Hill de pé na carreta de enterro; após atingir seu ponto culminante com a morte de Rick e de Belden, o nervosismo é seguido por um incêndio em um ambiente perturbador.

SETE HOMENS E UM DESTINO / THE MAGNIFICENT SEVEN / 1960. Mirisch.

Pˆster de Sete Homens e um Destino

Atormentados por Calvera (Eli Wallach) e seu bando, que saqueiam regularmente suas colheitas, os camponeses pedem auxílio a um grupo de mercenários, Vin (Steve McQueen), Chico (Horst Büchholz), O’Reilly (Charles Bronson), Lee (Robert Vaughn), Britt (James Cobunr) e Harry Luck (Brad Dexter), que são recrutados com muito discernimento por Chris (Yul Brynner), seu futuro líder. Depois de muitos combates sangrentos, no decorrer dos quais quatro mercenários perdem a vida, a aldeia é libertada

Os Sete

Cenas de Sete Homens e Um Destino

Eli Wallach em Sete Homens e Um destino

Charles Bronson em Sete Homens e Um Destino

Cena de Sete Homens e Um Destino

Trata-se, nada mais nada menos, que uma “refilmagem” de Os Sete Samurais / Sichinin no Samurai / 1954 de Akira Kurosawa, com a transposição do ambiente para uma aldeia mexicana. Houve discussão quanto aos créditos de roteirista. Walter Newman, cuja versão “está na sua maior parte na tela”, não pôde retornar ao México para fazer algumas modificações no script exigidas pelos censores mexicanos e William Roberts foi contratado para fazer este serviço. Quando Roberts pediu ao Writers Guild of America para ser reconhecido como co-roteirista, Newman pediu que seu nome fosse retirado dos créditos. Filmado por Charles Lang Jr. em Panavison e Color De Luxe em Cuernavaca, Durango, Morales, Tepotzlan e Estúdios Churubusco no México e musicado por Elmer Bernstein, cujo tema de abertura onipresente se tornou famoso, este western aborda o tema inesgotável da defesa dos oprimidos, mas com um toque contemporâneo. No enredo, um grupo de profissionais executa uma missão perigosa visando somente ao lucro, diferentemente da trama clássica do pistoleiro solitário que enfrenta os bandidos pelo que ele acredita que é correto. É verdade que os mercenários acabam descobrindo um sentido moral para a defesa daquela população intimidada; porém, mesmo assim, nunca serão vencedores. Chris sabe disso: “Os fazendeiros ganharam. Nós perdemos. Nós sempre perdemos”.

A HORA DA PISTOLA / HOUR OF THE GUN / 1967. Mirisch.

Pôster de A Hora da Pistola

Ike Clanton (Robert Ryan) sobreviveu ao confronto com os Earp e Doc Holiday no O. K. Corral. Ele se vinga de Wyatt (James Garner), mandando matar seus irmãos Morgan (Frank Converse) e Virgil (Sam Melville). Virgil fica aleijado e Morgan morre. Movido por um ódio implacável, Wyatt persegue Clanton. A princípio age por meios legais, mas depois se descontrola. Wyatt vai eliminando um por um os pistoleiros e finalmente mata o próprio Clanton em um duelo.

Robert Ryan em A Hora da Pistola

Jason Robards Jr. e James garner em A Hora da Pistola

Cena de A Hora da Pistola

Cena de A Hora da PistolaPara realizar essa sequência de Sem Lei e Sem Alma, trabalhando sobre um roteiro original de Edward Anhalt e contando com a colaboração do fotógrafo Lucien Ballard e do compositor Jerry Goldsmith, Sturges voltou aos estúdios Churubusco na cidade do México. Porém, os exteriores de Tombstone foram filmados em Torréon (onde, perto de uma estrada de ferro, uma equipe ergueu uma cidade de fachada) e o acerto de contas climático com Ike Clanton no pátio de uma fazenda perto de Sam Miguel de Allende. Quando John Ford filmou a rivalidade entre os Earp e os Clanton em Paixão dos Fortes, todos os personagens possuíam uma grandeza indiscutível. Dez anos depois, a visão do oeste se modificou e, nesse western cruel e melancólico, Sturges apresentou Earp não como um herói, mas como um assassino. A certa altura da narrativa um personagem diz: “Não são mandados de prisão que você tem, são permissões para matar”. O filme mostra o declínio moral de Wyat Earp, que passa de homem da lei a vingador impiedoso. O cineasta usa a serenidade de Doc Holiday (Jason Robards Jr.) como um contraponto aos excessos de Wyatt e, nesta tentativa de desmitificar um herói lendário, o espetáculo assume um tom quase elegíaco.

 

GILBERTO SOUTO ENTRE OS ASTROS E AS ESTRELAS

Ele foi um dos fãs mais ardorosos da sétima arte, um grande publicista, e um jornalista privilegiado, que pôde conviver intimamente com os seus ídolos na época áurea de Hollywood.

Gilberto Souto

Gilberto Souto

Gilberto Souto nasceu no Rio de Janeiro no dia 15 de maio de 1906 e cresceu como um menino das Laranjeiras colecionador de fotos de artistas, que se tornou profundo conhecedor em assuntos relacionados à tela. Em 1925, começou sua carreira profissional como repórter do “Correio da Manhã”, escrevendo sobre cinema. Em julho de 1932, foi para Los Angeles como correspondente da revista CInearte, substituindo Lamartine S. Marinho, que ali exercera essa função desde 1927. Gilberto criou a coluna “Hollywood Boulevard”, realizando reportagens e entrevistas com as personalidades da indústria cinematográfica norte-americana, e depois a seção Futuras Estréias, noticiando sobre os novos lançamentos da “Fábrica de Sonhos”.

Gilberto Souto

Gilberto Souto no dia de sua partida para Los Angeles

Gilberto Souto no dia de sua partida para Los Angeles

Fechada a Cinearte em 1942, Gilberto não voltou logo ao Brasil, prestando serviço à empresa de Walt Disney como relações públicas, publicitário e conselheiro para filmes ambientados em nosso país. Em 1952, retornou à sua terra natal, para assumir a chefia do Departamento de Publicidade da United Artists, onde ficou até o início de 1966, quando se aposentou. Em 18 de setembro de 1960, Gilberto voltou a trabalhar no “Correio da Manhã” como cronista, criando a coluna Cinema, Ontem e Hoje (a primeira matéria intitulava-se “As Inesquecíveis”, na qual falava sobre Bette Davis, Joan Crawford, Dolores Del Rio e Greta Garbo), que depois transferiu para “O Globo”. Em 1966, ganhou o premio especial “Sací”, atribuído pelo jornal “Estado de São Paulo em reconhecimento à sua carreira.

Gilberto e Jeannette MacDonald

Gilberto e Jeannette MacDonald

Conhecí Gilberto no começo dos anos sessenta por intermédio de Hugo Barcellos, que foi meu professor no Curso de Cinema da A.S.A. e depois me convidou para dividir com ele as críticas de cinema do “Diário de Noticias. Nunca me esquecerei dos deliciosos bate-papos que Barcellos e eu tivemos – com aquele verdadeiro gentil-homem, pela sua postura sempre elegante e afabilidade sincera com que recebia a todos -, no escritório da United Artists, saciando nossa curiosidade cinematográfica com as histórias de bastidores, que ele nos contava sobre os habitantes da Meca do Cinema.

Gilberto e Jean Harlow

Gilberto e Jean Harlow

Infelizmente Gilberto nos deixou muito cedo, falecendo aos 66 anos, sem concluir um livro que contaria a história de seus cinquenta anos dedicados ao cinema. Ele morreu de enfarte no dia 10 de setembro de 1972. Gilberto sentiu os primeiros sintomas no dia 2, a bordo do navio Augustus, quando voltava de Lisboa para o Brasil, depois de visitar Cannes e Londres. Ao desembarcar, dia 7, foi levado de ambulância para o Prontocor, onde não mais se recuperaria. Partiu em direção ao céu, para ficar novamente perto de astros e estrelas.

Gilberto com Frances Dee

Gilberto com Frances Dee

Gilberto com Cay Grant

Gilberto com Cary Grant

Gilberto com Anita Page

Gilberto com Anita Page

Como homenagem a Gilberto Souto, reproduzo uma de suas crônicas, intitulada “O Cinema Falado, no Rio, Há 35 Anos!”, publicada no “Correio da Manhã” em 28 de junho de 1964.

Cena de Broadway Melody

Cena de Broadway Melody

Corria o mês de junho de 1929. Fazia um pouco de frio, mas os dias eram de sol, de céu azul, céu lavado, como dizem os portuguêses. Os cariocas torciam pela vitória de Olga Bergamini, que partira para os Estados Unidos, onde, em Gavelston, representaria o Brasil no Concurso Internacional de Beleza, de cujo júri fazia parte o famoso diretor de Hollywood, King Vidor. O “Correio da Manhã estampava na primeira página uma grande foto da encantadora brasileira ao lado do célebre prefeito de Nova York, James Walker, que a recebera oficialmente, logo de sua chegada àquela cidade, a caminho do Texas. Junho prometia também José Iturbi, em recital de piano, muito antes de sonhar com Hollywood e os tecnocoloridos da MGM; no Teatro Lírico, hoje apenas uma saudosa lembrança, estava a companhia francesa de Milton, Alice Cocéa, Pierre Meyer e Doriane, com deliciosas operetas como “Comte Obligado” e “Dedé”; no Carlos Gomes, a querida Margarida Max estrelava, com sucesso, a revista “Guerra ao Mosquito!” – e, ao que parece, o danado sobreviveu, porque ainda atormenta a cidade!. O Rio esperava pelo lançamento do Cinema Falado, que São Paulo já conhecia, pois ali, no Cinema Paramount, um mês antes, fora estreado O Patriota com Emil Jannings, que apenas balbuciava duas palavras: “Pahlen! Pahlen!”, ao ser assassinado, clamando por seu Primeiro Ministro (Lewis Stone). Na verdade, São Paulo vira apenas um filme sincronizado, musicado e com efeitos sonoros.

Cena de Broadway Melody

Cena de Broadway Melody

Francisco Serrador, nome que jamais será pouco lembrar e enaltecer, exibidor de visão e coragem, querido pelo público de suas casas, remodelava o Palácio Teatro (hoje, apenas, Palácio, no mesmo local), na Rua do Passeio, preparando, juntamente com a Metro-Goldwyn-Mayer, o lançamento de Broadway Melody, musicado, com diálogos, danças e ruídos. Fêz na semana passada, no dia 20, 35 anos que ocorreu essa estréia! No dia 10, este jornal publicava um anúncio que avisava: “Hoje e amanhã despedida dos filmes silenciosos”. Estavam em cartaz no Palácio A Dança Rubra com Dolores del Rio (Fox Film) e Jazzlândia com Jobyna Ralston e Robert Frazer (Programa Serrador). No dia seguinte, novo anúncio: “Eu irei, tu irás, ele irá, nós iremos, vós ireis, eles irão ver Broadway Melody no Palácio Teatro, Companhia Brasil Cinematográfica”. Num canto, em letras grandes: CINEMA FALADO e, como ilustração, um desenho (impagável!); a cabeça de uma garota da época, a melindrosa, de cuja boca saía um pedaço de fita! E, como hoje se faz, anunciavam-se também os discos do filme: “À venda na casa Paul J. Christoph, Rua do Ouvidor nº 98, os seus melhores foxtrots, em gravações Victor, números 21.886 e 2.957”. No corpo do jornal, uma nota explicava que: “… Broadway Melody estreou em fevereiro no Chinese Theatre, de Hollywood, com a presença de astros e estrelas.

Cartaz de Broadway Melody

Outra declarava: “O Cinema falado! – Até que enfim! – é o desabafo do fã, de quem gosta de cinema e está farto de ouvir falar de cinema falado, sem conhecê-lo. A inauguração se fará às 9 horas da noite com a presença do presidente da República, ministros de Estado e demais representantes das altas esferas governamentais, bem como do corpo diplomático, para os quais já foram reservados frisas e camarotes especiais. O programa, como já se anunciou, se comporá de três filmes. Dois como complemento de apresentação da formidável produção da Metro Goldwyn Mayer, que é Broadway Melody com Anita Page, Bessie Love e Charles King. Os dois pequenos filmes consistem em termos na tela o sr. Sebastião Sampaio, consul geral em Nova York, que se dirige aos seus patrícios em uma rápida apresentação do espetáculo. O segundo consta de três canções por uma artista de opereta, Yvete Rugel. No dia 20, houve, segundo este jornal, uma avant-première à tarde. Falando do sr. Sebastião Sampaio, dizia: “ … em breves palavras, ele oferece o Movietone e o Vitaphone ao público (Obs. minha: os dois shorts apresentados como complemento foram gravados no sistema Movietone e o filme de longa-metragem no sistema Vitaphone), sendo suas palavras perfeitas na dicção e claras bastante para serem ouvidas por todos. A sincronização é admirável e aos gestos seguem-se as expressões exatas. Três são as figuras principais, Bessie Love, que possui voz com excelente dicção, Anita Page e Charles King, que canta várias canções com muito sentimento. A sua declaração a Anita Page é de muito romantismo e a sua voz repassada de doçura, impressionará vivamente a platéia. As cenas que se passam em um teatro de revistas deixam ver um deslumbramento de montagem, cenários riquíssimos e uma grande parte colorida. Os espectadores ficam maravilhados ainda com os efeitos sonoros, os sapateados das bailarinas, os assobios, o barulho de portas que batem, os sons diferentes de instrumentos, o movimento intenso de uma casa de músicas, as gargalhadas, as palmas e o choro das estrelas.”

Cena de Broadway Melody

Cena de Broadway Melody

Para maior esclarecimento, diremos que as alusões a Movietone e Vitaphone referiam-se ao fato de que, nos primeiros tempos, os filmes eram gravados pelo processo Movietone (na própria película) e Vitaphone (em discos). Este último ocasionava sérias dificuldades pois, se o filme arrebentasse, a sessão era interrompida, até que recomeçasse tudo de novo, do principio da parte, porque dificilmente o operador poderia sincronizar filme e disco. O presidente então era o Dr. Washington Luiz – que seria deposto em outubro do ano seguinte – e este não compareceu à estréia, como se tinha anunciado. O filme ficou em cartaz durante 11 dias. Os preços cobrados eram: matinées, platéia 4$000 hoje quatro cruzeiros e balcão, três mil reis; de noite, um cruzeiro a mais em cada ingresso. As sessões se realizavam às 2 e 4 da tarde, e oito e dez da noite. A parte colorida era a do bailado – “O Casamento da Boneca Pintada”, e as suas outras músicas de sucesso ainda hoje populares, “Broadway Melody” e “You’re are Meant for Me”. O sr. Sebastião foi também, durante muitos anos, jornalista de renome, havendo trabalhado no velho “Jornal do Comércio”. No complemento, Yvette Rugel cantava três canções, duas das quais “Gianina Mia” e “Roses of Picardy”. A cidade ficou maravilhada com a novidade, que era comentada em todas as rodas.

Cenas de Broadway Melody

O Cinema Falado vinha destronar o Silencioso, mesmo que muitos o fossem combater, durante alguns anos em debates e polêmicas pelos jornais. Alguns profetizaram que seria apenas uma novidade, a ser abandonada logo depois. Mas o Falado ai está e há, nas gerações atuais, muitas pessoas que jamais viram um filme silencioso. Houve também pesquisas, feitas por muitos jornais, as eternas entrevistas com personalidades de renome , procurando delas saber o que achavam da novidade. Um purista – creio que um velho professor – chegou a declarar que o Cinema Falado poderia corromper o português em virtude da constante audição do idioma inglês! Houve músicas (se não me engano uma de Noel Rosa, que não perdia ocasião de gozar assunto da cidade) sobre a novidade e, durante muito tempo, foi o Cinema Falado assunto de discussões e comentários de parte de toda a população do Brasil. Nos primeiros dias, Broadway Melody foi exibido sem letreiros, tendo apenas o resumo de seu argumento e de suas situações explicadas nos programas. Maravilhado pela novidade e fascinado pela música e danças, o espectador não reclamava, quando surgiam as partes dialogadas em inglês, às vezes recorrendo a alguém que lhes traduzisse, o que os atores diziam. Se a tradução era dada em voz alta, havia protestos dos que conheciam o inglês, o que não deixava de ser engraçado.

Bessie Love

Bessie Love

Na Metro, porém, tratava-se de procurar um meio de sanar essa dificuldade, quando Adolfo Judall, um dos seus diretores, imaginou a possibilidade de fazer no filme, o que se faz num jornal: legenda em baixo de fotografias. Apela, então, para Paulo Benedetti, um gênio: inventor (já havia ele próprio, criado um sistema seu de cinema falado, como outro de filme colorido), cinegrafista, conhecedor profundo dos segredos de laboratório, produtor de filmes, pioneiro no cinema brasileiro e, principalmente, um dos homens mais corretos a quem já tive a honra de ter conhecido. Era o mágico de que necessitava a Metro e ele resolveu o problema. Dias depois, o filme já se apresentava com dez letreiros em algumas cenas importantes, letreiros sobrepostos, como hoje vemos em qualquer fita. Trabalhando arduamente, puderam apresentar o filme com novas legendas, até que, ao findar a sua exibição, já continha cerca de cinquenta letreiros. Se não me engano, foi esta a primeira vez que o processo de legendas sobrepostas foi utilizado em qualquer parte do mundo.