Na França, os cinéacs (termo que surgiu da contração de “cinéma” e “actualités”) eram salas de cinema especializadas na projeção de filmes de atualidades, os precursores dos cine-jornais. O Pathé-Journal, por exemplo, mostrava somente atualidades em um programa de uma hora de duração. O primeiro cinema britânico que ofereceu apenas cine-jornais foi o Daily Bioscop, inaugurado em 23 de maio de 1909. Em 2 de novembro de 1929, William Fox abriu o primeiro cinema dedicado exclusivamente aos cine-jornais falados, o Embassy, situado na Broadway com a Rua 46 em Nova York. Este gênero de programação fez um sucesso tão grande que a Fox e seus financiadores anunciaram que iriam iniciar uma cadeia por todo o país, que seriam acompanhados por desenhos animados e shorts.
Nos anos trinta e quarenta os cine-jornais foram comumente apresentados antes do filme principal mas houve vários newsreels theatres em muitas cidades dos Estados Unidos. Alguns grandes cinemas incluíam também um theaterette, sala menor onde os cine-jornais eram exibidos continuamente.
No Brasil, o espanhol Sr. José Maria Domenech, associado ao engenheiro e farmacêutico brasileiro Dr. Benjamim da Fonseca Rangel, recusou–se a passar longas-metragens de ficção, apostando nas chamadas “sessões passatempo”, constituídas geralmente de cine-jornais, documentários curtos, desenhos animados, shorts de viagens, musicais ou humorísticos, comédias curtas e seriados.
Em 22 de dezembro de 1938, uma quinta-feira, o carioca recebeu a nova casa de diversões da Avenida Rio Branco n.181, térreo, que vinha sendo anunciada assim pela imprensa:
“O Cineac Trianon, o super-cinema da avenida, que vai dar a nota elegante do centro da cidade, tanto pela sua esplêndida instalação como pelo constante interesse do novo gênero cinematográfico que apresenta é, sobretudo, uma casa do mais requintado bom gosto – distinta, moderna e original. Desde a entrada, o Cineac Trianon diferencia-se de quanto existe em nossa cidade, mesmo dos cinemas recentemente construídos.
O arquiteto Stelio Alves de Souza, que projetou o edifício e o cinema, fez ao Diário de Notícias as seguintes declarações (que cito sem corrigir a gramática): “… O Cineac Trianon é o primeiro no gênero no Brasil … Construiu-se para isso especialmente, uma casa de espetáculos formando grandioso conjunto arquitetônico, precedido de gigantesca marquise, provida de iluminação indireta, a nove metros acima da calçada.
O teto do “hall” é todo iluminado por tubos de gás néon azul, em sancas, produzindo efeito de cor de gelo. O “hall” de entrada é inteiramente livre, ladeado por vitrines para exposição de objetos artísticos e outros finos artigos de comércio. O “hall” central é dividido ao meio por graciosas colunas revestidas de aço inoxidável, em espiral, e de um polido semelhante ao da prata nova.
A escada de acesso ao balcão da sala de projeções serve também à Sala Azul, restaurante, bar e sorveteria de luxo. Constitui ela o “clou” da decoração, com os seus degraus aéreos, sem suportes laterais, toda em borracha e aço. A decoração é completada por espelhos. Os “lambris” e o balcão do bar são em sucupira, madeira admirável, acabada na cor natural.
Quanto à sala de projeção, preferiu-se construí-la com inclinação ao contrário do comum, subindo para a tela, em lugar de descer; e isso facilita a visibilidade. A decoração luminosa, última palavra no assunto, é produzida pelo moderníssimo aparelho alemão Bordoni, que produz algumas centenas de mutações de cores por minuto de uma forma quase insensível para os espectadores.
A ornamentação das paredes é feita em pinturas modernas, lembrando os diferentes continentes. Por cima da tela colocou-se elegante relógio, destinado aos espectadores que costumam ir ao cinema para fazer hora. Foram previstos aparelhos especiais para os surdos.
Ao comprar o bilhete, o espectador recebe um desses pequenos aparelhos que, adaptado a uma tomada na cadeira ligada ao alto-falante, permite audição perfeita.
Em resumo: belo, moderno, extremamente confortável, dispondo de excelente refrigeração, o Cineac Trianon faz honra aos grandes progressos da nossa capital”.
Frequentador do Cineac no seus tempos áureos da década de quarenta, lembro-me muito bem do longo corredor que levava à sala de projeção e do relógio, que me indicava se já estava na hora de sair e encontrar meu pai, que ali me deixara enquanto cumpria algum compromisso.
Nos dias que precederam à inauguração da sala, houve uma divulgação intensa. Saíram no Correio da Manhã anúncios chamando a atenção para “As 10 Inovações do Cineac”, um por dia: 1. imprensa animada … o espetáculo do mundo; 2. som individual em cada poltrona para as pessoas que ouvem mal; 3. ar ozonizado … depois de condicionado … o ar das montanhas no cinema; 4. platéia inclinada inversamente para melhor visibilidade; 5. sinfonia de cores … em iluminação progressiva e contínua; 6. noção da hora durante o espetáculo … pela luz amarela do espectro; 7. preço sem … sê-lo! (sic); 8. serviços de Bar americano, chá, cocktail … e pequenos almoços; 9. Sala Azul … mobiliário ultra moderno de aço e cristal; 10. galeria de exposições … com entrada livre. Na data da estréia, saíram todas as inovações em um só anúncio.
Do primeiro programa do Cineac Trianon, anunciado como “70 Minutos em Volta do Mundo”, constavam as seguintes atrações: Notícias do Rio – Atualidades UFA – Jóias Marinhas – Caçadores no Polo com o Pato Donald – Paramount News – A Marcha do Tempo – Imprensa Animada Cineac – O Moinho Velho, uma das novas 35 sinfonias coloridas de Walt Disney.
Em 30 de novembro de 1953 Domenech lançou pela primeira vez no Rio a 3a Dimensão, porém os filmes de longa-metragem eram exibidos por sequências (vg. em uma semana passava a 1a sequência de Rastros do Inferno / Inferno / 1953 e, na próxima, via-se outra sequência).
Em 1 de dezembro de 1953 saiu no Correio da Manhã esta explicação pitoresca ao público: “A despeito do treino intensivo a que foram submetidos durante uma semana os operadores do Cineac, para lidar com a nova aparelhagem da 3a Dimensão, verificou-se inexplicavelmente um estado de nervosismo, provocado pela demora do início do espetáculo. Agradecemos a boa vontade da maioria do público que assistiu as exibições, pela atitude compreensiva que adotou, solidarizando-se com o pioneirismo da iniciativa. IMPORTANTE: Afim de evitar a repetição de tal anomalia, o Cineac passará a apresentar , por enquanto, a partir de hoje, uma única sessão em 3a Dimensão, todas as noite às 22hs”. Entretanto, como a COFAP (Comissão Federal de Abastecimento e Preços) não autorizara o cinema a funcionar com o preço teto de CR$10,00 nas sessões especiais noturnas em 3-D, a sala teve que encerrar as mesmas provisoriamente, até que a questão fosse definida definitivamente.
Em 31 de dezembro de 1943, em pré-estréia à meia-noite e depois regularmente à partir do dia 1 de janeiro de 1944, o Cinema Capitólio (ex-Cine Broadway reaberto com este nome em 28 de fevereiro de 1942) deu início às suas famosas “Sessões Passatempo”, proclamando que “O Espetáculo Começa Quando Você Chega”. A sessão começava ao meio-dia e aos domingos e feriados o cinema proporcionava “Programas Infantís” às 9.30hs. Em cima da tela havia um globo iluminado por uma luz azul, conforme me lembrou meu amigo José Mauricio Ferraz, e as atrações eram semelhantes às do Cineac Trianon.
Com a publicação em 9 de janeiro de 1959 da Portaria da COFAP que classificou os cinemas exibidores de filmes de curta-metragem como de 2a categoria, obrigando-os a cobrarem menos 60% do preço de ingresso dos cinemas incluídos na 1ª categoria, o Cineac Trianon e o Capitólio abandonaram aos poucos as suas tradicionais sessões passatempo e começaram a passar filmes de longa-metragem.
O Cineac encerrou suas sessões passatempo de forma integral em 13 de maio de 1959, passando a exibir, a partir de 18 de maio, variedades, desenhos e jornais apenas até às 18 horas e longas-metragens nas sessões de 18-20-22hs, iniciando esta nova fase com uma reprise, Brutalidade / Brute Force / 1947 de Jules Dassin. Depois, o Cineac passou a exibir somente longas-metragens (a maioria de baixa qualidade e inclusive filmes eróticos programados por Osiris Parcifal de Figueiroa da distribuidora Horus Filmes), encerrando suas atividades em 17 de junho de 1973, após 34 anos cinco meses e 23 dias de atividade ininterrupta. Antes de fechar definitivamente as portas, Osiris reabriu a sala ainda em um dia, para realizar a avant-première de seu ultimo filme, O Fraco do Sexo Forte / 1968 (Dir: Ismar Porto).
Ainda no tempo das sessões passatempo, o Cineac abrigou no Salão Azul a exibição do faquir Silki (um gaúcho cujo verdadeiro nome era Adelino João da Silva) que, encerrado em uma urna de vidro, deitado em um leito de pregos e ladeado por cobras, dispunha-se – a partir de 29 de abril de 1955 – a bater o recorde mundial de jejum e tortura, então detido pelo faquir francês Burman. O Chefe de Polícia do Distrito Federal, Coronel Menezes Cortes, recomendou policiamento permanente para o local durante as vinte e quatro horas do dia. Silki superou Burman, ficando mais de 99 dias sem comer e beber. Ele bateu o recorde em 6 de agosto de 1955, mas ficou na urna até o dia seguinte, domingo, para participar do Festival Silki, com que foi homenageado pelos grandes astros e estrelas do Rádio no Ginásio do Maracanã, onde recebeu a Taça Cineac do Brasil.
O Capitólio encerrou suas sessões passatempo em 9 de julho de 1961 e passou a exibir longas–metragens, começando também com uma reprise, As Mil e Uma Noites / Arabian Nights / 1942 (Dir: John Rawlings). Em 31 de dezembro de 1963 entrou em obras e, a partir de 1 de janeiro de 1964, reinaugurou com O Satânico Dr. No/ Dr. No / 1962 (Dir: Terence Young), funcionando até 23 de julho de 1972, sendo o último filme nele exibido, A Sorte tem Quatro Patas / The Horse in the Gray Flannel Suit / 1968 (Dir: Norman Tokar).
Em 31 de dezembro de 1947, o conhecido autor teatral Geysa Boscoli (irmão de Jardel Jercolis) inaugurou na Av. Atlântica 24 em Copacabana o Cineminha do Leme, dedicado à sessões de filmes curtos em 16mm variados para crianças e, em 18 de junho de 1948, o Cineminha Cineac Infantil, localizado na Av. Copacabana 921, esquina com Rua Bolivar onde funcionou concomitantemente com o Teatro Jardel. Todas as tardes das 14 às 18hs e aos domingos e feriados das 10hs às 18hs., o teatrinho de 173 lugares funcionava como cinema para a gurizada e, à noite, como teatro, para o público adulto.
Em 15 de agosto de 1952, Livio Bruni inaugurou o Cine-Passatempo “Royal” na Avenida Atlântica 3806, subsolo da Galeria Alaska, com sessões diárias das 10hs às 24hs. As sessões passatempo no Cinema Royal persistiram até maio de 1956.
Entretanto, esse tipo de espetáculo não deixou de existir nesta data. Nos anos sessenta, por obra do mesmo Domenech do Cineac Trianon, surgiriam as Sessões Cine-Hora no Cinema Festival (Av. Rio Branco 156, sobreloja 322), o Cinema Cine-Hora (Avenida Rio Branco 156, subsolo) e Cine-Hora Copacabana (Avenida N.S. de Copacabana 680, loja H.).
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Excelentes informações trazidas por uma pesquisa criteriosa, rica em detalhes e muito bem ilustrada. Um modelo para pesquisas sobre a história da exibição cinematográfica no Brasil com ênfase nas salas de cinema. Gostei muito! Obrigado.
Obrigado João. Um elogio vindo de você, um professor e pesquisador eminente, me faz bem. Volte sempre.
Saudações Mestre A.C!
É com imenso clima de nostalgia que leio esta fascinante matéria que resgata um bom pedaço da história de minha cidade, o Rio de Janeiro, e os fabulosos cinemas de rua, e ainda, a lembrar do centro da cidade, onde ficava o CINEAC, me passa pela mente imagens da antiga Cinelândia, quando era, de fato, Cinelândia, com seus cinemas Plaza, Metro Passeio (depois Metro Boavista), Palácio (que esta em reformas mas será apenas um teatro breve), Odeon (o único cinema em funcionamento), Pathé e Capitólio. Foi um Rio que não vivi, mas estranhamente, me causa sensação de saudade, e me alimento dela através de depoimentos e comentários de amigos e conhecidos que viveram esta época.
O que mais me chama a atenção é como os exibidores programavam estes espetáculos com tanto requinte, com horários que poderiam variar desde as 9 ou dez da manhã, com sessões que poderiam durar até meia noite. Posso imaginar um Rio que passou sem a sombra da violência que infelizmente hoje impera, capital da república e com habitantes mais nitidamente educados, que sabiam perfeitamente se divertir e aproveitar a boemia com boas sessões de cinema.
Estas “Sessões Passatempo” é um registro notável de como o carioca se divertia sem problemas e perturbações, e conforme a programação da época através destas propagandas de jornal, muita coisa boa rodou em nossas salas, como os deliciosos seriados de cinema que tanto agradou a molecada nos anos de 1940/50, passando por grandes obras cinematográficas, até os curtas e cinejornais. Grandeza de fatos e eventos que deixam sem dúvida saudades.
Amei a matéria, Professor. Gostaria de divulgar este tópico na minha página no Facebook se assim permitir.
Um forte abraço
PAULO TELLES
Blog Filmes Antigos Club Artigos.
http://www.articlesfilmesantigosclub.blogspot.com.br/
Olá Paulo.Você, como sempre, generoso e enriquecedor nos seus comentários. De fato, naquela época as pessoas eram mais educadas e despreocupadas, podendo gozar as delícias que o Rio de janeiro proporcionava.Este artigo me deu muito trabalho, pois extraí todas as informações dos jornais da época e recorrí também às minhas memórias de frequentador do Cineac e do Capitólio. Meu pai ou minha mãe me deixavam no Cineac ou no Capitólio enquanto iam tratar de algum assunto no centro da cidade e depois íamos lanchar na Confeitaria Lalet, que ficava ali no Largo da Carioca.Um grande abraço.P.S. Pode usar meu texto como quiser.
PARABÉNS A. C. GOMES DE MATTOS POR ESTE BLOG. TRABALHEI E GOSTO DE CINEMA E QUADRINHOS. EXCELENTE!
G ALVES
Muito obrigado José Maria. Também sou fã (de cinema não é preciso dizer) de quadrinhos - mas só acompanhei os antigos, da minha infância (que ocorreu há muito tempo). Naquela época, ainda não haviam sido descobertos como uma forma de arte e levavam pauladas dos intelectuais. Pois acho que minha paixão pelo cinema veio justamente do meu amor pelos comics. Entretanto, admiro as graphic novels, que costumo folhear, quando vou a uma livraria.Um forte abraço.
Excelente registro das Salas de Cinema do Rio de Janeiro e conheço o seu trabalho de pesquisador e historiador da antiga Cinemin que durante muito tempo colecionei nos anos 80 e 90 quando atuei no mercado de Video Locadoras que é outro ramo que tende a desaparecer como os grandes cinemas de rua.
Parabéns pelo trabalho.
Muito obrigado Aurelio. É sempre um prazer rever os leitores da Cinemin, que são os meus melhores leitores.
O Cineac, nos anos 50, foi o grande point dos faquires e faquirezas. Inúmeros se exibiram no saguão. Você saberia me dizer se existe algum arquivo próprio onde eu pudesse encontrar matérias e fotos dessas provas?
Grato
Pesquisei sobre o Cineac apenas nos jornais da época e me baseei também nas minhas memórias, pois costumava frequentar o cinema quando era garoto.