FILME NOIR IV
abril 14, 2014Como exemplo de filmes noirs puros, escolhi cinco obras-primas: Relíquia Macabra, Pacto de Sangue, Até à Vista, Querida, Fuga ao Passado e O Destino Bate à Porta.
A realização que marcou definitivamente a emergência do filme noir foi Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941. Estreando na direção, John Huston adaptou para a tela com a maior fidelidade o romance de Dashiell Hammett, estabelecendo várias convenções temáticas (o cinismo e a corrupção, o detetive hard-boiled envolvido pela mulher fatal, os tipos estranhos com os quais se defronta etc.) e visuais (o ambiente de trevas e opressão).
Depois que seu sócio Miles Archer (Jerome Cowan) foi morto quando seguia um homem chamado Thursby contratado por uma misteriosa Mrs. Wonderly (Mary Astor), o detetive particular Sam Spade (Humphrey Bogart) toma a firme decisão de encontrar o assassino. Ele interroga Mrs. Wonderly e esta admite que seu verdadeiro nome Brigid O’Shaughnessy e está sendo ameaçada pela mesma pessoa que matou Miles. Atraído por Brigid, Spade concorda em ajudá-la. A investigação conduz a uma trinca curiosa: o efeminado Joel Cairo (Peter Lorre), o “homem gordo”, Kaspar Gutman (Sydney Greenstreet) e o incompetente capanga de Gutman, Wilmer (Elisha Cook, Jr.). Spade fica sabendo que os três estão à procura de uma escultura coberta de pedras preciosas, o Falcão Maltês. Gutman e seus associados acreditam que Spade possui o Falcão por causa de seu relacionamento com Brigid. Finalmente, Spade descobre que Brigid é uma mentirosa contumaz e está tão envolvida na busca do Falcão quanto os outros; e, quando a escultura chega às suas mãos por meio de um capitão de navio moribundo (Walter Huston), Spade reúne a turma para conhecer toda a história. Sabendo que Wilmer, a mando de Gutman, foi responsável pela morte de Thursby e do capitão, Spade mostra-lhes o Falcão que, afinal, não tem valor algum. Desapontados, Gutman, Cairo e Wilmer fogem. Spade manda a polícia atrás deles e extrai a confissão de Brigid. Ela matou Miles, esperando se livrar de seu parceiro Thursby, colocando a culpa do assassinato sobre ele. Contando com o amor do detetive, Brigid implora-lhe que não a denuncie, mas Spade mantém-se inflexível.
Huston praticamente pôs o livro em imagens e conseguiu o mesmo que Hammett na ficção impressa: fazer com que ficássemos mais interessados nos personagens. Ele parece se divertir com a ganância, descrevendo com escárnio o trio de criminosos excêntricos: o pequeno escroque perfumado e histérico, o gigolô pateta metido a durão e o pançudo e pomposo homossexual, que não hesita em sacrificar o parceiro, para satisfazer sua ambição (“Sinceramente Wilmer, sinto muito perdê-lo … Quero que saiba que eu não poderia gostar mais de você se fosse meu próprio filho. Quando a gente perde um filho, pode conseguir outro, mas só existe um Falcão Maltês”).
Entretanto, com relação à Brigid, ninguém pode esquecer do seu rosto quando as grades do elevador se fecham, afastando-a para sempre do mundo – é um momento quase isolado de tristeza em um filme de um consistente humor cínico. Já Spade é um herói empedernido e autoconfiante, procurando testar a si mesmo e se definir, pela capacidade de superar os desafios à sua vida e à sua integridade.
No final do filme, triunfante, sentindo-se superior aos outros e invulnerável, filosofando sobre a ambição e o fracasso, com a estatueta na mão, Spade faz o comentário Shakespereano: “Esta é a matéria da qual os sonhos são feitos”. Quando imaginamos este personagem, não o vemos como Hammett o descreveu: “O maxilar de Samuel Spade era comprido e ossudo, o queixo, um V saliente debaixo de um V mais flexível da boca (…) Seus olhos, amarelo-cinzentos, eram horizontais (…) Ele tinha uma aparência bastante divertida, como um Satã louro”. Nós vemos Humphrey Bogart. Relíquia Macabra foi o filme em que ele criou a persona que o tornou um mito. Spade, Brigid, Cairo, Gutman e Wilmer encontraram em Bogart, Astor, Lorre, Greenstreet e Cook, Jr os intérpretes ideais que, em primoroso trabalho de atuação em conjunto, compuseram com absoluta perfeição aqueles tipos tão interessantes.
A direção de Huston é toda certinha, com sugestivas colocações de câmera (por exemplo, quando Spade se inclina para beijar Brigid, que está deitada em uma poltrona, e olha para a janela, vendo-se lá embaixo na rua – após um breve deslocamento da objetiva – a figura de Wilmer iluminada pelo lampião) e composições com os atores em planos fechados. Os ambientes, quase todos em interiores restritos e com os tetos à vista, suscitam a impressão de confinamento e aumentam a tensão.
Pacto de Sangue / Double Indemnity / 1944, dirigido por Billy Wilder, é um influente modelo de filme noir com todos os ingredientes típicos: o sujeito de caráter fraco arrastado para o crime por uma mulher ambiciosa e calculista; a narração na primeira pessoa; a iluminação contrastada; o investigador persistente e perspicaz; as pessoas mentindo ou se enganado umas às outras o tempo todo etc.
É o protagonista, Walter Neff (Fred MacMurray), corretor de seguros (“Vinte e cinco anos, solteiro, sem cicatrizes visíveis … isto é, a não ser até há pouco tempo”) quem conta a história em retrospecto. Seduzido por Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck), mulher de um segurado (Tom Powers), os dois armam um plano para assassinarem o marido dela e receberem a indenização dupla da apólice. Entretanto, depois que o crime é cometido, as coisas de complicam. Barton Keyes (Edward G.Robinson), o astuto investigador de sinistros, amigo de Neff, suspeita de que não houve acidente. Ao ouvir uma gravação, na qual Keyes diz para o dono da companhia de seguros que foi Phyllis quem matou o marido com a ajuda de Nino Zachette (Byron Barr), namorado de sua enteada, Lola (Jean Heather), Neff pensa em matar a parceira e se livrar da enrascada. Phyllis antecipa-se a Neff e, ao atirarem um contra o outro, ela morre, proclamando seu amor por ele. Mortalmente ferido, Neff faz um registro dos fatos pelo ditafone do escritório da companhia, onde Keyes o encontra moribundo. Dizendo que vai conseguir escapar para o México, Neff cai, antes de chegar ao elevador.
Baseado no romance de James M. Cain, o roteiro manteve o clima e os detalhes da intriga e absorveu os toques pessoais de seus autores, Billy Wilder e Raymond Chandler. As descrições um tanto literárias e os diálogos hard-boiled foram certamente influenciados por Chandler; a amargura e o irônico desencanto, sem dúvida, são de Wilder. Desde a apresentação dos letreiros, com a figura de um homem de muletas em contra luz aproximando-se cada vez mais da objetiva até o último instante do filme, os espectadores ficam em permanente suspense, participando intensamente do planejamento e da execução do crime, dos sobressaltos do casal de amantes malditos e de seu fim trágico.
Na filmagem original, Pacto de Sangue terminava com Walter Neff morrendo na câmara de gás, porém Wilder achou a cena muito forte e anti-climática e resolveu escrever outra mais tranquila. Ferido e sangrando muito, Neff pede a Keyes algumas horas para poder alcançar a fronteira mexicana. “Você não vai chegar nem no elevador”, diz Keyes. Neff caminha em direção ao corredor, não aguenta e cai. Keyes ajoelha-se perto dele e pergunta: “Como está Walter?”. Sorrindo, Neff olha para ele e diz: “Sabe por que não conseguiu desvendar o crime? Porque o cara que procurava estava muito perto, do outro lado da sua mesa”. Keyes responde: “Muito mais perto do que isso”. E, gentilmente, acende o cigarro para o amigo, enquanto a tela vai escurecendo. É o único instante do filme em que encontramos piedade e amor.
No decorrer da trama, às cenas sensuais da aparição de Phyllis no segundo andar da casa enrolada na toalha e depois descendo as escadas com a chamativa corrente de ouro no tornozelo, do seu flerte com Neff usando frases de duplo sentido e da sedução no apartamento de Neff, sucedem os momentos de tensão – a assinatura do contrato de seguro sem que o marido saiba do que se trata; a presença incômoda do passageiro quando Neff se prepara para saltar do trem; o carro que não quer pegar durante a fuga; o comparecimento da viúva no escritório da companhia de seguros após o assassinato, mentindo descaradamente e trocando olhares quase imperceptíveis com o amante; os encontros dos criminosos no supermercado, ela implacável e ele nervoso, discutindo entre sussurros atrás das prateleiras; o interrogatório da testemunha diante do criminoso angustiado; a visita inesperada de Keyes pouco antes da chegada de Phyllis – construídos com precisão absoluta.
Bastante inspirado, o diretor de fotografia John F. Seitz elaborou formidáveis contrastes de preto e branco, que atingem o ápice plástico naquelas formas dispersas de luz e sombra, produzidas pelas venezianas fechadas da casa de Phyllis, onde se dá o clímax da história. Outra colaboração importante foi a do compositor Miklos Rozsa, cuja música essencialmente trágica se adaptou ao cinema noir, contribuindo muito para reforçar os efeitos dramáticos do filme.. Por sua presença sempre tão forte na tela, Barbara Stanwyck estava predestinada para ser uma mulher fatal. Ela interpretou Phyllis Dietrichson com uma sexualidade cerebral e venenosa jamais igualada por qualquer outra atriz. Mostrando uma postura rígida e defensiva, o rosto e a voz tensos e um sorriso inquietante, Barbara tornou-se o arquétipo da assassina fria e calculista, merecendo o título de “grande dama do filme noir”.
Fred MacMurray encarna um rapaz simpático e piadista com a ambição e a luxúria debaixo da pele. Embora atraído pela mulher e pelo dinheiro, ele sente a tentação de desafiar o “sistema” (simbolizado pela companhia de seguros e por Keyes, o encarregado de impedir as fraudes), cometendo o crime perfeito. Mais do que uma confissão, seu relato é uma revelação de tudo o que ele pôde fazer, sem que o investigador descobrisse. MacMurray compreendeu muito bem o papel e teve uma atuação irrepreensível. Em um determinado momento da trama, como Neff, ele evoca em duas frases a atmosfera do verdadeiro filme noir: “Não conseguia ouvir os meus próprios passos … Era o caminhar de um homem morto”. O outro ator principal, Edward G. Robinson, encarna um detetive que usa a intuição e a estatística para chegar aos culpados, já irremediavelmente condenados pelo destino. Seu desempenho deu uma dimensão imprevista ao personagem.
Em Até à Vista, Querida / Murder My Seet / 1944, adaptação de Farewell, My Lovely, de Raymond Chandler, o noir look aparece completamente realizado.
Na trama um tanto complicada, mas logicamente desenvolvida, o detetive particular Philip Marlowe (Dick Powell) é contratado por Moose Malloy (Mike Mazurki), um brutamontes recentemente libertado da prisão, para encontrar sua namorada , Velma Valento. No escritório, Marlowe encontra Lindsay Marriott (Douglas Walton), sujeito efeminado, que lhe oferece cem dólares para ir com ele até o local onde resgatar o colar de jade de uma amiga, o qual fora roubado. Marriott é assassinado e Marlowe leva uma pancada na cabeça, conseguindo apenas ouvir uma voz feminina. Na delegacia, onde relata o acontecimento, fica sabendo que o morto tem alguma ligação com o psiquiatra Jules Amthor (Otto Kruger). De volta ao escritório, o detetive se depara com Ann Grayle (Anne Shirley) e toma conhecimento, por meio desta, de que o colar roubado pertence à Helen Grayle (Claire Trevor), madrasta de Ann e bem mais moça do que o marido, Mr. Grayle (Miles Mander). Moose leva Marlowe ao apartamento de Amthor, onde o detetive é agredido e depois transportado para a clínica do Dr. Sonderborg (Ralf Harolde) e drogado. Com muito esforço, ainda sob efeito da droga, Marlowe consegue escapar de seus algozes e resolve ter uma nova conversa com Helen. Marlowe entra na casa de praia dos Grayle e ela tenta incitá-lo a matar Amthor. Explica que este estava lhe chantageando e pediu a jóia, porém o colar foi roubado em um assalto que sofreu, quando saíra para dançar com seu amiguinho Marriott, antes que pudesse entregá-lo para o chantagista. Fingindo que concorda, Marlowe vai ao apartamento de Amthor e o encontra morto, com o pescoço quebrado. Moose, que fora o responsável pela morte de Amthor, procura Marlowe, pressionando-o a encontrar a namorada. Este lhe mostra a foto de Velma e explica ao grandalhão que ela e Helen são a mesma pessoa. Os dois rumam para a casa de praia. Marlowe entra e deixa Moose do lado de fora, aguardando. Helen recebe-o de braços abertos, porém ele a obriga a dizer a verdade. O colar não foi roubado. Ela nunca teve intenção de dá-lo para Amthor, porque só iria aguçar seu apetite. Estava sustentando Marriott, Amthor e uma cúmplice destes, Jesse Florian (Esther Howard), e resolveu se livrar de Marriott e de Marlowe ao mesmo tempo; depois eliminaria Amthor. A chantagem acabaria se Marlowe achasse Velma para Moose e, por isso, Marriott concordou em ajudá-la a matar o detetive., atraindo-o até o local do suposto resgate. Helen matou Marriott e, quando ia fazer o mesmo com Marlowe, Ann chegou e, pensando que era o pai que estava lá, para matar Marriott por ciúme, atrapalhou tudo. Após a confissão, Helen tenta seduzir Marlowe, tal como fizera com Moose no passado Sem conseguir seu intento, aponta uma arma para o detetive, porém Mr. Grayle e Ann aparecem de repente e o velho mata a esposa traidora. Neste momento instante, Moose entra na casa e Marlowe não consegue impedir que Moose e Mr. Grayle, os dois pobres apaixonados, se matem um ao outro.
Logo no início do filme, a imagem de Marlowe com as ataduras nos olhos sugere o castigo do herói, não apenas por ter chegado muito perto do disparo de uma arma de fogo, mas por ter se imiscuído em um labirinto de mentiras, homicídio, chantagem, charlatanismo e violência física. Como todo detetive noir, ele é envolvido em uma investigação que põe em foco sua responsabilidade profissional e suas próprias inquietações. A experiência vivida em um submundo cheio de criaturas sórdidas o cegou, mas também o tornou singularmente capaz de “ver” a verdade, encontrar os responsáveis por tantos crimes, e o próprio eu, isto é, a necessidade de ter Ann para sempre a seu lado. A intriga porém contém muitas pistas falsas e reviravoltas, para fazer com que o público fique tão desnorteado quanto o investigador, porém o maior fascínio do filme não está no enredo delirante, mas nos diálogos e na atmosfera.
Captando maravilhosamente o espírito da ficção de Raymond Chandler e conservando uma porção satisfatória de sua prosa excepcional, o diretor Edward Dmytryk e seu roteirista John Paxton escolheram a melhor construção narrativa (narração na primeira pessoa, voz over, retrospecto) e forma visual (expressionista) para acentuar a intensa subjetividade do protagonista e criar o clima mais adequado à história, obtendo uma mistura perfeita da tradição hard-boiled com o estilo germânico.
Chandler considerava Dick Powell o equivalente cinematográfico mais próximo de sua concepção de Philip Marlowe. O ator está surpreendentemente bem no papel, abandonando sua personalidade jovial e alegre dos musicais, para se transformar em um detetive tough guy clássico. Na pele de Marlowe, ele faz comentários sobre personagens, ambientes e acontecimentos, expressando sua visão dark por meio de piadas sarcásticas e descrições hiperbólicas de muito sabor.
Quando Marlowe acompanha Marriott e leva uma pancada na cabeça, a voz over do detetive recorda como “um poço negro se abriu diante de meus pés. Cai nele. Não tinha fundo” e, ao mesmo tempo, uma mancha preta inunda a tela, escurecendo a cena. Em outro instante, ao acordar do torpor provocado pela droga, ele fala de uma fumaça e de uma “teia tecida por mil aranhas”, que obscurecem sua visão enquanto o observamos através de um vidro embaciado
Um pouco adiante, estica as mãos em direção à câmera e vemos seus dedos deformados, parecendo uma penca de bananas com jeito de dedos”. Nessa tomadas, o diretor emprega todo o vocabulário fílmico – montagem rápida, sobreimpressões, cortinas giratórias, lente grande angular, filtro fosco, primeiríssimo plano (vg. a seringa do doutor), justaposição de personagens em escalas diferentes – para expressar o estado mental confuso e paranóico do protagonista. A atmosfera de pesadelo, as sombras ameaçadoras e os fortes contrastes de iluminação dão a Até à Vista, Querida uma qualidade visual, que se tornou caracteristica nos filmes noirs do período áureo.
E não falta a mulher fatal, Velma, que se tornou Mrs. Grayle, interpretada por Clare Trevor. Casada, ela comete um crime para evitar uma chantagem relativa ao seu passado, que se presume agitado. Depois, se joga resolutamente nos braços de Marlowe, para fazê-lo seu cúmplice em um novo empreendimento homicida. Maquilada e cheirosa, é uma mulher que se produziu e desempenha este papel com muita classe
Fuga ao Passado é um verdadeiro manancial de elementos noirs: a mulher fatal mentirosa e camaleônica, o herói moralmente ambíguo, a intriga complicada movendo os personagens inexoravelmente para a sua destruição e o estilo visual expressionista.
Jeff Markham (Robert Mitchum), um detetive particular de Nova York, e seu sócio, Jack Fisher (Steve Brodie), são contratados por um gângster, Whit Sterling (Kirk Douglas), para encontrar a amante deste, Kathie Moffett (Jane Greer), que fugiu com quarenta mil dólares, após ter tentado matá-lo.
Jeff segue a pista de Kathie até Acapulco e se apaixona por ela, acreditando na sua palavra de que não roubou o dinheiro. Em consequência, o detetive não informa Whit sobre o seu paradeiro e os dois partem para San Francisco, onde vivem temporariamente em segurança.
Até que são reconhecidos por Fisher, que Whit convocara para procurar Jeff. Tentando chantageá-los, Fisher é morto friamente por Kathie. Jeff fica perplexo com a violência de Kathie. Quando se volta para ela, após ter examinado o corpo de Fisher, Kathie não está mais ali; mas deixara seu talão de cheques, que acusa um depósito de quarenta mil dólares.
Jeff então procura esquecer o passado, mudando o sobrenome para Bailey e se estabelecendo em Bridgeport, pequena cidade da Califórnia, como proprietário de um posto de gasolina, que ele administra com o auxílio de um rapaz mudo (Dickie Moore).
Por acaso, Joe Stefanos (Paul Valentine), capanga de Whit, passa por Bridgeport e vê o cartaz com o nome de Jeff no posto de gasolina. Sua intuição lhe diz que Jeff Bailey pode ser Jeff Markham. Ele intima Jeff a comparecer à casa do gângster em Lake Tahoe.
Jeff fica surpreso ao ver Kathy na companhia de Whit. Ela diz a Jeff que ainda o ama, mas voltou para Whit, porque tinha medo. Whit diz a Jeff que vai perdoá-lo se fizer outro trabalho para ele: recuperar documentos fiscais comprometedores que estão com o advogado, Leonard Eels (Ken Niles).
Jeff aceita a proposta, esperando ajustar contas com Whit, e depois casar-se com Ann (Virginia Huston), sua namorada de Bridgeport, a quem ele resolveu contar toda a história, quando foi chamado para a segunda missão.
O novo serviço não passa de uma trama para incriminá-lo como responsável pelo assassinato de Eels, na verdade cometido por Stefanos, depois que Meta Carson (Rhonda Fleming), a secretária de Eels a serviço de Whit, levara os documentos. Jeff também fica sabendo, por intermédio de Kathie, que Whit obrigou-a a assinar uma declaração, dizendo que ele matou Fisher.
Jeff recupera os documentos e vai para a casa de Whit. Ele propõe que Whit lhe devolva a declaração, ajude-o a fugir do país, e denuncie Kathie à polícia como culpada pelo assassinato de Fisher.
Kathie mata Whit e obriga Jeff a fugir com ela para o México, mas antes ele avisa a policia. Percebendo que Jeff a traíra, Kathie tira uma arma da bolsa e o mata, sendo depois morta pelos guardas, ao tentar ultrapassar uma barreira na estrada.
A história de Geoffrey Homes (pseudônimo de Daniel Mainwaring), reminiscente da escola hard-boiled de ficção policial, é parcialmente contada em um retrospecto e se passa em diversos locais (Nova York, Acapulco, San Francisco, Bridgeport). O detetive particular Jeff Markham, interpretado por Robert Mitchum, com sua capa de chuva e seu chapéu de feltro, é um equivalente iconográfico do Sam Spade de Humphrey Bogart e a “viúva negra” Kathie Moffett, embora não seja tão ‘’distinta” como Brigid O’Shaughnessy, demonstra a mesma capacidade de dissimulação.
Entretanto, no momento em que surge vestida de branco em uma rua ensolarada de Acapulco, Kathie não parece a mulher insidiosa que realmente é, mas sim uma criatura do sonho de Jeff, que se materializou ao entrar no Cafe La Mar Azul.
Jeff fica deslumbrado e joga para o alto o seu código de honra. Quando Kathie tenta convencê-lo de que não roubou o dinheiro de Whit, ele a interrompe, dizendo: “Baby, pouco me importa”. Contrariando os interesses do cliente, transigindo com a ética profissional, Jeff não comunica a Whit que a encontrou e foge com ela para San Francisco.
Ao contrário do Sam Spade de Relíquia Macabra, Jeff Markham não consegue superar sua obsessão sexual. Sua voz over descreve Kathie de uma maneira cada vez mais romântica, representando-a como uma imagem luminosa: “E então eu a ví, saindo do sol”; “E então ela entrou, vinda do luar, sorrindo”; “E então eu a vi andando pela estrada sob a luz dos faróis”.
Porém no dia em que Kathie mata Fisher, deixando-o com o cadáver para sofrer as consequências, e ele descobre que ela havia depositado os quarenta mil dólares na sua conta bancária, Jeff fica arrasado. Ele lembra para Ann: “Eu não sentia pena dele, não estava zangado com ela, não estava nada”. Ao revê-la, junto de Whit, exclama indiferente: “Você é como uma folha que o vento carrega de uma sarjeta para outra”.
Todavia, mesmo depois desta cena, ainda ficamos sem saber se Jeff realmente ficou livre de sua paixão por Kathie, pois um grau de ambivalência permanece até o final do filme.
O diretor Jacques Tourneur e o diretor de fotografia Nicholas Musuraca, ex-colaboradores da série de horror de Val Lewton, eram especialmente capacitados para criar o jogo lírico e sensual de sombras que caracteriza o filme noir.
Em um entrosamento perfeito, Tourneur e Musuraca produziram imagens esplêndidas de interiores escuros dramaticamente iluminados, planos filmados de dia como se fossem de noite das praias do México e exteriores claros e meticulosos, muito bem integradas no todo atmosférico.
Tourneur teve ainda o mérito de fazer com que uma jovem inexperiente de 22 anos, Jane Greer, se transformasse em uma das mulheres fatais mais inesquecíveis, frágil e ameaçadora ao mesmo tempo, sensual e demoníaca.
No filme de Tay Garnett, O Destino Bate à Porta, tal como acontece em Pacto de Sangue, também baseado em um romance de James M. Cain, uma paixão adúltera leva ao assassinato do marido.
Andando ao acaso pelas estradas da Califórnia, Frank Chambers (John Garfield) chega a um pequeno restaurante à beira da rodovia e é imediatamente atraído por Cora (Lana Turner), a bela mulher de Nick Smith (Cecil Kellaway), um grego de meia díade, dono do estabelecimento.
Frank permanece no local como empregado e começa a namorar a jovem patroa. Cora convence Frank de que a única maneira de ficarem juntos é matar Nick e dar a impressão de acidente.
A primeira tentativa fracassa. Finalmente, em uma viagem a Santa Barbara, o crime é cometido. Porém Frank não consegue sair rapidamente do carro e mergulha no precipício com o marido morto, ferindo-se gravemente.
Enquanto se recupera no hospital, Frank é informado pelo promotor público (Leon Ames) de que Cora vai ser indiciada como autora do assassinato do marido, e é obrigado a assinar a queixa contra ela.
O caso não vai adiante por falta de provas. Frank e Cora casam-se. Seu relacionamento é complicado pela chantagem de um advogado inescrupuloso e por outros problemas, mas os dois se reconciliam.
Então, Cora morre em um acidente de carro e Frank é condenado à cadeira elétrica, pois o promotor encontrou uma carta que Cora havia escrito para ele antes de reconciliarem, contendo uma confissão do crime que ambos cometeram.
Durante o desenrolar da trama, o narrador / protagonista se descreve como uma vítima do poder sexual que Cora exercia sobre ele; porém, no final do filme, conclui que seus problemas surgiram por obra de um destino maligno e que sua condenação foi um castigo divino.
Frank, um rapaz “Cujos pés ficam coçando para ir a outros lugares”, vê-se um dia frente a frente com aquela mulher sensual e logo se atiram um nos braços do outro. Frank sugere que os dois fujam juntos; no entanto, Cora é ambiciosa. “Você me ama?”, ela pergunta. “Há uma coisa que podemos fazer, que resolveria tudo”. “Tal como rezar para que algo aconteça com o seu marido?”, diz ele. “Algo parecido”, responde Cora. “Naquele instante”, Frank recordaria depois, “eu deveria ter ido embora daquele lugar”.
Frank sente o nervosismo do ato de matar por duas vezes, porque a primeira tentativa foi malsucedida. Continua tenso durante o julgamento e mesmo depois da absolvição, pois o promotor, que sempre suspeitou dele, está sempre por perto, aguardando um descuido seu.
O relacionamento entre os amantes fica difícil, mas talvez possam ser felizes novamente. Cora e Frank vão à praia onde costumavam ir no tempo em que estavam apaixonados. Eles entram no mar e nadam além da rebentação, em direção ao horizonte. O oceano escuro sugere o perigo que os ameaça. “Já estamos muito longe”, diz um deles. O rancor e o espírito vingativo não existem mais em seus corações. Cora diz a Frank que, se ele não confia nela, pode voltar para a praia sem ela, porque esta cansada e não conseguirá chegar lá sozinha. Frank segura-a nos braços e voltam juntos. “Você tem certeza agora?”. “Tenho”. Eles entram no carro. “Quando chegarmos em casa, nosso beijos serão de vida e não de morte”, diz ela.
Como mulher fatal, Cora Smith não é tão pérfida como a Phyllis Dietrichson de Pacto de Sangue, outra personagem de James M. Cain. É mais uma infeliz que, para fugir da pobreza, criou uma armadilha para si mesma, mas caiu em uma armadilha ainda maior. O casamento com Nick deixou-a entediada e carente: o romance com Frank causou a morte de ambos.
No momento em que Frank vê o cartaz de oferta de emprego, já percebemos o risco que ele está correndo. E quando a câmera faz uma panorâmica vertical das pernas desnudas de Cora até o seu rosto angelical, ficamos sabendo que está perdido.
O diretor Tay Garnett conduziu com muita segurança o relato, ao longo do qual conjugam-se admiravelmente sexo, a violência e o suspense, surgindo várias cenas de real valor cinematográfico, entre elas, a aparição de Lana Turner vestida de bermuda e turbantes brancos, deixando cair o batom, que rola até os pés de John Garfield e a tensão dos minutos que antecedem a primeira tentativa de matar o marido, ouvindo-se a voz de Nick cantando, o miar do gato, o guarda que chega de bicicleta para conversar com Frank e o grito de Cora, quando o animal provoca o curto-circuito.
Mesmo não tendo um estilo visual expressionista na maior parte de sua duração, O Destino Bate à Porta é um filme noir perfeito, porque contém os elementos fundamentais: a estrutura narrativa complexa (retrospecto, narração na primeira pessoa / voz over), o tom deprimente e pessimista, o clima de corrupção, morte, angústia, loucura (o amor louco entre os amantes), fatalismo etc.
Caro Professor Antonio Carlos,
Esta é minha segunda vez visitando seu site maravilhoso. Adorei a matéria dos filmes noir. Tenho até hoje as várias matérias da extinta Cinemin. É um prazer poder relê-las e contante fonte de informação sobre a sétima arte. Professor, me honraria muito se o senhor pudesse passar pelo meu blog (blogcineonline.wordpress.com) e avaliar meus textos. Se puder, lhe agradeço inclusive o comentário. Boa Páscoa.
Adilson de Carvalho Santos
Vou visitá-lo. Obrigado.
Acabei de visitar o seu blog. Parabéns, continue. Bons textos, boas fotos. Parabéns
Parabéns pelo post. Todos os filmes citades são grandes clássicos para quem gosta de cinema.
Obrigado e parabéns pelo seu curtadoc.tv/