Arquivo mensais:outubro 2013

GRANDES DUBLÊS DO CINEMA AMERICANO DE OUTRORA

Os verdadeiros criadores de tensão e das emoções nos seriados, westerns e filmes de aventura eram de fato os dublês, que anônimamente planejavam e executavam a sucessão contínua de sequências perigosas, supostamente envolvendo os atores. Veteranos do cinema mudo como Bob Rose e Richard Talmadge abriram caminho para a realização de sequências intrincadas, envolvendo manobras com veículos (lanchas, trens, aviões e todas as espécies de carros) e acrobacias.

Bob Rose (1901-1993) nasceu em Telecoe Plains, Tennessee e começou a trabalhar no cinema nos seriados de Ruth Roland, interpretando o irmão mais jovem da protagonista e dublando-a nas cenas mais arriscadas (Rose era muito baixinho – tinha sido jóquei antes de ir para Hollywood – de modo que podia dublar meninos e mulheres). Ele foi geralmente reconhecido como o primeiro dublê a fazer uma transferência com risco de morte de um veículo em alta velocidade para outro – e até de um aeroplano para outro sem pára-quedas -, tornando-se um especialista nestas proezas precisamente cronometradas. Outros astros da cena muda foram dublados por ele tais como Buster Keaton, Ben Turpin, Tom Mix e Harry Houdini (porém era o mágico que fazia seus truques e ilusionismos) e, no período sonoro, ele dublou, por exemplo, uma queda de grande altura de Fay Wray em King Kong / King Kong / 1933 e outra de Jack Palance em Morte Sem Glória / Attack! / 1956.

Rose nunca havia sofrido um arranhão em todos os seus anos como dublê até o acidente ocorrido durante a filmagem de O Vôo do Fenix / Flight of the Phoenix / 1965. Rose estava no avião, quando se deu o desastre em Buttercup Valley no Arizona. O stunt pilot Paul Mantz morreu instantaneamente, mas Rose sobreviveu com alguns ossos quebrados. Rose e seu colega Paul Malvern foram ambos sobreviventes de outra tragédia na filmagem de Sedução do Ouro / Trail of ’98 / 1928  no Alaska, na qual quatro dos oito dublês morreram afogados nas correntezas geladas do Copper River. Rose escreveu a história original e co-estrelou em Demônios do Ar / Lucky Devils / 1933, o primeiro filme a abordar a vida dos stuntmen nos estúdios de Hollywood.

Richard Talmadge (1892-1981), cujo verdadeiro nome era Sylvester Alphonse Metz, nasceu em Camburg, Alemanha e chegou na América em 1910, como membro da Mazetti Troupe, de famosos acrobatas, contratada pelo Barnum & Bailey Circus. Ele iniciou sua carreira no Cinema trabalhando para Douglas Fairbanks, não tanto como dublê, mas mais como modelo. Douglas ficava observando Talmadge e depois realizava aquelas acrobacias extraordinárias em escadas, sacadas, telhados, cortinas, candelabros, diante das câmeras; o ator só era substituido pelo stuntman, quando havia muito perigo de ser ferido. Talmadge tornou-se ele próprio um ator, aparecendo em filmes como Vamos! / Let’s Go / 1923, Através das Chamas / Through the Flames / 1923,  O Campeão do Mundo/ The Speed King / 1923,  O Tesouro dos Piratas / Pirate Treasure / 1934 (seriado). The Live Wire / 1935 etc.

Posteriormente, destacou-se como diretor de segunda unidade em filmes de grande produção como A Conquista do Oeste /  How The West Was Won / 1962 e A Maior História de Todos os Tempos / The Greatest Story Ever Told / 1965. No Brasil, Talmadge ficou conhecido como “o Homem de Borracha” e “o Rival de Douglas Fairbanks”.

Inúmeros dublês demonstraram suas aptidões nos westerns B e seriados: porém, como acontece em todas as atividades profissionais, houve os mestres, aqueles que são considerados “autoridades no assunto”: Cliff Lyons, David Sharpe e Yakima Canutt.

Cliff Lyons (1901-1974), nasceu em uma fazenda em Madison, South Dakota. Depois de chamar a atenção nos concursos de rodeio, ele começou sua carreira cinematográfica alternando com Al Hoxie os papéis de vilão e herói em sete westerns baratos produzidos por Bud Barsky. Os dois atores prosseguiram juntos em outra série, produzida por Morris R. Schlank e, anunciado como Cliff “Tex” Lyons, ele parecia encaminhado para se tornar um astro do western “B” ; porém sua voz não se adaptou bem ao som. Entretanto, ele adquiriu prestígio dublando grandes cowboys como Tom Mix, Ken Maynard, Buck Jones, Johnny Mack Brown, Hopalong Cassidy, George O’Brien e outros. Em 1936, Lyons trabalhou com John Wayne pela primeira vez, e consolidou uma amizade  pessoal e profissional, que duraria três décadas.

Lyons era aquele dublê (que chamavam de ramrod ou stunt coordinator), ao qual o diretor mostrava um esboço da sequência que ia filmar e ele então, para realizá-la, escolhia e supervisionava os outros colegas. O passo seguinte foi a direção de segunda-unidade, tarefa que desempenhou muito bem em vários filmes de John Ford, espetáculos como Sangue de Bárbaros / The Conqueror / 1956, O Álamo / The Alamo / 1960, Taras Bulba / Taras Bulba / 1962 etc,  e também em seriados da Republic, Columbia e Mascot.

David Sharpe (1910-1980),  chamado de “Crown Prince of Daredevils”, foi um dos dublês mais respeitados e requisitados de Hollywood. Ele nasceu em St. Louis, Missouri e cresceu em Los Angeles, interesssando-se por todo tipo de atletismo, especialmente aqueles esportes que exigiam uma regulação cuidadosa de tempo e coordenação física (natação, saltos ornamentais, esgrima e acrobacia), dominando também boxe, luta-livre, judô e jiu-jitsu. Foi o vencedor do National A.A.U. Tumbling Championship por dois anos seguidos (1926-1927). Sua primeira aparição no cinema deu-se quando tinha 12 anos de idade em Robin Hood / Robin Hood / 1922 de Douglas Fairbanks. Dave, o mestre do “salto voador”, seria o treinador e dublê de Douglas Fairbanks Jr. nos anos 40 e 50, inclusive em Sinbad, o Marujo / Sinbad, the Sailor / 1947.

No início dos anos 30, ele interpretou papéis juvenis  e foi um dos astros da série The Boy Friends, produzida por Hal Roach para a MGM. Nessa década, participou  como ator de seriados e westerns “B” (vg. dois filmes curtos dirigidos com Flash, the Wonder Dog, Wild Waters e Death Fangs, produzidos por William Berke). A reputação de Sharpe como dublê  começou a crescer quando ele entrou para a Republic (participando de  A Volta de Dick Tracy / Dick Tracy Returns / 1938), onde, além de dublar os atores principais, ele foi um dos protagonistas de Os Demônios do Círculo Vermelho / Daredevils of the Red Circle / 1939.

Sharpe tornou-se um membro vital do time de dublês da Republic, e assumiu a sua liderança, quando Yakima Canutt começou a alargar suas atividades em filmes classe “A”. Sua agilidade  e coordenação perfeita pode ser notada em O Rei da Polícia Montada / King of the Royal Mounted / 1940 e Polícia Montada Contra a Sabotagem / King of the Mounties / 1942 (dublando Allan Lane); O Misterioso Dr. Satan / The Mysterious Dr. Satan / 1940 (dublando Robert Wilcox); Aventuras de Red Ryder / 1940 (dublando Don Barry); O Homem de Aço / Adventures of Captain Marvel / 1941 (dublando Tom Tyler); O Terror dos Espiões / Spy Smasher / 1942 (dublando Kane Richmond); e Os Perigos de Nyoka / Perils of Nyoka / 1942 (dublando até Kay Aldridge em sequências não designadas para Babe DeFreest ou Helen Thurston).

Em 1941, o produtor Ed Finney  formou o trio Dave Sharp, LeRoy Mason e Chief Thunder Cloud em Silver Stalllion na Monogram. E quando Ray “Crash” Corrigan deixou temporariamente a série Os Três Valentes ou Os Três Destemidos / Range Busters, Sharpe  entrou no seu lugar ao lado de John King e Max Terhune em quatro filmes produzidos nos anos de 1942-1943.

Depois da Segunda Guerra Mundial, na qual serviu como piloto, Sharpe continuou a atuar no cinema como ator, dublê e diretor de segunda unidade (sendo o favorito de vários diretores entre eles John Ford,  Howard Hawks e John Huston). Como ator, os fãs de westerns devem tê-lo reconhecido notadamente em uma cena de luta memorável com Roy Rogers em Os Sinos de San Angelo / Bells of San Angelo / 1947, filmada em glorioso trucolor.

Enos Edward Canutt (1896-1986) nasceu perto de Colfax, Washington e, após conquistar o título de “World’s All-Around Cowboy” em 1919, 1920 e 1923 e outros troféus em rodeios, nos quais ganhou o apelido de “Yakima’, ingressou no cinema como ator e/ou dublê (vg. nos westerns The Heart of a Texan / 1922 e The Forbidden Range / 1923, ambos estrelados por Neal Hart; nos seriados O Fio do Destino / LIghtning Bryce / 1919, A Febre do Ouro / Days of ’49 / 1924 e O Cavaleiro das Sombras / The Riddle Rider / 1924; em vários outros filmes do mesmo gênero em companhias pequenas com destaque para The Human Tornado / 1925).

Outros filmes de Canutt entre 1926 e 1930 foram os westerns The Devil Horse (com o cavalo Rex), The Fighting Stallion (com o cavalo Boy) e Canyon Hawks, os seriados A Caixa dos Mistérios / The Mystery Box e O Oeste Bravio ou O Tesouro do Passado / The Vanishing West. Canutt apareceu como ator/dublê em 19 dos  westerns de John Wayne filmados entre 1933 e 1937.

Quando a Republic iniciou a série Os Três Mosqueteiros ou Os Três Sertanejos / The Three Mesquiteers em 1937, ele de novo teve a chance de trabalhar com seu amigo Wayne em Bandoleiro Inocente / Wyoming Outlaw, Forcas e Facas / Santa Fe Stampede e Bandidos Encobertos / Overland Stage Raiders e em mais nove filmes da mesma série.

Canutt foi o primeiro a dar um pulo do solo para um cavalo em movimento, derrubando seu cavaleiro e criou o lance famoso no qual caía do topo de uma diligência entre a parelha de cavalos, deixava que os cavalos e a diligência passassem sobre ele, e depois se agarrava ao eixo das rodas traseiras e conseguia subir de novo ao topo, para continuar a briga. Seu estupendo salto voador para a frente passando do pescoço de um cavalo para outro (conhecido como The Flying W) foi outra das façanhas quase lendárias que aperfeiçoou (ele a executou dublando John Wayne em No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939). Em …E O Vento Levou / Gone With the Wind / 1939, Yak, dublando Clark Gable, conduziu  uma charrete através das chamas na sequência do incêndio de Atlanta. Ele prosseguiu atuando em vários westerns da Republic nos anos 40, porém devotando a maior parte de seu tempo à função de dublê, principalmente nos seriados como, por exemplo, A Volta do Zorro / Zorro Rides Again / 1937, dublando John Carroll.

Após sofrer um percalço em um filme de Roy Rogers em 1945, que o deixou com dois tornozelos quebrados, Canutt passou a treinar outros dublês e a dirigir sequências de ação, reduzindo seu trabalho como stuntman. Nos anos 50 finalmente ele se tornou diretor na Republic e, quando o estúdio fechou nos meados da década, ele continuou sua carreira como diretor de segunda-unidade nos grandes estúdios (Warner Brothers, Walt Disney, MGM, 20thCentury-Fox) e, como tal, produziu algumas das mais complicadas sequências de ação jamais filmadas em espetáculos como Ivanhoé, O Vingador do Rei / Ivanhoe /1952, Ben-Hur / Ben-Hur / 1959, Spartacus / Spartacus / 1960, El Cid / El Cid / 1961 etc. Em 1966, recebeu um prêmio especial da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas “por seu trabalho como dublê e pelo aperfeiçoamento de muitos dispositivos de segurança usados pelos dublês no mundo inteiro ”.

Dublês como Dick Grace, Al Wilson, Ormer Locklear e Paul Mantz criaram também sequências de ação inesquecíveis em terra, mar e ar.

Dick Grace (1898-1965) nasceu em Morris, Minnesota e se especializou em cenas de desastres de avião nos filmes. Seu primeiro trabalho como dublê ocorreu em dois filmes de Tom Mix, Pelas Alturas / Sky High / 1920 e Sentinela das Matas / Eyes of the Forest / 1922. Depois, assumiu o papel principal em The Flying Fool / 1925 e teve uma participação importante em Wide Open / 1927, ambos produzidos pela Sunset Productions.

Entretanto, seu filme mais famoso foi Asas / Wings / 1927, concebido e escrito por um ex-militar John Monk Saunders e dirigido por William Wellman, que havia sido piloto durante a primeira Guerra Mundial. Grace foi contratado para os dois  desastres principais do filme, um em um Spad e outro em um Fokker. Como os aviões da Primeira Guerra estavam em péssimas condições, Grace supervisionou uma “renovação” antes de voar neles. No ano seguinte, ele coordenou as dublagens de cenas de aviação para O Amor Nunca Morre / Lilac Time / 1928 e, nos anos 30,  deu sua contribuição para A Noiva do Céu / Sky Bride / 1932 e A Esquadrilha Perdida / The Lost Squadron. / 1932.

Al (Albert Peter) Wilson (1895-1932) nasceu em Harrodsburg, Kentucky, mas foi criado no Sul da Califórnia. Apaixonado pela aviação desde criança, ele começou a trabalhar como assistente de manutenção na Schiller Aviation School, onde estudava para ser piloto. Depois, ele ensinou em escolas de aviação, e finalmente se tornou instrutor chefe na American Aircraft Company. Após um breve período como gerente na Mercury Aviation Company, fundada por um de seus alunos, Cecil B.DeMille, Wilson se especializou em executar cenas de ação, inclusive passar da asa de um avião para outro na asa, e acabou deixando a companhia para ser um dublê profissional.

Em 1923, ele começou sua carreira de ator / dublê no seriado Nas Garras da Águia / The Eagle’s Talons, no qual ele se transferia de um avião para um trem em movimento. Em outro seriado, A Cidade Fantasma / The Ghost City, Wilson  se machucou ao saltar de um carro em marcha acelerada para uma corda pendurada em um avião. Depois disso, ele formou sua própria companhia  de produção, e iniciou uma série de filmes curtos – dirigidos por Bruce M. Mitchell – para os quais escreveu os roteiros, desempenhou as cenas arriscadas, e figurou como ator principal (Gavião dos Ares / The Air Hawk / 1924, Águia Humana / The Cloud Rider / 1925, Flyin’ Thru / 1925, The Flying Mail / 1926). Em 1927, Wilson voltou para a Universal estrelando nova série de filmes (Three Miles Up / 1927, Sky High Saunders / 1927, A Patrulha Aérea /  The Air Patrol / 1928, Uma Fuga entre as Nuvens The Cloud Dodger / 1928, Piloto Fantasma The Phantom Flyer / 1928,  Uma Luta no Ar Won in the Clouds/ 1928 e O Concurso AéreoThe Sky Skidder / 1929). Wilson foi também um dos pilotos em Anjos do Inferno / Hell’s Angels / 1930 e, durante a filmagem, ocorreu um acidente, no qual o mecânico Phil Jones morreu. Este episódio marcou o fim de sua carreira como stunt pilot no cinema. Dois anos depois, durante uma apresentação que fez no National Air Races em Cleveland, seu avião teve um problema mecânico e caiu no solo. Ele faleceu alguns dias depois, devido aos ferimentos que sofreu.

Ormer Locklear (1891-1920) nasceu em Grenville, Texas, porém foi educado em Forth Worth, onde trabalhou como carpinteiro e mecânico. Ele ficou fascinado pela aviação, tentando construir seu próprio avião e, quando a Primeira Guerra Mundial envolveu os Estados Unidos em 1917, o rapaz se alistou no U. S. Army Air Service.

Locklear se especializou em andar pela asa de um avião para fazer reparos durante um vôo. Ele realizou uma proeza ainda maior no campo de aviação do exército em Forth Worth, em um espetáculo aéreo para ajudar o recrutamento. Enquanto andava pela asa de um avião em pleno vôo, ele pulou para a asa de outro avião alguns metros abaixo.

Em 1919, Locklear excursionou pelo país para apresentar seus números de acrobacias aéreas. Dentro de um ano, ele era o stunt pilot mais conhecido do mundo e assim chegou ao cinema. Carl Laemmle ficou impressionado com a sua participação no filme de Harry Houdini, O Salto da Morte / The Grim Game / 1919, produzido pela Paramount, e o escolheu como ator principal de Corsários do Ar / The Great Air Robbery / 1919. Neste filme, ele executou não somente a sua famosa transferência de um avião para outro como também a transferência de um avião para um carro, e depois de volta para o avião, pouco antes de ocorrer um desastre com o carro.

Após terminar seu trabalho em Corsários do Ar, Locklear continuou a se exibir em espetáculos aeronáuticos e, posteriormente, fez na Fox seu segundo filme, Aviador Temerário / The Skywayman / 1920. No roteiro estava prevista uma cena na qual um avião deveria cair em parafuso na direção do solo e se espatifar em cima dos poços de petróleo. Ela foi originariamente planejada para ser feita usando-se uma miniatura; porém, achando que a cena ficaria irreal, Locklear se ofereceu para fazer a cena perigosa. A filmagem estava escalada para a noite de 2 de agosto de 1920. Um semi-círculo de refletores foram colocados em torno do campo, para permitir que o avião pudesse ser filmado no céu escuro. Locklear, que estava acompanhado de seu colega Milton “Skeets” Elliott, instruiu a equipe de iluminadores, para apagarem as luzes quando o avião chegasse perto dos poços de petróleo, a fim de que ele pudesse sair do parafuso; mas as luzes permaneceram acesas, cegando-o, e aconteceu a catástrofe. Os dois aviadores morreram instantaneamente. A atriz Viola Dana estavam vivendo um romance com Locklear na época, e presenciou a tragédia. Ela descreveu o acidente no episódio “Hazards of the Game” da maravilhosa série documentária, Hollywood: A Celebration of the American Silent Film, de David Gill e Kevin Bronlow.

Albert Paul Mantz (1903-1965) nasceu em Alameda, Califórnia, e desenvolveu seu interesse pela aviação ainda criança, quando seu primeiro vôo em asas de lona fabricadas por ele, foi interrompido pela mãe, que o impediu de se lançar de um galho de árvore. Mantz começou suas lições de pilotagem aos dezesseis anos de idade com o dinheiro que obteve dirigindo um carro funerário durante a epidemia de gripe de 1919. Embora estivesse prestes a receber seu diploma de piloto, o jovem abandonou  o curso, ao presenciar a morte de seu instrutor. Entretanto, em 1927, ele conseguiu se graduar pela Escola de Aviação do Exército dos Estados Unidos em March Field, porém ao fazer um vôo arriscado, aproximando-se de um trem em movimento, ele foi demitido do Exército.

Após trabalhar brevemente na aviação comercial, Mantz rumou para Hollywood, atraído pelos altos salários que os dublês estavam recebendo na época; porém era preciso  ser membro da Associated Motion Picture Pilots (AMPP), e isso só seria possível, depois que ele estivesse empregado pela indústria do cinema. A fim de obter notoriedade, Mantz estabeleceu um recorde, fazendo acrobacias aéreas sensacionais em uma cerimônia ocorrida no aeroporto de San Mateo. Finalmente, em 1931, ao participar de uma sequência de O Jogador Galopante / The Galloping Ghost, na qual teria que voar em direção a um cânion e evitar por pouco de bater nas árvores, Mantz calculou mal sua aproximação e se chocou com uma delas; mas a equipe técnica filmou tudo e ele obteve a sua inscrição na AMPP. Após ter tido muita dificuldade de arranjar trabalho regular como dublê, Mantz aceitou uma incumbência particularmente arriscada, voando em um biplano Stearman através de um hangar em Asas Heróicas / Air Mail / 1932. O filme foi um sucesso, e ele foi sendo aceito pelos estúdios. Sua companhia, United Air Services, oferecia aviões e pilotos, bons preços de aluguel e um seguro para proteger os produtores de riscos financeiros causados por acidentes. Outra empresa sua, a Paul Mantz Services, de vôos fretados, também floresceu e se tornou a favorita entre os astros de Hollywood muitos dos quais, tais como Clark Gable e James Cagney tornaram-se seus amigos.

Mantz fez muitos vôos de “caridade” inclusive salvando quinze pescadores mexicanos de um naufrágio e jogando mantimentos para cinquenta e três bombeiros na área de Santa Barbara , enfrentando um inferno de chamas. Depois do acidente de carro no qual Tom Mix perdeu a vida, foi Mantz o escolhido para transportar o corpo do famoso cowboy até a sua residência. Em 1937, poucos meses depois que Amelia Earhart desapareceu no oceano Pacífico, Mantz instruiu-a em vôo à longa-distância e navegação (e a acompanhou como co-piloto na primeira tentativa frustrada de vôo em volta do mundo).

Em 4 de julho de 1938, Mantz voou de Wichita a Burbank, Califórnia, acompanhado pelo agente de imprensa da Paramount, piloto e escritor de pulp fiction, Edward Churchill, pretendendo bater o recorde de velocidade, que fazia parte da promoção do filme Conquistadores do Ar / Men With Wings. Entretanto, no vôo ocorreram várias dificuldades: o motor esquentou demais sobre o Grand Canyon; ao chegarem em Burbank, o trem de aterrissagem emperrou, e levou trinta minutos para se soltar; e o combustível chegou a um nível perigosamente baixo. Churchill foi afetado por envenenamento de monóxido de carbono e teve que ser atendido por um médico após a aterrissagem. Durante a Segunda Guerra Mundial, Mantz serviu na First Motion Picture Unit (FMPU) na Califórnia. Subsequentemente ao seu desligamento em agosto de 1944, ele comprou uma frota de 475 bombardeiros e aviões de combate excedentes para usá-los no cinema. Em 1945, ele pilotou um P-40 e dirigiu sequências aéreas em A Mão que nos Guia/ God is My Co-Pilot. Em 1949, conduziu um Boeing B-17 nas cenas de aterrissagem de barriga em Almas em Chamas / Twelve O’Clock High, e o material filmado foi usado em vários outros filmes. Ele pilotou também um bombardeiro B-25 para filmar cenas de um travelogue em Cinerama. A certa altura, voou bem perto de um vulcão ativo, e escapou por um triz de colidir com a boca do vulcão, quando os motores pararam em virtude da falta de oxigênio.

Muntz morreu em 8 de julho de 1965, quando trabalhava em O Vôo do Fenix / The Flight of the Phoenix, produzido e dirigido por Robert Aldrich. Pilotando um avião construído especialmente para o filme, Mantz bateu em um pequeno morro, quando passava sobre um sítio deserto no Arizona para um segundo take. O avião partiu-se em dois, matando Mantz e Bob Rose, um outro dublê que estava na cabina representando o personagem interpretado por Hardy Kruger, ficou seriamente ferido.

Tom Steele e Dale Van Sickel foram outros dois extraordinários dublês. Tom Steele (1909-1990), cujo verdadeiro nome era Thomas B. Skeoch, nasceu na Escócia, e foi para a América com sua família ainda criança, estabelecendo-se no Norte da Califórnia. Exímio cavaleiro, ele jogou polo competitivamente quando jovem, e também trabalhou em uma usina siderúrgica, que foi a fonte de seu nome profissional Tom “Steele”.

No início da Depressão, ele partiu para Hollywood a fim de se tornar ator, e estreou no cinema em um western de George O’Brien,  A Lenda do Vale / The Lone Star Ranger / 1930. Porém logo Steele, amparando-se na sua habilidade como cavaleiro, preferiu exercer a função de stuntman embora possa ser visto também em pequenos papéis através de sua carreira (vg. como o guarda da prisão  em Brutalidade / Brute Force / 1947). Ele assumiu o cargo de stunt coordinator na Republic, quando David Sharpe foi servir à pátria na Segunda Guerra Mundial (Steele foi considerado incapaz para o serviço militar por causa de um antigo ferimento em decorrência de um acidente na usina siderúrgica).

Nos seriados, Steele  atuou como dublê de Rod Cameron (vg. em A Adaga de Salomão / Secret Service in Darkest Africa / 1943), Richard Bailey, Clayton Moore e Sammy Baugh. Nos anos 40 e início dos anos 50, muitos atores da Republic eram escolhidos devido à sua semelhança física com Steele, e não o contrário. Nos filmes de longa-metragem, Steele era sempre o dublê de Wild Bill Elliott.

Seu papel mais notável na Republic (onde atuou também com certo destaque em O Porto Fantasma / Haunted Harbor / 1944), foi o do personagem principal do seriado O Maravilhoso Mascarado / The Masked Marvel / 1943, pelo qual ele nunca recebeu crédito. Neste seriado sensacional, Steele caía em cima de um caminhão em chamas cheio de explosivos mas uma lona atenuava sua queda, e ele escapava ileso; pulava de uma lancha veloz para outra, e saltava desta última, antes que ela explodisse; era jogado em um poço de elevador, e se salvava agarrando-se em um elevador que subia; tornava-se o alvo de um caminhão em disparada, pulando para um lado em uma fração de segundo; trancado em um baú, carregado por um caminhão que se encaminhava para um precipício, escapava quase à beira do abismo; era atacado por uma variedade de bandidos armados com pistolas, facas, machados etc. e dominava todos eles.

Steele participou também de filmes realizados em outros estúdios como A Carga da Brigada Ligeira / The Charge of the Light Brigade / 1936, A Estrada de Santa / Santa Fe Trail / 1940, À Beira do Abismo / The Big Sleep / 1946, O Monstro do Ártico / The Thing / 1951 (no qual ficou no lugar de James Arness, que fazia a criatura do título, nas cenas envolvendo fogo e ataque de cães) e, até em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941, como um repórter agressivo jogando-se no estribo do automóvel de Kane,  quando ele partia.

Nos anos 60 e 70 Steele continuou ativo como dublê, mas aceitou fazer algumas “pontas” como ator, inclusive como um chofer de caminhão em Caçador de Aventuras / Harper / 1960, um guarda de segurança no filme de James Bond 007- Os Diamantes São Eternos / Diamonds Are Forever / 1971 e dirigiu um dos carros na clássica sequência de perseguição em  Bullit / Bullitt / 1968 etc.

Dale Van Sickel (1907-1977) nasceu en Eatonton, Georgia, mas cresceu em Gainesville, Florida, onde se tornou um craque do futebol americano e jogou também basquete e basebol. Depois de formado, ele permaneceu na Universidade da Florida, para ser treinador assistente dos times de futebol e basquete durante as temporadas de 1930 e 1931. Por volta de 1933, Dale mudou-se para Hollywood com a finalidade de iniciar uma carreira como dublê e estreou nesta qualidade em um filme dos irmãos Marx, O Diabo a Quatro / Duck Soup / 1933. Em seguida, estreou como stuntman na Republic dublando Reed Hadley em A Legião do Zorro / Zorro’s Fighting Legion / 1939  e, durante algum tempo, prestou sua colaboração  como ator e/ou dublê  em seriados da Universal (vg. Don Winslow na Marinha / Don Winslow of the Navy / 1942, Guerra aos Gangsters / Gang Busters / 1942, Salteadores do Ouro / Raiders of Ghost City, / 1944, A Chave Mestra / The Master Key / 1945), Columbia (vg. A Volta da Aranha Negra / Spider Returns / 1941, Flecha Negra Black Arrow / 1944) e principalmente da Republic (vg. dublando Dick Purcell em Capitão América, o Vencedor / Captain America / 1944 (no qual também estava Tom Steel como bandido), O Porto Fantasma / Haunted Harbour / 1944, O Segredo da Ilha Misteriosa / Manhunt of Mystery Island / 1945, As Aventuras de Frank and jesse James / The Adventures of Frank and Jesse James / 1948).

Entre os westerns da Republic, Dale pode ser visto dublando John McGuire em Sinos de San Angelo / Bells of San Angelo / 1947, Roy Barcroft em Vingança de Índio / Renegades of Sonora / 1948, Douglas Fowley em O Mistério do Lago / Susanna Pass / 1949, Grant Withers em Vida de Circo / Trigger Jr. / 1950, Stephen Chase em Perseguindo Criminosos / El Passo Stampede / 1953 e uma dúzia de outros atores. Estima-se que ele tenha participado nos anos 40 e 50 de mais de 200 filmes. Sua carreira em Hollywood durou quase cinquenta anos, destacando-se entre seus últimos trabalhos títulos como Spartacus / Spartacus / 1960,  Desafio à Bala / Requiem for a Gunfighter / 1965, Se o Meu Fusca Falasse / The Love Bug / 1968 e Encurralado / Duel / 1971, o filme de televisão de Steve Spielberg com Dennis Weaver. Dale foi um dos fundadores da Stuntmen’s Association of Motion Pictures.

No seu livro In The Nick of Time – Motion Picture Sound Serial (McFarland, 1984), William C. Cline, um dos mais renomados estudiosos dos seriados, relaciona – além dos dublês que já citei – muitos outros stuntmen, que ele chama magnificamente de “Filhos da Aventura”. Entre eles: Carey Loftin e Harvey Parry (mestres nas cenas arriscadas de automóvel e motocicleta); Bud Osborne, Terry Wilson e Frank McGrath (especialistas em cenas idênticas com cavalos e carruagens desenfreados), Joe Yrigoyen e seu irmão Bill (peritos na transferência de uma sela para uma carroça em movimento): Kermit Maynard (um dos melhores cavaleiros nos filmes dos anos trinta, que dublava seu irmão Ken); Dick Crockett e Charles Horvath (atletas sensacionais nas  quedas  de uma grande altura); Saul Gross e Paul Stader (respectivamente notados por sua agilidade nas lutas de esgrima e cenas de natação e/ou mergulhos no mar de uma grande altura); Harold “Stubby” Kruger, natural do Havaí e competidor olímpico, especializado em ambas as ditas modalidades; Fred Graham, Eddie Parker, Ken Terrell, Duke Green, Bud Geary, Al Taylor, Bud Wolfe, John Bagni (responsáveis por  memoráveis cenas de briga) e ainda Jack Williams, Ken Cooper, Jack Wilsey, John Daheim, Wally MacDonnell, Otto Mazetti, Chuck Roberson, Bill Williams, Chuck Hayward etc. Brownlow nomeou outros tantos da cena muda: Charles Hutchinson, Jean Perkins, Cliff Bergere, John Stevenson, Leo Noomis. Sem falar nas dublês femininas: Lila Finn, Martha Crawford, Pauline Wagner, Helen Gibson, Helen Thurston, PollyBurson, BabeDeFreest.

É difícil imaginar o que os seriados, os westerns, os filmes de aventura, e até o cinema em geral, seriam sem eles.

FILME DOCUMENTÁRIO AMERICANO 1920-1940

O documentário é uma das três modalidades básicas da criação cinematográfica, sendo as outras a ficção narrativa e a vanguarda experimental. Antes dos anos vinte foram realizados documentários ocasionais (vg. In the Land of the Head Hunters / 1914 e In the Land of the War  Canoes / 1914 de Edward S. Curtis), mas estes não constituíram um  gênero  significativo.

No decorrer da década, entretanto, o documentário atingiu uma nova estatura, na medida em que ficou identificado com o cinema artístico. Podemos distinguir três tendências principais nos documentários daquela época: o exotismo, o registro direto da realidade e a compilação.

O documentário exótico foi particularmente importante nos Estados Unidos. Ele chamou a atenção do público em 1922 com a exibição de Nanook do Norte / Nanook of the North / 1922 de Robert Flaherty.

Nascido no Michigan, de origem irlandesa, Flaherty era filho do proprietário de uma mina de ferro no Canadá.  Ainda criança, acompanhava seu pai nas suas prospecções, vivendo meses na companhia de mineiros e índios. Ali nasceu seu gosto pela natureza e pelos grandes espaços.

Em 1910, aos vinte e seis anos de idade, Flaherty foi contratado por Sir William Mackenzie, o construtor Canadian Northern Railway, para procurar jazidas de ferro na área da baía de Hudson. Na sua segunda e terceira expedição, nos anos de 1914 e 1915, Flaherty levou uma câmera cinematográfica e filmou a vida dos esquimós. Em uma quarta expedição, obteve mais imagens porém os negativos foram destruídos em um incêndio. Flaherty convenceu-se de que o desastre fôra benéfico, porque não estava satisfeito com o filme, que parecia um travelogue – “uma cena disto e daquilo, nenhuma relação entre elas, nenhum enredo”.

Ele então decidiu voltar ao Grande Norte e fazer um filme diferente, centralizado em um esquimó e sua família, revelando eventos característicos de suas vidas, com a intenção de evocar o espírito de um povo esquecido.

Flaherty obteve o patrocínio da firma francêsa Revillon Frères e partiu novamente para a baía de Hudson. Como personagem principal de seu filme, ele escolheu Nanook, um caçador da nação inuíte (chamado na realidade Allariallak), que era solteiro, e lhe deu duas mulheres e dois filhos postiços.

Allariallak e seus companheiros encenaram a caçada das morsas para a câmera mas ela era anacrônica, pois os inuítes aparecem usando arpões e facas quando, na época em que o filme foi feito, eles dispunham de armas de fogo. Para registrar imagens no interior do iglu de Nanook,  Flaherty retirou a calota gelada do teto e rodou a céu aberto as cenas em que a família esquimó apareceu dormindo. Para exprimir sua visão, o cineasta utilizou  todos os procedimentos do cinema de ficção: decupagem, direção de atores, construção dramática, reconstituição de acontecimentos etc.

O filme de Flaherty foi chamado de “romântico” pelo fato de não estar refletindo a vida corrente daquelas pessoas mas a imagem que elas tinham de sua vida tradicional. Entretanto, como observou Erik Barnouw  (Documentary – A History of Non-Fiction Film, Oxford University, 1993), “a auto-imagem de um povo pode ser um ingrediente crucial em sua cultura e digno de ser registrado. Os antropologistas, embora conscientes da lente distorcida, a estudam com carinho. E, com efeito, foi o que Flaherty fez”.

Em toda a sua obra, Flaherty comportou-se mais como um artista do que como um documentarista. Ou melhor, seus documentários são poéticos e pouco têm a ver com o que chamamos hoje de documentário, o qual exige o respeito absoluto dos dados brutos da matéria filmada no momento,  e nos lugares em que ela é captada pela câmera. Como ele próprio comentou: “One often has to distort a thing to catch its own value” (Muitas vezes a gente tem que distorcer uma coisa para captar seu verdadeiro valor).

As grandes companhias de Hollywood recusaram-se a distribuir Nanook do Norte, porém a companhia independente Pathé Exchange exibiu-o no Cinema Capitol de Nova York. O filme fez grande sucesso nos Estados Unidos e teve um êxito substancial no exterior, sendo aclamado por quase todos os críticos.

Em consequência, a Paramount patrocinou a expedição de Flaherty a Samoa, para dirigir um filme semelhante, Moana. Ele partiu em 1923 e verificou que os nativos haviam adotado costumes ao estilo ocidental. Flaherty persuadiu seus “atores” a voltar a usar seus trajes tradicionais a fim de incutir drama no filme, reencenando um doloroso e obsoleto ritual de tatuagem. A esta altura, Flaherty já havia adquirido o hábito de ultrapassar o tempo previsto para a filmagem e filmar quantidades imensas de celulóide. Moana (que recebeu o título estranhíssimo em português de O Homem Perfeito) só ficou pronto para o lançamento em 1926 e não obteve o mesmo sucesso de Nanook do Norte.

Embora nenhum movimento ou escola tivesse se formado em torno dele, o exemplo de Flaherty foi seguido de uma maneira geral por outros americanos que focalizaram a vida de povos-primitivos. A dupla Ernst B. Schoedsack e Merian C. Cooper realizou Náufragos da Vida / Grass, A Nation’s Battle for Life / 1925 (também financiado e distribuído pela Paramount), que registrava uma migração perigosa de nômades iranianos  pelas montanhas da Persia à procura de pastagens para seus rebanhos. A travessia do caudaloso rio Karun, com perdas de vidas entre homens, mulheres, crianças, cabras, ovelhas, macacos, cavalos, proporcionou uma das mais espetaculares sequências jamais filmadas. Porém, como observou Barnouw, os migrantes continuaram sendo uma massa de estranhos para o público, nenhum retrato individual emergiu deles. E a ênfase final não recaiu sobre o que eles haviam suportado mas – em uma impetuosa exibição de egoísmo –  no feito heróico dos realizadores.

Ainda sob encomenda da Paramount, a mesma dupla realizou Chang / Chang / 1927, um relato – que parece ter sido pre-planejado em Hollywood – sobre uma família das selvas siamêsas lutando pela sobrevivência contra animais hostís. Em uma cabana construída sobre pilotis, vivem Kru, sua mulher, seus três filhos e o macaco Bimbo. Uma pantera ataca a cabra de Kru, e um tigre mata seu búfalo.  Kru reúne os homens de uma aldeia próxima, para caçar os felinos, que são abatidos. Pouco tempo depois, a família descobre seu campo de arroz devastado, e o rastro de Chang, um filhote de elefante. Kru prepara uma armadilha para capturá-lo, com a intenção de domesticá-lo. Porém, subitamente, a mãe do elefantezinho surge para libertar seu filhote e destrói a morada de Kru. A família atravessa a selva e vai buscar refúgio na aldeia. E então aparece um perigo maior: uma grande manada de elefantes. Filmado na nova técnica do Magnascope, e exibida com um score especial de Hugo Riesenfeld, Chang foi um grande sucesso crítico e financeiro. Posteriormente, os dois cineastas levariam seu interesse pelo exótico para um filme totalmente de ficção, o imensamente exitoso King Kong / King Kong / 1933.


Na primeira metade do século vinte, Martin (Martin Elmer Johnson) e Osa Johnson (Osa Helen Johnson) captaram a imaginação do público através de seus filmes e livros de aventura em terras exóticas e distantes. Em 1917, já tendo feito um travelogue em 1912, o casal partiu para as ilhas Novas Hébridas e Salomão, onde filmaram seu encontro com uma tribu chamada Big Nambas, de uma das ilhas do arquipélago Novas Hébridas, Malakula. Com o material filmado, fizeram Among the Cannibal Isles of the South Seas / 1918. Entre seus filmes mais conhecidos podem ser citados: Jungle Adventures / 1921, Headhunters of the South Seas / 1922, Entre Bichos e Feras AfricanasTrailing African Wild Animals /1923, Simba / Simba, King of the Beasts/ 1928, Across the World with Mr. and Mrs. Johnson / 1930, Congorilla Congorilla / 1932, Wonders of the Congo / 1934, Baboona / Baboona / 1935, Bornéo / Borneo / 1937.



O tom predominante nas suas realizações era a auto-glorificação. Os Johnsons estavam constantemente diante das câmeras em sequências demonstrando a sua coragem e o seu humor. Sua idéia de humor, por exemplo, era dar um charuto para um pigmeu e aguardar até que ele ficasse enjoado; ou dar para um outro pigmeu uma bola para ele assoprar e ver sua reação quando ela explodia; ou dar cerveja para um macaco e ver o resultado.  Durante uma tomada de um crocodilo abrindo sua mandíbula, a narração de Johnson comentava: “Nossa, que lugar para se jogar lâminas de barbear velhas”. Martin faleceu em um desastre de avião. Osa ficou gravemente ferida no acidente. Mais tarde prestou assistência a Henry King na filmagem de As Aventuras de Stanley e Livingstone / Stanley and Livingstone / 1939. Em 1940, ela produziu Casei-me com a Aventura / I Married Adventure, cinebiografia de sua vida com Martin (traduzida para o português e lançada pela  Editôra José Olympio) e, em 1942, African Paradise.

Na mesma linha, o caçador e “colecionador de animais selvagens”, Frank Buck (Frank Howard Buck) ajudou a encher vários jardins zoológicos e ficou muito conhecido pelo seu best seller “Bring Em Back Alive”. Em 1932, ele foi ator e narrador de um documentário passado nas selvas da Malásia, com o mesmo título do seu livro. O filme (que passou noBrasil com o título de Agarrem-nos Vivos), dirigido por Clyde E. Elliott e fotografado por Nick Cavaliere e Carl Burger, combinava trechos engraçados (vg. a vã tentativa dos nativos de transportar um filhote de elefante capturado) e cenas das lutas entre as grandes feras, inoculadas com efeitos sonoros e quase sempre pre-planejadas. A passagem mais longa e excitante era o confronto entre um tigre e uma cobra pitão, que deixava o público quase sem fôlego. Buck participou ainda de mais dois documentários, Carga Selvagem / Wild Cargo / 1934 e Unhas e Dentes Fang and Claw / 1935 e de uma compilação desses três filmes citados (Aventuras na Selva / Jungle Cavalcade / 1941). Depois, funcionou como narrador em Jacaré, o Assassino do Amazonas / Jacaré, The Killer of the Amazon / 1942 (com música de Miklos Rosza) e como ator em  Tiger Fangs / 1943) e no seriado, A Ameaça das Selvas / Jungle Menace / 1937.

Desde o seu início, o documentário americano de registro direto da realidade esteve profundamente envolvido com posições políticas, geralmente de esquerda, e abordou os temas principais dos anos trinta, como Depressão, o desemprêgo e a pobreza, o sindicalismo e a crescente ameaça do fascismo no exterior.

Em 1930, a Worker’s Film and Photo League, foi organizada em Nova York, com o objetivo de treinar diretores e fotógrafos para produzirem material de mídia que mostraria a “verdadeira imagem” da vida nos Estados Unidos, isto é, do ponto de vista marxista – uma imagem que não era revelada pelas agências de notícias, cine-jornais ou imprensa capitalista. Entre seus consultores ou associados estavam os fotógrafos Margaret Bourke-White, Berenice Abbott, Leo Hurwitz, Herbert Kline, Willard Van Dyke, Irving Lerner, Ralph Steiner e Paul Strand; Elia Kazan, ator e depois diretor de teatro e cinema; o dramaturgo Elmer Rice; os atores Burgess Meredith e James Cagney; Slavo Vorkapich, téorico do cinema e um especialista no montage. (sequência de montagem); Thomas Brandon,  futuro  distribuidor de filmes em 16mm para cineclubes e escolas.

Os primeiros filmes da Film and Photo League (ela depois retirou a palavra Worker’s da sua denominação) apenas registravam comícios, greves e marchas contra a fome que ocorriam por todo o país. (vg. National Hunger March / 1931, Hunger: The National Hunger March to Washington / 1932, Bonus March / 1932). A ausência de uma forma cinematográfica sofisticada era compensada por uma intensidade emocional e um compromisso político apropriado para o momento histórico no qual esses filmes estavam sendo realizados.

Outras atividades da Film and Photo League incluíam a realização de palestras em reuniões da esquerda, redação de críticas denunciando os filmes de Hollywood e a organização de protestos contra a exibição de filmes nazistas.

Como observaram Jack C. Ellis e Betsy A. McLane (em A New History of Documentary Film, Continuum, 2006), uma divisão crescente nesse grupo de esquerda desenvolveu-se entre os que queriam continuar apegados aos cine-jornais de agitação e propaganda e filmes polêmicos e aqueles que achavam que a causa da revolução (ou do progresso social – as intenções políticas variavam de pessoa a pessoa) poderiam ser melhor servidos por filmes com maior apelo estético e emocional. Este último contingente alegava que através da artisticidade fílmica eles poderiam de fato serem capazes de persuadir os não persuadidos, enquanto que as formas padronizadas e óbvias de propaganda que estavam sendo usadas eram essencialmente uma pregação para os que já haviam sido convertidos.

Em 1934, três membros importantes – Leo Hurwitz, Ralph Steiner e Irving Lerner – deixaram a Film and Photo League para formar a Nykino (obviamente uma abreviação russonizada para New York Cinema), da qual passaram a fazer parte também Lionel Berman, Sidney Meyers, Ben Maddow e Paul Strand. Pie in the Sky / 1934 com Elia Kazan, Molly Day Thatcher, Ralph Steiner e Irving Lerner, uma sátira às promessas feitas para os pobres durante a Depressão, foi o primeiro lançamento da Nykino. No mesmo ano, Paul Strand realizou Redes / 1937, documentário social encarregado pelo governo mexicano, trabalhando em colaboração com vários artistas como Carlos Chávez, Henwar Rodakiewicz e Fred Zinnemann. O assunto tratado era a revolta dos pescadores da região de Alvarado, explorados por um negociante sem escrúpulos. A Nykino tornar-se-ia subsequentemente a Frontier Films, cuja produção veremos adiante ao falarmos sobre os documentários não-governamentais.

Ao lado desses filmes patrocinados pela esquerda, um outro, A Marcha do Tempo / The March of Time, custeado pela direita (ou, no mínimo, pelo centro), representada pela Time-Life, Inc., ofereceu uma nova e diferente espécie de jornalismo cinematográfico, um cruzamento entre o cine-jornal e o documentário , usando sequências de atualidades, porém combinando-as com  dramatizações das notícias.

Eric Barnouw entende que a ambiência dos acontecimentos tal como descrita em A Marcha do Tempo era quase sempre inteiramente uma criação da Time e não tinha caráter de um “documentário” ou “cine-Jornal”. Henry Luce, o fundador da Time-Life, Inc., definia o estilo da série como “falsificação com submissão à verdade”. Louis de Rochemont dizia que era “jornalismo pictórico”. Quanto ao formato, seria uma revista cinematográfica, porque tinha o dobro (vinte minutos) da duração de um cine-jornal comum e oferecia uma cobertura mais aprofundada (e provocativa)  das histórias individuais.

A série cinematográfica foi precedida por um programa radiofônico semanal com o mesmo título, criado por Roy E. Larsen, gerente geral da revista Time (depois editor da revista Life e presidente da Time, Inc.), que também foi, de início, responsável pela série cinematográfica, posteriormente comandada por Louis de Rochemont.

O programa radiofônico, narrado alternadamente por Ted Housing, Westbrook Van Voohris e Harry Von Zell, usava atores profissionais para interpretar o papel de celebridades conhecidas, cujas vozes eram imitadas em recriações das notícias da semana. Entre os atores estavam Agnes Moorehead, Nancy Kelly, Jeanette Nolan (que costumavam interpretar Eleanor Roosevelt), Art Carney, Bill Adams and Staats Cotsworth (Franklin D. Roosevelt), Dwigth Weist (Adolph Hitler), Edwin Jerome (Josef Stalin), Ted de Corsia (Huey long,  Herbert Hoover, Mussolini), Maurice Tarplin (Winston Churchill), Gary Merrill, Ray Collins, Pedro de Cordoba, Porter Hall, Arnold Moss, Paul Stewart, Juano Hernandez, Everett Sloane, John McIntire e muitos outros (os nomes e personagens de todos estão relacionados em On the Air – The Encyclopedia of Old-Time Radio de John Duning  (Oxford University, 1998), inclusive o ainda muito jovem Orson Welles.

A série cinematográfica A Marcha do Tempo foi o protótipo americano do “documentário de compilação”, introduzido pioneirísticamente por Esfir (Esther) Shub na União Soviética (vg. Padenie dinasti Romanovykh / 1927). Através de sua narração, pronunciada em um tom apocalíptico por Westbrook Van Voorhis, referido sempre como “A Voz do Time” (e, às vezes, irreverentemente, como “A Voz de Deus”), era anunciada nas marquises dos cinemas antes do filme principal de longa-metragem. No auge de seu sucesso, no final dos anos trinta e nos anos da Segunda Guerra Mundial, foi vista nos Estados Unidos por mais de vinte milhões de pessoas por mês em nove mil salas de projeção e também distribuída internacionalmente, inclusive no Brasil. Em 1937, a série recebeu um Oscar da Academia por ter “revolucionado” os cine-jornais e seu estilo foi frequentemente imitado e parodiado, de maneira mais memorável por Orson Welles com o seu “News on the March” em Cidadão Kane / Citizen Kane/ 1941. Ao todo foram 204 edições regulares entre 1935 e 1951, distribuídas sucessivamente pela First Division, RKO e Twentieth Century-Fox, descritas pormenorizadamente no livro “The March of Time”, de Raymond Fielding ( Oxford University, 1978).

Em 1942, o produtor Frederic Ullman, Jr. desenvolveu para a RKO Assim é a America / This is America, série devotada primordialmente aos valores das pequenas cidades americanas. Nas suas 112 edições, abordou vários assuntos mas seu foco era limitado, quase sempre enfatizando a América tradicional.  Compunha-se de compilações de cine-jornais cobrindo os acontecimentos históricos nos Estados Unidos do final da Primeira Guerra Mundial até 1933. Os filmes tinham entre quinze e vinte minutos de duração e em quase todos o narrador, Allois Havrilla, falava como um cidadão comum, e não no estilo estentório de Van Voorhis, que caracterizava A Marcha do Tempo. Muitos episódios foram dirigidos por Richard Fleischer e pelo mestre de sequência de montagem, Vlavko Vorkapich.

A Film and Photo League e A Marcha do Tempo haviam sido precursores, de certa forma, porém o documentário no sentido institucional (ou no sentido de John Grierson) atraindo e educando os cidadãos para os assuntos do Estado – teve início em junho de 1935, quando Rexford Guy Tugwell, chefe da récem-formada Resettlement Administration, tomou a decisão de usar os filmes para interpretar  o programa e os objetivos da organização. A Resettlement Administration tinha como escopo ajudar os fazendeiros que estavam sendo obrigados a deixar suas terras por causa da terrível sêca nas Grandes Planícies, causada pelo Dust Bowl (fenômeno climático de tempestades de areia que atingiu os Estados Unidos na década de trinta e durou quase dez anos).

O crítico de cinema Pare Lorentz, convenceu Tugwell de que o que ele precisava era um novo tipo de filme dramático / informativo / persuasivo. Assim nasceu The Plow That Broke The Plains / 1936, marco do filme documentário americano, que abriu um novo caminho, juntando perfeitamente imagem pictórica, música sinfônica e verso livre poético, com muita artisticidade. Ideologicamente, ele resumia indelevelmente os esforços do New Deal de Franklin Delano Roosevelt. Foi o primeiro filme criado pelo Governo dos Estados Unidos para distribuição comercial.

Lorentz nunca havia feito um filme e contratou como cameramen Ralph Steiner, Paul Strand, Leo Hurwitz e Paul Ivano. O grupo começou a filmar em Montana e rumou para o Texas, seguindo as tempestades de areia que estavam transformando rapidamente milhões de hectares de terra de fazenda em um deserto. Como Lorentz não tinha um roteiro preciso, Strand e Hurwitz lhe propuseram um,  porém ele o rejeitou, porque seus dois companheiros, como esquerdistas, viam as tempestades não somente como uma catástrofe da natureza, mas como consequência do mal uso da terra por um sistema social voraz. Isso não ficava bem em um documentário patrocinado pelo governo.

Com o término das sequências de tempestade de areia, Lorentz dispersou sua equipe e partiu para Hollywood. Ele esperava descrever o pano de fundo histórico do Dust Bowl por meio de tomadas de arquivo, que os estúdios costumavam alugar por um determinado preço por metro de filme. Entretanto, as companhias haviam aparentemente adotado uma política de não cooperação com o governo – ou pelo menos com a administração Roosevelt. Felizmente, alguns artistas de Hollywood – notadamente King Vidor – não aprovavam a política dos estúdios e ajudaram Lorentz a conseguir as tomadas de arquivo de que necessitava (vg. as cenas da corrida do ouro com as carroças cobertas e as cenas da Primeira Guerra Mundial).

Lorentz contratou o montador Leo Zochling para ensiná-lo a editar o material filmado e começou uma colaboração com o compositor Virgil Thomson, que se tornou o elemento  chave de The Plough That Broke The Plains. Eles combinaram  perfeitamente imagens e música (folclórica e sinfônica) com palavras faladas (em verso livre poético pelo narrador Thomas Chalmers) e efeitos sonoros, obtendo um resultado emocionante. Como disse o musicólogo Neil Lerner, “ a colaboração entre Lorentz e Thomson rivaliza com a de Eisenstein e Prokofieff”. E, por falar no grande cineasta russo, é bem evidente sua influência nas cenas em que se alternam os tratores com os tanques de guerra.

Lorentz e Thomson trabalharam em outro documentário para o governo, The River / 1937, patrocinado pela Farm Security Administration. O filme contava a história do Rio Mississipi, mostrava a necessidade de um sistema de represas que controlasse as suas águas e propunha a Tennessee Valley Authority como um meio de tornar viáveis a terra devastada e as áreas  economicamente debilitadas.

No outono de 1936, Lorentz havia completado a pesquisa e contratado como cameramen Willard Van Dyke e Stacy e Horace Woodard, estes dois últimos depois substituídos por Floyd Crosby. O roteiro de Lorentz relacionava a Depressão com o excesso de cultivo e urbanização do vale do Mississipi, deixando a região imprópria para a agricultura e gerando os americanos sem moradia, sem roupa e sem comida.

Thomson conjugou hinos (“Yes, Jesus Loves Me”), música folclórica (“Go Tell Aunt Rhody”) e canções populares (“Hot Time  in the Old Town Tonight”), e a voz  sonora de Thomas Chalmers assumiu um estilo encantatório, reminiscente de Walt Whitman – e também do documentário russo Turksib / 1929, conhecido por todos os participantes do projeto. No texto falado, as palavras “we built a hundred cities and a thousand towns”, foram usadas como refrão. Lorentz referia-se ao filme como uma “ópera”, que também incluía tomadas de arquivo  de  dois filmes de Hollywood: Meu Filho é Meu Rival / Come and Get It / 1936  e Magnólia / Showboat / 1936 bem como de cine-jornais.

The River obteve um sucesso crítico e comercial estrondoso. A Paramount Pictures aceitou-o para distribuição nacional. O script de Lorentz, um poema Whitmaniano, chamado por James Joyce de “a prosa mais linda que ouví em muito anos”, foi indicado para o Pulitzer Prize. Competindo com OlimpíadasMocidade Olímpica /Olympia / 1938 de Leni Riefenstahl, ganhou o prêmio de Melhor Documentário no Festival de Veneza de 1938.

Devido ao êxito de The River, Lorentz pôde persuadir a administração Roosevelt (com o apoio do próprio presidente, que gostara muito do filme) a criar o United States Film Service em 1938. A primeira realização do U.S. Film Service foi The Fight for Life / 1940, produzida pelo U.S. Public Health Service. Escrito e dirigido por Lorentz e fotografado por Floyd Crosby, o filme foi baseado em um livro do Dr. Paul de Kruif, que popularizou assuntos médicos e científicos e trata das atividades do Chicago Maternity Center, providenciando cuidados pré-natais para mães e partos em casas de famílias pobres. A música, composta por Louis Gruenberg era inovadora, incluindo o uso de blues enquanto um médico jovem passeia pelas ruas da cidade à noite e o elenco misturava não atores com atores como Will Geer. Com duração de longa-metragem, The Fight for Life era um semi-documentário e pode ser considerado um precursor dos semi-documentários de Hollywood do pós guerra como A Casa da Rua 92 / The House on 92nd Street / 1945, O Justiceiro / Boomerang / 1947 e Sublime Devoção / Call Northside 777 / 1948.

A próxima produção do U.S. Service, Power and the Land / 1940, distribuída pela RKO, foi patrocinada pela Rural Electrification Administration e pelo Departamento de Agricultura. Joris Ivens, o documentarista holandês que vivia nos Estados Unidos,  dirigiu; Helen van Dongen, sua esposa na época, montou o filme; Floyd Crosby e Arthur Ornitz o fotografou; Stephen Vincent Benet escreveu o comentário e Douglas Moore compôs a trilha musical. O objetivo do documentário era persuadir os fazendeiros a organizarem cooperativas, a fim de obterem a energia fornecida pelo governo.  Vemos os fazendeiros  trabalhando antes deles terem eletricidade e depois.

O documentário seguinte, The Land / 1941, argumentando que as práticas cientificas e máquinas modernas tornariam as terras mais produtivas. foi concebido e dirigido por Robert Flaherty, retornando à América após passar uma década na Grã Bretanha. A montagem ficou à cargo de Helen van Dongen, a fotografia aos cuidados de Irving Lerner, Douglas Baker, Floyd Crosby e Charles Herbert, Richard Arnell encarregou-se da música e o próprio Flaherty escreveu e leu o comentário.

The Land nunca foi exibido em cinemas e o U.S. Film Service terminou, segundo Robert Snyder (Pare Lorentz and the Documentary Film, University of Oklahoma, 1968) devido a vários motivos: antagonismo e antipatia do Congresso com relação a ele; falta de apoio do governo (Roosevelt agora estava mais preocupado com assuntos internacionais); oposição do público e do Congresso contra as atividades de propaganda do governo  (descontentes porque The Plough That Broke The Plains retratara os Estados do sudoeste e do oeste como desertos); oposição de Hollywood.

Na área dos documentários não governamentais (como haviam sido os da Film Photo League e A Marcha do Tempo), a Frontier Film (na qual se metamorfoseara a Nykino) e a Contemporary Film Historians, Inc., formada por um grupo de escritores que incluía John Dos Passos, Ernest Hemingway, Archibald Mac Leish, Dorothy Parker e Lilliam Hellman, preocuparam-se mais ainda do que A Marcha do Tempo, com a ameaça do fascismo na Europa e as conquistas imperialistas japonesas na Ásia. Vários filmes foram feitos sobre a Guerra Civil Espanhola, apoiando a causa Legalista: na Frontier Films, Heart of Spain / 1937 e Return to Life / 1938; na Contemporary Film Historians,  The Spanish Earth / 1937.

O mais ambicioso e o mais visto dos documentários sobre a Guerra Civil Espanhola foi The Spanish Earth, dirigido por Joris Ivens, fotografado por John Ferno, montado por Helen Van Dongen, escrito e narrado por Ernest Heminghway e com arranjos musicais de Marc Blitzstein e Virgil Thomson baseado em melodias folclóricas espanholas.

Como notaram Jack Ellis e Betsy McLane, Hemingway comenta as imagens que estamos vendo como se estivéssemos assistindo o filme junto com ele. “Não consigo ler alemão também”, ele diz, quando aparecem palavras gravadas em pedaços de um bombardeiro germânico abatido por um avião de combate Legalista. Estes são identificados como o povo em oposição a Franco e seus estrangeiros – Alemães, Italianos, mercenários Mouros e a Guarda Civil. As palavras de Hemingway são fortalecidas por close-ups dos rostos de soldados, mulheres chorando, crianças. A informalidade e a natureza democrática desse exército de cidadãos são evidentes assim como sua camaradagem e solidariedade. Nunca vemos os rebeldes; eles permanecem um inimigo sem face.

Quanto a filmes abordando a defesa da China contra as agressões japonesas, a Frontier Films fez China Strikes Back / 1937 e a Contemporary Film Historians,  The Four Hundred Million / 1939; quanto à crise de Munich de 1938, podemos citar Crisis / 1938 e Lights Out of Europe / 1938, produzidos e dirigidos por Herbert Kline e co-dirigido por Alexander Hackenschmied (depois Hammid quando emigrou para os Estados Unidos).

No que se refere a documentários não governamentais versando sobre assuntos domésticos, a maioria tinha “tendências progressivas” e lidava com temas de particular interesse da esquerda política, como sindicalismo em People of the Cumberland / 1938, United Action / 1939 e, principalmente no longa-metragem, Native Land / 1939 (mas lançado somente em 1942), dirigido e escrito por Leo Hurwitz e Paul Strand, fotografado por Strand, com música de Marc Blitzstein, narração de Paul Robeson e o ator Howard da Silva, interpretando um lastimável espião no meio trabalhista a serviço dos patrões.

Outro tema tratado foi o do planejamento urbano. A Place to Live / 1939, enfocou de maneira convincente a derrubada de cortiços em Filadélfia e The City / 1939 fomentou o conceito de comunidades localizadas em um cinturão verde, separado dos grande centros urbanos.

Exibido com grande êxito na New York World’s Fair de 1939, The City, dirigido por Ralph Steiner e Willard Van Dyke, e patrocinado pelo American Institute of City Planners, contou com o comentário de Lewis Mumford (que foi lido por Morris Carnovsky) e com a colaboração do grande compositor, Aaron Copland. The City apresenta vinhetas cômicas vislumbradas por câmeras escondidas combinadas com ritmo rápido, produzindo entretenimento além da informação. Em uma cena célebre, um café automático serve comida para os fregueses como se eles estivessem em uma linha de montagem.

Alguns documentários cuidaram do desemprego. (Valley Town / 1940) e da educação (And So They Live /  1940, The Children Must Learn / 1940 e One Tenth of a Nation / 1940 este, chamando a atenção para a necessidade de melhores escolas para os negros do Sul.

Como resumiu Richard M. Barsam (Non-Fiction Film – A Critical History, Indiana University, edição revista e ampliada de 1992), o filme de não-ficção floresceu nos Estados Unidos durante os anos trinta com vários diretores emergindo como líderes (Flaherty, Ivens, Lorentz, Van Dyke). Experimentações com fotografia, som, narração, música e cor ajudaram a expandir as potencialidades dos documentários. Avanços no modo de financiamento e distribuição tornaram os filmes mais facilmente disponíveis para o grande público e aumentaram o interesse deste  por filmes que alargam o seu conhecimento e ajudam a formar opiniões sobre os acontecimentos contemporâneos.

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial em 1939, o filme americano de não-ficção, que foi desenvolvido quase à plena maturidade durante os anos trinta, assumiria novas responsabilidades e criaria novas formas cinematográficas.