Arquivo mensais:agosto 2013

SERIADOS MUDOS AMERICANOS E EUROPEUS NO BRASIL I

Nos anos sessenta, chegou-me às mãos, por intermédio de Gil Araujo, saudoso guardião da memória cinematográfica, uma relação dos seriados mudos americanos e europeus exibidos no Brasil, elaborada, em décadas anteriores, por um grupo de veteranos estudiosos dos filmes antigos, entre os quais se incluiam Pery Ribas, Fernando Pedreira, Walter Finger, Alex Viany, Michel do Espirito Santo, Antonio Cardoso e Rozendo Marinho. Os cinco últimos eu conhecí pessoalmente. Era um trabalho valioso, principalmente no que dizia respeito aos títulos em português dos seriados e achei que seria muito importante preservá-lo, a fim de que pudesse servir a futuros estudos sobre a exibição de filmes em nosso país.

Com base em variadas fontes, como o Catalog of Copyright Entries  da Biblioteca do Congresso Americano (1912-1939); Serials and Series de Buck Rainey (para o qual  o brasileiro José Simões Filho prestou uma assistência significativa); Bound and Gagged – The Story of the Silent Serials e Continued Next Week de Kalton C. Lahue; French Cinema – The First Wave 1915-1929 de Richard Abel e outros, bem como jornais brasileiros da época, fiz uma revisão da dita relação, corrigindo erros e/ou omissões.

Extirpei filmes que costumam ser classificados como seriados, mas que na realidade são séries, porque não existia conexão entre os episódios e quase sempre não terminavam por um lance de suspense (cliffhanger) como as séries francêsas Main de Fer, Nick Winter, Nick Carter, Rocambole, Zigomar, Fantomas; a inglêsa Dick Turpin, a italiana Maciste com Bartolomeo Pagano; a alemã Ramara com o personagem Phantomas; as americanas de Mary Fuller e As Façanhas de Helen / The Hazards of Helen / 1914 etc. – porém mantive alguns filmes exibidos em três ou mais partes, cujos episódios tinham uma ligação entre si.

1913

AS AVENTURAS DE KATHLYN  ou  AS AVENTURAS DE CATARINA / THE ADVENTURES OF KATHLYN / Selig. Kathlyn Williams, Tom Santschi, Charles Clary. 13 ep.

1914

OS MISTÉRIOS DE NOVA YORK / THE EXPLOITS OF ELAINE / Pathé. Pearl White, Creighton Hale, Arnold Daly. 14 ep.

A RAPARIGA MISTERIOSA / LUCILLE LOVE, GIRL OF MYSTERY / Universal. Francis Ford, Grace Cunnard, Harry Schumm. 15 ep.

THE MAN WHO DISAPPEARED / Edison. Marc MacDermott, Barry O’Moore, Miriam Nesbitt. 10 ep.

A CHAVE MESTRA / THE MASTER KEY / Universal. Robert Leonard, Ella Hall, Harry Carter. 15 ep.

O MISTÉRIO DE UM MILHÃO DE DÓLARES / THE MILLION DOLLAR MYSTERY / Thanhouser. Florence LaBadie, Marguerite Snow, James Cruze. 23 ep.

AS AVENTURAS DE ELAINE / THE PERILS OF PAULINE / Pathé. Pearl White, Crane Wilbur, Paul Panzer. 20 ep. Obs. A rigor, trata-se de uma série porém, cf. Kalton C. Lahue,  pode ser classificado como seriado, porque alguns episódios terminavam por um lance de suspense.

OS TRÊS CORAÇÕES / THE TREY O’ HEARTS / Universal. Cleo Madison, George Larkin, Edward Sloman. 15 ep.

ZUDORA ou O MISTÉRIO DOS 20 MILHÕES DE DÓLARES / ZUDORA. Obs. Após o décimo capítulo, o título original mudou para  THE TWENTY MILLION DOLLAR MYSTERY / Thanhouser. James Cruze, Marguerite Snow, Harry Benham. 20 ep. Como me informou Sergio Leemann, em São Paulo foi lançado como O Detetive Misterioso.

1915

THE ROAD TO STRIFE / Lubin. Crane Wilbur, Mary Charleson, Jack Standing.15 ep.

A CAIXA NEGRA / THE BLACK BOX / Universal. Herbert Rawlinson, Anna Little, William Worthington. 15 ep.

NEAL OF THE NAVY / Balboa (Pathé). William Courtleigh, Jr., Lillian lorraine, William Conklin. 14 ep.

THE GODDESS / Vitagraph. Anita Stewart, Earle Williams, Paul Scardon. 15 ep.

RUNAWAY JUNE / Reliance. Norma Phillips, J.W. Johnston,Myra Brooks. 15 ep.

A MOEDA PARTIDA / THE BROKEN COIN / Universal. Francis Ford, Grace Cunnard,  Harry Schumm. 22 ep.

O DIAMANTE DO CÉU / THE DIAMOND FROM THE SKY / North American. Lottie Pickford, Irving Cummings, William Russell. 30 ep.

THE FATES AND FLORA FOURFLUSH (THE TEN BILLION DOLLAR VITAGRAPH MYSTERY SERIAL) / Vitagraph. Clara Kimball Young, Charles Brown, L. Rogers Lytton. 3 ep.

MULHER AUDACIOSA / THE GIRL AND THE GAME  / Signal (Mutual). Helen Holmes, J. P. McGowan, Leo Maloney. 15 ep.

OS MISTÉRIOS DE NOVA YORK / THE NEW EXPLOITS OF ELAINE / Pathé. Pearl White, Creighton Hale, Arnold Daly. 10 ep.

O MISTÉRIO DA MALHA RUBRA ou O ESTIGMA / THE RED CIRCLE / Pathé. Ruth Roland, Frank Mayo, Gordon Sackville. 14 ep.

OS MISTÉRIOS DE NOVA YORK / THE ROMANCE OF ELAINE / Pathé. Pearl White, Creighton Hale, Arnold Daly. 12 ep.

OS VAMPIROS / LES VAMPIRES / Gaumont. Edouard Mathé, Musidora,  Marcel Levesque, Jean Aymé, Stacia Napierkowska. 10 ep.

1916

A FILHA DO CIRCO / THE ADVENTURES OF PEG O’THE RING / Universal. Francis Ford, Grace Cunnard, G. Raymond Nye. 15 ep.

OS ESTRANGULADORES DE NOVA YORK ou OS MISTÉRIOS DA MANCHA VERMELHA / THE CRIMSON STAIN MYSTERY / Consolidated  (Metro). Maurice Costello, Ethel Grandin, Thomas J. McGrane. 16 ep.

GLORIA’S ROMANCE / O ROMANCE DE GLÓRIA / Kleine. Billie Burke, David Powell, William Roselle. 20 ep.

THE GRIP OF EVIL / Pathé.Jackie Saunders, Roland Bottomely, Charles Dudley. 14 ep.

THE SECRET KINGDOM / Vitagraph. Charles Richman, Dorothy Kelly, Arline Pretty. 15 ep.

O ENIGMA DA MÁSCARA ou A GARRA DE FERRO / THE IRON CLAW / Pathé. Pearl White, Creighton Hale, Sheldon Lewis. 20 ep.

LASS OF THE LUMBERLANDS / Signal (Mutual).  Helen Holmes, Thomas Lingham, Leo Maloney. 15 ep.

A HERANÇA FATAL / LIBERTY, A DAUGHTER OF THE U.S.A. / Universal. Marie Walcamp, Jack Holt, Eddie Polo. 20 ep.

OS MISTÉRIOS DE MYRA ou OS MISTÉRIOS DA SEITA NEGRA / THE MYSTERIES OF MYRA / International (Pathé). Jean Sothern, Howard Eastabrook, Allen Murname. 15 ep.

O CORREIO DE WASHINGTON / PEARL OF THE ARMY / Pathé. Pearl White, Ralph Kellard, Marie Wayne. 15 ep.

A MÁSCARA VERMELHA / THE PURPLE MASK / Universal. Francis Ford, Grace Cunnard, Jean Hathaway. 16 ep.

O SEGREDO DO SUBMARINO / THE SECRET OF THE SUBMARINE / American (Mutual). Juanita Hansen, Thomas Chatterton, George Clancy. 15 ep.

THE SEQUEL TO THE DIAMOND FROM THE SKY / American (Mutual). William Russell, Charlotte Burton, Rhea Mitchell. 4 ep.

RAVENGAR / THE SHIELDING SHADOW / Pathé. Grace Darmond, Leon Bary, Ralph Kellard. 15 ep.

O ENIGMA DO SANGUE / THE STRANGE CASE OF MARY PAGE / Essanay. H.B. Walthall, Edna Mayo, Ernest Cossart. 15 ep.

O PERIGO AMARELO ou OS CRIMES DA QUADRILHA TONG FOO / THE YELLOW MENACE / Serial (Unity Sales). Edwin Stevens, Florence  Malone, Margaret Gale. 16 ep.

OS LADRÕES DO GRANDE MUNDO / LOS LADRONES DEL GRAN MUNDO / Royal. Margarida Miró, Lucilla Porres, Pablo Frou. 5 ep.

HOMÚNCULO / HOMUNCULUS / Deustsche Bioscop. Olaf Föens, Friedrich KÜhene, Ernst Ludwig. 6 ep.

1917

JÓIA FATAL / THE FATAL RING / Pathé. Pearl White, Earle Fox, Warner Oland. 20 ep.

O RASTRO SANGRENTO / THE FIGHTING TRAIL / Vitagraph. William Duncan, Carol Holloway, George Holt. 15 ep.

O TELEFONE DA MORTE ou A VOZ FUNESTA / THE VOICE ON THE WIRE / Universal.  Ben Wilson, Neva Gerber, Joseph W. Girard. 15 ep.

THE LOST EXPRESS / Signal. Helen Holmes, Leo Maloney, Thomas G. Lingham. 15 ep.

O ÁS DE OUROS / THE RED ACE / Universal. Marie Walcamp, Larry Peyton, L.M. Wells. 16 ep.

THE RAILROAD RAIDERS / Signal  (Mutual). Helen Holmes, Leo Maloney, William Brunton. 15 ep.

O FANTASMA PARDO / THE GRAY GHOST / Universal. Harry Carter, Priscilla Dean, Emory Johnson. 16 ep.

O GRANDE SEGREDO / THE GREAT SECRET / Serial (Metro). Francis X. Bushman, Beverly Baine, Fred R. Stanton. 18 ep.

THE RAILROAD RAIDERS / Signal (Mutual).Helen Holmes,  Leo Maloney, William Brunton.15 ep.

A MÃO DO DIABO / THE HIDDEN HAND / Pathé. Doris Kenyon, Sheldon Lewis, Mahlon Hamilton. 15 ep.

JIMMMY DALE ALIAS THE GREY SEAL / Monmouth (Mutual). Elmo Lincoln, Edna Hunter, Doris Mitchell. 16 ep.

O MISTÉRIO DA DUPLA CRUZ / THE MYSTERY OF THE DOUBLE CROSS / Pathé. Mollie King, Leon Bary, Ralph Stuart. 15 ep.

O NAVIO FANTASMA / THE MYSTERY SHIP / Universal. Neva Gerber, Ben Wilson, Duke Worne. 18 ep.

A ESPOSA DESPREZADA / THE NEGLECTED WIFE  / Pathé. Ruth Roland, Roland Bottomley, Corinne Grant. 15 ep.

PATRIA / PATRIA  / International Film Service (Pathé). Irene Castle, Milton Sills, Warner Oland. 15 ep.

AS SETE PÉROLAS / THE SEVEN PEARLS / Pathé. Mollie King, Creighton Hale, Leon Bary. 15 ep.

A VINGANÇA E A MULHER. / VENGEANCE AND THE WOMAN / Vitagraph. William Duncan, Carol Holloway, George Holt. 15 ep.

QUEM É O NÚMERO UM? / WHO IS NUMBER ONE?  / Paramount. Kathleen Clifford, Cullen Landis, Gordon  Sackville. 15 ep.

JUDEX / JUDEX / Gaumont. René Cresté, Musidora, Yvette Andreyor. 12 ep.

A QUADRILHA DOS RATOS CINZENTOS ou O ETERNO ZA LA MORT / I TOPI GRIGI / Tiber. Emilio Ghione, Kally Sambucini, Albert-Francis Bertone. 8 ep.

O TRIÂNGULO AMARELO / IL TRIANGOLO GHIALLO / Tiber. Emilio Ghione, Kally Sambucini, Odette De Virgili. 4 ep.

OS MISTÉRIOS DE PARIS / PARIGI MISTERIOSA / Caesar. Olga Benetti, Alfredo Bracci, Lea Giunchi. 4 ep.

MEFISTO, O HOMEM MISTERIOSO / MEFISTO / Studio Film. Lola Paris, Baltasar Banquells, Blanca Valoris. 12 ep.

A SEITA DOS MISTERIOSOS / LA SECTA DE LOS MISTERIOSOS / Hispano. José Durany, Joaquin Carrasco, Helena Bernis. 3 ep.

1918

A BALA DE BRONZE /THE BRASS BULLET / Universal. Juanita Hansen, Jack Mulhall, Josep W. Girard. 18 ep.

CODY, O INVENCÍVEL  ou  ROLLEAUX , O INVENCÍVEL / BULL’S EYE / Universal. Eddie Polo, Vivian Reed, Frank Lanning. 18 ep.

A DAUGHTER OF UNGLE SAM / Jaxon (General Film Corporation). Jane Vance, William Sorelle, Henry Carleton. 12 ep.

OS OLHOS DA ÁGUIA / THE EAGLE’S EYE  / Wharton – American. King Baggot, Marguerite Snow, Bertram Marburgh. 20 ep.

A LUTA PELOS MILHÕES / A FIGHT FOR MILLIONS / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Joe Ryan. 15 ep.

O CAVALEIRO FANTASMA ou A PRINCESA INCA / HANDS UP / Pathé. Ruth Roland, George Chesebro, George Larkin. 15 ep.

A CASA DO ÓDIO / THE HOUSE OF HATE / Pathé. Pearl White, Antonio Moreno, Peggy Shanor. 20 ep.

A MÁSCARA SINISTRA / THE IRON TEST / Vitagraph. Antonio Moreno, Carol Holloway, Barney Furey. 15 ep.

TIH -MINH / Gaumont. Mary Harald, René Cresté, Georges Biscot. 12 ep.

NAS GARRAS DOS LEÕES / THE LION’S CLAW / Universal. Marie Walcamp,  Roy Hanford, Neal Hart.  18 ep.

SEDUÇÃO DO CIRCO / LURE OF THE CIRCUS / Universal. Eddie Polo, Eileen Sedgwick, Harry Carter. 18 ep.

O SILÊNCIO MISTERIOSO / THE SILENT MYSTERY / Burston. Francis Ford, Mae Gaston, Rosemary Theby. 15 ep.

OS MENSAGEIROS DA MORTE / WOLVES OF KULTUR / Pathé. Leah Baird, Charles Hutchinson, Sheldon Lewis. 15 ep.

EM PALPOS DE ARANHA / A WOMAN IN THE WEB / Vitagraph. Hedda Nova, J. Frank Glendon, Robert Bradbury. 15 ep.

A NOVA MISSÃO DE JUDEX / LA NOUVELLE MISSION DE JUDEX / Gaumont. René Cresté, Marcel Levesque, Yvette Andreyor. 12 ep.

O CONDE DE MONTE-CRISTO / LE COMTE DE MONTE-CHRISTO / Film d’Art. Léon Mathot, Nelly Cormon, Alexander Colas. 8 ep.

MASCAMOR / MASCAMOR (Phocéa). Marthe Lenclud, Pierre Marodon, Susanne Roumestan. 14 ep

O PROTEGIDO DE SATANÁS / EL PROTEGIDO DE SATAN (Studio Film). Lola Paris, Baltazar Banquells, Blanca Valoris. 14 ep.

FORÇA E NOBREZA / FUERZA Y NOBLEZA / Royal. Jack Johnson, Lucielle, Fernando Delgado. Série. 4 ep.

1919

AS AVENTURAS DE RUTH ou O MISTÉRIO DAS 13 CHAVES / THE ADVENTURES OF RUTH / Pathé. Ruth Roland, Herbert Heyes, Thomas Lingham. 15 ep.

O SEGREDO NEGRO / THE BLACK SECRET / Pathé. Pearl White, Walter McGrail, Wallace McCutcheon. 15 ep.

PRESO E AMORDAÇADO / BOUND AND GAGGED / Pathé. Marguerite Courtot, George B. Seitz, Nellie Burt. 10 ep.

DUELO MISTERIOSO / THE CARTER CASE  (THE CRAIG KENNEDY SERIAL) / Oliver Films. Herbert Rawlinson, Marguerite Marsh, Ethel Grey Terry 15 ep.

ELMO, O PODEROSO / ELMO, THE MIGHTY / Universal. Elmo Lincoln, Grace Cunnard,  Fred Starr. 18 ep.

A FORTUNA FATAL / THE FATAL FORTUNE / SLK Serial Corporation. Helen Holmes, Jack Levering, Leslie King. 15 ep.

O JOGO TEMERÁRIO / THE GREAT GAMBLE / Pathé. Anne Luther, Charles Hutchinson, Richard Neill. 15 ep.

O MISTÉRIO DO RADIUM / THE GREAT RADIUM MYSTERY / Universal. Eileen Sedgwick, Cleo Madison, Robert Reeves.  18 ep.

O FIO DO DESTINO / LIGHTNING BRYCE / National Film (Arrow). Jack Hoxie, Anna Little, Paul C. Hurst. 15 ep.

A VAMPIRO RELÂMPAGO ou VAMPIRO RELÂMPAGO / THE LIGHTNING RAIDER / Pathé. Pearl White, Warner Oland, Henry G. Sell. 15 ep.

O HOMEM-LEÃO / THE LION MAN / Universal. Kathleen O’Connor, Jack Perrin, Mack Wright. 18 ep.

A SENDA PERIGOSA / THE LURKING PERIL / Wistaria (Arrow). George Larkin, Anne Luther, William Betchel. 15 ep.

O HOMEM PODEROSO / MAN OF MIGHT / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Joe Ryan. 15 ep.

O CAVALEIRO MASCARADO / THE MASKED RIDER / Arrow. Harry Myers, Ruth Stonehouse, Paul Panzer. 15 ep.

O HOMEM DE AÇO / THE MASTER MYSTERY / Octagon. Harry Houdini, Marguerite Marsh, Ruth Stonehouse. 15 ep.

O HOMEM DA MEIA-NOITE / THE MIDNIGHT MAN / Universal. James J. Corbett, Kathleen O’Connor, Joseph W. Girard. 18 ep.

O MISTÉRIO DO Nº 13 / THE MYSTERY OF 13 / Burston. Francis Ford, Rosemary Theby, Pete Gerald. 15 ep.

PRECIPÍCIOS DO ÓDIO / THE PERILS OF THUNDER MOUNTAIN / Vitagraph. Antonio Moreno, Carol Holloway, Kate Price. 15 ep.

A LUVA VERMELHA / THE RED GLOVE / Universal. Marie Walcamp, Pat O’Malley, Truman Van Dyke. 18 ep.

TRANSPONDO BARREIRAS / SMASHING BARRIERS / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Walter Rodgers. 15 ep.

O TERROR DAS SERRAS / THE TERROR OF THE RANGE / Pathé. Betty Compson, George Larkin, H.P. Carpenter. 7 ep.

NO RASTRO DO TIGRE / THE TIGER’S TRAIL. / Pathé. Ruth Roland, George Larkin, Mark Strong. 15 ep.

O RASTRO DO POLVO / THE TRAIL OF THE OCTOPUS / Hallmark. Ben Wilson, Neva Gerber, Howard Crampton. 15 ep.


A NOVA AURORA/ LA NOUVELLE AURORE / Societé des Cinéromans. René Navarre, José Davert, Rachel Devirys. 15 ep.

A ANDORINHA DE AÇO / L’ HIRONDELLE D’ACIER / Parisienne Films. Georges Gauthier, Suzy Pierson, Anton  De Verdier. 10 ep.

O TRABALHO / LE  TRAVAIL/ Film d’Art. Léon Mathot, Huguette Duflos, Raphaël Duflos. 7 ep.

DÓLARES E FRANCOS / DOLLARI E FRAKS / Tiber. Emilio Ghione, Kally Sambucini, Amilcare Taglienti. 4 ep.

O BOTÃO DE FOGO / EL BOTÓN DE FUEGO / Studio Film. Jose Ardevol, Anita Stephenson, Marco Fox. 10 ep.

A SOBERANA DO MUNDO / DIE HERRIN DER WELT / May-Film GmbH. Mia May, Michael Bohnen, Henry Sze. 8 ep.

1920

AS QUATRO VIRGENS MARCADAS / THE BRANDED FOUR / Select. Ben Wilson, Neva Gerber, Joseph Girard. 15 ep.

AS 13 NOIVAS / BRIDE 13 / Fox. Marguerite Clayton, John O’Brien, William Lawrence. 15 ep.

VIVO OU MORTO / DAREDEVIL JACK / Pathé. Jack Dempsey, Josie Sedgwick, Herschel Mayall. 15 ep.

A REDE DO DRAGÃO ou NAS GARRAS DO DRAGÃO / THE  DRAGON’S NET / Universal. Marie Walcamp, Harlan Tucker, Otto Lederer. 12 ep.

ELMO, O DESTEMIDO / ELMO, THE FEARLESS / Universal. Elmo Lincoln, Louise Lorraine, William Chapman. 18 ep.

MAU OLHADO / THE EVIL EYE / Hallmark. Benny Leonard, Ruth Dwyer. Stuart Hansen. 15 ep.

FANTOMAS / FANTOMAS / Fox. Edward Roseman, Edna Murphy, Johnnie Walker. 20 ep.

O SINAL FATAL / THE FATAL SIGN / Arrow. Claire Anderson, Harry Carter, Leo Maloney. 15 ep.

O DISCO DE FOGO / THE FLAMING DISC / Universal. Elmo Lincoln, Louise Lorraine, Fay Holderness. 18 ep.

O HOMEM DE FERRO / THE HAWK’S TRAIL / Burston. King Baggot, Rhea Mitchell, Grace Darmond. 15 ep.

O PERIGO OCULTO / HIDDEN DANGERS / Vitagraph. Joe Ryan, Jean Paige, George Stanley. 15 ep.

A MÃO INVISÍVEL ou A QUADRILHA DA MÃO DE FERRO / THE INVISIBLE HAND / Vitagraph. Antonio Moreno, Pauline Curley, Jay Morley. 15 ep.

O RAIO INVISÍVEL ou O CLARÃO INVISÍVEL / THE INVISIBLE RAY / Frohman (Joan Film Sales). Jack Sherrill, Ruth Clifford, Sidney Bracey. 15 ep.

O REI DO CIRCO / KING OF THE CIRCUS / Universal. Eddie Polo, Corrine Porter, Kittoria Beveridge. 18 ep.

A CIDADE PERDIDA / THE LOST CITY / Warner Bros. Juanita Hansen, George Chesebro, Frank Clark. 15 ep.

OS CAVALEIROS DA LUA / THE MOON RIDERS / Universal. Art Acord, Mildred Moore, Charles Newton. 18 ep.

O DOMINADOR / THE MYSTERY MIND / Supreme (Pioneer). J. Robert Pauline, Peggy Shanor, Paul Panzer. 15 ep.

UM MILHÃO DE RECOMPENSA / THE $1,000,000 REWARD /  Grossman. Lillian Walker, Coit Albertson, Charles Middleton. 15 ep.

O FANTASMA INIMIGO / THE PHANTOM FOE / Pathé. Juanita Hansen, Warner Oland, Wallace McCutcheon. 15 ep.

OS PIRATAS DO OURO / PIRATE GOLD  / Pathé. Marguerite Courtot, George B. Seitz, Frank Redman. 10 ep.

RUTH DAS MONTANHAS ou RUTH DAS ROCHAS / RUTH OF THE ROCKIES / Pathé. Ruth Roland, Herbert Heyes, Thomas Lingham. 15 ep.

O GRITO DA SOMBRA / THE SCREAMING SHADOW / Hallmark.. Ben Wilson, Neva Gerber, Frances Terry. 15 ep.

A VINGANÇA SILENCIOSA / THE SILENT AVENGER / Vitagraph. William Duncan, Edith Johnson, Jack Richardson. 15 ep.

O FILHO DE TARZAN / SON OF TARZAN / National Film. Kamuela C. Searle, P. Dempsey Tabler, Karla Schram. 15 ep.

O TESTEMUNHO OCULTO / THE THIRD EYE / Pathé. Eileen Percy, Warner Oland, Jack Mower. 15 ep.

JACK, O DESTEMIDO / THUNDERBOLT JACK / Berwilla (Arrow). Jack Hoxie, Mari Sais, Chris Frank. 15 ep.

ALMA DE TIGRE / THE TIGER BAND / Holmes Producing Corporation (Warner Bros.). Helen Holmes, Jack Moweer, Dwigth Crittenden. 15 ep.

PERSEGUIDO POR TRÊS / TRAILED BY THREE / Pathé. Frances Mann, Stuart Holmes, Wilfred Lytell.15 ep.

A PUNHALADA MISTERIOSA / THE VANISHING DAGGER /Universal. Eddie Polo, Thelma Percy, G. Norman Hammond. 18 ep.

CAMINHOS OCULTOS / VANISHING TRAILS / Canyon. Franklyn Farnum, Mary Anderson, Duke R. Lee. 15 ep.

O VÉU MISTERIOSO / THE VEILED MYSTERY / Vitagraph. Antonio Moreno, Pauline Curley, Henry A. Barrows. 15 ep.

DEDOS DE VELUDO / VELVET FINGERS / Pathé. George B. Seitz, Marguerite Courtot, Harry Semels. 15 ep.

O FURACÃO ou A MOTOCICLETA DA MORTE / THE WHIRLWIND / Allgood (Republic). Charles Hutchinson, Edith Thorton, Richard Neill. 15 ep.

A CASA DOS MISTÉRIOS ou A DAMA EM GRIS / A WOMAN IN GREY / Serico. Arline Pretty, Henry G. Sell, Fred Jones. 15 ep.

O PACTO INFERNAL / QUAND ON AIME / Pathé. Julia Bruns, Arnold Daly, Renée Fagan. 10 ep.

A PONTE DOS SUSPIROS / IL PONTE DEI SOSPIRI / Albertini Films. Luciano Albertini,  Antonietta Calderari, Onorato Garaveo. 8 ep.

OS MISTÉRIOS DE PARIS / PARIS MYSTÉRIEUX / Parisienne. Georges Gauthier, Jeanne Brindeau, Marie Heil. 10 ep.

BARRABAS / BARRABAS / Gaumont. Gaston Michel, Fernand Hermann, Edouard Mathé, Georges Biscot. 12 ep.

FILMES POLICIAIS DE JEAN-PIERRE MELVILLE

Ele foi um dos mais importantes cineastas independentes do cinema francês, emergindo no período imediato após a Segunda Guerra Mundial. Desde a infância, tornou-se um grande admirador da cultura americana, da qual derivaram o seu nome artístico (homenagem ao autor de Moby Dick, Herman Melville) e seus filmes, especialmente os policiais.

Jean-Pierre Melville (1917-1973), cujo verdadeiro nome era Jean-Pierre Grumbach, tinha como  ancestrais  judeus da Alsácia. O pai, homem de negócios, mudou-se para Paris, onde Jean-Pierre nasceu e estudou (no Lycée Condorcet, colégio muito respeitado para alunos da classe média). Em 1924, quando tinha sete anos de idade, Jean-Pierre ganhou de presente de sua família uma câmera Pathé-Baby e logo depois um projetor, que lhe permitia ver lançamentos de filmes recentes em 9.5mm. Graças ao seu projetor ele podia ver quatro ou cinco filmes novos por semana.

Depois do advento do som, seu dia começava às nove horas da manhã em um cinema (o Paramount) e terminava da mesma maneira às três horas da manhã seguinte. Como observou Ginette Vincendeau (Jean-Pierre Melville – An American in Paris, British Film Institute, 2006), “a educação cinematográfica de Melville, na sua voracidade e americanofilia, antecipavam à dos críticos da Nouvelle Vague”.

Em 1937, aos 17 anos, Jean-Pierre prestou serviço militar no “Spahis”, regimento de cavalaria colonial. Em setembro de 1940, o regimento ficou encurralado na Bélgica e ele foi evacuado via Dunquerque e repatriado para a França. No seu retorno, Jean-Pierre  dirigiu-se para Castres no Sul, para onde sua família havia se mudado, juntando-se às redes da Resistência “Libération” e “Combat” sob o nome de Cartier e depois, Melville.

Após a Libertação, a sua cinefilia e familiaridade com o meio cinematográfico levaram Melville a realizar um curta-metragem, 24 Heures de la vie d’un Clown / 1946, semi-documentário de 17 minutos sobre a vida do palhaço Béby do circo Médrano, que poucas pessoas viram e ele sempre renegou veementemente. Depois dessa falsa estréia, o seu “verdadeiro” começo foi mais espetacular – Le Silence de la Mer / 1949, tornou-se um clássico instantaneamente.

Pude ver todos os 13 filmes em longa-metragem de Melville, entre os quais se incluem ainda Les Enfants Terribles / 1950; Quando Leres Esta Carta / Quando Tu Liras Cette Lettre / 1953; Deux Hommes dans Manhattan / 1959; Léon Morin, o Padre (TV) / Léon Morin, Prêtre / 1961; L’Ainé des Ferchaux / 1963; e o extraordinário O Exército das Sombras / L’Armée des Ombres; porém, neste artigo, falo apenas sobre seus filmes policiais ou de gângster: Bob le Flambeur / 1956, Técnica de um Delator / Les Doulos / 1962, Os Profissionais do Crime / Le Deuxième Souffle / 1966, O Samurai / Le Samourai / 1967, O Círculo Vermelho / Le Cercle Rouge / 1970 e Expresso para Bordeaux / Un Flic / 1972.

Melville inaugura a série de filmes policiais com Bob le Flambeur / 1956. É a história de Robert Montagné (Roger Duchesne), conhecido como Bob le Flambeur, ex-gângster, agora na meia-idade e viciado no jogo, que anda sem sorte, mas ainda é uma “lenda viva” em Montmartre. Ele passa suas noites em antros de jogatina e boates (“entre a noite e o dia entre o céu e o inferno”) na companhia de seu velho amigo Roger (André Garet) e do seu jovem protegido Paulo (Daniel Cauchy), sob  o olhar atento do inspetor de polícia local Ledru (Guy Decomble), cuja vida Bob havia salvo no passado. Depois de ganhar algum dinheiro nas corridas, Bob vai para Deauville com Roger, a fim de jogar no cassino, onde perde tudo o que ganhara. Roger fica sabendo por Jean (Claude Cerval), ex-criminoso e agora crupiê, sobre um depósito fabuloso de dinheiro que fora feito no cofre do cassino no ano anterior na véspera do Grand Prix. Bob e Roger planejam arrombar o cofre como um último trabalho, antes de se aposentarem. O assalto é cuidadosamente preparado e ensaiado por um bando reunido para tal propósito. Entretanto, Paulo, que está associado ao projeto, revela o plano para Anne (Isabelle Corey), uma jovem prostituta que lhe fora apresentada por Bob, a fim de impressioná-la. Esta,  ingenuamente, conta tudo a Marc (Gérard Buhr), um rufião e informante da polícia, com o qual ela também vinha dormindo. Anne confessa o seu ato para Bob, que repreende Paulo. Este, para corrigir seu erro, mata o informante antes que ele possa avisar a polícia. Porém eles serão denunciados pela mulher do crupiê (Colette Fleury), inconformada com a quantia que seu marido receberia pela sua colaboração no assalto. Na noite do roubo, Bob não resiste e joga, para passar o tempo enquanto aguarda a hora marcada para o assalto. Sua sorte retorna e ele ganha tanto dinheiro, que se esquece do assalto. O bando é preso pelos homens de Ledru, antes de entrar no cassino e Paulo é morto. Bob e Roger são conduzidos no carro de Ledru, com o dinheiro ganho por Bob no porta-malas. Ledru graceja, dizendo que, com um bom advogado, que ele agora pode pagar, Bob conseguirá obter uma sentença suave. E este acrescenta: ou até requerer uma indenização.

Trabalhando pela primeira vez inteiramente no seu próprio estúdio, na rua Jenner em Paris, com um mínimo de recursos – o que explica a quantidade de cenas filmadas em locação – e ausência de astros, Melville realizou seu primeiro filme policial, inspirado nos filmes americanos desse gênero, porém sem copiá-los servilmente.

Nele já se vislumbram os sinais do estilo Melville: simplicidade, discrição de inspiração documentária (repudio ao pitoresco e aos clichês), ritmo lento mas fluente com abundância de planos,  minuciosidade na encenação, elegância dos enquadramentos. Pode-se identificar também a influência de O Segredo das Jóias / The Asphalt Jungle / 1949 de John Huston. Bob le Flambeur, tal como o filme de Huston, não é um filme sobre aventuras, mas um filme sobre os personagens, os caractéres, os estados d’alma e aborda o mesmo tema da ambição e do fracasso, resultando em um final irônico e cínico.

O ambiente dos pequenos cafés de Montmartre onde os jogadores se reúnem e as noites de Pigalle são reconstituídos habilmente. A intriga evolui dos cabarés ao luxuoso cassino de Deauville, nas salas de jogo que servem de cenário natural a várias sequências. Todo esse ambiente foi muito captado pela câmera de Henri Decae (um dos colaboradores mais assíduos do diretor), que usou as condições precárias da produção como estímulo para a inovação, uma qualidade que o tornou muito  requisitado pelos cineastas da Nouvelle Vague.

Os sentimentos, sempre adequados e lógicos e os diálogos de Auguste Le Breton, um especialista no gênero, dão um tom de verdade às situações e Roger Duchesne, ator de segundo plano nos anos quarenta, retorna às telas em um papel principal, dando conta do recado com sua interpretação minimalista.

Em Técnica de um Delator, após sua saída da prisão, Maurice Faugel (Serge Reggiani) mata Gilbert (René Lefevre) um receptador, porque ele havia assassinado sua antiga mulher, Arlette. Gilbert estava examinando jóias roubadas por Nuttheccio (Michel Piccoli) e Armand (Jacques De Leon), cuja visita ele estava aguardando. Quando os dois homens chegam, Faugel escapa sem ser visto, enterra o dinheiro e as jóias, assim como a arma do crime. No apartamento de sua nova amante Thérèse (Monique Henessy), Faugel recebe seus amigos Jean (Aimé de March) e Silien (Jean-Paul Belmondo), notório informante da polícia e amigo do Inspetor Salignari (Daniel Crohem). Silien traz um equipamento para arrombar cofres, do qual Faugel necessita para roubar uma mansão em Neuilly com seu comparsa Rémy (Philippe Nahon). Faugel e Rémy tomam o metrô para Neuilly. Silien telefona para Salignari de um telefone público, retorna ao apartamento de Thérèse, espanca-a e arranca dela o endereço de seu “homem”. Mal o assalto é iniciado, Faugel avista os carros da polícia. Numa tentativa de fuga, Salignari mata Rémy e é morto por Faugel, que fica ferido. Faugel é recolhido por um carro. Ele acorda em casa de Jean diante da mulher deste, Anita (Paulette Breil) e um médico tratando de seu ferimento. Faugel parte à procura de Silien, certo de que este o traíra. Silien é abordado pelo Inspetor Clain (Jean Desailly), que lhe pede para informar quem é o cúmplice de Rémy (sem saber que este é Faugel) e também o interroga sobre a morte de Gilbert. Ele obriga Silien a telefonar para vários bares, a fim de encontrar Faugel. Este é preso em um bar e interrogado por Clain. Silien desenterra as jóias e vai à boate de Nuttheccio, The Cotton Club, onde conversa com sua antiga amante, Fabienne (Fabienne Dali), que agora está com Nuttheccio. Ele convence Fabienne a confessar que ela havia ouvido um tiro de revólver, enquanto estava esperando por Nuttheccio e Armand fora da casa de Gilbert. Silien mata Nuttheccio e Armand no escritório de Nuttheccio e faz com que a morte pareça o resultado de uma briga entre os dois pelas jóias, que ele deixa no cofre. Faugel é solto e descobre que a informante fôra Thérèse, que trabalhava para a polícia e que  Silien encenou a morte de Nuttheccio e Armand, para livrá-lo da acusação de ter matado Gilbert. Silien ruma para sua casa em Ponthiery, onde é esperado pelo alemão Kern (Carl Studer), contratado na prisão por Faugel, para matá-lo pela suposta traição. Faugel parte desesperadamente para impedir que Kern mate Silien. Ele chega na casa primeiro mas é confundido com Silien e morto por Kern. Quando Silien chega, começa um tiroteio, no qual ambos Kern e Silien também morrem.

O aspecto de Técnica de um Delator que atrai mais a nossa atenção é a sua mudança repentina na narrativa. Durante quase noventa minutos de filme, acreditamos que Silien é um doulos (informante). Seu telefonema para Salignari, o espancamento de Thérèse, a apropriação das jóias, a encenação elaborada das mortes de Nuttheccio e Armand, tudo contribui para que o espectador, tal como Faugel, acreditem na traição de Silien. Quando este revela que Thérèse, e não ele, foi o delator, ficamos perplexos ao sabermos de tudo o que havia acontecido.

Na percepção de G. Vincendeau, como foi anunciado em uma nota que aparece após os créditos do filme (“Devemos escolher. Morrer … ou mentir?”), cada personagem em Técnica de um Delator mente (ou pode estar mentindo) para alguém em determinado momento – Gilbert sobre Arlette, Faugel sobre Gilbert, Silien sobre Faugel, Thérèse sobre Silien, Clain sobre a ameaça do esquadrão anti-droga para Silien, etc. Até a série de revelações de Silien pode ser mentira. Ele é apoiado por Jean, porém ambos podem estar mentindo. Para Denitza Bantcheva, que escreveu um livro sobre Melville (Jean-Pierre Melville: de l’oeuvre à l’homme, Librairie Bleue, 1996), o maior mentiroso é sem dúvida o cineasta, que nos conduz de uma falsidade para outra.

Jean-Pierre Melville conhece todos os recursos e todas as manhas de seu ofício. Seu filme é solidamente composto, tem bons intérpretes (com destaque para Reggiani e Belmondo, o primeiro, um tanto esquecido desde Amores de Apache / Casque d’or / 1952 e o segundo, ascendendo ao estrelato após Acossado / A Bout de Souffle / 1960), e Melville mantém sempre o interesse pela trama à qual não falta mistério e suspense bem como numerosas cenas de violência, como a tríplice fuzilaria final, que parece uma transposição, para não dizer um pastiche, de um drama shakespereano.

Os Profissionais do Crime começa quando Gustave “Gu Manda (Lino Ventura), um gângster perigoso e outros dois presidiários fogem da prisão. Um deles morre na tentativa. Gu e o outro escapam num trem de carga. Logo, o outro homem salta do trem e Gu fica sozinho. Na sua boate em Marselha, o gângster Paul Ricci (Raymond Pellegrin) é informado de que um comboio carregando platina sairá da cidade no dia 28 de dezembro. Contra a sua vontade, seu amigo Jeannot (Albert Dagnant) vai a Paris para matar o gângster rival Jacques le Notaire (Raymond Loyer). Na boate de Simone, conhecida como  “Manouche (Christine Fabréga), Jeannot mata Jacques e é ferido. O Inspetor Blot (Paul Meurisse) chega e prende os frequentadores do local. A fuga de Gu é anunciada. Dois bandidos ameaçam “Manouche” e Alban (Michel Constantin), seu fiel empregado. Gu chega e descobre que o gângster Jo Ricci (Marcel Bozuffi), irmão de Paul, os enviara para chantagear “Manouche”; Gu mata os bandidos. Alban e Manouche levam Gu para um esconderijo. Paul Ricci visita o moribundo Jeannot e seu irmão Jo. De volta a Marselha, Ricci sugere a seus capangas Antoine  (Denis Manuel) e Pascal (Pierre Grasset), que Orloff (Pierre Zimmer) substitua Jeannot no assalto. Mas Orloff não aceita a proposta. Blot relaciona a morte dos bandidos à fuga de Gu, faz uma visita a Jo Ricci e lhe diz que Gu está procurando por ele. Gu parte para se vingar de Jo Ricci, mas desiste no último minuto. “Manouche” pede a seu amigo Theo (Louis Bougette) ajuda para obter papéis de identidade falsos para Gu e um barco para a sua fuga para Marselha. Theo fala com seu amigo Orloff sobre Gu. Orloff se prontifica a arrumar os papéis e pede a Theo que informe Gu sobre o assalto. Este chega a Marselha e, apesar da oposição de “Manouche”, concorda em participar do assalto por dinheiro. Paul Ricci, seu velho amigo o admite no bando, sob protesto de Antoine e Pascal. Gu, Paul, Antoine e Pascal praticam o assalto com sucesso, matando dois policiais. A polícia descobre o roubo e os assassinatos. Blot chega de Paris para fúria do inspetor local Fardiano (Paul Frankeur). Gu é preso por policiais disfarçados de gângsteres, que o enganam, fazendo com que ele revele o nome de Paul. Este é preso e ambos são interrogados brutalmente. Perturbado por ter sido apontado como informante, Gu tenta se matar. Jo Ricci chega a Marselha para ajudar seu irmão e se vingar de Gu. Orloff se oferece para procurar Gu dizendo que o matará, se ele tiver provas de sua culpabilidade. Gu foge do hospital da prisão, sequestra Fardiano, obriga-o a confessar por escrito que havia mentido sobre sua traição e o mata. Rendido por Orloff, Gu derruba-o com um soco e vai se confrontar com Jo, Antoine e Pascal. Gu mata os três mas é alvejado por Antoine e um policial. Gu morre nos braços de Blot, pronunciando o nome de “Manouche” e lhe entregando a confissão de Fardiano, que o inspetor dá um jeito de ser colhida no chão por um jornalista.

Melville confirma seu gosto pelo filme noir e apura seu estilo, já esboçado em Bob le Flambeur e Técnica de um Delator. Tal como neste último, Os Profissionais do Crime aborda o tema da traição. A última terça parte do filme, a partir da prisão de Gu, mostra-o lutando para “limpar seu nome” da mácula de ter traído Paul (uma traição acidental engendrada por Blot e retransmitida para a imprensa por Fardiano). Raiva e vergonha levam Gu a fugir, matar Fardiano e depois Jo, Antoine e Pascal e finalmente a morrer alvejado pelas balas de Antoine e de um dos assistentes de Blot. Foi o orgulho de Gu que o levou à morte. Ele poderia ter partido para uma outra vida (le deuxième souffle), mas procurou obstinadamente salvar sua honra profissional.

Naquele momento, nada mais contava, nem a fuga com Manouche nem o dinheiro. Ele se perde em uma espiral mortífera, da qual conhecia a saída. A certa altura da narrativa ele diz para Manouche: “De qualquer forma não voltarei para a prisão. Eu joguei e perdí”. Tal como Reggiani e Belmondo em Técnica de um Delator, Lino Ventura encarna um herói literalmente suicida, um gângster trágico, como diria Robert Warshow. (The Immediate Experience, artigo “The Gangster as a Tragic Hero”, Harvard University, 2002).

O filme é longo (duas horas e trinta minutos) e se desenvolve em um ritmo lento, porém nele não existe nem um plano, nem uma palavra que se possa tirar sem romper o equilíbrio do conjunto. O realizador esforça-se para filmar de acordo com a duração real dos acontecimentos. Quando ele descreve o assalto, tudo é cuidadosamente mostrado, inclusive a espera tediosa e angustiante  da chegada do carro blindado. Melville rejeita o uso de uma trilha sonora bombástica para envolver o espectador emocionalmente, preferindo trabalhar com o silêncio, um mínimo de diálogo e sons naturais, obrigando-o a observar em vez de ficar preocupado com a natureza do evento.

Logo no início da narrativa, após a apresentação de um texto contendo um aforisma fatalístico (”A sa naissance il n’est donné à l’homme qu’un seul droit: le choix de sa mort. Mais si ce choix est commandé par le dêgout de la vie, alors son existence n’aura été que pure dérision”), segue-se outra sequência admirável, a fuga silenciosa da prisão, que lembra aquela de Um Condenado à Morte Escapou / Un Condamné a Mort s’est Echapé de Robert Bresson e demonstra a poderosa economia de meios do diretor, seu cinema narrativo simples atingindo o máximo de abstração e refinamento. A perfeição técnica da mise-en-scène de Melville encontrará a  sua apoteose no seu próximo trabalho.

A trama de O Samurai resume-se assim: Jef Costello (Alain Delon), assassino de aluguel, rouba um carro e forja um álibi com sua amante Jane Lagrange (Natalie Delon) e um grupo de jogadores de pôquer, antes de executar com sucesso um contrato para matar o diretor de uma boate. Entretanto, ele é visto pela pianista da boate, Valérie (Caty Rosler). Jef  livra-se de sua arma e volta a se reunir com o grupo de jogadores de pôquer mas é preso em uma batida por parte da polícia. A pianista e o garçom da boate negam tê-lo visto ao inspetor encarregado da investigação (François Perier). Outro amante de Jane, Wiener (Michel Boisrond), lembra-se de que viu Jef saindo do edifício dela. Embora acreditando que Jef e Jane são culpados, o inspetor é obrigado a soltá-los, por falta de uma prova mais robusta.  Os policiais  seguem seus passos, mas perdem o seu rastro no metrô. Jef vai receber o dinheiro pelo assassinato, porém é alvejado por um homem (Jacques Leroy), enviado pelo seu mandante traidor e ainda desconhecido. Retornando ao seu quarto de hotel, Jef cuida de seu ferimento. O mandante e seus cúmplices discutem se devem eliminá-lo, pois sua prisão seria um risco em potencial. Enquanto Jef volta à boate para falar com a pianista, a polícia instala um gravador no seu quarto. Jef aborda Valérie e vai para o apartamento dela, querendo saber quem foi o mandante do crime. A polícia ameaça Jane brutalmente em seu apartamento mas a jovem permanece calada. Retornando ao seu quarto, Jef descobre o gravador e o desativa. Pouco depois, é surpreendido pelo homem que o alvejara. Este lhe oferece o dinheiro que o mandante lhe devia e mais dois milhões de francos para executar outro serviço. Jef força-o a revelar a identidade do mandante de ambos, Olivier Rey (Jean-Pierre Posier). A polícia põe em prática uma operação complexa para seguir Jef no metrô mas perde-o de vista novamente. Ele rouba outro carro, visita Jane para se despedir e mata Olivier Rey em seu apartamento. Em seguida, Jef dirige-se à boate para matar a pianista  que era o alvo de seu novo serviço. Porém ele havia descarregado sua arma e, quando finge que vai atirar, é alvejado pelas costas pela polícia e morre.

Ponto culminante da obra de Melville, o filme apresenta logo no início uma frase que o diretor finge ter extraído do “Bushido” (código de honra dos antigos guerreiros japoneses) mas que, na verdade, foi inventado por ele: “Il n’y a pas de plus profonde solitude que celle du samourai si n’est celle du tigre dans la jungle, peut-être”. É uma chave simbólica do espetáculo.

Melville sempre manifestou, nos seus filmes sobre a Resistência como nos seus filmes policiais, uma predileção pelos solitários e anônimos, pelos combatentes nas sombras, marginais de fato e de temperamento. Desde o primeiro plano, Melville já mostra Jef sozinho, fumando, deitado na sua cama à direita da tela, em um quarto sombrio, asceta e espartano, no qual o único sinal de humanidade é o piar do passarinho na gaiola. Ele é um homem quase invisível, mesmo na sua esfera privada, como a sua “profissão” exige.

Depois, com calma e frieza (maneira com que agirá durante toda a narrativa), Jef veste a capa de chuva e o chapéu enquanto seu olhar azul contempla sua imagem elegante e glacial no espelho. Nesta sequência, o cineasta forja o tom hierático e silencioso do filme e Alain Delon reencontra o comportamento, o vestuário e o angelismo mórbido de Alan Ladd em Alma Torturada / This Gun for Hire / 1942. Ao sair dalí, ele vai e vem com uma inexpressividade absoluta, quase que como uma sombra, ao encontro do seu destino trágico.

Os diálogos são raros durante todo o desenrolar da ação e as mortes e atos do matador melancólico, assim como o ritmo, são de uma precisão implacável, o diretor procurando como sempre respeitar a “integridade da ação”, um respeito pela duração, próximo do tempo “verdadeiro”. A utilização habilidosa do complexo urbano  (vg. os corredores do metrô) e dos interiores (o interrogatório na delegacia, a execução de Jef na boate), magnificamente fotografados por Henri Decae e o emprego inspirado da montagem, também contribuem muito para o êxito da realização.

A ação de O Círculo Vermelho tem início em Marselha, onde o Inspetor Mattei (André Bourvil) está escoltando Vogel (Gian Maria Volonté), um criminoso notório, em um trem noturno para Paris. Durante a noite, Vogel se liberta das algemas e salta pela janela do trem. Ao mesmo tempo, Corey (Alan Delon) está sendo libertado da prisão em Marselha. Graças à informação que lhe foi fornecida por um guarda, ele fica a par do sistema de alarme de uma joalheria de alta classe da Place Vendôme em Paris. Corey visita Rico (André Ekyan), um ex- amigo que o traíra e vive agora com a sua antiga amante(Ana Douking). Corey leva dinheiro e uma arma do cofre de Rico e, depois, num salão de bilhar deserto, livra-se de dois capangas de Rico que o perseguiam. Ele compra um carro e segue em direção a Paris. Entrementes, Vogel foge de uma busca massiva da polícia e em uma lanchonete de beira de estrada, penetra na mala destrancada do carro de Corey. Após escapar de uma batida policial, Corey estaciona em um lugar deserto e diz a Vogel para sair da mala. A amizade entre os dois é reforçada, quando Vogel mata mais dois capangas de Rico que queriam vingar o patrão.  Em Paris, Mattei é repreendido pelo Diretor de Assuntos Internos por ter deixado Vogel fugir. Mattei procura vários de seus informantes , inclusive o dono de boate, Santi (François Perier), conhecido de Vogel. Corey e Vogel decidem assaltar a joalheria da Place Vendôme com a ajuda de um perito no tiro ao alvo, Jansen (Yves Montand), um ex-policial alcoólatra. Corey e Jansen se encontram na boate de Jansen enquanto este é preso. Jensen inspeciona o local do assalto e providencia balas especiais com as quais pretende imobilizar o sistema de alarme da joalheria. Corey procura um receptador (Paul Crauchet). Rico, ainda procurando se vingar de Corey, fica sabendo do plano do assalto pelo guarda da prisão. Corey, Vogel e Jansen executam o roubo com sucesso. Entretanto, o receptador, por ordem de Rico, recusa as jóias roubadas. Mattei pressiona Santi, prendendo o filho deste por tráfico de drogas. Corey consegue o nome de outro receptador. Mattei descobre a identidade deste, presumivelmente através de Santi, e toma seu lugar. Ele atrai Corey e Jansen para uma casa isolada no campo. Apesar da ajuda de Vogel, que aparece no instante em que Mattei vai prender seus cúmplices, os três homens são mortos pela polícia.

Dois malfeitores se cruzam. Corey saiu da prisão. Vogel fugiu. Com a cumplicidade de um ex-policial, que se tornou alcoólatra, eles organizam um roubo à uma joalheria. Mas sem contar com  a tenacidade do comissário Mattei.

O título do filme se explica por uma citação atribuída ao Buda (“Quand les hommes, même s’ils  s’ignorent,  doivent se retrouver un jour, tout peut arriver à chacun d ‘entre eux, et ils peuvent suivre des chemins divergents, au jour dit, inexorablement, ils seront réunis dans le cercle rouge”), que aparece na tela antes dos letreiros de apresentação. Os três assaltantes solitários, prisioneiros do seu destino, impotentes diante da fatalidade, serão reunidos no “círculo vermelho”, no desenlace trágico.

Melville confere intensidade dramática a uma trama policial convencional, construída através de cenas compostas nos seus mínimos detalhes com sobriedade e sofisticação. Ele orquestra grandes momentos de cinema recorrendo a uma dilatação angustiante dos planos, raridade de diálogos e  utilização percuciente dos enquadramentos como, por exemplo, nos mais de vinte minutos do assalto, durante o qual os assaltantes não trocam nenhuma palavra entre si, para que o espectador possa se concentrar nas suas ações,  meticulosamente filmadas pelo cineasta.

Todos os atores estão impecáveis mas o desempenho de Bourvil (num papel bem diferente do que aqueles que ele estava acostumado a interpretar), como o policial solitário que mora em um apartamento triste e frio povoado por apenas três gatos (lembrando o passarinho de Jef Costello em O Samurai), foi mais pungente, porque ele estava muito doente na ocasião da filmagem e viria a falecer poucos dias após o lançamento do filme.

Expresso para Bordeau, começa quando uma quadrilha – Simon (Richard Crenna), Marc (André Pousse), Paul (Riccardo Cucciolla) e Louis (Michael Conrad) – sob uma tempestade, assalta um banco situado à beira-mar em Saint-Jean-de-Monts. Um caixa aciona o alarme, alveja Marc e é morto. O bando escapa, enterra o produto do roubo e levam Marc para uma clínica. Enquanto isso, em Paris, o Inspetor Édouard Coleman (Alain Delon), acompanhado por seu assistente Morand (Paul Crauchet), faz a sua ronda, investigando o assassinato de uma mulher e o furto de um ricaço (Jean Desailly) por um garoto de programa, encontrando um informante travesti (Valérie Wilson) e interrogando três batedores de carteiras. Coleman vai à boate de seu amigo Simon ver a esposa deste, Cathy (Catherine Deneuve), que é sua amante. Os gângsteres se encontram no Louvre. Para evitar que Marc fale, Simon, Louis e Paul, entram na clínica disfarçados de enfermeiros, tentando removê-lo e, não conseguindo seu intento, mandam Cathy, disfarçada de enfermeira, aplicar uma injeção letal no dito paciente. O corpo (não identificado) de Marc é examinado por Coleman no necrotério. Coleman e Cathy se encontram em um quarto de hotel. Simon, Louis e Paul planejam seu próximo golpe (financiado pelo produto do assalto ao banco), o roubo de duas malas cheias de droga conduzidas por Mathieu (Léon Minisini) no trem Paris-Lisboa. Coleman fica sabendo do transporte da droga através do travesti informante e decide deixar que a polícia da fronteira prenda o interceptor. Porém Simon chega ao trem primeiro por meio de um assalto ousado. no qual ele desce por um cabo de um helicóptero, entra no leito onde está Mathieu, derruba-o com um soco, apodera-se das duas malas e depois é trazido de volta pelo mesmo cabo até o helicóptero. A identidade de Marc é descoberta e Coleman prende Louis que revela o envolvimento de Simon. Paul se suicida para não ser preso. Simon se esconde em um hotel e tenta escapar com Cathy, mas é impedido por Coleman, que havia grampeado o telefone deles. Coleman alveja Simon aparentemente em auto-defesa embora transpareça que Simon não estava armado e teria na verdade “cometido suicídio”. Coleman avista Cathy que estava esperando Simon, porém não a prende. Ele recebe outro chamado da central e retoma a sua ronda na companhia de Morand, visivelmente perturbado.

Um balneário fustigado pela chuva, um banco isolado e gângsteres em ação. A sequência de abertura do último filme de Melville é plasticamente brilhante, apesar da incongruência da possibilidade de existir um estabelecimento bancário em um lugar urbano, como que esperando ser assaltado.

O filme todo é um exercício de estilo, como sempre despojado, distanciado e detalhado, mas recorrendo a certos efeitos fáceis como a sequência do trem e do helicóptero que, embora excitante, é um tanto inverossímil e filmada com miniaturas bem visíveis, com prejuízo para a credibilidade desta parte do espetáculo. Por outro lado, Melville não se aprofunda no relacionamento entre Coleman, Simon e Cathy; parece mais interessado na ação física do que nos desejos e motivações dos participantes do triângulo amoroso, deixando algumas coisas mal explicadas.

Curiosamente, Catherine Deneuve pronuncia apenas três palavras em uma hora e quarenta minutos de projeção. Como explicou Melville, ela aceitou fazer um papel de participação, porque compreendeu que, sendo a única mulher do filme, de repente sua presença tornou-se importante. O verdadeiro projeto em comum de Melville e Catherine seria o próximo filme dele porém, infelizmente, o mais americano dos cineastas francêses veio a falecer alguns meses depois da estréia de seu derradeiro longa-metragem.

OS PRÓLOGOS NOS CINEMAS AMERICANOS E BRASILEIROS

Durante o período 1915-1928, observou Richard Koszarski em An Evening’s Entertainment (The Age of The Silent Feature Picture, University of California, 1994), que a experiência de ver um filme era bem diferente do que teria sido em qualquer outro tempo. Os exibidores consideravam-se showmen e não simples programadores de filmes. De acordo com uma pesquisa realizada em 1922, o filme de longa-metragem era apenas uma parte do entretenimento de uma noite. Com efeito, 24% dos gerentes de cinema entrevistados nesse levantamento, verificaram que não fazia diferença alguma na bilheteria se o filme, apresentado como atração principal, fosse bom ou mau. Consequentemente, não se sentiam totalmente dependentes daquela parte do show, que chegava na sala de cinema dentro de uma lata.

Desde os primórdios das exibições houve uma mistura de vaudeville com os filmes mas foi ocorrendo uma mudança na medida em que os filmes começavam a ocupar, cada vez mais, pelo menos metade do espetáculo. Quando se iniciou a era dos grandes cinemas (movie palaces) no final dos anos 1910,  surgiram os stage shows, com três fórmulas dominantes. Para a chamada “pure presentation”, o cinema montava um espetáculo tipo revista teatral com grande orquestra, dançarinos, cantores, comediantes, conjunto coral, recitais de órgão ou outro instrumento etc. No “prologue” o tema do espetáculo ao vivo estava ligado ao filme de longa-metragem, de modo que, por exemplo, um show náutico (com cantores vestidos como escafandristas suspensos por cabos) precedia o filme de Buster Keaton,  Marinheiro por Descuido / The Navigator / 1925. E, finalmente, via-se o “vaudeville show”, no qual vários números de vaudeville eram simplesmente agrupados.

Porém havia algo mais do que um filme de longa-metragem e um stage show. A maioria dos cinemas apresentavam shorts (curtas-metragens) – comédias e cine-jornais. Na era do cinema mudo, desenhos animados, travelogues e outras espécies de curtas eram lugar-comum. O filme de longa-metragem, como já foi mencionado acima, era apenas uma parte dessa mistura e frequentemente ele era projetado em uma velocidade maior do que a normal ou mesmo cortado, para assegurar que o show pudesse incluir todas as atrações e não se estendesse demasiadamente.

Sid Grauman e Samuel “Roxy” Rothapfel foram os grandes criadores do Prológo Cinematográfico que, esclarecendo melhor, era uma apresentação no palco em um estilo parecido com um musical luxuoso da Broadway, que se baseava nos elementos temáticos, dramáticos ou estéticos do filme de longa-metragem, a ser projetado logo em seguida.

Sidney Patrick Grauman (1879 – 1950), nascido em Indianapolis, era um dos seis filhos de David J. Grauman e Rosa Goldsmith. Sua carreira no mundo dos espetáculos começou quando David Grauman levou seu filho Sid, de 17 anos de idade,  ao Território de Yukon durante a Corrida do Ouro, onde o velho Grauman pretendia encenar um show de benefício para garimpeiros doentes, abrir um pequeno teatro e possivelmente ver se achava umas pepitas do precioso metal.

Dois anos depois, Sid e seu pai abriram o teatro Unique em San Francisco, no qual já se notavam os toques de elegância, que mais tarde tornariam Sid Grauman mundialmente famoso – escadas atapetadas, fachadas ornamentadas e um porteiro chinês fardado, para receber os frequentadores. Após passarem mais alguns anos em San Francisco, os Grauman se mudaram para o Sul da Califórnia, incapazes de resistir ao canto da sereia vindo de Hollywood.

Como nos conta Charles Beardsley (Hollywood’s Master Showman – The Legendary Sid Grauman, Rosemont Publishing, 1983), o primeiro grande cinema dos Grauman em Los Angeles, o Million Dollar (2.100 lugares), foi inaugurado no dia 1 de fevereiro de 1918 e a estréia foi conduzida com muita cerimônia. A sala de espera estava repleta com grande número de arranjos florais. Os espectadores eram conduzidos para seus lugares através de corredores cobertos de flores por lanterninhas vestidas com uniformes de cadete, sob uma iluminação suficientemente forte para mostrar as várias maravilhas do auditório.

Exatamente na hora prevista, as cortinas se abriram para revelar a Grauman Symphony Orchestra no poço e o palco atrás dela. Então, sob a direção de Rudolph G. Kopp, números populares e de ópera foram oferecidos como abertura: o organista Jesse Crawford executou um pot-pourri de canções de sucesso e Miss Lina Reggiani cantou “Most Beautiful Bird” e outras árias, sendo ambos muito ovacionados pelo público.

Sid Grauman ainda não havia introduzido o Prólogo em toda a sua glória nos seus cinemas mas o que esses primeiros espectadores viram e ouviram os impressionou enormemente e os deixou calorosamente receptivos ao filme de longa metragem que se seguiu: William S. Hart em Braço de Ferro / The Silent Man.

O tema da música incidental  (para o filme) era uma composição nova intitulada “Big Bill”, escrita por Victor Schertzinger. Quando o filme terminou, o próprio William S. Hart apareceu no palco vestido de cowboy, para receber os aplausos da platéia, recitou um poema curto e contou algumas histórias sobre os seus dias no Oeste, antes de se tornar um astro da tela. Como aconteceria na maioria das estréias promovidas por Grauman, a audiência era uma atração tão estelar quanto o filme, compondo-se de várias celebridades como Jesse L. Lasky, Thomas H. Ince, Mack Sennett, Hal Roach, Cecil B. DeMille, D.W. Griffith, Douglas Fairbanks, Charles Chaplin, Edna Purviance, Sessue Hayakawa, Mae Murray, Thomas Meigham e muitos outros.


Para a inauguração de seu novo cinema, o Egyptian Theatre (1.900 lugares), em 18 de outubro de 1922, Grauman escolheu o filme Robin Hood / Robin Hood de  seu amigo íntimo, Douglas Fairbanks. A primeira parte do programa ao vivo começava com a abertura da ópera Aida de Verdi executada pela Egyptian Theatre Symphony Orchestra sob a condução do maestro Jan Sofer. Este número foi seguido por um recital de Frederick Burr Scholl no console do órgão apelidado de “Mighty Wurlitzer”, porque era capaz de reproduzir uma variedade incrível de sons.

Depois vinha o prólogo, cuja parte mais importante mostrava uma cena na corte de Ricardo Coração de Leão com Lady Marian, o bufão do rei, o Príncipe João, Robin Hood, o Cardeal, damas da corte e seis cavaleiros. Uma dançarina especializada chamada Julanne Johnston (que mais tarde seria a leading lady de Fairbanks em O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924) também aparecia. Um grupo de damas da corte e de damas de companhia, moças com flores, guardas do castelo, os homens do Príncipe João, pagens e criados rodeava o elenco de cinquenta atores de teatro, personificando suas cópias no filme, vestidos com as roupas magníficas que haviam sido usadas na produção. Na metade da projeção, Grauman introduziu um intervalo de oito minutos,  durante o qual o público foi convidado a dar uma volta pela Côrte Egípcia e inspecionar o novo e  belo cinema. Após o final do filme, os espectadores desfilaram sob uma marcha de saída original composta por Schertzinger e executada pela Egyptian Symphony Orchestra.

Um aspecto que chamava atenção do lado de fora do cinema, era a presença de sentinelas vestidos como egípcios, andando nos parapeitos do prédio (pintado de cor-de-rosa e sépia e com uma arquitetura massiva mas graciosa), iluminados fazendo contraste com a escuridão da noite.

A construção do Chinese Theatre (2.500 lugares), depois de ter aberto o Metropolitan (3.458 lugares), foi o feito supremo de Grauman, conhecido entre seus pares como “o P.T. Barnum do Cinema”. A arquitetura do prédio era uma combinação de vários estilos da arte clássica oriental. Os telhados chamavam a atenção imediatamente de quem estava diante da fachada. Sustentada por dois pilares octogonais enormes, a grande torre da entrada central na parte traseira do pátio apontava seu pagode cheio de telhas de bronze verde em direção ao céu. Diante do pagode havia um pátio com palmeiras, plantas tropicais e fontes que decoravam suas paredes. O topo das torres era ornamentado com pequenos arbustos que complementavam o efeito de jardim dado ao pátio. O vestíbulo, tinha tapetes espessos e lindamente desenhados; tapeçarias e quadros adornavam as paredes, com relicários e altares ocasionais e figuras de cera de espantosa realidade estavam cobertas com suntuosas vestes orientais. Os candelabros de vidro e metal intrincados despejavam uma luz multicolorida e difusa nos altos vasos e urnas, que eram peças chinesas autênticas.

Curiosamente, entre os tesouros do foyer (em 1938) estava uma pintura intitulada Hollywood Comes to Napoleon’s Art, que descrevia Napoleão e seu estado maior após a vitória de Austerlitz. Os generais eram celebridades reconhecíveis do cinema, pintadas por um artista de Hollywood auto-didata de 13 anos de idade, Charles D. Ravenne, que levou três anos para realizar o trabalho, avaliado em 25 mil dólares. Entre os personagens no fundo do quadro estavam Erich von Stroheim, Douglas Fairbanks, Clive Brook, Adolphe Menjou, Sid Grauman, Joseph Schenck, William Powell, Charles Chaplin e Marion Davies. Essa pintura desapareceu há muito tempo.

Quem quiser ler uma descrição mais detalhada do Chinese Theatre, recomendo o livro de Beardsley citado atrás que, além disso, descreve vários prólogos levados a efeito nas salas de projeção de Sid Grauman (inclusive Argentine Nights, que antecedeu a exibição de O Gaucho / The Gaucho /  1927,  o segundo  filme projetado no Chinese).Vou falar apenas sobre o estupendo prólogo da inauguração, relacionado com o filme de Cecil B. DeMille, Rei dos Reis (ou, no seu lançamento no Brasil, Jesus Cristo, o Rei dos Reis, como me lembrou Sergio Leemann) / The King of Kings / 1927.

Na noite do dia 18 de maio de 1927 Grauman organizou uma estréia de gala para uma platéia selecionada de Hollywood. Todas as pessoas mais importantes da indústria estavam lá e uma multidão se aglomerava pelos quarteirões do Hollywood Boulevard em volta do Chinese Theatre, para ver os seus astros favoritos chegarem de limusine. O prólogo e o filme foram precedidos por uma apresentação especial, que incluiu a presença de Fred Niblo, diretor de Ben-Hur / Ben-Hur / 1925. Niblo, por sua vêz, apresentou David Wark Griffith, que então introduziu Will Hays, o czar da censura do cinema, que por sua vez apresentou a última atração, Mary Pickford, a “Namorada da América”. Então Miss Pickford apertou um botão de jade,  a pesada  cortina se abriu e o prólogo começou.

Como o descreveu Beardsley, o prólogo de Rei dos Reis era espetacular, solenemente bíblico e certamente sem nenhum espalhafato, como costumavam ser os prólogos. O elenco de mais de cem atores foi escolhido a dedo por Grauman. A cena principal intitulada “The Meeting Place of the Populace” era composta por vários segmentos: “Twilight Prayers of the Common People” e “Dance of the Ebony Slave”, destacando-se um solo de Maurice Morgan. A próxima cena foi “The Chant of the Israelite Priests”, seguida  por “The Holy City”, cantada pungentemente por Stewart Brady, um garoto forte com voz de soprano, vestido de pastor de ovelhas, que foi acompanhado por uma orquestra sinfônica completa.

Os trajes bíblicos, ricamente detalhados, foram desenhados pelo figurinista da MGM, Adrian e a orquestra instalada no poço tocou música apropriada para a ocasião, composta pelos irmãos Bakaleinikoff. Espetacularmente encenadas e entusiasticamente recebidas pela platéia cheia de astros, o prólogo demorou tanto, que o filme só começou a ser exibido às vinte e três horas e daí continuou por mais três horas. Consta que DeMille ficou tão irritado pela longa duração do programa, que jurou nunca mais estrear um outro filme em Hollywood.

Samuel Lionel “Roxy” Rothapfel (1882 – 1936), nasceu na Alemanha, filho de Gustave Rothapfel e Rosalie Schwerzens e emigrou para os Estados Unidos com a idade de dois anos. Ele começou sua carreira no mundo dos espetáculos em Forest City, Pennsylvania, onde criou o “Family Theatre”, uma combinação de cinema e rinque de patinação. Em 1912, Roxy rumou para Nova York, onde gerenciou e produziu shows nos cinemas Strand (3.500 lugares), Rialto (1.900 lugares), Rivoli (2.100 lugares) e Capitol (5.300 lugares).

Sua maior façanha foi a construção do seu Cinema Roxy (6.200 lugares) na Times Square, inaugurado em 11 de março de 1927. Em 1932, ele abriria o Radio City Music Hall, que apresentava ao vivo um grupo de dança de precisão denominado as Roxyettes (depois rebatizadas de The Rockettes), que ele trouxe consigo do Cinema Roxy (O filme de estréia do Radio City Music Hall foi O Último Chá do General Yen / The Bitter Tea of General Yen / 1933; mas antes  as Roxyettes compartilharam o palco com 17 números ao vivo, incluindo The Flying Vallendas, Ray Bolger e Martha Graham).

Roxy também se notabilizou no rádio, onde começou em meados de novembro de 1922. Durante o ano de 1926, as transmissões radiofônicas ao vivo do seu programa de variedades Roxy and His Gang diretamente do Cinema Capitol em Nova York, tornaram-se imensamente populares. Além disso, Roxy e seu diretor musical Erno Rapee atraíram a Brunswick e outras companhias, para gravar os números executados pelas orquestras e organistas dos cinemas Capitol e Roxy. No final dos anos vinte, Roxy e Rapee também começaram a escrever scores para alguns filmes da Fox em Movietone tais como Aurora / Sunrise /  1927, Anjo da Rua /  Street Angel / 1928 e Quatro Filhos /  Four Sons / 1928. Os livros The Best Remaining Seats de Ben Hall (Clarkson N. Potter, 1961) e American Showman de Ross Melnick (Columbia University, 2012) fornecem mais informações sobre as atividades desse notável empreendedor.

O luxo e a magnificência do Cinema Roxy eram impressionantes: este cinema tinha seis bilheterias, foyers e lobby imensos, decoração deslumbrante com mármores, tapeçarias e candelabros de cristal, grandes escadarias, poltronas muito confortáveis (entre as quais uma pessoa podia passar sem incomodar a que estava sentada), tapetes de pelúcia, elevadores espaçosos para o balcão, ar-condicionado, banheiros esplêndidos, grupo coral de cem vozes, corpo de balé com cinquenta dançarinos, grande orquestra, quatorze pianos, Steinway, um colossal órgão Kimball (tocado por três organistas em três consolos separados), mini-hospital pronto para atender a qualquer emergência, pequeno estúdio de estação de rádio, cabines telefônicas, sistema de iluminação perfeito, equipe de lanterninhas bem uniformizados e militarmente disciplinados sob o comando  de um coronel reformado do Corpo de Fuzileiros Navais etc.

O filme escolhido para a inauguração do Cinema Roxy, referido pela imprensa como “A Catedral do Cinema” e “O Maior Cinema do Mundo”, foi O Amor de Sunya / The Love of Sunya / 1927, estrelado por Gloria Swanson. Segundo o Moving Picture World noticiou, “Todos que eram alguém no mundo do cinema estavam lá com suas respectivas esposas”.

O programa começou com um grande concerto de órgão antes de Stephen Wright ler uma invocação religiosa. “A Symphonic Tone Poem”, descrição tonal dos acontecimentos em torno da composição do hino “The Star Spangled Banner”, regido por Erno Rapee, Charles Previn e  Maurice Jacquet seguiu-se à invocação. Depois veio “A Floral Fantasy”, interpretada por Maria Gambarelli e pelo Roxy Ballet Corps, com coreografia de Leo Staats e Leon Leonidoff. Sucedeu-se a projeção de um trecho de cine-jornal, intitulado “Film Greetings”, saudando o Presidente Coolidge e outras autoridades. Em continuação, foi mostrado o número “A Fantasy of the South”, executado pelo Roxy Chorus com Charles Previn como mestre do côro. O show prosseguiu com o barítono Julius Bledsoe cantando “Swanee River”, seguido por ”The Southern Rhapsody”, com um arranjo vocal de Erno Rapee.

O “Roxy Pictorial Review”, cine-jornal do Cinema Roxy,  então precedeu a primeira apresentação de “A Russian Lullaby” de Irving Berlin, cantada por Gladys Rice e Douglas Stanbury, apoiados pelo Roxy Chorus. Tendo acertado com a Warner Bros. aparelhar o Cinema Roxy com os projetores Vitafone e amplificação do som, Roxy ofereceu ao público uma “Vitaphone Presentation” constituída por árias selecionadas da Carmen de Bizet. O Metropolitan Opera Chorus and Ballet acompanhou os solistas Giovanni Martinelli e Jeanne Gordon na música gravada pelo Vitaphone, que foi conduzida por Erno Rapee. Finalmente, Roxy continuou sua interpolação de filme com interpretações ao vivo, encenando um Prólogo antes da exibição de O Amor de Sunya.

Outros pioneiros na criação de prólogos  foram Fanny (Fanchon) e Mike (Marco) Wolff conhecidos como “Fanchon e Marco”. Eles  começaram suas carreira como um par de irmão e irmã dançarinos e eventualmente se tornaram produtores e promotores de seu próprio musical da Broadway intitulado Sunkist em 1921. A certa altura a dupla teve uma idéia brilhante. Os cinemas pequenos queriam apresentar stage shows mas não tinham dinheiro suficiente e então Fanchon e Marco lhes ofereceram equipes por um preço razoável, ensaiaram e as equiparam com vestuários, cenários e canções. Seu estúdio na Sunset Boulevard tornou-se uma fábrica de produção em massa de espetáculos de quinze minutos. Nesse local eles desenvolveram muitos números de variedades inclusive “The Fanchonettes”, uma chorus line de dançarinas semelhante às Rockettes do Radio City Music Hall. Os stage shows de Fanchon e Marco necessitavam de jovens talentosos que ajudariam a diminuir seus custos e assim despontaram, sob a orientação de Fanchon e Marco: Janet Gaynor, Myrna Loy, Bing Crosby, Cyd Charisse (aos doze anos de idade), Joan Crawford e Judy Garland (com uma das  Gumm Sisters).

Conforme informação prestada pela professôra da Universidade  Federal de São Carlos, Luciana Corrêa de Araujo no seu trabalho exemplar, ”Prólogos Envenenados”: Cinema e Teatro Nos Palcos da Cinelândia Carioca e também por Alice Gonzaga no seu preciosíssimo livro, Palácios e Poeiras – 100 Anos de Cinemas no Rio de Janeiro (Record / Funarte, 1996), em 1926, o exibidor Francisco Serrador trouxe para o circuito cinematográfico brasileiro a novidade dos prólogos cinematográficos. Estes constituíam uma das várias atrações oferecidas por Serrador nos cinemas Capitólio, Glória, Império e Odeon, as quatro primeiras salas construídas na Cinelândia Carioca entre 1915 e 1926.

Conta Alice Gonzaga que, quando esteve nos Estados Unidos pela primeira vez, Serrador conheceu o prólogo cinematográfico e trouxe algumas práticas de Rothapfel na administração do seus cinemas como o uso de pessoal com a função de indicar os lugares dos espectadores (os chamados lanterninhas), o artifício da diminuição gradativa da iluminação do salão, preparando o início da projeção e o hábito de vestir os funcionários de acordo com o figurino do filme em cartaz, no caso de grandes produções. Todos esses “modernismos”, aliados ao conforto e amplitude dos novos cinemas, comporiam o ambiente de luxo, arte e bom gôsto. Ao voltar da segunda viagem, em novembro de 1924, com os pacotes de filmes comprados para o Programa Serrador, nome de sua nova linha de locação, o temerário espanhol trouxe também acertada a introdução dos prólogos nas salas da Cinelândia.

A agência Paramount, forneceria os textos para os filmes distribuídos pela empresa. Para os demais, contratou-se o diretor de cinema e teatro Luiz de Barros. Ao contrário do que se poderia esperar, todos os esquetes acabaram sendo escritos por aqui, a maioria de autoria conjunta de Anibal Pacheco, Benjamin Fineberg e Celestino Silveira, publicistas daquela companhia.

Houve porém, como aponta a professora Luciana Corrêa de Araujo, uma campanha sistemática, promovida pelas revistas Selecta e Cinearte contra esses prólogos considerados “envenenados”. Segundo a Cinearte, vieram os prólogos, “timidamente a princípio, alargando-se depois, ampliando-se, transbordando  afinal, convertidos em verdadeiras peças de teatro, sacrificando os filmes, tomando a maior parte do tempo da sessão, como a querer constituir a parte principal do espetáculo oferecido ao público”(Cinearte, ano I, n.19, 7 jul 1926, p.3).

A professora Luciana dá exemplos de alguns prólogos: “Para Órfãs da Tempestade / Orphans of the Storm / 1921, monta-se no palco do Cinema Glória o salão de um palácio, no qual dez artistas devidamente paramentados com vestidos armados, meias e perucas, incorporam a aristocracia francesa em meio aos conflitos da revolução de 1789; no mesmo Glória, cria-se um ambiente de mil e uma noites para o prólogo de O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924), com cenário em um estilo mourisco adornado por meia dúzia de dançarinas envoltas em véus e observadas por dois criados negros de turbante; para a inauguração do Odeon, com Amor de Príncipe / Graustark /1925), mais de dez artistas se apresentam no prólogo, incluindo dançarinas com vestidos armados nas laterais, com estratégicas aberturas e transparências na frente, deixando as pernas à mostra (Cinearte, ano I, n. 25, 18 ago 1926, p.27; ano I, n. 26, 25 ago 1926, p.27; e ano I , n. 9, 28 abr 1926, p.31).

No Correio da Manhã  de 29 abr 1926 colhí um anúncio de O Fantasma da Ópera / The Phantom of the Opera / 1925, referindo-se a “uma grande orquestração de 20 professores, a parte dramática e cantante confiada a Carmen de Azevedo e Roberto Vilmar, os bailados executados “pela escultural” Oeser Valery, os cenários luxuosos de Luiz de Barros e aos costumes e guarda roupas “riquíssimos” de R. Barras. Mas, conforme a opinião de um leitor de Cinearte , “Na noite em que fui ver o The Phantom of the Opera – ele escreveu o título assim, em inglês -, o fantasma pôs tanta imponência  nas atitudes, que acabou tropeçando na capa, indo abaixo todo o espanto que a sua rubra figura deveria inspirar”(cf. L.C.A., Cinearte, ano 1, n. 16, 16 jun 1926, p.2).

Na sua pesquisa modelar (que pode ser encontrada facilmente na Internet, bastando acessar o Google e digitar: Prólogos Cinematográficos), a professora Luciana  faz referência ainda a outros prólogos, que foram criticados  por terem tomado a liberdade de inserir canções e bailados ausentes dos filmes ou por resvalarem às vezes em pretensões de pompa e circunstância, que já no papel se mostravam excessivas. Em um deles, o prólogo para Castelo de Ilusões / The Tower of Lies / 1925), os trejeitos exagerados do ator que deveria ser “reprodução fiel do protagonista do filme”, Jan, interpretado na tela por Lon Chaney, somados aos retumbantes efeitos especiais, exemplificaram bem o que Alvaro Rocha descreveu como aquelas representações bombásticas, próprias para epílogos de espetáculos de circo”, para imediatamente se corrigir: “Que circo! Não quero desmoralizar os circos! Pior do que isso!” (Cinearte, v.1, n.2014 jul 1926, p.27-28).

Nas páginas do Correio da Manhã dos anos 1923 – 1933, encontrei anúncios de filmes em vários cinemas, indicando a presença de prólogos e / ou espetáculos ao vivo (pure presentation) antes ou depois da apresentação dos mesmos. Por exemplo, o Cinema Rialto anunciando no palco a peça A Francezinha com Alda Garrido e na tela, Richard Barthelmess em O Proscrito / The White Black Sheep / 1926; o Cinema  Iris  anunciando no palco a Companhia Nacional de Burletas Flor do Manacá com uma burleta de Luiz Iglesias, interpretada por La Conchita e na tela Sangue por Glória / What Price Glory / 1926 com Dolores Del Rio, Victor McLaglen e Edmund Lowe;

o Cinema Central anunciando no palco a bailarina Marinova, o parodista Alfredo Albuquerque, a rainha das operetas Gina Astréa, os sapateadores americanos The Ascots, o tenor italiano Caetano Breda, o rei dos sapateadores Marchisio, o equilibrista João Vasques, os duetistas cômicos Los  Caiafas, os bailarinos de salão Viley e Palos, Bettazzoni, barítono do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, os reis do trapézio Reckess e Arley, os acrobatas Los Condor’s, os ilusionistas Maquillon and Violet e na tela o  filme Alvorada Rubra / Purple Dawn / 1923 com Bessie Love;

o Cinema Eldorado anunciando no palco “um conjunto formidável de artistas de todos os gêneros” da Grande Cia. de Variedades Irmãos Queirolo e, na tela, Capricho de Mulher / Society Girl / 1932 com James Dunn, Peggy Shanon e Spencer Tracy e, em outro dia, no palco, Coisas de Caboclo com Jararaca e Ratinho  e um “estupendo elenco” e, na tela, Devoção / Devotion /1931 com Ann Harding e Leslie Howard;

o Cinema Broadway anunciando no palco, Darwin , “o mais assombroso imitador de mulheres” e, na tela, A Mulher Miraculosa / Miracle Woman / 1932 com Barbara Stanwyck; o Cinema Eldorado anunciando no palco “todas as novidades do Carnaval” e a presença dos “azes do samba” (Francisco Alves, Mario Reis, Lamartine Babo) e a Orquestra do Odeon e , na tela, O Filho Adotivo / Young Donovan’s Kid / 1931 com Jackie Cooper, Richard Dix e Boris Karloff. Ainda em 1941, o Cinema Colonial anunciava Os Amores de Schubert / Sérénade / 1939 na tela e, no palco, Silvino Neto, Moreira da Silva, a acordeonista Maria Guerrreiro, a fadista portuguêsa Curtali e a bailarina argentina Rita Gouilloux (e, pela manhã, Beatriz Costa, Jararaca e Ratinho, Jorge Murad); o Cinema Odeon anunciando no palco Suzy Regine interpretando o esquete “J’ai Que Çá” (criado em Paris por Mistinguette), os dançarimos Oeser Valery e Mario Soares dançando a “Java”e o barítono Roberto Vilmar com cenários magníficos e direção de Luiz de Barros e, na tela, O Barba Azul com ben Lyon.

Verifiquei também que alguns cinemas apresentavam apenas uma ouverture antes do filme: por exemplo, o Theatro Casino anunciava uma grande orquestração da  Abertura Egmont de Beethoven, regida pelo maestro Francisco Braga, antes da projeção de A Letra Escarlate / The Scarlet Letter / 1926 e da Abertura de Os Mestres Cantores de Wagner, também regida por Francisco Braga, antes da projeção de O Grande Desfile / The Big Parade / 1925). Na avant-première de gala de Grand Hotel (assim mesmo, sem o e)/ Grand Hotel / 1932 no Palácio Theatro, o jornal anunciava a apresentação no palco da orquestra Villa Lobos executando um trecho da VII Sinfonia de Beethoven e o Prelúdio Sinfônico da ópera “Izath” com regência do próprio maestro Villa-Lobos, e a transmissão radiofônica desta parte musical como também da recepção dos espectadores no saguão do cinema.

O advento do cinema sonoro causou o fim dos stage shows (Hollywood ofereceu uma Broadway virtual nos primeiros filmes falados, produzindo fac-símiles filmados das performances dos astros que as platéias queriam ver) e a Grande Depressão enterrou-os. Como disse Douglas Gomery (Shared Pleasures – A History of Movie Presentation in the United States, University of Wisconsin, 1992), “os poços das orquestras foram cobertos, a pintura dos camarins começou a descascar; e os bastidores tornaram-se mais um almoxarifado”.