Ida sempre quís fazer algo mais do que somente representar. Durante muitos anos ela deu vazão à sua expressão artística compondo músicas. No final dos anos trinta, sua “Aladin Suite” foi tocada no rádio pela orquestra de André Kostelanetz. Outras composições foram transmitidas pela Los Angeles Philharmonic. Por volta de 1945, Ida já tinha escrito dezenas de canções como, por exemplo, “When Our Fingers Meet”, “Leave Me Alone” e “Storm In My Heart” em parceria com Nick Arden. Ela estava também escrevendo argumentos e roteiros. Para All Our Yesterdays, usou o pseudônimo “William Threely”. Era a história de músicos de rua britânicos que tocavam enquanto as bombas germânicas explodiam em Londres. Ida e Barbara Reed colaboraram em Miss Pennington, roteiro que venderam para a RKO por cinco mil dólares.
Quando a Warner escolheu-a para contracenar com Errol Flynn em Quero-te Junto a Mim / Escape Me Never / 1947 (Dir: Peter Godfrey), Ida ficou feliz, porque se dava muito bem com ele. A história se passa na Veneza de 1900, onde uma jovem mãe solteira empobrecida, Gemma Smith (Ida Lupino) é abrigada por um compositor, que está tentando conquistar a fama, Sebastian Dubrok (Errol Flynn); porém a situação se complica com a intervenção de seu irmão Caryl (Gig Young) e a noiva dele, a bela e aristocrática Fenella MacLean.(Eleanor Parker), ocorrendo uma tragédia, que faz Sebastian confirmar seu amor por Gemma. Durante a filmagem, Ida e Flynn transformaram sua amizade em um romance que, infelizmente, durou pouco. O filme foi um fracasso de bilheteria e parece que os fãs de Flynn não gostaram de vê-lo de calças curtas alpinas.
O estúdio custou a arrumar um novo papel para Ida até que, finalmente, para não ficar pagando à atriz sem que ela trabalhasse, desenterrou um velho script, Deep Valley, que havia sido originariamente anunciado para 1942 como um filme a ser estrelado por Humphrey Bogart, John Garfield e Ann Sheridan. Agora, os astros principais eram Ida, Dane Clark e Wayne Morris.
Com excelente fotografia em exteriores de Ted McCord, o filme, intitulado no Brasil O Vale do Destino (Dir: Jean Negulesco), exigiu muito esforço físico por parte da atriz. As cenas supostamente passadas no verão foram filmadas sob um frio intenso em uma montanha e Ida, vestida com roupas leves, pegou uma gripe. Pouco depois, quando ela corria descalça sobre pedras, cortou o pé, desenvolvendo-se uma infecção, que afetou seus tornozelos. Ida insistiu em permanecer no local, para evitar que a filmagem se atrasasse e sua saúde frágil piorou, ao sofrer uma crise de bronquite crônica. Mesmo assim, ela proporcionou ao público uma de suas melhores interpretações, do tipo para o qual era singularmente dotada. Após a realização de O Vale do Destino, a Warner pediu que Ida assinasse um contrato de sete anos com exclusividade mas ela recusou e deixou o estúdio.
Ida queria mais do que tudo a liberdade artística e o desejo de ser independente levou-a a uma associação apressada com o produtor Benedict Bogeaus. Eles formaram a Arcadia Productions, porém a companhia não foi avante, porque Ida arrumou um novo parceiro, seu futuro marido, Collier Young, na época assistente de Harry Cohn na Columbia mas com vontade de se tornar produtor e autor de seus próprios filmes.
Antes de se casar com Collier Young, Ida fêz para a Twentieth Century-Fox, A Taverna do Caminho / Road House / 1948 (Dir: Jean Negulesco), no qual era Lily Stevens, cantora de uma estalagem à beira de estrada envolvida em um triângulo amoroso, com o impulsivo e ciumento dono do estabelecimento (Richard Widmark) e o seu gerente (Cornel Wilde). Os pontos altos do melodrama são as interpretações intensamente dramáticas de Richard Widmark (Zanuck descreveu a presença de Widmark no papel como “estar sentado em cima de um vulcão”) e de Ida (surpreendentemente ela mesma cantando “One for My Baby” de Johnny Mercer-Harold Arlen e “Again” de Lionel Newman com sua voz rouca e sensual).
Em 28 de junho de 1948, Ida tornou-se orgulhosamente cidadã americana e, em 5 de agosto, contraiu matrimônio com Collier Young em uma capela da Igreja Presbiteriana em La Jolla. Após a lua-de-mel, Collier retornou para seu emprego na Columbia e Ida concordou em aparecer em um filme desse estúdio, Escravos da Ambição / Lust for Gold / 1949 (Dir: S. Sylvan Simon), com a intenção de ficar perto do marido; entretanto, a maior parte da filmagem ocorreu no Arizona.
Ao lado de Glenn Ford e Gig Young, Ida interpreta o papel de Julia Thomas, mulher ambiciosa e desonesta que comete um assassinato para obter o ouro que cobiça e acaba morrendo durante um terremoto. Ela permanecia no set mesmo quando não estava filmando, observando atentamente o trabalho do diretor e dos técnicos. Mais ou menos nesta ocasião, Ida conheceu o diretor Roberto Rosselini, um dos expoentes do neo-realismo italiano, que lhe perguntou: “Quando é que a indústria de cinema americana vai fazer filmes sobre pessoas comuns em situações comuns?”.
Essa conversa causou forte impressão sobre a atriz que, no mesmo ano do lançamento de Escravos da Ambição, assumiu a direção (quando Elmer Clifton teve, logo no primeiro dia de filmagem, um ataque cardíaco) de Not Wanted / 1949), um melodrama (produzido por Ida e Collier Young – que deixara a Columbia- , em parceria com a Emerald Productions de Anson Bond) sobre o tema da mãe solteira (interpretada por Sally Forrest), que entrega seu bebê para adoção, depois se arrepende e sequestra outra criança para substituir o filho que perdeu. Foi o início de uma nova carreira para Ida (aos 31 anos de idade), como a mais bem sucedida e prolífica diretora de sua época.
Not Wanted teve um sucesso maior do que o esperado e Ida e Collier Young puderam realizar seu sonho de fundar a sua própria companhia, incluindo na sociedade Malvin Wald, o autor da história original do referido filme. Wald enunciou a essência na nova companhia, a Filmakers: “Vamos tentar fazer filmes com temas sérios, dramas abordando problemas sociais”. Foi anunciado um plano grandioso de realizar seis filmes de orçamento modesto. Ida declarou que não iria aparecer em nenhum deles; como ela brincou: “Não tenho condições de pagar meu próprio salário”.
A Filmakers funcionou de 1949 a 1955 e durante esse tempo produziu nove filmes: Quem Ama Não Teme / Never Fear / 1949, O Mundo é Culpado / Outrage / 1950, Laços de Sangue / Hard, Fast and Beautiful / 1951, Abismos do Desejo / On the Loose / 1951, Escravo De Si Mesmo / Beware My Lovely / 1952, O Mundo Odeia-Me / The Hitch-Hiker / 1953, O Bígamo / The Bigamist / 1953, Dinheiro Maldito / Private Hell 36 / 1954 e Volúpia do Desejo / Mad at the World / 1955.. Ida dirigiu cinco dos nove filmes, deixando Abismo do Desejo para Charles Lederer, Escravo de Si Mesmo para Harry Horner, Dinheiro Maldito para Don Siegel e Volúpia do Desejo para Harry Essex. Ida trabalhou como atriz em: Escravo de Si Mesmo e Dinheiro Maldito e acumulou as funções de diretora e atriz em O Bígamo.
A primeira produção da Filmakers dirigida por Ida, Quem Ama Não Teme, foi estrelado por Sally Forrest no papel de uma jovem dançarina vitimada pela poliomielite que, através de muita determinação, se recupera. A maior parte do filme (rodado no Kabat-Kaiser Rehabilitation Institute em Santa Monica, Califórnia), transcorre em um sanatório e mostra o tratamento da moça e a adaptação da mesma à sua nova vida. Tal como a maioria das pessoas que enfrentam essa situação, ela passa por surtos severos de depressão e chega a repudiar seu companheiro de dança – embora ele a ame e parece aceitar a sua incapacidade física. Tudo isso é mostrado com realismo, aptidão cinematográfica e quase que em um estilo documentário.
Todavia, mesmo após ter sido reintitulado de The Young Lovers, para atrair mais espectadores, o espetáculo não pagou os seus custos. Porém ele chamou a atenção de Howard Hughes, que acabara de comprar a RKO e estava procurando fornecedores de filmes de orçamento barato para preencher o seu esquema de distribuição. Ele concordou em distribuir os próximos três filmes da Filmakers e contribuiu com 250 mil dólares para cada filme (em troca da metade dos lucros), deixando a companhia com controle total sobre o conteúdo e a criação. Trabalhando nessa situação ideal, os três trabalhos seguintes dirigidos por Ida foram bem sucedidos comercial e criticamente.
Em Laços de Sangue, Claire Trevor surge como uma figura materna egoísta e oportunista, que obriga sua filha ingênua (Sally Forrest), a se tornar uma jogadora de tênis profissional. A mãe não somente arquiteta os primeiros estágios da carreira da filha como também usa de práticas comerciais nada aceitáveis para impulsioná-la. Entretanto, graças à crítica contínua de seu namorado, a moça começa a questionar a validade de sua busca pela glória esportiva e, finalmente, desiste de continuar sendo uma campeã, frustrando os planos de sua progenitora. Filmando em locação, tal como fêz em Quem Ama Não Teme e O Mundo é Culpado, Ida dá ao filme uma aparência de documentário, que torna a tentativa da jovem de alcançar a fama bastante real, fazendo ao mesmo tempo, uma análise detalhada dos mecanismos impuros de exploração comercial no meio esportivo. Em Laços de Sangue Ida faz uma aparição à la Hitchcock com Robert Ryan atrás dela, ambos vistos brevemente como espectadores aplaudindo o jogo.
Ida deu um tratamento sério a um assunto controvertido, evitando o sentimentalismo e a emoção óbvia, fugindo das convenções do gênero “filme para mulheres” e trata o personagem do bígamo de uma maneira simpática mas sem desculpar os seus atos. A diretora explorou com precisão a sua própria capacidade interpretativa e a de seus dois colegas; porém o filme poderia ter sido mais excitante visualmente.
Depois de O Mundo Odeia-me, a Filmakers resolveu se desligar da RKO e distribuir seus próprios filmes, erro fatal que propiciou o fim da companhia. O sonho de Ida de trabalhar independentemente transformou-se em cinzas e ela teve que procurar emprego como atriz. O público ainda a viu nos anos cinquenta: como Amelia van Zandt, diretora sádica e inflexível de um presídio em Mulheres Condenadas / Women’s Prison / 1955 (Dir: Lewis Seiler);
O melhor desses filmes foi No Silêncio de uma Cidade. A parte policial da intriga serve apenas de contraponto para o verdadeiro tema do filme, a luta impiedosa entre os candidatos a um pôsto de alta projeção em uma empresa jornalística. Lang não se interessa pelo drama psicológico ou ações criminosas do doente mental mas sim pelos métodos inescrupulosos utilizados pelos concorrentes, fazendo uma crítica mordaz do arrivismo na vida profissional americana.
No dia 31 de dezembro de 1953, Ida estreou na televisão (no papel de uma mulher que se encontra com um assassino psicopata) em House for Sale, episódio do programa Four Star Playhouse, iniciando, primeiro como atriz e depois como diretora, uma longa carreira no novo veículo, sobre a qual não vou me pronunciar, para não alongar este artigo. Menciono apenas, como exemplo, sua pungente atuação no episódio The Sixteen-Millimeter Shrine do seriado Além da Imaginação / Twilight Zone, dirigido por Mitchell Leisen, como uma atriz envelhecida, Barbara Jean Trenton, cujo mundo é uma sala de projeção, “cujos sonhos são feitos de celuloide” e seu desejo de retornar aos dias mais felizes do passado se tornam realidade.
No cinema, ela voltou a dirigir em Anjos Rebeldes / The Trouble with Angels / 1966, filme sobre as estrepolias de duas garotas em um internato católico, endoidecendo a madre superiora (Rosalind Russell) e atuou como atriz: personificando Elvira Bonner, mãe de um profissional do rodeio solitário e lacônico (Steve McQueen) em Dez Segundos de Perigo / Junior Bonner (Dir: Sam Peckinpah); Mrs. Preston, mãe de um rapaz (William Shatner), que detém um livro muito procurado por satanistas no filme de horror The Devil’s Rain / 1975 (Dir: Robert Fuest); Mrs. Skinner, mulher do campo que descobre um líquido estranho na sua propriedade em A Fúria das Feras Atômicas / Food for the Gods / 1976 (Dir: Bert L. Gordon), aventura de ficção científica sobre animais e insetos mutantes; e Mrs. Morton, esposa do líder (Ralph Meeker) de delinquentes juvenís que, em My Boys are Good Boys / 1978 (Dir: Bethel Buckalew), fogem de uma prisão, assaltam um carro-forte, e voltam para suas celas sem serem descobertos.
Ida Lupino não foi uma grande cineasta , não deixou a marca de um estilo porém foi uma diretora muito competente, cuja obra se impõe pela sua coesão e originalidade. Ela gostava de abordar como temas de seus filmes problemas sociais ousados e controversos, que eram negligenciados pelos estúdios de Hollywood na época e abriu caminho para futuras gerações de mulheres diretoras. Como intérprete, foi uma das maiores atrizes de seu tempo, cativando o público com seu temperamento ardente, sua energia dramática e, é claro, com seus lindos olhos azuis.
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