Arquivo mensais:julho 2013

IDA LUPINO II

Ida sempre quís fazer algo mais do que somente representar. Durante muitos anos ela deu vazão à sua expressão artística compondo músicas. No final dos anos trinta, sua “Aladin Suite” foi tocada no rádio pela orquestra de André Kostelanetz. Outras composições foram transmitidas pela Los Angeles Philharmonic. Por volta de 1945, Ida já tinha escrito dezenas de canções como, por exemplo, “When Our Fingers Meet”, “Leave Me Alone” e “Storm In My Heart” em parceria com Nick Arden. Ela estava também escrevendo argumentos e roteiros. Para All Our Yesterdays, usou o pseudônimo “William Threely”. Era a história de músicos de rua britânicos que tocavam enquanto as bombas germânicas explodiam em Londres. Ida e Barbara Reed colaboraram em Miss Pennington, roteiro que  venderam para a RKO por cinco mil dólares.

Quando a Warner escolheu-a para contracenar com Errol Flynn em Quero-te Junto a Mim / Escape Me Never / 1947 (Dir: Peter Godfrey), Ida ficou feliz, porque se dava muito bem com ele. A história se passa na Veneza de 1900, onde uma jovem mãe solteira empobrecida, Gemma Smith (Ida Lupino) é abrigada por um compositor, que está tentando conquistar a fama, Sebastian Dubrok (Errol Flynn); porém a situação se complica com a intervenção de seu irmão Caryl (Gig Young) e a noiva dele, a bela e aristocrática Fenella MacLean.(Eleanor Parker), ocorrendo uma tragédia, que faz Sebastian confirmar seu amor por Gemma. Durante a filmagem, Ida e Flynn transformaram sua amizade em um romance que, infelizmente, durou pouco. O filme foi um fracasso de bilheteria e parece que os fãs de Flynn não gostaram de vê-lo de calças curtas alpinas.

O estúdio custou a arrumar um novo papel para Ida até que, finalmente, para não ficar pagando à atriz sem que ela trabalhasse, desenterrou um velho script, Deep Valley, que havia sido originariamente anunciado para 1942 como um filme a ser estrelado por Humphrey Bogart, John Garfield e Ann Sheridan. Agora, os astros principais eram Ida, Dane Clark e Wayne Morris.

Ida interpretava uma jovem tímida e gaga (Libby Saul), que vive com seus pais rudes em uma fazenda isolada. Afastada de toda interação social, a moça tem como companhia apenas o seu cachorrinho, até que avista um presidiário fugitivo, que trabalhava na construção de estradas (Dane Clark). Ela o esconde de seus perseguidores e o breve idílio entre os dois ajuda-a a se curar de sua gagueira. Então, os policiais chegam à procura do condenado e ele morre ao tentar escapar.

Com excelente fotografia em exteriores de Ted McCord, o filme, intitulado no Brasil O Vale do Destino (Dir: Jean Negulesco), exigiu muito esforço físico por parte da atriz. As cenas supostamente passadas no verão foram filmadas sob um frio intenso em uma montanha e Ida, vestida com roupas leves, pegou uma gripe. Pouco depois, quando ela corria descalça sobre pedras, cortou o pé, desenvolvendo-se uma infecção, que afetou seus tornozelos. Ida insistiu em permanecer no local, para evitar que a filmagem se atrasasse e sua saúde frágil piorou, ao sofrer uma crise de bronquite crônica. Mesmo assim, ela proporcionou ao público uma de suas melhores interpretações, do tipo para o qual era singularmente dotada. Após a realização de O Vale do Destino, a Warner pediu que Ida assinasse um contrato de sete anos com exclusividade mas ela recusou e deixou o estúdio.

Ida queria mais do que tudo a liberdade artística e o desejo de ser independente levou-a a uma associação apressada com o produtor Benedict Bogeaus. Eles formaram a Arcadia Productions, porém a companhia não foi avante, porque Ida arrumou um novo parceiro, seu futuro marido, Collier Young, na época assistente de Harry Cohn na Columbia mas com vontade de se tornar produtor e autor de seus próprios filmes.

Antes de se casar com Collier Young, Ida fêz para a Twentieth Century-Fox, A Taverna do Caminho / Road House / 1948 (Dir: Jean Negulesco), no qual era Lily Stevens, cantora de uma estalagem à beira de estrada envolvida em um triângulo amoroso, com o impulsivo e ciumento dono do estabelecimento (Richard Widmark) e o seu gerente (Cornel Wilde). Os pontos altos do melodrama são as interpretações intensamente dramáticas de Richard Widmark (Zanuck descreveu  a presença de Widmark no papel como “estar sentado em cima de um vulcão”) e de Ida (surpreendentemente ela mesma cantando “One for My Baby” de Johnny Mercer-Harold Arlen e “Again” de Lionel Newman com sua voz rouca e sensual).

Em 28 de junho de 1948, Ida tornou-se orgulhosamente cidadã americana e, em 5 de agosto, contraiu matrimônio com Collier Young em uma capela da Igreja Presbiteriana em La Jolla. Após a lua-de-mel, Collier retornou para seu emprego na Columbia e Ida concordou em aparecer em um filme desse estúdio, Escravos da Ambição / Lust for Gold / 1949 (Dir: S. Sylvan Simon), com a intenção de ficar perto do marido; entretanto, a maior parte da filmagem ocorreu no Arizona.

Ao lado de Glenn Ford e Gig Young, Ida interpreta o papel de Julia Thomas, mulher ambiciosa e desonesta que comete um assassinato para obter o ouro que cobiça e acaba morrendo durante um terremoto. Ela permanecia no set mesmo quando não estava filmando, observando atentamente o trabalho do diretor e dos técnicos. Mais ou menos nesta ocasião, Ida conheceu o diretor Roberto Rosselini, um dos expoentes do neo-realismo italiano, que lhe perguntou: “Quando é que a indústria de cinema americana vai fazer filmes sobre pessoas comuns em situações comuns?”.

Essa conversa causou forte impressão sobre a atriz que, no mesmo ano do lançamento de Escravos da Ambição, assumiu a direção (quando Elmer Clifton  teve, logo no primeiro dia de filmagem, um ataque cardíaco) de Not Wanted / 1949), um melodrama (produzido por Ida e Collier Young – que deixara a Columbia- , em parceria com a Emerald Productions de Anson Bond) sobre o tema da mãe solteira (interpretada por Sally Forrest), que entrega seu bebê para adoção, depois se arrepende e sequestra outra criança para substituir o filho que perdeu. Foi o início de uma nova carreira para Ida (aos 31 anos de idade), como a mais bem sucedida e prolífica diretora de sua época.

Not Wanted teve um sucesso maior do que o esperado e Ida e Collier Young puderam realizar seu sonho de fundar a sua própria companhia, incluindo na sociedade Malvin Wald, o autor da história original do referido filme. Wald enunciou a essência na nova companhia, a Filmakers: “Vamos tentar fazer filmes com temas sérios, dramas abordando problemas sociais”. Foi anunciado um plano grandioso de realizar seis filmes de orçamento modesto. Ida declarou que não iria aparecer em nenhum deles; como ela brincou: “Não tenho condições de pagar meu próprio salário”.

Para viabilizar financeiramente o primeiro projeto da nova companhia, Never Fear, Ida foi buscar dinheiro fazendo Entre o Amor e a Morte / Woman in Hiding / 1949 (Dir: Michael Gordon) na Universal, cujo argumento gira em torno de  uma jovem recém-casada, Deborah Chandler, que teme que seu marido (Stephen McNally, depois de cogitado Bruce Bennett) esteja planejando matá-la. O terceiro papel importante na trama coube a Howard Duff, entrando no lugar previsto para Ronald Reagan. Depois de uma antipatia inicial, Ida acabou atraída por Duff e a distância entre ela e Collier Young aumentou. O desempenho de Ida como uma mulher aterrorizada foi soberbo. O diretor Michael Gordon ficou impressionado não somente com a criatividade interpretativa de sua estrela mas também com o seu profissionalismo, como ela dominou seu medo de altitudes e participou de um clímax vertiginoso de perseguição pelos andaimes de um prédio.

A Filmakers funcionou de 1949 a 1955 e durante esse tempo produziu nove filmes: Quem Ama Não Teme / Never Fear / 1949, O Mundo é  Culpado / Outrage / 1950, Laços de Sangue / Hard, Fast and Beautiful / 1951, Abismos do Desejo / On the Loose / 1951, Escravo De Si Mesmo / Beware My Lovely / 1952, O Mundo Odeia-Me / The Hitch-Hiker / 1953, O Bígamo / The Bigamist / 1953, Dinheiro Maldito / Private Hell 36 / 1954 e Volúpia do Desejo / Mad at the World / 1955..  Ida dirigiu cinco dos nove filmes, deixando Abismo do Desejo para  Charles Lederer, Escravo de Si Mesmo para Harry Horner, Dinheiro Maldito para Don Siegel e Volúpia do Desejo para  Harry Essex. Ida trabalhou como atriz em: Escravo de Si Mesmo e Dinheiro Maldito e acumulou as funções de diretora e atriz em O Bígamo.

A primeira produção da Filmakers dirigida por Ida, Quem Ama Não Teme, foi estrelado por Sally Forrest no papel de uma jovem dançarina vitimada pela poliomielite que, através de muita determinação, se recupera. A maior parte do filme (rodado no Kabat-Kaiser Rehabilitation Institute em Santa Monica, Califórnia), transcorre em um sanatório e mostra o tratamento da moça e a adaptação da mesma à sua nova vida. Tal como a maioria das pessoas que enfrentam essa situação, ela passa por surtos severos de depressão e chega a repudiar seu companheiro de dança – embora ele a ame e parece aceitar a sua incapacidade física. Tudo isso é mostrado com realismo, aptidão cinematográfica e quase que em um estilo documentário.

Todavia, mesmo após ter sido reintitulado de The Young Lovers, para atrair mais espectadores, o espetáculo não pagou os seus custos. Porém ele chamou a atenção de Howard Hughes, que acabara de comprar a RKO e estava procurando fornecedores de filmes de orçamento barato para preencher o seu esquema de distribuição. Ele concordou em distribuir os próximos três filmes da Filmakers e contribuiu com 250 mil dólares para cada filme (em troca da metade dos lucros), deixando a companhia com controle total sobre o conteúdo e a criação. Trabalhando nessa situação ideal, os três trabalhos seguintes dirigidos por Ida foram bem sucedidos comercial e criticamente.

O Mundo é Culpado lidou com o estupro de uma maneira não sensacionalista e sem um discurso moralizador mas com planos magníficos de ternura para descrever o drama da jovem (Mala Powers) obrigada a se afastar de seus próximos para levar uma vida normal. Neste filme, Ida demonstra pela primeira vez seu domínio da câmera móvel com um número impressivo de tomadas de grua e travellings e adota uma iluminação contrastada, colocando a maioria dos acontecimentos da primeira metade da narrativa em um ambiente de sombras agourentas.

Em Laços de Sangue, Claire Trevor surge como uma figura materna egoísta e oportunista, que obriga sua filha ingênua (Sally Forrest), a se tornar uma jogadora de tênis profissional. A mãe não somente arquiteta os primeiros estágios da carreira da filha como também usa de práticas comerciais nada aceitáveis para impulsioná-la. Entretanto, graças à crítica contínua de seu namorado, a moça começa a questionar a validade de sua busca pela glória esportiva e, finalmente, desiste de continuar sendo uma campeã, frustrando os planos de sua progenitora. Filmando em locação, tal como fêz em Quem Ama Não Teme e O Mundo é Culpado, Ida dá ao filme uma aparência de documentário, que torna a tentativa  da jovem de alcançar a fama bastante real, fazendo ao mesmo tempo, uma análise detalhada dos mecanismos impuros de exploração comercial no meio esportivo. Em Laços de Sangue Ida faz uma aparição à la Hitchcock com Robert Ryan atrás dela, ambos vistos brevemente como espectadores aplaudindo o jogo.

Em 20 de 0utubro de 1951, Ida divorciou-se de Collier Young e, no dia seguinte, se casou com Howard Duff, do qual se divorciaria em 7 de junho de 1984. Logo depois de Laços de Sangue e antes de dirigir seu filme seguinte, O Mundo Odeia-me, ela integrou o elenco de uma produção da RKO, Cinzas que Queimam/ On Dangerous Ground / 1951. Nela, Ida é Mary Malden, a irmã cega do rapaz mentalmente perturbado que molestou e assassinou uma jovem e está sendo perseguido em um ambiente rural coberto de neve por um policial (Robert Ryan) acostumado a tratar os malfeitores com muita brutalidade. Enternecido pelo convívio com a cega e observando a ira do pai da vítima (Ward Bond), ele consegue encontrar a serenidade e agir como um verdadeiro defensor da lei. Um grande filme noir (impuro) dirigido com mão de mestre por Nicholas Ray.

Baseado em um caso verídico, O Mundo Odeia-me começa quando um perigoso assassino psicopata (William Tallman), fugitivo da prisão, pede carona a dois homens (Edmond O’Brien, Frank Lovejoy), que viajam de férias. Sob a mira de um revólver, os dos amigos são obrigados a levar o criminoso para o México, onde ele pretende escapar de barco para a América Central. Um dos cativos quer reagir imediatamente, porém o outro prefere aguardar uma boa oportunidade. Enquanto isso, a polícia americana trabalha em conjunto com a mexicana na caçada ao foragido. O filme tem uma ação bastante tensa e brutal, desenrolando-se quase inteiramente em uma paisagem desértica que, embora não seja tão dark como uma cidade à noite, produz praticamente o mesmo efeito sobre os protagonistas, isolando-os em um ambiente potencialmente mortal como de qualquer filme noir. A sensação de solidão dos três homens e a  angústia dos dois “raptados” são perfeitamente criadas pela direção firme de Ida, empregando muito bem os close-ups opressivos, para aumentar o suspense.

Depois de Cinzas Que Queimam, Ida voltou para a Filmakers, atuando apenas como atriz em Escravo de Si Mesmo e Dinheiro Maldito nesta companhia e na Allied Artists em Jennifer / 1953 (Dir: Joel Newton), retornando à Filmakers como atriz e diretora em O Bígamo. No thriller psicológico, Escravo de Si Mesmo, Ida é Helen Gordon, professora e viúva de guerra, que emprega um desconhecido (Robert Ryan), para serviços domésticos e descobre que ele é um psicopata. No filme noir (impuro), Dinheiro Maldito, Ida é Lili Marlowe, uma cantora de boate, que se envolve com dois policiais de Los Angeles (Steve Cochran, Howard Duff), que embolsaram o dinheiro roubado em um audacioso assalto. Em Jennifer, Ida é Agnes Langley, zeladora de uma  velha mansão, onde ela descobre um assassinato. Dos três, o melhor foi o dirigido por Don Siegel. Os personagens principais pertencem ao mundo noir por sua corruptibilidade e amargura  porém o tom do espetáculo não é bem dark. Lili também não chega a ser uma mulher fatal. Sente-se culpada por seu desejo de riqueza ter levado o amante (um dos dois policiais) para o caminho da inevitável destruição. Artesão hábil, Siegel consegue manter o interesse mas os problemas mais sérios são mais ou menos esquematizados segundo a moral de Hollywood.

Em O Bígamo, Harry (Edmond O’Brien) e Eve Graham (Joan Fontaine) estão tentando adotar um bebê. O chefe da agência sente que Harry esconde um segredo e investiga.  Ele logo descobre que Harry, fêz um número incomum de viagens de sua casa em San Francisco para Los Angeles. Harry é seguido até esta cidade, onde ele mantém uma segunda esposa, a garçonete Phyllis Martin (Ida Lupino) e um filho. Por meio de retrospectos, Harry conta para o investigador da agência como acabou mantendo dois casamentos.

Ida deu um tratamento sério a um assunto controvertido, evitando o sentimentalismo e a emoção óbvia, fugindo das convenções do gênero “filme para mulheres” e  trata o personagem do bígamo de uma maneira simpática mas sem desculpar os seus atos. A diretora explorou com precisão a sua própria capacidade interpretativa e a de seus dois colegas; porém o filme poderia ter sido mais excitante visualmente.

Depois de O Mundo Odeia-me, a Filmakers resolveu se desligar da RKO e  distribuir seus próprios filmes, erro fatal que propiciou o fim da companhia. O sonho de Ida de trabalhar independentemente transformou-se em cinzas e ela teve que procurar emprego como atriz. O público ainda a viu nos anos cinquenta: como Amelia van Zandt, diretora sádica e inflexível de um presídio em Mulheres Condenadas / Women’s Prison / 1955 (Dir: Lewis Seiler);

como Marion Castle, mulher de um ator pressionado por um chefão de estúdio em A Grande Chantagem / The Big Knife / 1955 (Dir: Robert Aldrich); como Mildred Donner, colunista de um grande jornal envolvida nas intrigas pela disputa de um alto cargo na organização enquanto um jovem psicopata (John Barrymore, Jr.) está cometendo crimes sexuais em No Silêncio de uma Cidade / While the City Sleeps / 1956 (Dir: Fritz Lang) e como Alice Carmichael, esposa de um prisioneiro na guerra da Coréia prestes a morrer, que confessa ao marido que o traiu porém está arrependida e, após o conflito, recebe a visita de um ex-companheiro neurótico de seu esposo, com a obsessão de impedir que os filhos do casal sejam criados por outro homem em Um Estranho em Minha Vida / Strange Intruder/ 1956 (Dir: Irving Rapper).

O melhor desses filmes foi No Silêncio de uma Cidade. A parte policial da intriga serve apenas de contraponto para o verdadeiro tema do filme, a luta impiedosa entre os candidatos a um pôsto de alta projeção em uma empresa jornalística. Lang não se interessa pelo drama psicológico ou ações criminosas do doente mental mas sim pelos métodos inescrupulosos utilizados pelos concorrentes, fazendo uma crítica mordaz do arrivismo na vida profissional americana.

No dia 31 de dezembro de 1953, Ida estreou na televisão (no papel de uma mulher que se encontra com um assassino psicopata) em House for Sale, episódio do programa Four Star Playhouse, iniciando, primeiro como atriz e depois como diretora, uma longa carreira no novo veículo, sobre a qual não vou me pronunciar, para não alongar este artigo. Menciono apenas, como exemplo, sua pungente atuação no episódio The Sixteen-Millimeter Shrine do seriado Além da Imaginação / Twilight Zone, dirigido por Mitchell Leisen, como uma atriz envelhecida, Barbara Jean Trenton, cujo mundo é uma sala de projeção, “cujos sonhos são feitos de celuloide” e seu desejo de retornar aos dias mais felizes do passado se tornam realidade.

No cinema, ela voltou a dirigir em Anjos Rebeldes / The Trouble with Angels / 1966, filme sobre as estrepolias de duas garotas em um internato católico, endoidecendo a madre superiora (Rosalind Russell) e atuou como atriz: personificando Elvira Bonner, mãe de um profissional do rodeio solitário e lacônico (Steve McQueen) em Dez Segundos de Perigo / Junior Bonner (Dir: Sam Peckinpah); Mrs. Preston, mãe de um rapaz (William Shatner), que detém um livro muito procurado por satanistas no filme de horror The Devil’s Rain / 1975 (Dir: Robert Fuest); Mrs. Skinner, mulher do campo que descobre um líquido estranho na sua propriedade em A Fúria das Feras Atômicas / Food for the Gods / 1976 (Dir: Bert L. Gordon), aventura de ficção científica sobre animais e insetos mutantes; e Mrs. Morton, esposa do líder  (Ralph Meeker) de delinquentes juvenís que, em My Boys are Good Boys / 1978 (Dir: Bethel Buckalew), fogem de uma prisão, assaltam um carro-forte, e voltam para suas celas sem serem descobertos.

Ida Lupino não foi uma grande cineasta , não deixou a marca de um estilo porém foi uma diretora muito competente, cuja obra se impõe pela sua coesão e originalidade. Ela gostava de abordar como temas de seus filmes problemas sociais ousados e controversos, que eram negligenciados pelos estúdios de Hollywood na época e abriu caminho para futuras gerações de mulheres diretoras. Como intérprete, foi uma das maiores atrizes de seu tempo, cativando o público com seu temperamento ardente, sua energia dramática e, é claro, com seus lindos olhos azuis.

IDA LUPINO I

Embora sendo comumente referida como “a cópia reserva de Bette Davis”, Ida era mais do que isso. Foi uma grande atriz da Época de Ouro de Hollywood e uma diretora muito capaz e estimada do Cinema Americano, além de atuar com igual destaque diante e atrás das câmeras na Televisão.

Ida (1918-1995) nasceu no dia 4 de fevereiro em Londres, no seio de uma família de artistas com raízes que iam até a Itália da Renascença. Seu pai, Stanley Lupino (1893-1942), era um astro do teatro musicado, acrobata, cantor, dançarino e ator, primo de Wallace Lupino e Lupino Lane, ambos também atores, sendo este último mais conhecido internacionalmente por sua notável participação em Alvorada do Amor / The Love Parade / 1930, a deliciosa opereta de Ernst Lubitsch. A mãe de Ida, Connie Emerald, também descendia de uma família teatral, embora de menor renome que os Lupino e era considerada a  sapateadora mais rápida de sua época.

Stanley percebeu logo o talento de sua filha e construiu em sua residência o Tom Thumb Theater (Teatro do Pequeno Polegar), onde escreveu uma revista para as crianças da família, entre as quais se incluíam Ida, sua irmã Rita e as primas. Durante os próximos três anos, Ida e Rita foram treinadas por seu pai na arte da interpretação. Em 1932, aos quatorze anos de idade, Ida matriculou-se na Royal Academy of Dramatic Arts. Seus professores ficaram impressionados com a jovem aspirante a atriz e passaram informações elogiosas aos profissionais da indústria do cinema. A esta altura Ida costumava acompanhar Stanley ao Elstree Studio, onde ficava horas estudando o trabalho do pai diante da câmera. “Seja sempre natural”, ele lhe dizia.

Certo dia, Ida recebeu um telefonema de seu agente, dizendo que ela estava sendo cogitada para um papel no filme Her First Affaire / 1932. O diretor Allan Dwan havia visto Ida em uma peça encenada na Royal Academy e, depois de um teste, contratou-a; após a estréia, profetizou: “Aposto que ela não ficará neste país por mais de um ano”.

Como Dwan previra, Ida começou a receber propostas dos estúdios americanos com promessas de um contrato de longo prazo e alto salário. Porém ela queria adquirir mais experiência antes de decidir ir para a América e prosseguiu sua carreira no cinema inglês, participando no ano seguinte de cinco filmes: Money for Speed (drama esportivo sobre corrida de motocicletas com Cyril McLaglen e John Loder), High Finance (drama com Gibb McLaughlin e John Batten), The Ghost Camera (drama criminal de mistério com Henry Kendall e John Mills), I Lived with You (comédia romântica com Ivor Novello – padrinho de Ida na vida real – e Ursula Jeans) e Prince of  Arcadia (comédia musical com Carl Brisson e Margot Grahame).

Quando filmava The Ghost Camera, Ida recebeu uma oferta dos executivos da Paramount, para interpretar o papel de Alice em Alice no País das Maravilhas / Alice in Wonderland / 1934. “Eu nunca poderei sentir Alice”, ela lamentou para seu pai. “Nunca tive a idade de Alice”. “É verdade”, ele respondeu. Mas Stanley aconselhou-a a ir para a América, pois achava que o melhor treinamento era atuar com grandes astros.

Para alívio de Ida, o papel acabou caindo nas mãos de Charlotte Henry, que logo ficou no esquecimento. A Paramount decidiu que a sua estréia dar-se-ia em A Conquista da Beleza / Search for Beauty / 1934, comédia romântica sobre campeões olímpicos (entre eles  Larry “Buster” Crabbe), que se envolviam com vigaristas (Robert Armstrong e James Gleason). Um mês depois, o segundo filme de Ida na Paramount, Fuzileiros da Fuzarca ou Galgos e Ninfas/ Come on, Marines! / 1934, no gênero aventuras (fuzileiros comandados por Richard Arlen, resgatavam a personagem de Ida e um grupo de moças nas selvas das Filipinas), já estava sendo exibido nos cinemas.

Enquanto o tempo passava, Ida começou a temer que a Paramount a havia descartado como atriz séria. Ansiava por um filme artisticamente gratificante. Ao ser escolhida para ser a filha malvada de uma atriz extravagante (Marjorie Rambeau) em Surpresas de Cupido / Ready for Love / 1934, exultou. Agora ela teria uma chance. Entretanto, as câmeras mal começaram a rodar e Ida se confrontou com uma doença que a levou ao desespêro: a poliomielite. Ela pensou que iria ficar para sempre em uma cadeira de rodas porém, após alguns dias de dores e angústia quanto ao seu destino artístico, a paralisia desapareceu. Quando a produção terminou, Ida partiu imediatamente para a Inglaterra.

Depois de um descanso no seu país natal, ela se apresentou na Paramount cheia de esperança quanto a sua carreira porém seu entusiasmo esfriou quando o estúdio a colocou em terceiro plano como uma nativa ingênua ao lado de Mary Ellis e Tullio Carminatti em Primavera em Paris / Paris in Spring / 1935);  formando dupla com Gail Patrick como duas moças que ficam desamparadas após o suicídio do pai em Bonita e Ladina / Smart Girl / 1935; em um pequeno papel (a coquete Agnes) contracenando com Gary Cooper e Ann Harding em Amor sem Fim / Peter Ibbetson / 1936. No filme seguinte, Fuzarca a Bordo / Anything Goes / 1936 Ida teve melhor destaque como a herdeira fugitiva por quem Bing Crosby se apaixona mas os maiores elogios foram para Ethel Merman por suas interpretações de “You’re the Top” e “I Get a Kick out of You” de Cole Porter.

Subsequentemente, Ida foi emprestada para a Pickford-Lasky Company para a qual fez dois filmes de nível artístico superior como atriz principal: Aconteceu numa Tarde Chuvosa /One Rainy Afternoon / 1936 e O Mundo é Meu / The Gay Desperado / 1936. O primeiro filme, dirigido por Rowland V. Lee,  uma farsa romântica na qual Ida Lupino é a moça que um ator (Francis Lederer) beija por engano em um cinema, causando um rebuliço. O segundo filme, dirigido por Rouben Mamoulian,  uma divertida paródia musical, na qual Ida é uma herdeira americana raptada por um bandido mexicano (Leo Carrillo) juntamente com um tenor (Nino Martini); o dito bandido raptou o tenor, porque gostava de ouví-lo cantar e a herdeira, para pedir o resgate. No intervalo entre esses dois filmes Ida ingressou no elenco de Viva o Cassino! / Yours for the Asking / 1936, de novo na Paramount e em terceiro plano ao lado de George Raft e Dolores Costello.

Seguiram-se mais sete filmes: um para a Paramount  (Artistas e Modelos / Artists and Models / 1937); dois emprestada para a RKO (Heróis do Mar / Sea Devils / 1937 e Amor em Budapeste / Fight for your Lady / 1937); três para a Columbia (Agora Convém Casar / Let’s Get Married / 1937, Alibi Nupcial / Lone Wolf Spy Hunt / 1939, Capangas do Barulho / The Lady and the Mob /1939); um para a Twentieth Century-Fox, Sherlock Holmes / The Adventures of Sherlock Holmes / 1939 e, finalmente, mais um para a Paramount, Luz Que Se Apaga / The Light That Failed / 1939.

Merece destaque o último filme, dirigido por William Wellman e com esplêndida atuação de Ronald Colman como o pintor Dick Heldar, que vê seu amor rejeitado pela namorada de infância e interrompida a carreira justamente quando criara a sua obra-prima, pela perda da visão. Ida sempre sonhara em interpretar no cinema o papel de Bessie Broke, a prostituta temperamental que serviu de modelo para o quadro do artista, antes de ficar cego, pois sabia que este papel lhe proporcionaria o sucesso que lhe vinha sendo sonegado nos seus seis anos em Hollywood. Wellman foi tomado de surpresa quando Ida irrompeu pela porta de seu escritório. Muito excitada, ela lhe disse: “Você está fazendo The Light That Failed de Rudyard Kipling e este papel é para mim. Você tem que me dar uma chance. Já conheço todo o script, porque eu o roubei!”. Ainda espantado com a intromissão inesperada, Wellman lhe disse que ela não poderia fazer o teste, porque o astro do filme, Ronald Colman, não estava alí. Audaciosamente, Ida insistiu que Wellman lesse o texto com ela. Queria interpretar a cena mais difícil, na qual Bessie ficava histérica. Impressionado pela manifestação de coragem e auto-confiança da jovem atriz, Wellman concordou em fazer a cena. Ida subitamente transformou-se em uma cockney louca, selvagem e assustadora. Wellman nunca vira nada tão impressionante em toda a sua vida e imediatamente levou Ida à presença do produtor Budd Schulberg. A repetição da performance foi tão magnífica quanto a original e Schulberg concordou que ela fosse Bessie Broke. O filme foi um sucesso de bilheteria e também para Ida Lupino.

Em 17 de novembro de 1938, Ida casou-se com o ator Louis Hayward. Ele se alistou como fuzileiro naval no começo da Segunda Guerra Mundial e, à frente de uma unidade fotográfica da Marinha, arriscando a vida no campo de batalha, filmou a Batalha de Tarawa com sua câmera de 16mm, realizando depois o documentário With the Marines at Tarawa (exibido no Brasil como A Tomada de Tarawa), que foi premiado com o Oscar. Hayward voltou do conflito com neurose de guerra e esta condição levou ao divórcio dos dois astros em 11 de maio de 1945.

Entusiasmado com o desempenho de Ida em Luz que se Apaga, o produtor Mark Hellinger, levou-a para a Warner Bros., colocou-a no elenco de Dentro da Noite / They Drive by Night /1940 ao lado de George Raft, Ann Sheridan e Humphrey Bogart, e ela “roubou” o filme como Lana Carlsen, a assassina e  esposa infiel, que enlouquece durante seu julgamento, contorcendo seu lenço sem parar, até explodir em uma crise de riso maníaco, dizendo: ”Foram as portas que me fizeram matá-lo. Sim, foram as portas, as portas”.

Mark Hellinger escolheu Ida para o seu novo filme, O Último Refúgio / High Sierra / 1941 (Dir: Raoul Walsh), como a dançarina de aluguel, Marie Garson, acolhida pelo bando de assaltantes liderado por Roy Earle (Humphrey Bogart), criminoso envelhecido e amargurado e ela soube criar com perfeição o retrato de uma mulher que manifesta um sentimento de lealdade e amor pelo único homem que lhe havia tratado com bondade. Magnificamente dirigido por Raoul Walsh, O Último Refúgio foi um dos melhores filmes da carreira de Ida.

No mesmo ano, ela integrou a equipe de O Lobo do Mar / The Sea Wolf / 1941, (Dir: Michael Curtiz) ao lado de Edward G. Robinson e John Garfield. Antes da filmagem, o  Breen Office informou a Warner que o personagem de Ida não podia ser uma prostituta e os roteiristas tiveram que transformá-la em “uma fugitiva da justiça”. Como era esperado, Edgar G. Robinson como Wolf Larsen, o capitão brutal e tirânico do navio batizado de “Fantasma”, dominou o filme; mas, embora ofuscada pela brilhante interpretação de Robinson, Ida recebeu elogios da crítica pela excelente atuação como “a garota com um passado”.

Quando Barbara Stanwyck recusou o papel de Stella, a jovem telefonista seduzida por Harold Goff, um malfeitor de fala macia e arrogante em Quando a Noite Cai / Out of the Fog / 1941 (Dir: Anatole Litvak), Ida assumiu-o com entusiasmo, porque a peça na qual o filme se baseava, obtivera um grande êxito, ao ser encenada pelo Group Theater com Franchot Tone e Silvia Sidney como atores principais. Ida se debruçou sobre o roteiro, encantada com o drama de Irwin Shaw – uma descrição de injustiça social, um estudo sobre pessoas simples e gentís (na trama dois pescadores interpretados por John Qualen e Thomas Mitchell), atormentadas a tal ponto, que acabam se unindo para exterminar seu agressor – e chegou a propor algumas sugestões que, segundo ela, contribuiriam para melhorar algumas cenas. O ator coadjuvante veterano, John Qualen  gostava de ficar espiando nas sombras enquanto Ida atuava diante da câmera. Eis o que ele disse: “Quando ela entra em um personagem, é como se ela não estivesse representando. É como se ela fosse aquela pessoa”.

Como o contrato de um ano que assinara com a Warner lhe permitia trabalhar também como free lancer em outras companhias, Ida fêz Mistério de uma Mulher / Ladies in Retirement / 1941 (Dir: Charles Vidor) para a Columbia e Brumas / Moontide / 1942 (Dir: Archie Mayo) para a Twentieth Century-Fox.  No primeiro filme, como Ellen Creed, a acompanhante de uma atriz aposentada, Mrs.  Leonora Fiske (Isobel Elsom) que, para amparar suas duas irmãs doentes mentais (Elsa Lanchester, Edith Barrett), assassina a patroa, Ida teve um de seus melhores desempenhos. A cena mais lembrada é aquela na qual Ellen estrangula a velha pelas costas a sangue frio com uma corda enquanto esta está tocando piano: as pérolas do colar de Mrs. Fiske caem no assoalho, uma a uma tal como gotas de sangue. No segundo filme, como Ada, uma garçonete recolhida por um estivador das docas (Jean Gabin), quando tentara o suicídio, Ida está linda, notadamente em uma cena de forte discussão com o chantagista (Thomas Mitchell), ambos – e o filme todo – focalizados em extraordinária fotografia em claro-escuro (de Charles Barnes), a principal atração do espetáculo.

Durante o intervalo entre um e outro filme, Ida renegociou seu contrato com a Warner. Seu salário subiu para três mil dólares semanais e ela continuou com o direito de aparecer em quatro filmes produzidos em outras companhias. Porém logo vieram os aborrecimentos. Quando o estúdio a designou para o papel de Cassandra em Em Cada Coração um Pecado / King’s Row / 1942, ela respondeu que o papel era muito pequeno e a posição de seu nome nos letreiros muito baixa. Nesta ocasião, Ida machucou o joelho e o estúdio mandou o seu próprio médico examiná-la em casa, suspeitando que se tratava de uma simulação para não fazer o papel indesejado. Ida ficou furiosa e logo depois ela não quís participar de Corsários das Nuvens / Captain of the Clouds / 1942  (com James Cagney), queixando-se de que o papel que lhe atribuíram era insignificante. O estúdio tentou convencê-la mais uma vez a integrar o elenco de Em Cada Coração um Pecado e ela mais uma vez recusou. A Warner aplicou-lhe uma suspensão e Betty Field interpretou Cassandra.

Nova recusa por parte de Ida, desta vez com relação à sua participação em Pés Inquietos / Juke Girl / 1942 (no papel que depois coube a Ann Sheridan), levou o estúdio a pensar em cancelar seu contrato. O desentendimento entre o estúdio e a atriz começou a se dissipar quando Ida obteve permissão para aparecer  (como uma criada, no terceiro episódio) em Para Sempre e um Dia / Forever and a Day / 1943, tributo recheado de astros à coragem do povo britânico no tempo de guerra. Um dos diretores do filme, Cedric Hardwicke, convidou-a para a produção e foi pedir pessoalmente a aprovação de Jack Warner. Este concordou desde que ela trabalhasse de graça e os rendimentos que lhe coubessem, fossem doados para caridade.

A crise com a Warner terminou quando o estúdio ofereceu a Ida (depois de cogitadas Ginger Rogers, Rosalind Russell e Olivia de Havilland) o  papel de Helen Chernen em É Difícil Ser Feliz / The Hard Way / 1942  (Dir: Vincent Sherman), mulher ambiciosa e dominadora que impele sua irmã mais moça e talentosa, Katherine (Joan Leslie), para o mundo do entretenimento, a fim de que ambas possam sair da pobreza. Entretanto, durante a filmagem, achando que  o público não iria aceitar personagens tão desajustados, exausta e abalada emocionalmente por causa do seu mau relacionamento com o diretor e também pela morte do seu querido pai ao 48 anos de idade, Ida teve que ser internada em um hospital.

Uma semana após a morte do pai, ela voltou para frente das câmeras. Ida chegou ao estúdio às 9.15 horas da manhã e logo teve uma crise de histeria. Quando pôde continuar seu trabalho, as desavenças com Sherman aumentaram. Durante uma cena, quando Sherman tentava lhe explicar o que ele queria, ela explodiu: “Este filme fede”, Ida gritou, “e eu vou ficar fedendo nele”.

Na estréia do filme, Ida saiu no meio da projeção, porém seu desempenho como Helen Chernen era soberbo (notadamente na cena em que Helen revela seu anseio por amor e afeição e retribui com paixão o beijo que lhe deu Paul Collins (Dennis Morgan) e, logo depois, recebe um fora dele e lhe dá um tapa, furiosa por ter exposto o seu lado fraco), e ela ganhou o New York Film Critics Award. Compreendendo muito bem as atrizes temperamentais, Sherman telefonou para Ida em busca de uma reconciliação. Ida estava encantadora, como se eles nunca tivessem brigado. ”Oh, querido, como você está?”, ela perguntou. Sherman congratulou-a. Depois disso, eles se tornaram grandes amigos.

Ida ficou muito animada com o seu próximo projeto, Ao Levantar o Pano / Life Begins at 8.30 / 1942, baseado em uma peça de Emlyn Williams sôbre um ator alcoólatra, outrora famoso, que entrou em decadência, tendo que se sujeitar a se fantasiar de Papai Noel em uma loja de departamentos. Monty Woolley seria Madden Thomas, o tal ator, e Ida faria a sua filha, Kathy, que era coxa. Na Twentieth Century-Fox, ela se sentia mais relaxada e se entendeu bem com Monty. Ida foi muito elogiada pelo momento mais pungente da trama, quando diz a verdade para o pai, que ele fôra responsável por seu defeito físico, porque havia deixado a filha ainda bebê cair enquanto estava bêbado.

Depois de marcar presença em dois filmes “patrióticos”, Graças à Minha Boa Estrela / Thank Your Lucky Stars / 1943 (com Olivia de Havilland em uma sátira  das Irmãs Andrews)  e Um Sonho em Hollywood / Hollywood Canteen / 1944, ambos com um elenco all-star, ela fêz um drama e uma comédia de guerra, respectivamente, Viveremos Outra Vez / In Our Time / 1944 e Que Falta faz um Marido / Pillow to Post / 1945. No primeiro filme, Ida é Jennifer Whittredge, acompanhante de uma dama inglesa em busca de antiguidades na Polônia, que se casa com um conde polonês (Paul Henreid) no limiar da invasão de Varsóvia pelos nazistas; no segundo filme, é Jean Howard, vendedora itinerante de uma companhia petrolífera que, devido à escassez de moradias durante a guerra, precisa de um marido militar para conseguir um lugar para ficar na cidade em que está; o Tenente Mallory (William Prince) concorda em se fazer passar por  seu marido e as confusões começam.

Devoção / Devotion já havia sido filmado em 1942-1943, porém o filme só foi lançado em 1946, com Ida Lupino, Olivia de Haviland e Nancy Coleman como as famosas escritoras e irmãs Emily, Charlotte e Anna Bronte, que tentam ajudar seu irmão Bramwell (Arthur Kennedy), pintor talentoso, cuja vida está sendo destruída pelo alcoolismo. É uma biografia muito romanceada, mostrando essencialmente a devoção da irmãs pelo irmão atormentado e a paixão de Emily e Charlotte pelo mesmo homem, o Reverendo Arthur Nicholls (Paul Henreid), com quem Charlote se casa após a morte de Bramwell e Emily. Ida e Olivia protestaram em vão contra essa imprecisão histórica.

A Warner pensou levar à tela Meu Único Amor / The Man I Love com Ann Sheridan mas Ida acabou substituindo-a sob a direção de Raoul Walsh. No início da filmagem ela parecia fraca e irritadiça, queixando-se da sua maquilagem e vestuário. Ida ganhava na época quatro mil dólares semanais e, quando começou a chegar atrasada no set, os executivos se alarmaram. Logo Ida caiu doente e, ao retornar ao trabalho, desmaiou durante uma cena dramática por causa do calor intenso e pelo vestido bastante apertado que Milo Anderson havia concebido para a sua personagem.

Porém sua interpretação nesse “women’s film” – como Petey Brown, mulher solteira muito independente e cantora de uma boate de Nova York (dublada por Peg la Centra), que procura ser a base sólida de sua família e a amante compreensiva de um pianista fracassado, que no final a deixa -, foi impecável. Os críticos acharam a história lacrimosa, reminiscente das novelas radiofônicas porém as fãs da atriz, enfrentaram as filas dos cinemas para vê-la. Quando aquela mulher, Petey Brown, forte mas vulnerável emocionalmente, se vê sozinha quando seu homem parte, um sentimento correspondente ao dela bateu no coração de muitas espectadoras.