Arquivo mensais:setembro 2012

GRANDES COMPOSITORES DO CINEMA CLÁSSICO DE HOLLYWOOD III

 

Franz Waxman, originariamente Waschsmann, (1906 – 1967) foi um dos mais eminentes músicos europeus que contribuíram para o melhoramento da música de filmes em Hollywood. Ele nasceu em Königshütte na Alta Silésia (hoje pertencente à Polônia), filho de um representante de vendas da  indústria do aço que não estimulou o menino a se tornar um músico, apesar de que ele tivesse manifestado desde cedo afinidade com o piano e talento para a composição, preferindo encaminhá-lo para a profissão de bancário. Aos 16 anos de idade Waxman começou a trabalhar como caixa de um banco mas, após seis meses exercendo este ofício, rebelou-se contra os desejos do pai e ingressou no Conservatório Real de Dresden.

Em 1923, Waxman foi para Berlim, a fim de estudar composição e regência e se manteve tocando música popular. Ele aceitou convite para ser pianista dos Weintraub Syncopaters, então uma das bandas de jazz mais populares da Europa. Nesta ocasião, conheceu Friedrich Hollander (depois Frederick), que havia escrito algumas músicas para os Weintraubs. Hollander apresentou Waxman  a pessoas com as quais ele poderia estudar música séria, inclusive o renomado maestro Bruno Walter.

Quando irrompeu o cinema sonoro, a indústria cinematográfica alemã começou a rodar uma série de musicais. Em 1930, Hollander, que estava sob contrato da UFA, persuadiu o produtor Erich Pommer a usar Waxman como orquestrador e regente. Um dos primeiros compromissos dele foi trabalhar nas canções de Hollander para o filme Anjo Azul / Der blaue Engel, que ajudaram a fazer a fama de Marlene Dietrich.

Três anos depois, após fazer arranjos para outros compositores, Waxman aprontou seu primeiro score para Coração de Apache / Liliom / 1934 de Fritz Lang. A trilha musical, que estava adiante do seu tempo no emprego de instrumentos eletrônicos e vozes humanas, despertou a atenção da indústria, porém sua carreira na Alemanha estava em perigo por causa da ascenção do Nazismo. No início de 1934, logo após ter se casado, Waxman foi espancando numa rua de Berlim pelos hitleristas. Rapidamente ele e sua esposa se mudaram para Paris. Dalí, Waxman partiu para Hollywood onde, por indicação de Erich Pommer, foi contratado como adaptador da música de Jerome Kern em Música no Ar / Music in the Air / 1934.

Pouco depois, ele conheceu o diretor James Whale, que gostara do score de Coração de Apache e perguntou a Waxman se ele estaria interessado em escrever o fundo musical da fantasia de horror, A Noiva de Frankenstein / The Bride of Frankenstein / 1935, produzida pela Universal. Sua partitura inovadora ajudou muito a criar uma atmosfera de mistério e o tema escolhido para o monstro, tornou-o patético e ameaçador. O alto nível de dissonância na partitura era raro na época, embora estivesse perfeitamente de acordo com o aspecto visual sinistro e perturbador do filme. Waxman foi um precursor no emprego de  vibração de cordas para provocar uma sensação intensificada de suspense, técnica doravante muito imitada por outros compositores.

O êxito de A Noiva de Frankenstein levou Waxman  assinar um contrato de dois anos como chefe do departamento musical do estúdio. Durante este período, ele  escreveu partituras para mais treze filmes, destacando-se Símbolo de uma Era / Diamond Jim / 1935; Sublime Obsessão / Magnificent Obession / 1935; O Poder Invisível / The Invisible Ray / 1936. Posteriormente, Waxman foi contratado pela MGM apenas como compositor e permaneceu nesta companhia por sete anos, escrevendo scores para todo tipo de filme. Na fase MGM, ele compôs 43 trilhas, sobressaindo entre elas as de Fúria / Fury / 1936; A Boneca do Diabo / The Devil-Doll / 1936; Marujo Intrépido / Captains Courageous / 1937; Três Camaradas / Three Comrades / 1938; As Aventuras de Huckleberry Finn / The Adventures of Huckleberry Finn / 1939; Núpcias de Escândalo / The Philadelphia Story / 1940; O Médico e o Monstro / Dr. Jekyll and Mr. Hyde / 1941; A Mulher do Ano / Woman of the Year / 1942.

Em 1938 e 1940, Waxman foi emprestado pela MGM para David O. Selznick para compor a música respectivamente de Jovem no Coração / The Young in Heart e Rebeca, a Mulher Inesquecível / Rebecca de Alfred Hitchcock, recebendo as duas primeiras de suas doze indicações para o Oscar. Em Rebeca a música de Waxman capta perfeitamente o mistério criminal  gótico,  que está no âmago da trama. Para sugerir a fantasmagórica Rebecca de Winter – a primeira esposa morta, nunca vista de Max de Winter (Laurence Olivier) – Waxman utilizou os sons sinistros do novachord, um teclado eletrônico que é ouvido sempre que a memória de Rebecca é invocada. Seus suspiros sepulcrais são contrabalançados por Waxman por um tema de amor romântico, ouvido pela primeira vez nos créditos de abertura do filme. Em 1941, ele colaborou mais uma vez com Hitchcock, escrevendo a partitura de  Suspeita / Suspicion, produzido pela RKO,  para o qual usou também sonoridades elétricas (um violino amplificado).

Em 1943, Waxman transferiu-se para a Warner e se juntou a Erich Wolfgang Korngold e Max Steiner no que, sob a direção astuta de Leo Forbstein, é geralmente considerado o auge da escola hollywoodiana de composição para o cinema. Ele gozou de maior liberdade de criação na Warner do que nos estúdios precedentes e trabalhou no score de 23 filmes, entre os quais sobressaem: Uma Velha Amizade / Old Acquaintance / 1943; Revolta / Edge of Darkness / 1943; Vaidosa / Mr. Skeffington / 1944; Um Punhado de Bravos / Objective Burma! / 1945; A Mão que nos Guia / God is my Co-Pilot / 1945; Uma Luz nas Trevas / The Pride of the Marines / 1945; Acordes do Coração / Humoresque / 1947;  Fogueira de Paixões / Possessed / 1947; Prisioneiro do Passado / Dark Passage / 1947. Em Um Punhado de Bravos, Waxman descreve magistralmente as centenas de pára-quedas espalhando-se em muitas direções por meio de figurações cromáticas ziguezagueantes de violino. Para Acordes do Coração, Waxman escreveu um concerto especial baseado em temas de “Carmen” de Bizet, que foi executada por Isaac Stern na trilha sonora deste filme. Para Fogueira de Paixões, ele distorceu a música pré-existente, no caso o “Carnaval” de Schumann, para fins dramáticos.

Em 1947, Waxman tornou-se free lancer e passou a aceitar somente as ofertas que achava que valiam a pena. Ao mesmo tempo, formou o Los Angeles Music Festival, para promover a causa da boa música.

Novamente prestou serviço para Selznick em Agonia de Amor / The Paradine Case / 1947, para a MGM em Cimarron / Cimarron / 1960 com a eletrizante música  na sequência da corrida para as terras no Oklahoma; e, principalmente, para a Paramount (vg. A Vida por um Fio / Sorry Wrong Number / 1948 com o primoroso uso da passacaglia no seu clímax; Almas em Fúria / The Furies / 1950; Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard / 1950; Cidade Negra / Dark City / 1950; Um Lugar ao Sol / A Place in the Sun / 1951; A Cruz da Minha Vida / Come Back Little Sheeba / 1953; Janela Indiscreta / Rear Window / 1954), 20thCentury-Fox (vg. Sombras do Mal / Night and the City / 1950; Decisão Antes do Amanhecer / Decision Before Dawn / 1951; Telefonema de um Estranho / Phone Call from a Stranger/ 1952; Eu Te Matarei Querida / My Cousin Rachel / 1952; O Príncipe Valente / Prince Valiant / 1954 com seu tema de amor sublime e uma música excitante para filme de capa-e-espada; Demetrius, o Gladiador / Demetrius and the Gladiators / 1954; A Caldeira do Diabo / Peyton Place / 1957 com sua melodia sofrida e sentimental;  A História de Ruth / The Story of Ruth / 1960; As Aventuras de um Jovem / Hemingway’s Adventures of a Young Man / 1963),  Warner (vg. Mr. Roberts / Mister Roberts / 195; Águia Solitária / The Spirit of St. Louis / 1957; Sayonara / Sayonara / 1957 com a linda canção “Sayonara” de Irving Berlin; Uma Cruz à Beira do Abismo / The Nun’s Story / 1959), United Artists (vg. A Um Passo da Morte / The Indian Fighter / 1955; O Mar é Nosso Túmulo / Run Silent, Run Deep / 1953; Taras Bulba / Taras Bulba / 1962 com o belo tema de abertura, a canção  “The Wishing Star” e a emocionante Marcha dos Cossacos). Nesta fase de sua carreira, Waxman conquistou seus dois Oscar da Academia, em anos consecutivos, pelos fundos musicais de Crepúsculo dos Deuses e Um Lugar ao Sol.

Em Crepúsculo dos Deuses, Waxman captou brilhantemente a atmosfera neurótica deste drama sobre as ilusões maníacas e os sonhos despedaçados  de uma estrela decadente de Hollywood Norma Desmond (Gloria Swanson). A obsessão da protagonista foi suscitada por certas técnicas familiares a outros scores do compositor (vg. pedais e repetidas pulsações de tímpanos) bem como pelo uso inovador de trinados instrumentais inspirados pela “Dança dos Sete Véus” de Richard Strauss. Embora estes trinados ocorram repetidamente durante todo o filme, vislumbram-se nele outras peças musicais tais como a música de vaudeville com predominância de um piano de cabaré acompanhando a paródia de Chaplin feita por Norma e a delicada reelaboração de clichés musicais de westerns quando os dois namorados passeiam durante a noite através de um Oeste Selvagem de estúdio. Mais tarde, vemos o ex-marido, diretor e agora mordomo de Norma, Max Von Mayerling (Erich von Stroheim), executando com luvas no órgão a Tocata em Ré menor de Bach.

Alguns podem perguntar porque Waxman escolheu um tema em ritmo de tango para a descida de Norma demente pelas escadarias diante das câmeras dos cine-jornais, mas ele é inteiramente apropriado devido à propensão da personagem para o  melodramático.

Como notou Mervyn Cooke (A History of Film Music, 2008), em Crepúsculo dos Deuses Waxman experimentou o som do saxofone para extrair um efeito simbólico, mais notadamente quando o seu lamento acompanha o oferecimento de dinheiro por parte de Norma ao seu gigolô (William Holden). Identificações entre o saxofone e tópicos dramáticos tais como venalidade, sensualidade, sordidez e corrupção tornaram-se lugar comum  e consistente nas partituras  no final dos anos cinquenta e Waxman explorou estas conexões no seu score para Um Lugar ao Sol. O uso desconcertante do saxofone neste fundo musical deixou o diretor George Stevens tão perplexo que ele encarregou Victor Young e Daniele Amfitheatrof de reescreverem um terço da música do filme, amaciando as dissonâncias. Mas não há dúvida de que Waxman sentiu muito bem o clima ao mesmo tempo romântico e sombrio da história e criou uma partitura que transmite isto apropriadamente durante toda a projeção.

Sua última trilha sonora para o cinema foi para o filme A Patrulha da Esperança / The Lost Command / 1966. Existe uma história segundo a qual, quando Alfred Newman não foi indicado para o Oscar por sua partitura para O Manto Sagrado / The Robe,   Waxman demitiu-se da Academy of Motion Pictures Arts and Sciences (AMPAS) e insistiu para que no  seu crédito por Demétrio, o Gladiador saísse que foi baseado no score de Newman para O Manto Sagrado.

Na época de ouro do filme americano o prestígio de Victor Young na Paramount era idêntico ao de Max Steiner na Warner ou ao de Alfred Newman na Fox no mesmo período e, tal como estes seus colegas, ele demonstrava uma produtividade espantosa. Tanto como compositor,  arranjador, autor de canções ou regente, Young trabalhou em um total de 350 filmes. Ele também escrevia e regia música para o rádio além de ser contratado da Decca Records, para a qual gravava com sua própria orquestra.

Victor Young (1900 – 1956) nasceu em Chicago filho de poloneses, sendo que seu pai era tenor de uma companhia de ópera itinerante. Em 1910, sua mãe faleceu e ele e sua irmã foram viver com os avós na Polonia, onde as inclinações musicais do menino – podia tocar violino aos seis anos de idade – foram estimuladas pelo avô, que o mandou para o Conservatório Imperial de Varsóvia. Young estudou com Roman Statlovsky, que havia sido aluno de Tchaikowsky, um fato que teria influência sobre a sua música. Como compositor, Young  tinha predileção pelas cordas e suas longas linhas melódicas manifestavam um toque Tchaikowskiano. Em 1917, Young diplomou-se com mérito e logo depois estreou como solista na Filarmônica de Varsóvia. Sua trajetória artística foi interrompida no final da Primeira Guerra Mundial, quando ele foi preso, primeiro, pelos russos e depois, pelos alemães. Após o Armistício, Young e a irmã foram para Paris, com a intenção de retornarem à América.

Eles chegaram em Nova York no mês de fevereiro de 1920 e rumaram para Chicago onde, depois de um ano passando por muitas dificuldades, Young estreou como violinista na Orquestra Sinfônica de Chicago. Em 1922, ele se dedicou à música popular, tornando-se o primeiro violino do Million Dollar Theater de Sid Grauman em Los Angeles. Um ano depois, voltou para Chicago, onde exerceu a mesma função no Central Park Theater, o principal cinema do circuito de Balaban e Katz. Este emprego levou Young a tocar música de acompanhamento em filmes mudos; gradualmente, ele passou a fazer arranjos e a compor para tais acompanhamentos.

Em 1929, ele realizou seu primeiro trabalho no rádio e, dois anos depois, assinou contrato com a Brunswick Records como diretor musical, cargo que incluía a participação em transmissões radiofônicas. Em 1935, então contratado da Decca Records, Young era um dos arranjadores, regentes e acompanhadores mais conhecidos no âmbito do mercado fonográfico. Quase todo artista que gravou na Decca foi em qualquer momento apoiado por Victor Young e sua orquestra. Em dezembro de 1935, Young aceitou uma oferta da Paramount Pictures e poucos meses depois chegou em Hollywood, a fim de iniciar uma nova e abundante carreira.

Paralelamente ao seu talento como compositor dramático, Young possuia um dom para escrever canções, muitas derivadas dos temas de seus filmes. Com a chegada da televisão ele também trabalhou neste meio  e ainda encontrou tempo para escrever dois musicais da Broadway, Pardon Our French (1950) e Seventh Heaven (1955).

O que distingue os scores de Young é a sua capacidade inesgotável de criar melodias. Até compondo um fundo musical para um thriller como O Solar das Almas Perdidas / The Uninvited / 1944, um filme com história sobrenatural, seu tema de amor era tão distintamente belo, que a demanda do público transformou-o na canção “Stella by Starlight”, uma das mais encantadoras surgidas a partir de uma partitura para cinema.

Ele demonstrou desde cedo um gosto pelo repertório clássico romântico e sentimental. Além da influência de Tchaikowsky, deixou-se impressionar pela suntuosa música de Rachmaninov e pela obras de seu contemporâneo George Gershwin. Do encontro do piano romântico com o jazz e o swing nasceram as melodias mais belas do compositor: a já citada “Stella by Starlight” (O Solar das Almas Perdidas), “Alone at Last” (Na Voragem do Vício / Something to Live For 1952), “I Love You So (Sombras Que Vivem / About Mrs. Leslie /1954), “How Strange” (Paixão de Toureiro / The Bullfighter and the Lady / 1951), “Love Letters” (Um Amor em Cada Vida / Love Letters / 1945) ou “My Foolish Heart” (Meu Maior Amor / My Foolish Heart / 1949).

Vedete da Paramount, Young acompanhou com regularidade os cineastas importantes do estúdio como Cecil B. DeMille, William Dieterle, John Farrow, Mitchell Leisen ou Billy Wilder. Para DeMille ele fez as trilhas de Legião de Heróis / North West Mounted Police / 1940, Vendaval de Paixões / Reap the Wild Wind / 1942, Pelo Vale das Sombras / The Story of Dr. Wassell / 1944, Os Inconquistáveis / Unconquered / 1947, Sansão e Dalila / Samson and Delilah /1949, L Maior Espetáculo da Terra / The Greatest Show on Earth / 1952. Ele ia compor também a música para Os Dez Mandamentos / The Ten Commandments / 1956, mas não estava se sentindo bem e indicou Elmer Bernstein, cujo carreira tomou impulso com sua esplêndida música para este filme monumental. Disse Bernstein: “Eu sabia o que DeMille queria e escreví à maneira de Victor Young. E minha gratidão e admiração por Victor é infinita”.

Encarregado de compor o fundo musical de vários filmes noirs importantes do estúdio, ele utilizou  as numerosas boates e cafés das intrigas para usar a source music, em ambiente de swing e de jazz band  ( vg. A Dália Azul / The Blue Dahlia / 1946) ou um tratamento minimalista em obras como Capitulou Sorrindo / The Glass Key / 1942 ou O Relógio Verde / The Big Clock / 1948,  abandonando toda a abordagem melódica.

Já em Mortalmente Perigosa / Gun Crazy / 1949 (United Artists), a odisséia criminoa de um casal  de assaltantes tipo Bonnie and Clyde (John Dall, Peggy Cummings), Young deixa de lado por alguns instantes a violência, para cuidar da paixão dos protagonistas com um de seus grandes temas românticos (“Mad About You”), que surge também no final, passado no pântano banhado pela névoa.

Young praticou abundantemente a citação clássica. Por exemplo, ele usou, brevemente, o 2º Concerto de Rachmaninov em Paraiso Proibido / September Affair / 1951; o grande tema da Sonata Patética de Tchaikowsky em O Proscrito / The Outlaw / 1941; a “Méditation” da ópera Thais de Massenet em Conflito de Duas Almas / Golden Boy / 1939 (Columbia) e, de maneira mais virtuosa, para  Gaivota Negra / Frechman’s Creek / 1944, misturou aos seus temas o Clair de Lune de Debussy, desenvolvido na veia orquestral de Leopold Stokowsky.

Nas músicas que fez para westerns (Comando Negro / Dark Command / 1940, Rajadas de Ódio / Drum Beat / 1954, Nas Garras da Ambição / The Tall Men / 1955, Renegando o Meu Sangue / Run of the Arrow /  1957 etc.) Young não fugiu da convenção, porém graças à sua capacidade melódica infinita, suas baladas não se parecem umas com as outras.

Embora a maioria dos scores de Victor Young ,tivessem sido escritos para a Paramount, ele trabalhou ocasionalmente para outros estúdios. Escreveu uma música encantadora (repleta de melodias folclóricas irlandesas) para Depois do Vendaval / The Quiet Man / 1952 (Republic), uma das obras-primas de Ford e, no mesmo ano, uma trilha muito animada para Scaramounche / Scaramounche (MGM), o excelente filme de capa-e-espada de George Sidney. De volta à Paramount, compôs uma partitura  quintessencial para western, que foi usada em Os Brutos Também Amam /  Shane / 1953 de George Stevens.

Entre outros fundos musicais  de Young destacam-se os de Por Quem Os sinos Dobram / For Whom The Bell Tolls / 1943 com um tema comovente para Maria (Ingrid Bergman), que acabou virando canção (“A Love Like This”); Cigana Feiticeira / Golden Earrings / 1947;  Pecado de Amor / Song of Surrender / 1949 com a valsa da heroína (Wanda Hendrix) inspirada em Ravel; Vida de Minha Vida / Our Very Own / 1950; Cinzas ao Vento / Bright Leaf / 1950; Lágrimas Amargas / The Star / 1952; Muralhas de Sangue / One Minute to Zero / 1952 com o interlúdio “When I Fall in Love”; A Fonte dos Desejos / Three Coins in the Fountain / 1954 no qual o compositor trabalhou sobre a canção de Sammy Cahn e Jule Styne, fazendo variações ao lado de seus próprios temas; Johnny Guitar / Johnny Guitar / 1954 eliminando  o aspecto western em proveito do lirismo; Comandos do Ar / Strategic Air Command / 1955;  Do Destino Ninguém Foge / The Left Hand of God / 1955; O Fruto do Pecado / The Proud and the Profane / 1956; Vida de Minha Vida / Our Very Own / Palavras ao Vento / Written in the Wind / 1956; As Aventuras de Omar Khayyam / Omar Khayyam / 1957.

No derradeiro ano de sua vida, Victor Young  compôs  o que foi talvez o seu maior êxito como compositor de filmes, A Volta ao Mundo em 80 Dias / Around the World in 80 Days / 1956 (ocasião em que demonstrou sua virtuosidade folclórica, descrevendo com a sua música lugares e costumes os mais diversos), pelo qual foi indicado pela 22ª vez para o Oscar e finalmente ganhou. Infelizmente, ele não pôde receber este prêmio, porque faleceu durante a filmagem de No Umbral da China / China Gate. O score foi terminado pelo amigo mais íntimo, Max Steiner.

GRANDES COMPOSITORES DO CINEMA CLÁSSICO DE HOLLYWOOD II

O nome de Erich Wolfgang Korngold (1897-1957) está indelevelmente associado com a época de ouro  – comumente considerada como sendo o período de meados dos anos trinta ao final dos anos quarenta –  da música de filmes em Hollywood, tendo trabalhado oficialmente em apenas dezenove filmes como compositor de cinema.

Antes de conquistar a fama na Terra do Cinema, Korngold desfrutou de uma notável reputação internacional, primeiro como criança prodígio e depois, como pianista, regente e compositor consagrado na Europa.

Ele nasceu em Brünn na Moravia (hoje conhecida como Brno, República Checa) e, a partir dos quatro anos de idade, cresceu na cidade de Viena, onde seu pai, Dr. Julius Korngold, assumiu a posição de crítico musical do jornal Neue Freie Press. Aos cinco anos de idade o menino já tocava com adultos peças de piano para quatro mãos e, aos onze anos, escreveu um balé-pantomima, Der Schneemann (O homem de neve) que estreou na presença do imperador austríaco Franz Josef.

Depois de ouvir o adolescente tocar, Gustav Mahler proclamou-o um gênio e indicou o professor Alexander von Zemlinsky como seu mentor. Quando , mais tarde, foi apresentado a Richard Strauss, este exclamou: “É espantoso que essas composições sejam obra de um menino”. Tudo o que Korngold compunha era publicado e representado – música de câmera, peças de concerto, canções, óperas.

Ele tinha dezesseis anos, quando escreveu suas duas primeiras óperas, Der Ring des Polycrates (O anel de Policrates) e Violanta e vinte e três anos, na época de Die tote Stadt (A cidade morta), sua ópera de maior sucesso. Em 1919, Korngold providenciou música incidental para uma produção teatral vienense de Much Ado About Nothing de Shakespeare e, em 1923, iniciou uma parceria com Max Reinhardt, encenando operetas com a música de Johann Strauss (filho), entre elas, Die Fledermaus.

Em 1934, Korngold foi para Hollywood a pedido de Max Reinhardt, que já estava trabalhando nos Estados Unidos, a fim de adaptar a música de Mendelssohn para a versão cinematográfica da peça de Shakespeare, A Midsummer’s Night Dream, produzida pela Warner Bros. e intitulada no Brasil, Sonho de Uma Noite de Verão.Terminado seu compromisso na Warner Bros., ele retornou a Viena, mas outros convites levaram-no novamente para Hollywood um ano depois. Seu primeiro score original foi para Noite Triunfal / Give Us This Night / 1936, musical da Paramount estrelado por Gladys Swarthout e Jan Kiepura. O filme fracassou e a experiência não trouxe nada de positivo para o compositor; entretanto, durante a sua sonorização, Jack Warner e Michael Curtiz lhe pediram para escrever o fundo musical de Capitão Blood / Captain Blood, com Errol Flynn no seu primeiro papel principal. Os resultados foram além do esperado pelos executivos da Warner e eles ofereceram a Korngold um contrato de longa duração.

Um fator que contribuiu para o sucesso de Korngold foi o prestígio do qual ele gozava como gênio mundialmente reconhecido no âmbito da música clássica. Por causa disso, ele pôde fazer uma série de exigências normalmente impossíveis até para músicos da estatura de Max Steiner (que trabalhava no mesmo estúdio na mesma época  e já havia recebido um Oscar da Academia), tais como escrever o score de apenas dois filmes por ano, recusar qualquer filme que lhe desagradasse, ter seu nome sempre colocado em destaque nos créditos, etc.

Além disso, Korngold não cedeu os direitos autorais de sua música para o estúdio, o que facilitou a incorporação de algum material de suas trilhas em seus concertos. Por exemplo, o concerto de violoncelo diegético composto para o filme Que o Céu a Condene / Deception / 1946 – regido por mímica pelo ator Paul Henreid com o auxílio dos braços de dois violoncelistas segurando seu instrumento através de mangas falsas -, que foi simultaneamente ampliado pelo mesmo compositor como o Concerto  em Dó maior para Violoncelo, opus 37.

Tal como a de Steiner, a música de filme de Korngold seguia as convenções que estavam se tornando bem estabelecidas: ela cultivava um romantismo baseado em um motivo condutor (que Korngold descrevia como “sinfônico”) como orientação para uma narrativa fundamental e a música quase sempre era subordinada à primazia da imagem visual e ao diálogo. Korngold acreditava que  música de filme era essencialmente lírica sem o canto. Ele dizia: “Vejo os filmes como óperas não cantadas” .

Korngold conquistou o Oscar pela música de Adversidade / Anthony Adverse / 1936 (todavia recebido pelo chefe do Departamento Musical da Warner, Leo Forbstein, de acordo com o regulamento então vigente da Academia) e As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938. Para o épico histórico, Adversidade, Korngold escreveu um score longo e complexo em uma escala positivamente Wagneriana, chegando mais perto da ópera do que em qualquer outro score de sua autoria. Ele tinha particular simpatia pelo tema do filme – a luta de um órfão contra a adversidade e as vicissitudes da vida – e  enfrentou o desafio de compor  uma das músicas mais suntuosas de seu catálogo. A partitura expõe um aspecto inovador da sua escrita musical: a colocação da música abaixo das vozes dos atores, a fim de evitar qualquer conflito entre eles. Isto, juntamente com um instinto para o contraponto, que lhe permitia evitar interromper o fluxo do diálogo e da ação, são dois dos seus legados duradouros para a arte  de compor para o cinema.

A princípio, Korngold relutou em fazer o score de As Aventuras de Robin Hood, alegando que a produção o deixaria “artisticamente completamente insatisfeito” porque não tinha nenhuma afinidade com o filme e, portanto, não poderia produzir música para ele. Conforme ele disse: “Sou um músico do coração, de paixões e psicologia. Não sou um ilustrador de um filme noventa por cento de ação”. O projeto, que Korngold eventualmente aceitou devido o agravamento do clima político em Viena, que ameaçava sua existência futura na Europa como judeu, resultou em outro magnífico fundo musical, que lhe deu o seu segundo prêmio da Academia. Trata-se, sem dúvida, de um dos melhores scores jamais escritos para o cinema. O tema de abertura e a música incidental são ao mesmo tempo clássicos, excitantes e multifacetados. Eles desempenham um papel considerável na movimentação da história  e na  enfatização  da ação,  do perigo, da solenidade e até de momentos cômicos. Como observou Mervyn Cooke (A History of Film Music, Cambridge University Press, 2008), Korngold não procurou captar o espírito da época: o estilo musical de Aventuras de Robin Hood é totalmente anacronístico com relação à intriga, ouvindo-se inclusive uma valsa vienense fin-de-siècle acompanhando uma cena de banquete medieval. O clímax final, que envolve pouco diálogo, permitiu que Korngold fizesse o que ele fazia de melhor: compor um poema sinfônico Straussiano em miniatura, solidamente elaborado, que sustenta primorosamente a ação, sem perder a continuidade (e ao mesmo tempo consegue incorporar fanfarras diegéticas).

Korngold ficou célebre pelos seus scores grandiloquentes para série de filmes de aventuras históricas com Errol Flynn, que incluía, além de Capitão Blood / 1935, e As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938: Meu Reino por um Amor / The Private Lives of Elizabeth and Essex / 1939 e O Gavião do Mar / The Sea Hawk / 1940, todos dirigidos por Michael Curtiz.

Em Capitão Blood, pressionado pelo tempo (deram-lhe apenas três semanas  para escrever todo o score), Korngold foi obrigado a usar a música preexistente de Liszt, razão pela qual ele próprio insistiu para que seu nome saísse nos créditos como arranjador e não como compositor.

Em Meu Reino por um Amor, Korngold  elaborou notáveis construções musicais desde uma fanfarra ricamente desenvolvida até as passagens mais calmas descrevendo o amor, o ciúme e a traição que envolvem  a Rainha (Bette Davis) e seu pretenso consorte (Errol Flynn) na côrte.

Em O Gavião do Mar, ele mostrou sua compreensão de que a música podia criar sensações físicas não necessariamente visíveis na tela, tais como a força do vento e o movimento dos remos da embarcação e usou um conjunto de instrumentos de percussão exóticos  para os segmentos do filme passados no Panamá.

Entre os outros grandes scores de Korngold destacam-se os de: O Príncipe e o Mendigo / The Prince and the Pauper / 1937, Outra Aurora / Another Dawn / 1937, Juarez / Juarez / 1939, O Lobo do Mar / The Sea Wolf / 1941, Em Cada Coração um Pecado / King’s Row / 1942, De Amor também se Morre / The Constant Nymph / 1943, Um Passo Além da Vida / Between Two Worlds / 1944, principalmente estes três últimos.

O tema principal de fanfarra de Em Cada Coração um Pecado é uma melodia sublime, que se adapta perfeitamente ao poema “Invictus”, que conclui o filme. Porém o score é mais do que um tema; mantendo-se fiel às suas raízes vienenses, Korngold compôs uma torrente de material temático maravilhosa e empolgante, que acompanha a paixão, a tragédia e os desejos dos personagens da pequena cidade do centro oeste americano.

O fundo musical de Korngold para De Amor Também se Morre é tão emocionante quanto o fundo de Em Cada Coração um Pecado. Como supostamente ele vai se desenvolver durante o  desenrolar do filme,  apenas ouvimos  sugestões  do tema principal nos créditos de abertura e nos interlúdios românticos entre a jovem Tessa (Joan Fontaine) e Lewis, o compositor que ela adora (Charles Boyer). Quando Lewis e sua esposa  Florence  (Alexis Smith) chegam no camarote do teatro para a grande estréia do concerto de Lewis, a música irrompe com todo vigor. O poema sinfônico (“Tomorrow”) para contralto, côro feminino e orquestra é  simplesmente lindíssimo.

O melancólico e misterioso score de Um Passo Além da Vida, Korngold é uma das criações mais pessoais e profundamente emotiva do compositor, por ter sido escrito na ocasião do falecimento de seu amigo e mentor Max Reinhardt. O tema da morte e da vida depois da morte – sobre pessoas mortas em um bombardeio em Londres que despertam a bordo de um navio estranho, antes de partirem para o outro mundo – foi assim uma preocupação imediata para Korngold e esta reflexão sombria transparece na sua música.

O derradeiro trabalho de Korngold no cinema – depois de contribuir com partituras para Devoção / Devotion / 1946, Escravo de uma Paixão / Of Human Bondage / 1946, Que o Céu a Condene / Deception / 1946 e Quero-te Junto a Mim / Escape Me Never / 1947  – foi como supervisor dos arranjos da música de Richard Wagner no filme Chama Imortal / Magic Fire / 1955, cinebiografia do célebre compositor, produzida pela Republic.

Miklós Rózsa (1907 – 1995), nasceu em Budapest, quando a cidade fazia parte do Império Austro-Húngaro, filho de uma pianista e de um industrial abastado. A família costumava passar o verão em Nagylócz, sua propriedade ao norte do país, onde Rozsa se interessou pela música folclórica, que exerceria influência sobre o estilo do compositor. Ele iniciou seu estudo do violino, viola e piano aos cinco anos de idade; três anos depois, fez sua primeira aparição em público, tocando um movimento do Concerto nº 5 de Mozart (vestido como a criança prodígio austríaca) e regendo uma orquestra infantil para a execução da Kindersinfonie de Haydn. No colégio, ele foi eleito presidente da Sociedade Franz Liszt, e irritou os diretores da escola, organizando concertos de “música moderna” (ou seja, as obras de Bela Bartók e Zoltan Kodály).

Apesar da insistência de seus pais para que estudasse química, Rozsa, com a ajuda de um musicólogo alemão, Hermann Gräbner, se inscreveu no Landeskonservatorium der Musik zu Leipzig, uma das escolas mais respeitadas da Europa. A performance de Rozsa, interpretando o seu Quinteto para Piano, opus 2, despertou o interesse do grande organista Karl Straube, então Diretor do Côro da Thomaskirche (Igreja de São Tomás); Straube apresentou o jovem aos editores Breitkopf e Härtel, que imprimiram a primeira de suas peças, Trio para Cordas, opus 1 e o referido Quinteto.

Após ter obtido o seu diploma em 1929, Rozsa permaneceu em Leipzig por algum tempo e, após um concerto de sua música de câmara em Paris, ele se instalou nesta cidade. Em 1934, Rozsa e o compositor suíço Arthur Honegger apresentaram um concerto conjunto de sua música na Salle Debussy. Sabendo que Honegger havia escrito a música para Os Miseráveis / Les Miserables (Dir: Raymond Bernard), Rozsa foi ver o filme e ficou impressionado. Mais ou menos nesta ocasião, ele aceitou a incumbência de compor um balé (intitulado Hungaria) com melodias de sua terra natal para a Companhia Markova-Dolin.  Encenado em Londres, o espetáculo fez muito sucesso. Entre os que o assistiram estava o diretor de cinema Jacques Feyder, que achou que havia encontrado o compositor ideal para o seu próximo filme, cujo produtor era o conterrâneo de Rozsa, Alexander Korda.

O score de Rozsa para o filme de Feyder, O Amor Nasceu do Ódio / Knight Without Armour / 1937, estrelado por Marlene Dietrich e Robert Donat, recebeu os maiores elogios e logo ele foi convidado para integrar a equipe da companhia de Korda, a London Film Productions. Seu primeiro grande êxito internacional foi As Quatro Penas Brancas / The Four Feathers / 1939, porém sua próxima partitura esbarrou em uma dificuldade, quando o diretor Ludwig Berger insistiu em contratar um outro compositor. Korda então sugeriu que Rozsa escrevesse a sua própria música para o filme e a tocasse no piano no escritório contíguo ao de Berger todos os dias, sempre que este estivesse por perto. O esquema funcionou: Berger capitulou e Rozsa compôs o fundo musical para O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1940. Rozsa estava trabalhando no dito score no Denham Studios, quando foi tomada a decisão, por causa da guerra, de terminar o filme em Hollywood. Korda realizou mais três filmes em Hollywood – Lady Hamilton, a Divina Dama / That Hamilton Woman / 1941, Lídia / Lydia / 1941 e Mowgli, o Menino Lôbo / The Jungle Book / 1942 – e pediu a Rozsa para escrever os respectivos fundos musicais. Quando Korda retornou para a Inglaterra, o compositor decidiu ficar em Hollywood.

No final de 1942, preparando a realização de um novo filme, Billy Wilder esperava contar com os serviços do compositor Franz Waxman. Mas, como  Waxman estava sob contrato da Warner, Wilder solicitou que a Paramount contratasse Rozsa, sua segunda escolha. Wilder e seu colaborador Charles Brackett haviam adaptado a peça de Lajos Biro, Hotel Imperial, à campanha de Rommel no Norte da África e intitularam-na Cinco Covas no Egito / Five Graves to Cairo. O estúdio deu apenas três semanas para Rozsa escrever 45 minutos de música. Ciente de que deveria demonstrar sua capacidade neste seu primeiro compromisso com um estúdio de Hollywood, Rozsa enfrentou esta tarefa, mas o chefe do Departamento de Música da Paramount, Louis Lipstone, odiou o score de Rozsa e suas “dissonâncias” (“Mas que dissonâncias?, Rozsa queria saber) e tentou persuadir o compositor a extirpar uma “dissonância” específica na pós-produção. Ele perdeu a calma quando Rozsa se recusou a fazer isto e foi rudemente aconselhado por Billy Wilder para não interferir.

Nos dois anos seguintes na Paramount, Rozsa escreveu os excelentes scores respectivamente para Pacto de Sangue / Double Indemnity / 1944 e Farrapo Humano / The Lost Weekend / 1945.

Em Pacto de Sangue, Wilder tinha a idéia de usar a abertura da Sinfonia Inacabada de Franz Schubert, para refletir as atividades conspiratórias de Walter Neff (Fred MacMurray) e Phyllis Dietrichson (Barbara Stanwyck) contra o marido dela, idéia que Rozsa achou muito boa. Na medida em que o trabalho continuava, o entusiasmo de Wilder pela partitura de Rozsa somente aumentava, porém Lipstone pensava de modo diferente. Chegado o momento da gravação, ele manifestou mais uma vez o seu desprezo pelo que Rozsa havia feito, o que levou Wilder a responder-lhe rispidamente: “Você pode ficar surpreso ao saber que eu adoro o score. O.K.?”. Mais tarde, Lipstone convocou Rozsa ao seu escritório e repreendeu-o por ter escrito “música de Carnegie Hall”, querendo dizer que era música de concerto e não um film score. “Por que você não escreve alguma melodia encantadora”- disse-lhe LIpstone. Rozsa respondeu: “Para estes personagens, para este filme?”. Lipstone estava convencido de que o Diretor Artístico do estúdio, Buddy DeSylva, quando ouvisse a música, a descartaria, porém DeSylva elogiou-a, dizendo que era exatamente um score dissonante que o filme necessitava.

Rozsa desenvolveu uma música bastante característica para o que ele denominava de “temas psicológicos dark” e “filmes criminais contundentes”,   inspirando-se tanto nas tradições folclóricas melancólicas como no modernismo das salas de concertos de sua herança musical húngara nativa.

A partitura de Pacto de Sangue cria uma atmosfera sombria e claustrofóbica perfeitamente afinada com o cenário e com a intriga e sua tendência para perturbar o espectador. O tema de abertura, com seus trombones e cornetas, transmite com exatidão a sensação de iminente tragédia. O tema de amor é frio como os personagens que ele retrata e a agitação nervosa dos instrumentos de corda destacam cada uma das sequências dos flashbacks de Walter. A brutalidade do clímax resulta  quase que inteiramente da música, uma vez que o crime ocorre fora do campo de visão da câmera.

O score seminal de Pacto de Sangue atraiu a atenção do produtor David O. Selznick, que contratou Rozsa para escrever a música de Quando Fala o Coração / Spellbound / 1945 de Alfred Hitchcock. Hitchock queria um “tema de amor arrebatador” para os astros Ingrid Bergman e Gregory Peck bem como um novo som, que conotasse paranóia. Rozsa usou o teremim – instrumento eletrônico famoso por seus glissandos  obsessivos –  nas sequências de J.B. (Gregory Peck) com a navalha na mão, no quarto da Dra. Constance (Ingrid Bergman) e na do sonho desenhado por Salvador Dali.

Para Farrapo Humano, Rozsa recorreu novamente ao teremim, instrumento maravilhosamente equipado para sugerir o delirium tremens sofrido pelo seu protagonista dipsomaníaco, quando vemos o rato sendo estraçalhado pelo morcego na parede. A música de Rozsa despertou novamente a ira de Louis Lipstone; desta vez, somente o  apoio do produtor Charles Brackett a manteve no filme. Na cerimônia da entrega do Oscar de 1945, o fundo musical de Farrapo Humano perdeu para a sua própria partitura de Quando Fala o Coração.

Rozsa quase que se tornou um especialista em filmes noir, deixando a sua marca inconfundível em filmes admiráveis deste subgênero do drama criminal: Assassinos / The Killers / 1946, Brutalidade / Brute Force / 1947, Cidade Nua / Naked City, Baixeza / Criss Cross / 1949 e o Segredo das Jóias / The Asphalt Jungle / 1950. Através dos scores de Rozsa, cenas memoráveis foram dramaticamente sublinhadas: a introdução agourenta para os dois assassinos de aluguel em Brentwood e seu encontro com o Sueco (Burt Lancaster) nos primeiros momentos de Assassinos; o tema da caminhada cruel quando Joe Collins (Burt Lancaster) e seus companheiros de cela irrompem pelo túnel em Brutalidade com o alcagüete amarrado ao vagonete que os protege; a agonia de Garzah (Ted de Corsia) contemplando a Cidade Nua pela última vez do alto da Williamsburg Bridge: o  tema de amor para Steve (Burt Lancaster) e Anna (Yvonne de Carlo) em Baixeza, que delineia a sua paixão condenada a um destino trágico; o tema impetuoso e obsessivo durante a fuga desesperada de Dix (Sterling Hayden), que se transforma em um tema triste e lamentoso, para a longa cena de sua morte no campo de uma fazenda do Kentucky onde foi criado, nos derradeiros instantes de O Segredo das Jóias.

Em 1949, Rozsa foi contratado pela Metro-Goldyn-Mayer seguindo-se uma fase  muito produtiva de sua carreira, na qual se destacam seus fundos musicais para aventuras históricas ou bíblicas (Quo Vadis / Quo Vadis / 1951,  Ivanhoé, o Vingador do Rei / Ivanhoe / 1952,  O Veleiro da AventuraPlymouth Adventure / 1952, Júlio Cesar / Julius Caesar / 1953,  A Rainha Virgem / Young Bess / 1953, Os Cavaleiros da Távola Redonda / Kings of the Round Table / 1953, Diana de França / Diane / 1956, Ben- Hur / Ben- Hur / 1959,  O Rei dos Reis / King of Kings / 1961) e o drama psicológico Fatalidade / A Double Life / 1948. Entre 17 indicações, Rozsa levou suas segunda e terceira estatuetas da Academia pelas partituras para Ben-Hur e Fatalidade.

O score majestoso de Ben-Hur captou a essência do filme, toda a sua pompa e esplendor, sempre complementando e acentuando o drama. Com a preocupação de ser o mais fiel possível ao estilo romano, Rozsa combinou elementos musicais gregos, judaicos e orientais, devendo ser feita uma menção especial ao tema de abertura, ao tema de amor delicado para Judah Ben-Hur (Charlton Heston) e Esther (Haya Haraaret), às marteladas cadenciadas e cada vez mais aceleradas no episódio das galés, à marcha romana triunfal que é ouvida no filme antes da corrida de bigas e ao tema de desalento nas cenas da colônia de leprosos.

Para Fatalidade, Rozsa compôs dois scores diferentes, que deveriam se misturar, quando o ator Anthony John (Ronald Colman) mergulhasse na loucura. Havia música estranha, fragmentada para as cenas paranóicas e música quase-Barroca para as cenas Shakespereanas no palco. No momento previsto, as duas se harmonizaram adequadamente, refletindo a insanidade do personagem.

A carreira de Rozsa como compositor erudito nunca cessou e até teve um impulso nas suas férias da MGM. Entre suas composições mais importantes estavam vários concertos: o Concerto para Violino  (1953) escrito para Jascha Heifetz, o Concerto para Piano (1957), composto a pedido de Leonard Pennario, o Concerto para Violoncelo (1968) escrito para Jänos Starker e o Concerto para viola (1979), escrito para  Pinchas Zuckerman.

O último filme épico musicado por Rozsa, ainda sob contrato com a MGM, foi El Cid / El Cid / 1961. O produtor independente Samuel Bronston fez um acordo especial com a “Marca das Estrelas”, para dispor dos serviços do compositor. Rozsa contou com a ajuda do eminente historiador, Dr. Ramon Menendez Pidal, que lhe pôs ao par de canções folclóricas e danças espanholas da Idade Média, fontes que ele traduziu para a sua voz musical, o famoso “Rozsa sound”,  oferecendo ao público uma inesquecível peça de música sinfônica.

Em 1962, o contrato de Rozsa com a MGM expirou e, a partir desta data, ele se tornou independente, compondo para vários estúdios até 1982, quando escreveu sua última trilha para Cliente Morto Não Paga / Dead Men Don’t Wear Plaid,  paródia sobre os clássicos filmes noir da década de quarenta.

Entre os 90 fundos musicais que compôs durante toda a sua trajetória artística em Hollywood, sobressaíram-se ainda os que foram feitos para os filmes: Sahara / Sahara / 1943, O Tempo não Apaga / The Strange Love of Martha Ivers / 1946, O Segredo da Casa Vermeha / The Red House / 1947, O Segredo da Porta Fechada / Secret Beyond the Door / 1947, A Sedutora Madame Bovary / Madame Bovary / 1949, Honra a um Homem Mau / Tribute to a Bad Man / 1956, Sêde de Viver / Lust for Life / 1956, Amar e Morrer / A Time to Love and a Time to Die / 1958, Sodoma e Gomorra /  Sodom and Gomorrah, /1962, Os Boinas Verdes / The Green Berets / 1968,  A Vida Íntima de Sherlock Holmes / The Private Life of Sherlock Holmes / 1970 (no qual usou o seu Concerto para Violino)  Providence / Providence / 1977, O Abraço da Morte / The Last Embrace / 1979, O Buraco da Agulha /  Eye of the Needle / 1981.