Arquivo mensais:julho 2012

CINEMA NO TERCEIRO REICH

Em contraste com um certo número de filmes realizados durante a República de Weimar (1919-1933) –  No Gabinete do Dr. Caligari / Das Cabinet des Dr. Caligari / 1920, Lobishomem / Nosferatu / 1922, A Última Gargalhada / Der letzte Mann / 1924, Metrópolis / Metropolis / 1927, O Anjo Azul / Der Blaue Angel / 1930, O Vampiro de Dusseldorf / M-Eine Stadt such einen Mörder / 1931 etc. – creio que nenhum filme alemão produzido no Terceiro Reich (1933-1945) – com exceção talvez dos dois documentários de propaganda de Leni Riefenstahl  – , pode ser considerado uma grande contribuição para o desenvolvimento da sétima arte. Entretanto, a maioria dos espetáculos possuía qualidade técnica e proporcionava bom entretenimento, apenas sem a mesma vivacidade e leveza dos filmes americanos, que eles procuravam imitar.

Nos anos trinta, o cinema alemão foi o mais exibido em nosso país depois do cinema americano, tendo grande penetração na colônia alemã e também junto ao grande público, que apreciava principalmente, as comédias românticas ou musicais de Martha Eggerth, Lilian Harvey, Renate Muller, Marika Rökk e os melodramas de Zarah Leander.

Inaugurado em 1926, o Colyseo Paulista, um enorme cinema de rua localizado no início da Av. Duque de Caxias, ainda no largo do Arouche, foi o primeiro a ostentar o logotipo da empresa cinematográfica germânica Ufa. Em 1936, o Ufa-Palácio, com linhas modernistas e capacidade para 3.139 lugares, seria inaugurado na Av. São João e se tornaria o grande exibidor de filmes alemães em terras paulistanas.

Desde o início de sua carreira política, Adolf Hitler reconheceu o potencial oferecido pelo cinema  na veiculação de ideologias e na conquista das massas. Em 13 de março de 1933, ele criou um novo ministério, o Reichsministerium für Volksaufklärung und Propaganda (Ministério do Reich para Esclarecimento Popular e Propaganda) cujo titular, Joseph Goebbels, foi encarregado de controlar todos os aspectos da propaganda política e da comunicação de massa.

O departamento de cinema do Ministério supervisionava todas as fases da produção cinematográfica, da concepção à exibição de filmes. O Ministro podia propor idéias e temas, interditar desde o início projetos indesejáveis, corrigir em tempo útil as “faltas de gosto e erros artísticos” e ordenar o apoio a filmes importantes (tratando de assuntos militares ou concernentes à política exterior) por parte de todos os organismos apropriados. Uma entidade separada (também presidida por Goebbels), a Reichskulturkammer (Câmara de Cultura do Reich), regulava os assuntos econômicos e sociais dos setores culturais.

Todos os que pretendessem trabalhar no mundo do cinema tinham que se filiar à Reichsfilmkammer, porém um decreto expedido pelo Ministro da Propaganda pouco antes da criação desta câmara, afastava os judeus e estrangeiros da indústria cinematográfica: somente os alemães definidos em termos de cidadania e origem racial, podiam requerer a filiação. Muitos judeus alemães e austríacos que trabalhavam na indústria em 1933 e 1934 (vg. Fritz Lang, Billy Wilder, Fred Zinnemann, Robert Siodmak, Kurt (Curt) Bernhardt, Karl Freund, Erich Charrell, Paul Czinner, Henry Kosterlitz (Koster), Joe May, Max Ophuls, Richard Oswald, Robert Wiene, Ludwig Berger, Erich Pommer, Carl Mayer, Lothar Mendes, Wilhelm Thiele, E. A. Dupont, Rudolf Maté, Eugen Schüfftan, Eric Wolfgang Korngold, Franz Waxman, Friedrich Hollander, Seymour Nebenzahl,  Peter Lorre etc. e até mesmo não-judeus Detlef Sierck / Douglas Sirk), resolveram deixar a Alemanha, Sierck porque sua esposa era judia e ele não queria se divorciar.

Ao mesmo tempo, a força bruta para punir a insubordinação manifestou-se em dois incidentes trágicos: o suicídio em 1942 do ator Joachim Gottschalk, depois de matar sua esposa judia e seu filho, diante da pressão nazista impondo a separação da família e o assassinato (embora anunciado como suicídio a causa da morte) em 1943 do diretor Herbert Selpin numa prisão da Gestapo, após ter criticado os militares durante a produção de Titanic / 1943. Houve ainda o caso do ator e diretor Kurt Gerron, que acabou em Theresienstadt, depois que a Gestapo o prendeu em Amsterdam, onde ele dirigia o teatro Judeu. Ele foi obrigado a supervisionar a produção de um filme de propaganda, Theresienstadt: Ein Dokumentarfilm Aus Dem Jüdischem Siedlungsgebiet, com o qual os nazistas pretendiam conquistar o apoio internacional para o uso de campos de concentração. Depois que o filme ficou pronto, Gerron e outros que haviam trabalhado nele, foram enviados para Auschwitz e assassinados.

Outra medida importante para controlar a produção de filmes foi a Reichslichtspiegelgesetz (Lei do Cinema do Reich) de 16 de fevereiro de 1934, que criou incentivos econômicos para os realizadores que estivessem de acordo com a ideologia Nacional Socialista, isentando-os de impostos – através  de um sistema de notas (Prädikate) –  e lhes concedendo apoio financeiro através do Filmkreditbank. Foi também instituida a censura prévia, a cargo do Reichsfilmdramaturg (Diretor Artístico do Cinema do Reich) e a crítica cinematográfica desapareceu completamente, sendo substituída por resenhas “descritivas”.

Os filmes de longa-metragem eram exibidos como parte de um programa obrigatório, que consistia de cine-jornais (Wochenschauen) e documentários educativos (Kulturfilme). Mesmo que não houvesse propaganda ostensiva no longa-metragem, era quase certo de que haveria alguma nos cine-jornais e documentários. Após a invasão da Polonia, em setembro de 1939, os nazistas fundiram quatro cine-jornais em um. Estes cine-jornais  (Ufa-Tonwoche, Deulig-Tonwoche, Tobis-Woche e Fox-Tönende Wochenschau) mantiveram seus créditos de abertura até junho de 1940, quando a fusão se tornou pública pelo uso de um novo crédito de abertura: Die Deutsche Wochenschau.

Num esforço para atingir segmentos mais amplos da população, o Ministro da propaganda instituiu o Filmvolkstag (Dia do Filme Popular), no qual o público podia assistir exibições especiais por um preço de ingresso nominal enquanto as Jugendfilmstuden (Horas de Filmes para a Juventude), organizadas pela Juventude Hitlerista, mostravam documentários especificamente direcionados para crianças a adolescentes.

Progressivamente, foram sendo sistematicamente eliminadas as pequenas companhias independentes e, em 1937, sob a intermediação de Max Winkler, a empresa holding Cautio Treuhandgesellschaft GmbH, criada por ele, começou a comprar secretamente ações das quatro maiores companhias: Ufa, Tobis, Terra e Bavaria. Em janeiro de 1942, toda a indústria cinematográfica foi consolidada  em um truste colossal, a Ufa-Film GmbH, mais conhecida como “Ufi”,  administrada por Fritz Hippler, que foi nomeado Reichsfilmintendant (Administrador do Cinema do Reich). A Ufi incluía a Ufa-Filmkunst, Bavaria-Filmkunst, Tobis-Filmkunst, Terra-Filmkunst, Prag-Film (criada pela apropriação dos estúdios Barrandov e Hostivar da firma checa AB-Filmfabrikation), Wien-Film (criada pela apropriação da Tobis-Sascha Filmindustrie AG, filial vienense da Tobis), Continental Film (criada para a produção na França de filmes com capital alemão e mão de obra francesa), Berlin Film (criada para dar trabalho aos cineastas desempregados pela liquidação de companhias privadas), Mars-Film (antigo Serviço Cinematográfico do Exército compreendendo um laboratório e um estúdio de gravação em Berlin-Spandau), Deustche Zeichenfilm (companhia produtora de animação). A Ufi se beneficiou de um equipamento técnico magnífico existente principalmente nos estúdios de Babelsberg e Tempelhof, os melhores da Europa.

No período do Terceiro Reich, de 1933 a 1945, o cinema alemão atingiu o auge de sua popularidade. Em 1933, ano em que os nazistas chegaram ao poder, havia 5.071 cinemas em toda a Alemanha e 245 milhões de espectadores. Seis anos depois, no começo da Segunda Guerra Mundial em 1939, o número de cinemas aumentou consideravelmente para 6.923 em toda a nação e o número de espectadores mais do que dobrou, para 624 milhões. Em 1943, o número de espectadores quase dobrou novamente para 1.116 milhões. Somente a Ufa tinha 159 cinemas em 69 cidades – um total de 162.171 lugares. O Ufa Palast am Zoo, o maior cinema da Ufa, com mais de dois mil lugares, era onde acontecia a maioria das pré-estréias.

Durante algum tempo, a maioria dos estudos sobre o Cinema do Terceiro Reich concentrou-se nos filmes de propaganda explícita, porém recentemente os pesquisadores tiveram mais acesso aos filmes do período 1933 – 1945 e verificaram que os filmes de entretenimento (Unterhaltungsfilme) dominavam o mercado. Dos 1094 filmes  de longa-metragem produzidos na Alemanha Nazista, somente 153 ou 14% eram clara e diretamente políticos ou propagandísticos. Os outros 941 filmes eram filmes tradicionais de gênero: dramas históricos, melodramas, biografias, filmes de aventura, comédias, musicais etc., apresentando os mesmos tipos de filmes que eram populares nos Estados Unidos na mesma época.

Mesmo fortemente estatizado, o cinema do Terceiro Reich funcionou com uma economia de mercado, daí porque  as autoridades tinham que levar em conta os gostos dos espectadores. Como observaram Francis Courtade e Pierre Cadars (Histoire du Cinéma Nazi, 1972), se, apesar da política, Babelsberg conservou seu prestígio de Hollywood européia, foi  graças à economia. Tal como nos Estados Unidos, a preocupação de ganhar dinheiro, quer dizer, a obrigação de agradar, temperou o rigor da ideologia.

Embora proporcionassem um escapismo, ajudando a tranquilizar o povo alemão, muitos desses filmes “apolíticos”  – mas nem todos – diluíam nos seus enredos valores básicos da ideologia nazista como obediência, auto-sacrifício, ordem, camaradagem, o princípio da liderança etc. Eles procuraram influenciar os espectadores por meio das convenções e dos estilos associados ao cinema clássico da Hollywood dos anos trinta e quarenta: envolvimento emocional, identificação com os personagens e astros, e gêneros populares.

O Cinema do Terceiro Reich foi um cinema dominado pelos astros e sobretudo pelas estrelas. Adoradas pelos fãs e fotografadas pelas revistas ilustradas, as atrizes famosas propiciavam a extravagância e o glamour, que havia sido eliminado da cultura oficial. As mais famosas na época eram: Zarah Leander (anunciada como a “Garbo Alemã”), Kristina Söderbaum (a loura ingênua que personificava a mulher ariana ideal), Marika Rokk (frequentemente comparada a Eleanor Powell ou Ginger Rogers), Lilian Harvey, Martha Eggerth, Renate Muller,  Käthe von Nagy, Brigitte Helm, Olga Tschechowa, Paula Wessely, Brigitte Horney, ,Sibylle Schmitz, Pola Negri, Lil Dagover, Lida Baarova, Jenny Jugo, Marianne Hoppe, Luise Ullrich, La Jana etc. Entre os atores masculinos destacavam-se: Heinrich George, Emil Jannings, Willy Fritsch, Werner Krauss, Hans Albers,  Gustav Fröhlich, Gustaf Grudgens, Willy Birgel, Willi Forst, Luis Trenker, Hans Söhnker, Jan Kiepura, Paul Hartmann, Carl Raddatz, Paul Klinger, Heinz Rühmann, Viktor Staal, Karl-Ludwig Diehl, Paul Wegener, Mathias Wieman, Harry Piel, Johannes Heesters, Hans Moser etc.

Os três diretores mais importantes do período 1933-1945 foram Leni Riefenstahl, Veit Harlan e Willi Forst.

Ex-bailarina e pintora, Leni Riefenstahl estreou no cinema alemão nos meados dos anos vinte como a estrela atraente e atlética dos filmes de montanha (Bergfilm) de Arnold Fank. Nos sets de filmagem ela aprendeu os fundamentos da técnica cinematográfica e, em 1931, realizou seu primeiro filme, Der Blaue Licht. Quando os nazistas chegaram ao poder, Leni, ardente admiradora e amiga pessoal de Hitler, foi encarregada de filmar os comícios do partido em Nuremberg. Depois de um primeiro ensaio, Der Sieg Des Glaubens (A Vitória da Fé) / 1933), ela realizou um documentário extraordinário Triumph des Willens / 1935 (em grande parte “encenado”), no qual conseguiu apresentar, por meio da montagem e da fotografia, uma visão formalmente perfeita de um espetáculo de massa e glorificar a figura do Führer.

Em seguida, Leni fez outra obra igualmente impressionante de montagem rítmica, o dispendioso filme de duas partes, Olimpíadas / Olympia, Fest der VölkerMocidade Olímpica / Olympia, Fest der Schoenheit / 1938,  aparentemente  um registro fílmico dos Jogos Olímpicos de 1936 em Berlim mas, em essência, um hino de louvor à Alemanha de Hitler e aos ideais de beleza, perfeição física e pureza racial. Ela usou 45 câmeras – algumas colocadas abaixo do solo ou debaixo d’agua, outras flutuando num balão -,  para filmar o evento de todo ângulo possível. Depois, montou, de modo brilhante e meticuloso, duzentas horas de material filmado, reduzindo-as para quatro horas com algumas das cenas mais deslumbrantes jamais vistas na tela.

Posteriormente, Leni cobriu a invasão da Polônia como fotojornalista e, em 1940, começou a filmar Tiefland, versão de uma ópera, na qual ela fazia o papel de uma cigana seduzida por um proprietário de terras venal; para uma das sequências, foram usados prisioneiros ciganos de um campo de concentração. Leni completou a filmagem em 1944, mas a vitória dos aliados retardou a exibição do filme.

Após a Segunda Guerra Mundial, Leni foi presa por ter sido parte ativa na propaganda nazista. Em 1952, uma corte libertou-a e ela pode trabalhar de novo. Leni finalmente exibiu Tiefland porém seus repetidos esforços para ressuscitar a carreira foram em vão. Ela passou a maior parte do seu tempo na Africa trabalhando num livro de fotos sobre os Nuba e depois se dedicou à filmagem submarina, realizando, aos 89 anos de idade, um filme doméstico sobre suas aventuras subaquáticas: Impressionen unter Wasser. Embora não se saiba até que ponto Riefenstahl se comprometeu com a ideologia do regime ou se ela era uma oportunista politica, o fato é que seus filmes criaram o “Look” do Terceiro Reich.

Veit Harlan foi, ao lado de Leni Riefenstahl, o mais controvertido e contestado cineasta do Terceiro Reich. Ele dirigiu Jud Süss / 1940, certamente o filme mais notório do Terceiro Reich, que teria tido o objetivo perverso de preparar a população alemã para a “solução final”, a deportação e assassinato em massa dos judeus europeus. Muito criticado (porém menos execrável do que o “documentário” de quatro rolos,  Der ewige Jude de Fritz Hippler, com o qual tem sido confundido), o espetáculo não só funcionou como propaganda como também agradou como entretenimento, demonstrando a habilidade de Harlan como diretor.

Ex – ator e aluno de Max Reinhardt, ele teve sua primeira oportunidade de trabalhar atrás das câmeras no filme Um Sonho que Passou / Die Pompadour / 1935. Seu trabalho agradou, surgindo imediatamente outro projeto, Krach in Hinterlaus / 1936, estrelado pela veterana Henny Porten, que ele conseguiu filmar em dez dias por um custo ínfimo, obtendo sucesso de audiência. Adquirindo a reputação de ser um diretor rápido e econômico, Harlan chamou ainda mais atenção com uma adaptação fiel do romance de Tolstoi, Sonata de Kreutzer / Der Kreutzersonate / 1937; com um drama sobre um poderoso industrial contendo uma exortação disfarçada de Hitler, Crepúsculo / Derr Herrscher / 1937; e com outro drama, Juventude Ardente / Jugend, condenando o puritanismo, no qual a sueca Kristina Soderbäum, futura esposa de Harlan, fez sua estréia no cinema alemão.


Depois de Jud Suss, ele prosseguiu sua carreira, realizando, vários filmes interessantes, destacando-se três melodramas românticos admiráveis, Cidade da IlusãoDie Goldene Stadt / 1942, Immensee / 1943 e Opfergang / 1944, enriquecidos pelo emprego artístico do Agfacolor e dois filmes de propaganda com ambiente histórico e grande movimentação de massas, que era a sua especialidade: O Grande ReiDer grosse Konig / 1942, biografia de Frederico, o Grande da Prússia e Kolberg / 1945, mostrando a resistência de uma cidade da Prússia  contra o exército de Napoleão em 1807. Mesmo com o regime nazista entrando na sua última fase, Goebbels dedicou abundantes recursos para a filmagem das cenas espetaculares de batalha de Kolberg detonando toneladas de explosivos e desviando milhares de soldados da Wehrmacht da frente de batalha; porém o filme não teve maior repercussão.

Harlan foi o único diretor do Terceiro Reich processado por crimes contra a humanidade, principalmente por ter feito Jud Süss. Depois de dois interrogatórios, ele foi absolvido das acusações por falta de provas suficientes e voltou a exercer a sua profissão dirigindo nove filmes entre 1950 e 1958

Willi Forst foi um ator, cantor, roteirista, diretor e produtor austríaco muito popular nos anos trinta e quarenta por suas operetas elegantes e espirituosas, tendo sido o responsável pela criação de um gênero inteiramente novo e geograficamente localizado no cinema europeu, o Filme Vienense.

Ele começou sua carreira de ator aos dezesseis anos de idade, trabalhando nos palcos provincianos da Austria-Hungria e do Império Germânico e, depois da primeira Guerra Mundial, já era um intérprete consagrado nos teatros de opereta em Viena e Berlim. No cinema mudo austríaco, passou de figurante no épico monumental de Michael Kertesz, Sodoma e Gomorra / Sodom und Gomorra / 1922 ao segundo papel principal no filme de Gustav Ucicky, Café Elektric / 1927 ao lado da pré-Anjo Azul, Marlene Dietrich.

Forst estreou no cinema sonoro cantando em Atlantik / 1929 (Dir: E. A. Dupont) e logo se tornou conhecido pela sua voz aveludada e sua encantadora persona vienense nos filmes dirigidos por Geza von Bolvary como, por exemplo, Noite de Valsa / Ich kenn’ Dich nicht und liebe Dich, contracenando com Magda Schneider. Subsequentemente Forst apareceu em duas das melhores comédias austríacas:  Der prinz von Arkadien / 1932 de Karl Hartl  e So ein Mädel vergisst man nicht / 1933 de Fritz Kortner.

Ele desenvolveu ativamente sua fama de grande galã romântico mas sua estréia diretorial em Sinfonia Inacabada / Leise flehen meine Lieder em 1933 trouxe para o cinema austríaco um dos seus maiores realizadores. Abordando o romance entre o compositor Franz Schubert (Hans Jaray) e a Condessa Esterahzy (Martha Eggerth), um drama de amor não realizado, Sinfonia Inacabada obteve um êxito estrondoso em toda a Europa e inclusive no Brasil, onde ficou várias semanas em cartaz. Usando a música como um elemento essencial de impacto dramático e combinando-a  de maneira perfeita com a intriga e as belas imagens da Viena do período Biedermeier, Forst realizou um espetáculo arrebatador,  típico do Filme Vienense.

O diretor prosseguiu neste novo gênero com Mascarada / Maskerade / 1934, cuja cena principal é o encontro de uma estudante de arte, Leopoldine (Paula Wessely) na Viena de fim-de-século com um pintor da sociedade, Heideneck (Adolf Wohlbrück) num luxuoso baile de carnaval, uma sequência inesquecível pela sua atmosfera romântica e pela música sedutora que a envolvia. Eis o que disse o comentarista de Cinearte por ocasião do lançamento do filme no Brasil: “Mascarada é um filme de Willy (sic) Forst, diretor de Sinfonia Inacabada. Neste último filme, Willy revelou-se um magnífico diretor, conhecedor profundo da composição de imagens … Entretanto, pelo trabalho apresentado não se podia fazer um juízo perfeito do seu talento. Sinfonia tinha os “handicaps” da música, do canto e da dansa. Música de Schubert. Voz de Martha Eggerth. E bailados encantadores … Mas incapaz de fornecer uma idéia perfeita do talento do seu autor. Em Mascarada, a coisa é diferente. Willy desta vez lida com cinema somente. Revela-se um incomparável manipulador de elementos fotogênicos. Um respeitável conhecedor da arte dramática e um invejável observador “. A cotação da revista foi a mais alta: Excepcional.

A mesma revista avaliou como Muito Bom o filme seguinte de Forst, Mazurka / Mazurka / 1935, um  dramalhão que agradou em cheio não só pela maneira magistral como ele o dirigiu, dando-lhe um tratamento essencialmente cinematográfico mas também pela presença magnética de Pola Negri, voltando para a Alemanha,  após ter passado anos em Hollywood.

Em 1937, depois de ter feito duas excelentes comédias Allotria / Allotria / 1936 e Intriga e Amor / Burg-Theater / 1936, Forst fundou sua própria companhia produtora, Willi Forst – Film, na qual continuou na mesma linha de filmes vieneneses, proporcionando ao público Serenata / Serenade / 1937, Bel Ami (“Mais borbulhante que champagne e mais leve do que o ar de Paris”, como disse um crítico francês),  A Rainha da Opereta / Operette / 1940 e  Wiener Blut / 1942.

Outros diretores competentes contribuíram com filmes dos mais variados gêneros para o Cinema do Terceiro Reich: Josef von Baky (vg. O Barão de Munchhausen Münchhausen / 1943); Carl Boese ( Alô, Janine! / Hello Janine/ 1939); Géza von Bolvary (vg. Luar no Bósforo / Die Nacht der grossen Liebe / 1933, Se Não Houvesse Amor / Das Schloss im Süden / 1933,  Noite de Valsa / Ich kenn’ Dich nicht und liebe Dich / 1934, A Valsa do Adeus / Abschiedwalzer! / 1934, Stradivarius / Stradivari / 1935,  Um Sonho de Valsa / Das Schloss in Flandern / 1936, Premiere / Premiere / 1937, La Bohème / Zauber der Bohème / 1937); Eduard von Borsody (vg. Kautschuk / 1938, Kongo-Express / 1939, Wunschkonzert / 1940); Richard Eichberg (vg. O Front Invisível / Die unsichtbare Front / 1933, Mistério da Índia / Der Tiger von Esnapur / 1938, Sepulcro Indiano / Das indische Grabmal / 1938); Arnold Fank (vg. O Sonho Eterno / Der ewige Traum / 1934,  A Filha do Samurai / Die Tochter des Samurai / 1937); Carl Froelich (vg. Der Choral von Leuthen / 1933, Mocidade de Hoje / Reifende Jugend / 1933, Ich für Dich – Du für Mich / 1934, Ilusão da Mocidade ou Conflito / Traumulus /1936, Minha Terra ou Pecado de Mulher / Heimat / 1938, Noite de Baile / Es war eine rauschende Ballnacht / 1939; Gustaf Gründgens (vg. Kapriolen / 1937); Rolf Hansen (vg. Die grosse Liebe / 1942, Damals / 1943); Karl Hartl (vg. Ouro / Gold / 1934, Assim Acaba um Grande Amor / So endete eine Liebe / 1934, O Barão dos Ciganos / ZIgeunerbaron / 1935, Marcha da Liberdade / Ritt in die Freheit / 1937, A Volta de Sherlock Holmes / Der Mann, der Sherlock Holmes war / 1937);

Georg Jacoby (vg. A Princesa das Czardas / Die Czardasfürstin / 1934, Rapsódia Húngara / Heisses Blut / 1936, O Estudante Mendigo / Der Bettelstudent / 1936, Ritmo Ardente / Und du men Schat fürst mit / 1937, Gasparone / Gasparone / 1937; Kora Terry / 1940, Frauen sind doch besssere Diplomaten / 1941); Victor Janson (vg. Carmen Loura / Die Blonde Carmen / 1935, Rouxinol Branco / Mädchen im Weiss / 1936);); Helmut Kautner (vg. Auf Windersehen, Franziska! / 1941, Romanze in Moll / 1943, Grosse Freiheit Nr. 7 / 1944, Unter den Brückne / 1945); Gerhard Lamprecht (vg. O Espião de Veneza / Ein gewisser Herr Gran / 1933, Turandot / Prinzessin Turandot / 1934, Barcarola / Barcarolle / 1935, A Mulher Que Amou Demais / Madame Bovary / 1937). 1942); Wolfgang Liebeneiner (vg. O Chapéu Florentino / Der Florentine Hut / 1939, Bismarck / 1940, Ich Klage an / 1941, Das Andere / 1941,  Die Entlassung / 1942); Herbert Maisch (vg. Valsa do Amor / Königswalzer / 1935, Boccacio / Boccacio / 1936, Friedrich Schiller / 1940, Andreas Schluter / 1942); Paul Martin (vg. Rosas Negras / Schwarze Rosen / 1935,  Alegres Bôemios / Glückskinder / 1936, Morrer de Amor / Fanny Elssler / 1937); Johannes Meyer (vg. A Princesa dos Milhões / Die Schönen Tage von Aranjuez / 1933): Georg Willhelm Pabst (vg. Komödiaten / 1941, Paracelsus / 1943); Arthur Maria Rabenalt (vg. Die 3 Codonas / 1940, ZIrkus Renz / 1943); Walter Reisch (Romance em Viena / Episode / 1935, Silhouetten / Silhuetas / 1936); Karl Ritter (vg. Traidores / Verräter / 1936, Entre Duas Bandeiras / Patrioten / 1937, Licença sob Palavra / Urlaub auf Ehrenwort / 1938, Honra ao Mérito / Pour le Mérite / 1938, Capricho / Capriccio / 1938); Reinhold Schünzel


(vg. Viktor und Viktoria / 1933, Um Casamento Inglês / Die englische Heirat / 1934, Anfitrião / Amphitryon / 1935, Segundo Amor / Das Mädchen Irene / 1926); Herbert Selpin (vg. Alarme em Pequim / Alarm in Peking / 1937, Sergeant Berry / 1938,  Wasser für Canitoga / 1939, Carl Peters / 1941, Titanic / 1943); Detlef Sierck (vg. A Nona Sinfonia ou Últimos Acordes / Schlussakkord / 1936, A Canção da Lembrança / Das Hofkonzert / 1936, Recomeça a Vida / Zu neuen Ufern / 1937, La Habanera / La Habanera / 1937); Hans Steinhoff (vg. O Amor Deve Ser Compreendido / Liebe muss verstaden sein / 1933, Mocidade Heróica / Hitlerjunge Quex / 1933; Na Voragem da Vida / Die Insel / 1934, Alma Mascarada / Der Alte und der junge König / 1935, Tanz auf dem Vulkan / 1938, Roberto Koch / Robert Koch, der Bekämpfer des Todes / 1939, Ohm Kruger / 1941 (com Herbert Maisch, Karl Anton não creditados), Rembrandt / 1942); Viktor Tourjansky (vg. Terra em Chamas / Stadt Anatol / 1936, A Raposa Azul / Die Blaufuchs / 1838, Feinde / 1940, Tonelli / 1043); Luis Trenker (vg. O Filho Pródigo / Der verlorene Sohn / 1934, O Imperador da Califórnia / Der Kaiser von Kalifornien / 1936, Os Cavaleiros do Bando Negro / Condottieri / 1937, Der Berg ruft / 1937); Gustav Ucicky (vg. Heróis do Mar / Morgenrot / 1933; Flüchtlinge / 1933, Rosas Vienenses / Der junge Baron Neuhaus / 1934

Joana D’arc, A Virgem de Orleans / Das Mädchen Joanna / 1935, O Navio Pirata / Unter Heissen Himmel / 1936, Der Zerbrochene Krug / 1939, Der Postmeister / 1940), Heimkehr / 1941); Erich Waschneck (vg. Episódio Musical / Music im Blut / 1934, Terrível Dúvida / Streit um den Knaben Jo / 1937, Die Rothschilds / 1940, Die Affaire Roedern / 1944); Paul Wegener (vg. Regresso à Pátria / Ein Mann will nach Deutschland / 1934, Hora da Tentação / Die Stunde der Versuchung / 1936,  Absolvida / Unter Ausschluft der Öffentlichkeit / 1937); Frank Wysbar (vg. Anna und Elisabeth / 1933, Führmann Maria / 1936); Hans H. Zerlett (vg. Truxa ou O Salto da Morte / Truxa / 1937, O Morcego / Die Fledermaus / 1937, Ouvindo Estrelas / Es leuchten die Sterne / 1938) etc.

O grande problema com o Cinema do Terceiro Reich sempre foi o difícil acesso aos filmes, deficiência que vem sendo corrigida pelos esforços do Friedric-Wilhelm-Murnau-Stiftung e sua parceira, a Transit Film GmbH, encarregada da comercialização dos filmes sobre os quais o instituto tem direitos legais. Hoje, na Amazon. deutsch, por exemplo, encontram-se à disposição dos estudiosos vários dvs de filmes alemães produzidos nos anos 1933 – 1945.

Por falta de um conhecimento mais abrangente das fontes primárias e ainda chocados com os horrores dos campos de extermínio, os primeiros historiadores que abordaram o assunto, criaram uma imagem do Cinema do Terceiro Reich somente como um cinema de ódio e de terror. Entretanto, como comprovaram seus colegas revisionistas, melhor atendidos pelos acervos das cinematecas e com um distanciamento maior do acontecimento histórico, ele era mais um cinema de ilusão (Eric Rentschler – The Ministry of Illusion, 1996) ou de encantamento da realidade (Mary-Elizabeth O’Brien – Nazi Cinema as Enchantment: The Politics of Entertainment in the Third Reich, 2004), um cinema popular (Sabine Hake – Popular Cinema in the Third Reich, 2001), que muitas vezes usava a diversão como instrumento de propaganda subliminar, indireta ou não usava propaganda nenhuma.

Segundo Hake, o cinema germânico do Terceiro Reich não era muito diferente do cinema contemporâneo americano. O cinema nazista, ela argumentou, era “uma versão empobrecida, e derivada do original de Hollywood”.

JOHN BARRYMORE

Ele foi um ator admirável, um astro do Teatro e do Cinema, e uma das personalidades mais eletrizantes de sua época. Mas sob esta reputação pomposa estava um homem torturado, que obteve pouca ou nenhuma satisfação com o seu sucesso.

John Sidney Blyth (ou Blythe) nasceu em 14 de fevereiro de 1882 em Filadélfia.  Seus pais foram o ator inglês Maurice Blyth (que adotou o nome artístico de Barrymore) e Georgiana Drew, filha  de uma famosa família de atores. A avó materna de John era Louisa Lane Drew, proeminente e respeitada atriz e administradora do teatro Arch Street Theater, conhecida como “Mrs. Drew”, que exerceu grande influência sobre John nos seus anos de formação. Georgiana morreu vitimada pela tuberculose deixando três filhos: Lionel (nascido em 1878), Ethel (nascida em 1879) e  John, que tinha apenas onze anos de idade. Poucos meses depois do funeral, Maurice encontrou consolação nos braços de Mamie Floyd e se casou com ela, sem avisar os filhos.

Durante a primavera de 1896, Maurice estava em dificuldades financeiras quando lhe ofereceram encabeçar um programa no Music Hall, apresentando-se num esquete, que ele mesmo escolheria. Maurice aceitou e colocou John num pequeno papel, no qual ele não teria que falar nada. Muito preocupado para dar atenção a John, Maurice pôs um bigode postiço e foi para o palco. Na ausência de alguma instrução específica em relação à maquilagem, John pôs um bigode idêntico ao do pai e entrou em cena atrás dele. As gargalhadas que irromperam da platéia, sufocaram o já ínfimo interesse que ele tinha pelo teatro. Desde cedo John havia demonstrado inclinação para o desenho e queria estudar arte.

Aos quinze anos, John deixou-se seduzir por sua jovem madrasta. É bem provável que um complexo de culpa por ter traído o pai, tenha contribuído para que ele se tornasse um alcoólatra crônico. Quando o rapaz fez dezesseis anos, Maurice pôde mandá-lo para a Inglaterra (acompanhado por Ethel, que tinha muitos admiradores na sociedade londrina), a fim de completar seus estudos. Do King’s College, John transferiu-se para a London University, onde frequentou um curso de palestras sobre literatura inglêsa. Com a ajuda monetária de Ethel, ele se dedicou à sua verdadeira paixão na Slade School of Art.

De volta a Nova York, John continuou a estudar arte na escola do pintor George Bridgman e conseguiu exibir alguns desenhos na Press Artists League, onde um de seus trabalhos foi comprado (por dez dólares) pelo magnata do aço, Andrew Carnegie. Pouco depois, a Cosmopolitan publicou uma série de seus desenhos macabros no estilo de Gustave Doré com os títulos de “Medo”, “Inquietação”, “Ciúme” e “Desespero”. Estes desenhos refletiam seus tormentos mentais.

Quando John viu as primeiras manifestações de loucura de seu pai, causadas pela sífilis e pelo excesso de bebida alcoólica, ficou com medo de que o mesmo pudesse acontecer com ele. O amor de John pela arte nunca desvaneceu e seu fracasso em se elevar acima da mediocridade como artista o deprimia. Aquele medo e esta frustração são outros fatores que explicam a sua auto-destrutividade.

John começou a ganhar a vida como cartunista de um jornal diário de Nova York mas, em 1903, precisando de dinheiro, decidiu seguir a tradição da família e estreou no teatro na peça Magda, um drama de Hermann Sudermann, no qual ele fazia o pequeno papel de um jovem oficial, Max von Wedlowski. Apesar de ter iniciado tarde a profissão de ator, John ultrapassou os feitos artísticos de sua irmã e seu irmão, tornando-se um ídolo dos palcos da sua época  em peças como The Affairs of Anatol, Justice, Peter Ibbetson e Redemption. Ele atingiu o auge da fama no teatro com suas inspiradas interpretações em dois papéis shakespereanos, Richard III em 1920 e Hamlet em 1922.

Em 1913, Adolph Zukor, fundador da Famous Players e progenitor do star system na tela, persuadiu John a seguir o exemplo de seus irmãos Lionel e Ethel, se aventurando no cinema. O primeiro filme de John foi um velho drama sentimental de quatro rolos, An American Citizen / 1914, no qual ele fez o papel de Beresford Cruger que, quando é forçado a deixar a sua terra nativa e partir para a Inglaterra, acaricia um retrato de George Washington e abraça apaixonadamente a bandeira americana. No quarto dia de filmagem, Zukor perguntou ao diretor J. Searle Dewley o que ele achava de John. “Mr. Zukor”, respondeu Dawley, “ele é o melhor ator que eu tive o privilégio de dirigir”.

John fez ao todo 23 filmes mudos, dos quais eu conheço 8. Tive a sorte de vê-lo como Dr. Henry Jekyll / Mr. Edward Hyde em O Médico e o Monstro / Dr. Jekyll and Mr. Hyde / 1920; como Sherlock Holmes em Sherlock Holmes / Sherlock Holmes /  1922; como Gordon Bryon “Beau” Brummel em O Belo Brummel / Beau Brummel / 1924; como Don Jose de Marana / Don Juan de Marana em Don Juan / Don Juan / 1926; como François Villon em Amor de Boêmio / The Beloved Rogue / 1927; como o Cavaleiro Fabien des Grieux em Quando um Homem Ama / When a Man Loves / 1927; como o Sargento Ivan Markov em Tempestade / Tempest / 1928; e como Marcus Paltran em Amor Eterno / Eternal Love / 1928. Mesmo sem usar a sua magnífica voz, suas performances foram o ponto alto desses filmes, encantando o público feminino como “great lover” ou interpretando personagens atormentados e disformes. Gostaria de ter visto A Fera do Mar / The Sea Beat/ 1926 porém a única cópia em dvd que existe é de má qualidade.

O Médico e o Monstro distingue-se somente por dois momentos: a primeira transformação de Dr. Jekyll em Mr. Hyde, na qual o médico se contorce diante da câmera até aparecer aquela figura ponteaguda de olhos penetrantes  e  dedos aracnídeos e a cena em que um aterrorizado Dr. Jekyll está sentado na sua cama, quando uma aranha gigantesca (seu próprio eu) aproxima-se silenciosamente e salta sobre seu corpo, desencadeando a transformação.

Sherlock Holmes é um filme de ritmo arrastado e trama inconsistente, valendo apenas pelas cenas entre Barrymore e Gustav von Seiffertitz, que interpreta o papel de seu tradicional inimigo, Professor Moriarty.

O Belo Brummel é uma opulenta mas estática versão da peça de Clyde Fitch valorizada pela atuação de Barrymore, cujas expressões faciais e maneirismos, descrevem maravilhosamente a impertinência e a insolência do dândi arrivista do século dezenove, amigo do Prince of Wales.

Primeiro filme com trilha musical sincronizada (e alguns efeitos sonoros). Don Juan apresenta cenários suntuosos e um Barrymore inspirado ao assumir os traços do célebre libertino de Tirso de Molina; além das belas cenas de sedução, o ator (com a ajuda ocasional de um dublé)  desempenha cenas atléticas capazes de satisfazer aos fãs de Douglas Fairbanks, destacando-se sob este aspecto o combate a cavalo entre Don Juan e uma horda de soldados e o excepcional duelo com Montagu Love nas escadarias do palácio

Em Amor de Boêmio, Barrymore é quase ofuscado pela direção de arte de William Cameron Menzies com seus cenários gigantescos em linhas expressionistas porém ele consegue se impor no papel do poeta e aventureiro da França medieval, principalmente na cena em que Villon é coroado O Rei dos Tolos e vestido de palhaço e na cena de sua reação ao banimento que lhe foi imposto pelo seu amado Rei Luis XI – usando somente o seu rosto, Barrymore exprime o que muitos atores, usando todo o corpo e a voz seriam incapazes de transmitir.

Quando um Homem Ama, é uma adaptação livre da história do Abade Prevost com altos valores de produção e um Barrymore altivo e corajoso nas cenas do jogo de cartas com Luis XV, vigoroso nas cenas de ação a bordo do navio prisão (dignas de um Michael Curtiz) e em perfeita alquimia com Dolores Costello nas cenas de amor.

Em Tempestade, Barrymore, se sai bem (numa determinada cena ele muda da fúria para a afeição com a maior facilidade), apesar do script fraco (sobre a obsessão de um oficial de cavalaria de origem humilde por uma arrogante princesa durante a Revolução Russa); a grande atração do filme é a fotografia de Charles Rosher complementada pela direção de arte brilhante de William Cameron Menzies.

Amor Eterno é um melodrama romântico de final trágico, sem uma grande contribuição de Barrymore para a arte interpretativa mas muito bem servido pelas lentes de Oliver T. Marsh (que soube tirar vantagem da pitoresca aldeia suíça e da deslumbrante paisagem montanhosa que a cerca) e por alguns toques de Lubitsch  nesse filme pouco lubitschiano.

Quando chegou o cinema sonoro, a voz treinada nos palcos (e por uma excelente professora de fonética, Margaret Carrington, irmã de Walter Huston) de Barrymore adicionou uma nova dimensão ao seu trabalho cinematográfico. Ele estreou nos talkies com uma leitura do solilóquio do Duke of Gloucester (depois Richard III) extraído do Ato III, cena 2 da peça Henry VI de Shakespeare, no musical revista da Warner Bros. A Parada das Maravilhas / The Show of Shows / 1929 e, subsequentemente, participou de mais 34 filmes falados.

Desses 35, eu conheço 25, encantando-me com suas aparições como Richard III no musical citado; como Svengali em Svengali / Svengali /1931; como Vladimar Ivan Tsarakov em O Genio do Mal / The Mad Genius / 1931; como Arsène Lupin em Arsene Lupin / Arsène Lupin / 1932; como The Baron em Grand Hotel / Grand Hotel / 1932; como Tom Cardigan em O Promotor Público / State’s Attorney / 1932; como Hilary Fairfield em Vítimas do Divórcio / A Bill of Divorcement / 1932; como o príncipe Paul Chegodieff em Rasputin e a Imperatriz / Rasputin and the Empress / 1932; como Professor Auguste A. Topaze em Topaze / Topaze / 1933; como Archiduke Rudolf von Habsburg em Reunião em Viena / Reunion in Vienna / 1933; como Larry Renault em Jantar às Oito / Dinner at Eight / 1933; como Riviere em Asas da Noite / Night Flight / 1933; como George Simon em O Conselheiro /  Counsellor at Law / 1933; como Oscar Jaffe em Suprema Conquista / Twentieth Century / 1934; como Mercutio em Romeu e Julieta / Romeo and Juliet / 1936; como Nicolai Nazaroff em Primavera / Maytime / 1937; como Colonel Neilson em  Bulldog Drummond Reaparece / Bulldog Drummond Comes Back / 1937; como Colonel Neilson em A Vingança de Bulldog Drummond / Bulldog Drummond’s Revenge / 1937; como Charles “Charley” Jasper em  Confissão de Mulher / True Confession /1937; como Colonel Neilson em Bulldog Drummond em Perigo / Bulldog Drummond’s Peril / 1938; como Louis XV em Maria Antonieta / Marie Antoinette / 1938; como Windy Turlon em Lobos do Norte / Spawn of the North / 1938; como Governor Gabby Harrigan em Agarrem esta Normalista / Hold That Co-ed / 1938; como Gregory Vance em O Grande Homem Vota / The Great Man Votes / 1939; e como Georges Flammarion em Meia-Noite / Midnight / 1939. Gosto de todas essas interpretações de Barrymore mas não posso deixar de destacar as melhores que, na minha opinião, ocorreram nos filmes Svengali, Vítimas do Divórcio, O Conselheiro, Suprema Conquista e Meia-Noite.

Em Svengali, Barrymore encarnou com imenso prazer o músico e hipnotizador húngaro criado por George Du Maurier, sob cujo domínio sinistro a encantadora e dócil Trilby (Marian Marsh) se torna uma grande cantora internacional. A performance de Barrymore, ajudado pela maquilagem e um truque fotográfico (sempre que Svengali exerce o seu poder hipnótico sobre a pobre Trilby, as iris de seus olhos se transformam em dois buracos brancos) está entre suas maiores caracterizações no cinema. Jamais me esquecí da cena final, passada num cabaré  no Cairo, quando Svengali, com o coração enfraquecido, rege a orquestra enquanto Trilby canta. De repente, ele desfalece e, neste mesmo instante, Trilby perde a voz e desmaia. Antes de morrer, ele pede a Deus que lhe conceda na morte o que não lhe concedeu na vida: “a mulher que eu amo”. Svengali exala o último suspiro dizendo: “Avanti Signori” (o extraordinário ator fala várias frases em francês, alemão e italiano durante o espetáculo) e, logo depois, como uma resposta ao seu pedido, Trilby morre.

Vítimas do Divórcio mostra Barrymore como um músico que escapa de um hospital psiquiátrico, no qual foi internado anos atrás, vítima de neurose de guerra. O paciente fugitivo retorna ao seu lar, para saber que sua esposa havia se divorciado dele e estava prestes a se casar de novo. Ele implora em vão à esposa (Binnie Barnes), para que o receba de volta. Sua filha Sydney (Katharine Hepburn), que era uma criança no tempo de sua, internação, também está noiva mas, após descobrir que uma veia de insanidade corre através do ramo paterno da família, ela rejeita seu noivo, incita a mãe a se casar imediatamente, e resolve ficar com o pai. Na cena do primeiro encontro do pai com a filha e, pouco depois, do marido com a esposa, Barrymore (sob o olhar atento de George Cukor) transmite com profunda emoção os sentimentos de um homem machucado, hesitante, gentil e confuso, que se tornou um intruso inoportuno de um passado distante. Alguns amigos íntimos de John detectaram na angústia e no páthos de seu desempenho nesse filme um reflexo de seu próprio terror obsessivo de que acabaria seus dias demente como Maurice Barrymore.

Em O Conselheiro, Barrymore está maravilhoso como o advogado judeu bem sucedido, que veio de um bairro pobre de Nova York, e agora enfrenta problemas profissionais e pessoais no seu belo escritório art déco no Empire State Building. Orientado por William Wyler (que imprimiu um ritmo rápido à narrativa de origem teatral), o ator conteve a sua tendência para a superrepresentação, oferecendo aos espectadores uma interpretação contida, realista e também bastante comovente – muitos críticos a consideram a melhor de toda a sua carreira cinematográfica.

Se George Simon de O Conselheiro foi a melhor interpretação dramática de Barrymore, o seu Oscar Jaffe, o egomaníaco diretor da Broadway de Suprema Conquista foi a mais engraçada. O delírio verbal e comportamental de Barrymore e a composição histérica de Carole Lombard (como a balconista ambiciosa Mildred Plotka, que Jaffe, à maneira de Pigmalião, transforma na grande atriz Lily Garland) nesta comédia screwball frenética de Howard Hawks, são especialmente memoráveis. Os grande gestos e falas melodramáticos de Barrymore estão em perfeito acordo com o personagem e arrancam incessantemente o riso da platéia. O seu “Dinga-linga, ding” no começo dos ensaios e suas enfernizantes marcações com o giz;  sua frase “I close the iron door on you” sempre que briga com um de seus auxiliares; sua personificação de um cavalheiro sulista para poder entrar no trem e depois o lamento : “I never taught  that I should sink so low as to become an actor”; sua fúria quando descobre que Lily o deixou por Hollywood (ele grita “Anathema! … Child of Satan!” depois de manchar com tinta preta o nome dela nos cartazes da peça); e a sua imitação de um camelo bastam para demonstrar o vigor cômico de Barrymore. O desenlace hilariante transcorre no trem expresso Twentieth Century entre Chicago e Nova York. Sabendo que a sua Galatéia, tendo se livrado de sua dominação, é agora uma estrela de Hollywood e está a bordo, Jaffe finge sofrer um ataque cardíaco. Seu fingimento no leito de morte desperta tanto a compaixão de Lily que, para atender a um último pedido do “moribundo”, ela assina um contrato, colocando-se novamente sob seu poder. De repente ele abre os olhos e a ludibriada Lily emite um urro de raiva enquanto Jaffe aperta o documento no seu peito, triunfante.

Os roteiristas Charles Brackett e Billy Wilder impregnaram Meia-Noite de sofisticação e cinismo e permitiram a Mitchell Leisen realizar sua obra-prima. Claudette Colbert é uma cantora de boate americana, sem dinheiro em Paris, contratada por um aristocrata ciumento (John Barrymore), para se fazer passar por uma condessa húngara e seduzir o gigolô (Francis Lederer), que está namorando a mulher dele (Mary Astor); só que o plano é complicado pela intervenção de um chofer de taxi (Don Ameche), apaixonado pela americana. Nesta história de falsários (todo o mundo mente ninguém é o que pretende ser) os quiproquós se encadeiam num andamento ágil mas dando tempo para que possamos nos deliciar com uma irresistível Claudette e com as expressões fisionômicas divertidas e as frases maliciosas de Barrymore.

Nos meados dos anos trinta, o ator começou a ter dificuldade de se lembrar dos textos, deficiência já evidente em um teste que ele fez para uma versão cinematográfica abortada de Hamlet em 1934.  Daí em diante, ele insistiu para ler seus diálogos em quadros negros, que os assistentes de direção seguravam atrás das câmeras.

Barrymore gastou a maior parte de sua vida bebendo com seus amigos íntimos e destruindo seus quatro casamentos (com a atriz Katherine Corri Harris; com a poetiza  Blanche Oelrichs, que usava o nome literário de Michael Strange; com a atriz Dolores Costello; e com a modelo Elaine Barrie, nascida Jacobs). Com Blanche ele teve uma filha, Diana e com Dolores, uma filha, Dolores Mae e um filho, John Sidney Barrymore, Jr. (que depois mudou o nome para John Drew Barrymore). John Drew foi o pai de Drew Barrymore.

Seu estilo de vida temerário deixou-o praticamente sem um centavo. Em vez de pedir falência, ele optou por pagar suas dívidas, fazendo caricaturas grosseiras de si mesmo em filmes B  (vg. Eterno Don Juan / The Great Profile / 1940) e em programas de rádio.

John Barrymore faleceu de cirrose hepática em 29 de maio de 1942. Durante uma daquelas transmissões radiofônicas, ele entrou numa espécie de transe e, deixando o script de lado, começou a recitar um trecho do solilóquio de Hamlet. As pessoas no auditório da estação ficaram encantadas com o poder de sua performance e aplaudiram entusiasticamente. Barrymore sorriu, enxugou uma lágrima que escorria pelo seu rosto e disse:  “These tears  taste like bad gin”.