Arquivo mensais:maio 2012

DIREÇÃO DE ARTE NO CINEMA CLÁSSICO DE HOLLYWOOD III

Muitos acham que é difícil identificar um estilo RKO definido porque, nos seus 27 anos de atividade (1929-1957), a companhia foi governada por uma sucessão de chefes de produção. Porém, pelos menos durante os anos trinta – a década mais importante da RKO -, havia um RKO “look” reconhecível  (mais precisamente entre os anos 1932-1942), na gestão do diretor de arte supervisor Van Nest Polglase (1898-1968).

Ele nasceu no Brooklyn em Nova York, estudou arquitetura na Beaux Arts School e praticou seu ofício em Nova York nos anos dez. Em 1917, foi para Cuba, onde passou um ano trabalhando em projetos de construção e colaborou com desenhos para o Palácio Presidencial de Havana. Após retornar aos Estados Unidos, ingressou no departamento de arte da Famous Players-Lasky (Paramount) nos estúdios Astoria em Nova York e se mudou para Hollywood no final de 1919.

Ele logo obteve destaque como um dos cenógrafos mais inovadores do cinema americano. Entre seus filmes notáveis na Paramount incluem-se Este Mundo é um Teatro / Stage Struck / 1925 e Quarteto de Amor / The Magnificent Flirt / 1928, cujos cenários já mostravam sua tendência para o modernismo. Em 1929, Cedric Gibbons contratou Polglase e ele se juntou ao quadro de técnicos da MGM como diretor de arte de unidade. Curiosamente, só recebeu crédito nos seus três anos na “Marca do Leão” por um filme, A Indomável / Untamed / 1929 mas, presumivelmente, trabalhou em outros projetos.

Em 1932, Polglase foi para a RKO, onde se tornaria um diretor de arte supervisor tão influente quanto Gibbons foi na MGM; porém, ao contrário de Gibbons, seu nome não foi arbitrariamente mencionado nos letreiros de apresentação de todos os filmes realizados pelo estúdio.

Entre os artistas mais talentosos supervisionados por Polglase, estavam Carroll Clark, Perry Ferguson, John Mansbridge, Allan Abbott, Maurice Zuberano, Darrel Silvera, Alfred Herman, Charles Kirk, Mark-Lee Kirk, Alfred Ybarra. Estes diretores de arte, decoradores de interiores e ilustradores da produção deram uma consistência visual reconhecível ao produto da RKO, especialmente perceptível nos musicais com Fred Astaire e Ginger Rogers. Nestes, os  traços mais acentuados eram a brancura dos cenários, o brilho dos assoalhos e uma predileção constante pela linhas duplas paralelas, algo que Polglase havia extraído dos veículos aerodinâmicos.

Todo o departamento de arte (com destaque para Polglase e Carroll Clark) deve ser creditado pelos cenários que incluíram principalmente o Club Carioca em Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1933;  o streamlined modern Bella Vista Hotel de A Alegre Divorciada / The Gay Divorcee / 1934; o Big White Set abstrato do Lido de Veneza e o quarto nupcial rococó de O Picolino / Top Hat / 1935; as boates art déco e o estúdio de dança de Ritmo Louco / Swing Time / 1936.

Como observou Beverly Heisner, os interiores art déco e art moderne da série atendiam ao desejo que as platéias da época da Depressão tinham de um mundo melhor. Se Fred e Ginger deixavam os espectadores pensando que talvez eles também pudessem dançar, Carroll Clark e Van Nest Polglase deixava-os acreditando que eles também algum dia poderiam viver em cenários tão luxuosos e modernos.

Embora  os filmes de época não fossem o forte da RKO, a companhia produziu alguns deles e o Departamento de Arte esteve à altura do empreendimento. Considerados como produções de prestígio, eles recebiam mais recursos e pessoal artístico dos que eram normalmente concedidos aos filmes com temas contemporâneos. Entre os verdadeiros triunfos da RKO nos anos trinta estavam os filmes de época Gunga Din/ Gunga Din / 1939 e O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1939.

As locações de Gunga Din, uma história livremente adaptada do poema de Rudyard Kipling  passado na India, foram rodadas numa região campestre perto de Long Pine., California. Os cenários de Polglase e Perry Ferguson – casa colonial britânica,  barracas do exército, templo indiano e pequena aldeia construída em frente de uma montanha e num terreno árido –  não eram meramente um pano de fundo exótico mas verdadeiros cúmplices nas maravilhosas cenas de aventura que estavam no âmago do filme. Com exceção do canyon e da ponte oscilante (uma miniatura) que conduzem ao grande templo, foram dispensados os mattes ou efeitos especiais; até os telhados da aldeia eram de verdade, a fim de que as lutas e saltos audaciosos dos heróis pudessem ser encenados em cima deles.

O diretor de arte de unidade de O Corcunda de Notre Dame era Al Herman mas Polglase desenhou ele mesmo boa parte dos cenários. Os sets enormes foram construídos em San Fernando Valley num rancho que a RKO havia comprado em 1929. Na reconstituição da Catedral de Notre Dame e da praça, que constituíam o centro da Paris do século quinze, Polglase e Herman preocuparam-se com os mínimos detalhes. A catedral desempenha um papel importante na história e grande parte dela foi construída incluindo a torre gigantesca, as gárgulas no topo da fachada, os sinos enormes e a escada em espiral no interior do campanário; mas a nave e o altar da igreja foram feitos por mattes. Na última tomada da perseguição a Quasimodo, o corcunda agacha-se perto de uma das gárgulas, que se equiparam a ele em feiura, e deseja: “Eu também devia ter sido feito de pedra”.

Nos meados dos anos trinta, o expressionismo germânico começou a influenciar os desenhos cênicos da RKO notadamente em O Delator / The Informer / 1935 e Os Predestinados / Winterset / 1936, dois filmes com uma iluminação contrastada e atmosférica. O Delator, dirigido por John Ford e cujos cenários foram desenhados  por Polglase e Charles Kirk, é um drama tenso de delação, situado numa Dublin dos anos vinte coberta de nevoeiro, por onde transita furtivamente o informante interpretado magistralmente por Victor McLaglen. Na trama de Os Predestinados, baseado em uma peça de Maxwell Anderson, o personagem encarnado por Burgess Meredith tenta limpar o nome de seu falecido pai condenado injustamente. O filme tem um mínimo de cenários – construídos em estúdio por Polglase e Perry Ferguson – entre os quais sobressai a paisagem noturna triste e sombria com as pedras da calçada banhadas pela chuva (anunciando o clima do futuro filme noir) e o apartamento claustrofóbico habitado pelo protagonista, situado perto da Brooklyn Bridge.

Com a experiência adquirida em Os Predestinados, Perry Ferguson pôde assumir a tarefa muito mais complicada de desenhar os cenários de Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 para Orson Welles. Polglase foi mais uma vez creditado como diretor de arte mas, neste filme, de acordo com as declarações de Welles e do fotógrafo Gregg Toland, ele atuou apenas como supervisor.

Depois de um período de pré-produção, quase no início do filme, o orçamento previsto já havia sido ultrapassado. Para aliviar a crise financeira, Ferguson e o fotógrafo Gregg Toland tiveram que eliminar a construção de cenários inteiros, com exceção apenas da sala do café da manhã na casa de Kane e sua primeira esposa e os interiores da redação do jornal. Ferguson inventou fragmentos de cenário como uma lareira gigantesca, escadas enormes, e janelas góticas (especialmente para o castelo de Kane, Xanadu), combinando-os com mattes e efeitos especiais (múltiplas exposições, miniaturas), de modo que não se nota a pobreza dos sets; muito pelo contrário, eles são ricos e cheios de significados e símbolos relevantes para a história.

O êxito do filme pôs em moda a construção ou imitação dos tetos nos cenários de interiores e esta idéia foi usada com tanta propriedade, que causou um grande impacto, como se fosse nova (vg. John Ford utilizara os tetos em No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939).

Cidadão Kane e o filme de Welles seguinte, Soberba / The Magnificent Ambersons / 1942, desenhado por Mark-Lee Kirk, foram os pontos altos da história da direção de arte na RKO e com eles terminou o período de Polglase como diretor de arte supervisor. Por causa de problemas com alcoolismo, ele deixou o estúdio em 1942 mas, depois de um tratamento do seu vício, continuou a desenhar cenários até 1957, primeiro na Columbia (A Noite Sonhamos / A Song to Remember / 1945 e Gilda / Gilda / 1946 (com Stephen Goosson) e, a partir dos anos cinquenta, independentemente, em filmes de seu amigo  Allan Dwan (Homens Indomáveis / The Silver Lode / 1954; Sob a Lei da Chibata / Passion / 1954; Montana, Terra de Ódio / Cattle Queen of Montana / 1954; O Poder do Ódio / Slightly Scarlet / 1956) e outros. Porém será sempre lembrado pelos seus gloriosos dias na RKO, que lhe proporcionaram sete indicações para o Oscar: A Alegre Divorciada; O Picolino; Os Predestinados; Dance Comigo / Carefree / 1938; Duas Vidas / Love Affair / 1939; Minha Esposa Favorita / My Favorite Wife / 1940 e Cidadão Kane.

Em 1939,  Albert S. D ‘Agostino (1893 – 1970) entrou para a RKO como diretor de arte por unidade e  logo sucedeu Polglase como diretor de arte superintendente; ele ficou na RKO até 1958, quando a companhia deixou de existir. Nascido em Nova York, D’Agostino estudou desenho arquitetural e mecânico na Columbia University e no Mechanics Institute, antes de se tornar cenógrafo teatral em 1915. Embora tivesse sido empregado ocasionalmente pela Lewis J. Selznick Productions  e pela MGM, que produziam filmes em Nova York, a carreira de D’Agostino no cinema começou realmente em 1925, quando ingressou na Universal como diretor de arte de unidade e foi para Hollywood. Na empresa de Carl Laemmle, ele absorveu a técnica usada por Charles D. Hall para os filmes de horror clássicos feitos neste estúdio nos anos trinta (Ele trabalhou em O Lobishomem de Londres / The Werewolf of London / 1933; O Corvo / The Raven / 1935; A Filha de Drácula / Dracula’s Daughter / 1936 etc., cujos cenários combinavam o gótico e o moderno. Foi uma técnica que D ‘Agostino usaria nos seus desenhos para a RKO. Sozinho ou em colaboração com outros colegas, ele desenharia os cenários para todos os filmes noirs da RKO e a série de horror psicológico produzida por Val Lewton.

O primeiro filme de D’Agostino na RKO foi O Homem de Olhos Esbugalhados / Stranger on the Third Floor / 1940, considerado um precursor do filme noir pelo uso de sombras, ângulos estranhos e efeitos de luz contrastada, providenciados por Nicholas Musuraca, um dos grandes fotógrafos daquele subgênero  do drama criminal. A paranóia do protagonista, que se sente culpado pela condenação de um inocente, enseja uma sequência premonitória e expressionista, estendendo-se a influência germânica por todo o filme.

D’Agostino desenharia posteriormente outro filmes no estilo expressionista destacando-se Silêncio nas Trevas / The Spiral Staircase / 1946 (com Jack Okey); Interlúdio / Notorious / 1946 (com Carroll Clark); Expresso para Berlim / Berlin Express / 1948 (com Alfred Herman), Ninguém Crê em Mim / The Window / 1949 (com Walter E. Keller) etc.) e os estupendos filmes noires Fuga ao Passado / Out of the Past / 1947 (com Jack Okey); Trágico Destino / Where Danger Lives / 1950 e Cinzas Que Queimam / On Dangerous Ground / 1951 (estes dois últimos com Ralph Berger que, tal como Jack Okey e Walter E. Keller, entraram para a RKO durante a gestão de D’Agostino como executivo responsável de departamento de arte).

Entretanto, na RKO, o nome de D’Agostino estava mais íntimamente asssociado com o pequeno grupo criativo de pessoas que cercavam o produtor Val Lewton: D’Agostino e Walert E. Keller (com a colaboração de Darrel Silvera na decoração de interiores) desenharam para eles todos os filmes de horror psicológico de orçamento limitado e duração máxima de 75 minutos, que se tornaram jóias raras no gênero: Sangue de Pantera / Cat People / 1942; A Morta-Viva / I Walked With a Zombie / 10943; O Homem Leopardo / The Leopard Man / 1943; A Sétima Vítima / The 7th Victim / 1943; O Fantasma dos Mares / The Ghost Ship / 1943; A Maldição do Sangue de Pantera / Curse of the Cat People / 1944; A Ilha dos Mortos / Isle of Dead /1945; O Túmulo Vazio / The Body Snatcher / 1945; Asilo Sinistro / Bedlam / 1946.

D’Agostino e o Departamento de Arte da RKO tiveram que se sujeitar às restrições de filmagem do tempo de guerra. Por exemplo, em Sangue de Pantera, apenas uma sequência, a da piscina, foi rodada fora do estúdio, em um hotel residencial num distrito de Los Angeles; as jaulas do jardim zoológico e o apartamento de Alice / Simone Simon (uma parte aproveitada do cenário de Soberba) foram rodados nos palcos da RKO. A ilha das Caraíbas em A Morta-Viva foi igualmente recriada no estúdio, inclusive a caminhada sinistra da enfermeira e sua paciente pela selva à procura dos praticantes do voodoo. Os desenhos para esta sequência – e para todo o filme – mostram a forte influência dos elementos góticos e expressionistas, com os quais D Ágostino havia se familiarizado na Universal nos anos trinta.

Curiosamente, durante toda a sua carreira, D’Agostino recebeu cinco indicações para o Oscar (O Grande Bruto / The Magnificent Brute / 1936; Soberba / 1942; Adeus meu Amor / Flight for Freedom / 1943; Vivendo de Brisa / Step Lively / 1944 e Idílio Perigoso / Experiment Perilous / 1944), nenhuma delas relacionada com os filmes de horror de Val Lewton.

Stephen Goosson (1889 – 1973) foi diretor de arte supervisor da Columbia durante 25 anos. Natural de Michigan, ele estudou arquitetura da Syracuse University e praticou seu ofício em Detroit antes de prestar serviço para o produtor Lewis J. Selznick na condição de diretor de arte. Sua carreira nos anos vinte incluiu trabalhos para muitos produtores diferentes em uma variedade de filmes. Entre eles destacam-se O Pequeno Lord Fauntleroy / Little Lord Fauntleroy / 1921 e O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1923 (com Elmer E. Shelleyy, Charles D. Hall), exemplos expressivos da influência do desenho gótico no cinema americano.

Goosson ingressou na Columbia em 1931 como diretor de arte supervisor e ali ficou até o final dos anos quarenta. Ele foi o principal designer de muitos dos grandes filmes de Frank Capra na empresa de Harry Cohn nos anos trinta: Loucura Americana / American Madness / 1932; Aconteceu Naquela Noite / It Happened One Night / 1934; Horizonte Perdido / Lost Horizon / 1937y e Do Mundo Nada se Leva / You Can’t Take It With You / 1938. Loucura Americana e Horizonte Perdido distinguiam-se peas suas  ousadas e ostensivas interpretações do art déco.

Goosson pesquisou intensamente a fim de reconstituir em Loucura Americana um banco do tempo da Depressão, com altas pilastras de mármore, portas pesadas de bronze, réplicas de ornamentos romanos e espaçoso salão central para acomodar as cenas de multidão importantes na história.

Para Horizonte Perdido, Goosson construiu  o imenso convento habitado pelo alto sacerdote de 200 anos de idade (Sam Jaffe), utilizando uma miniatura enorme do Vale da Lua Azul com terraços de pedra, córregos e jardins, envolvidos pelas montanhas do Himalaia. A residência do High Lama tem uma aparência moderna com referências à obra de Frank Lloyd Wright; por exemplo, a piscina serena de Shangri-La refletindo o exterior modernista do convento, que se eleva branco e imaculado sobre os terraços que o cercam. As paredes, colunas e entradas desse edifício seguem os modelos estabelecidos para o exterior mas os móveis desviam-se da modernidade: aparecem mesas rococó, bricabraque oriental, e pinturas da Renascença e do século dezoito nas paredes. Entretanto,  havia uma desculpa para isso na trama do filme, pois o convento era o repositório do conhecimento e dos tesouros da civilização. O magnifico trabalho de Goosson em Horizonte Perdido trouxe-lhe o prêmio da Academia entre suas outras indicações: Fantasias de 1980 / Just Imagine / 1930; Boêmio Encantador / Holiday / 1938; Pérfida / The Little Foxes / 1941; e Aladim e a Princesa de Bagdad / A Thousand and One Nights / 1945.

Nos derradeiros anos de sua carreira, Goosson criou cenários para três filmes noirs importantes: Gilda / Gilda / 1946; Confissão / Dead Reckoning / 1947 e A Dama de Shanghai / The Lady from Shanghai / 1948. Em Gilda, Goosson (com Van Nest Polglase) construiu em estúdio a boate exótica, a beira do cáis e os exteriores nebulosos, que são a própria imagem do film noir. O clima sensual, devido em grande parte à presença de Rita Hayworth no papel título, deveu-se também aos cenários elegantes de Goosson e Polglase. Entre eles sobressaem o cassino déco tropical onde Gilda, vestida de cetim preto, esquenta o ambiente com o seu famoso “strip-tease” e a mansão compartilhada por Gilda e seu marido (George Macready), na qual desponta um vestíbulo luxuoso no andar térreo com uma escadaria que conduz ao  segundo andar da casa. Em  A Dama de Shanghai, Goosson (com Sturges Carne) apresenta vários cenários de interiores imaginativos com especial destaque para a “casa do riso” do parque de diversões com seu tobogã em ziguezague e o labirinto de espelhos, onde tem lugar o acerto de contas final. A primeira parte da narrativa transcorre num Central Park e Nova York construídos em estúdio; as cenas da viagem a Acapulco e as cenas em San Francisco foram rodadas em locação. Neste último ambiente, surgem duas sequências mermoráveis: o encontro do marujo ingênuo (Orson Welles) com a mulher fatal (Rita Hayworth) em frente ao aquário onde se vêem tubarões e enguias no fundo (filmado com lente grande angular e traveling matte) e a sequência nas ruas de Chinatown e no teatro chinês (Mandarin Theatre).

Além de contar com a colaboração de Van Nest Polglase, Rudolph Sternard (em Confissão) e Sturges Carne na sua administração à frente do departamento de arte da Columbia, Goosson obteve os prestimosos serviços de Lionel Banks, cujos cenários mais admiráveis foram os que ele fez para a aventura – romântica Paraíso Infernal / Only the Angels Have Wings / 1939 e para o musical em Technicolor, Modelos / Cover Girl / 1944.

Desde a sua fundação em 1912 até os anos cinquenta, a Universal empregou alguns dos melhores diretores de arte de Hollywood – Charles D. Hall, Jack Otterson, John B. Goodman, Alexander Golitzen, Bernard Herzbrun, Herman Rosse, Robert Clatworthy etc.- mas é um dois estúdios mais difíceis de identificar em termos de “look“, em parte porque sempre esteve sob contínuas restrições econômicas. Porém, nos anos trinta, o estúdio se especializou no gênero de horror e foi em torno dele que o Departamento de Arte pôde desenvolver um aspecto visual identificável.

Nascido em Norwich, Inglaterra, Charles D. Hall ( 1899 – 1978) estudou arte, fez estágio no escritório de um arquiteto e foi cenógrafo de Fred Karno, o empresário teatral que descobriu Charles Chaplin e Stan Laurel. Hall partiu para Hollywood no começo dos anos vinte e ingressou na Universal como pintor cênico, assumindo gradualmente a respnsabilidade de diretor de arte de unidade.

Ele logo demonstrou capacidade de se adaptar a qualquer assunto no qual estivesse trabalhando mas se especializou nos temas de horror: O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1923 (com Elmer E. Sheeley, Stephen Goosson); O Fantasma da Ópera / Phantom of the Opera / 1925 (com Elmer E. Sheeley, Sidney M. Ullman e Ben Carré); O Gato e o Canário / The Cat and the Canary / 1927 e O Homem Que Ri / The Man Who Laughs / 1928. Além das catacumbas subterrâneas inesquecíveis desenhadas por Ben Carré, os cenários de O Fantasma da Opera incluiam uma réplica opulenta da Ópera de Paris, com cinco balcões para abrigar três mil figurantes. Juntos com a interpretação ameaçadora de Lon Chaney, eles compuseram um dos filmes de horror mais impressionantes do período silencioso, abrindo caminho para a predominância da Universal no gênero nos anos trinta.

Ao mesmo tempo, Hall trabalhou independentemente para Charles Chaplin em  Em Busca do Ouro / The Gold Rush / 1925; ele posteriormente participaria de mais três filmes do diretor: O Circo / The Circus / 1928; Luzes da Cidade / City Lights / 1931 e Tempos Modernos / Modern Times / 1936 (com Russell Spencer). A fábrica onde a mecanização desumana dos “tempos modernos ” é simbolizada nas máquinas intrincadas que “trituram” e atacam Carlitos, está entre os sets mais complicados jamais criados para um filme de Chaplin.

No final da década de vinte, a Universal, juntamente com  outros estúdios de Hollywood, estava pronta para entrar na modernidade art déco embora o uso deste estilo na “casa de Carl Laemmle” não viesse a ser tão amplo como na Paramount, RKO e MGM. Hall aplicou-o no musical Broadway / Broadway / 1929, a primeira investida da Universal no cinema todo falado. Para esta adaptação cinematográfica de um êxito do palco, Hall imaginou um cenário audacioso e tão vasto, que teve de ser inventada uma grua especial para a filmagem. A produção foi orçada em um milhão de dólares e a maior parte deste dinheiro direcionada para cobrir despesas com o set, algo raro de acontecer na Universal. A boate criada por Hall foi descrita pelos publicistas do estúdio como “um exemplo perfeito da arte cubista ultra-moderna”.

Entretanto, os filmes que representam melhor a arte de Charles D. Hall são os de horror expressionista dos anos trinta: Drácula / Dracula / 1931; Frankenstein / Frankenstein / 1931; A Casa Sinistra / The Old Dark House / 1932; O Homem Invisível / The Invisible Man / 1933; O Gato Preto / The Black Cat / 1934 e A Noiva de Frankenstein / The Bride of Frankenstein / 1935.

Os sets mais famosos de Hall para esse ciclo são o castelo gótico de Drácula, assimétrico, escuro e parcialmente em ruínas e o laboratório com a torre elétrica e os instrumentos científicos “futuristas” (providenciados por Kenneth Strickfaden) usado em Frankenstein e preservado para a filmagem de A Noiva de Frankenstein.

Embora a reputação de Hall tivesse se firmado com o ciclo de horror, ele não trabalhou exclusivamente em filmes deste tipo. Foi, por exemplo, o diretor de arte (com W.R. Scmidt) do drama de guerra clássico, Sem Novidade no Front / All Quiet on the Western Front /1930, para o qual construiu o cenário da frente de batalha com a longas fileira de trincheiras, os prédios destruídos onde as tropas se refugiavam, a igreja de pedra que servia como hospital etc. e da comédia  Irene, a Teimosa /  My Man Godfrey / 1936, cujos sets estavam entre os melhores que ele fez na Universal. No final dos anos trinta, Hall foi para o Hal Roach Studios, trabalhando lá nos filmes de Laurel e Hardy. Após 1944, tornou-se um free lancer, destacando-se nesta fase a sua contribuição para Gardenia Azul / The Blue Gardenia / 1953 de Fritz Lang. Em sua carreira, ele recebeu indicações para o Oscar por Sua Excia., o Chauffeur / Merrily We Live / 1938 e Capitão Fúria / Captain Fury / 1939, tendo sido esquecido pelos membros da Academia os seus cenários para o ciclo de horror da Universal.

Em 1937, Jack Otterson substituiu Hall como diretor de arte supervisor na Universal e se manteve nesta posição até 1943. Ele era um proeminente arquiteto em Nova York, que colaborou com desenhos para o Empire State Building. Tal como outros arquitetos, Otterson foi atraído por Hollywood, ingressando na Fox em 1932. Em 1936, transferiu-se para a Universal, onde criou  cenários interessantes em muitos filmes, ganhando indicações para o Oscar por: O Grande Bruto / The Magnificent Brute / 1936; Louca por Música / Mad About Music / 1938; Primeiro Amoir / First Love / 1939; Os Gregos Eram Assim / The Boys from Syracuse / 1940; Paixão Fatal / Flame of New Orleans / 1941; A Indomável / The Spoilers / 1942; As Mil e Uma Noites / Arabian Nights / 1942 (com Alexandre Golitzen).

John B. Goodman exerceu o cargo de diretor de arte supervisor na Universal entre os anos 1943 – 1946, quando foi substituido por Bernard Herzbrun em 1947.

Alexander Golitzen entrou como diretor de arte na Universal em 1942 e trabalhou mais assíduamente nas produções de Walter Wanger. Um dos melhores cenários que ele fez para Wanger foi o de Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent / 1940, dirigido por Alfred Hitchcock. Os sets mais impressionantes de Golitzen foram o moinho holandês com sua engrenagem barulhenta, onde os espiões operam; o aeroplano de quatro hélices, sua fuselagem e a asa gigantesca ocupada pelos sobreviventes do desastre aéreo; a praça em Amsterdam, na qual, durante uma tempestade, ocorre a morte do diplomata e a fuga do assassino através dos guarda chuvas abertos da multidão. Quando Wanger deixou a IUniversal, Golitzen ficou e, em 1953, foi promovido a diretor de arte supervisor no lugar de Bernard Herzbrun, continuando no cargo até sua aposentadoria em 1976.

Nascido em Moscou, Alexander Golitzen (1907 – 2005) imigrou com a família para os Estados Unidos com a idade de 16 anos. Ele estudou arquitetura na University of Washington, graduando-se em 1931. Golitzen começou a trabalhar como ilustrador, assistente de Alexander Toluboff na MGM em Rainha Christina / Queen Christina / 1933. Na primeira fase de sua carreira como diretor de arte, prestou serviço, como independente, a companhias como Goldwyn (O Furacão / Hurricane / 1936; O Morro dos Ventos Uivantes / Wutheriung Heights / 1939;  e United Artists (No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939)

Em 1942, Golitzen se empregou na Universal, onde demonstrou que era um dos mais versáteis e inventivos diretores de arte de Hollywood e seu melhor trabalho este estúdio foi criado para diretores europeus emigrados como Fritz Lang (Almas Perversas / Scarlet Street / 1945); Robert Siodmak (Mulher Satânica / Cobra Woman / 1944) Max Ophuls (Carta de uma Desconhecida / Letter to an Unknown Woman / 1948) e, sobretudo, Douglas Sirk (Palavras ao Vento / Written in the Wind / 1956; Almas Imaculadas / Tarnished Angels / 1958 e Imitação da Vida / Imitation of Life / 1959.

No seu percurso artístico, Golitzen foi muito agraciado. Ele obteve 14 indicações para o Oscar (Correspondente Estrangeiro / 1940; Quando Morre o Dia / Snndown / 1941; As Mil e uma Noites / 1942 (com Jack Otterson); O Climax / Climax / 1944; Flor de Lótus / Flower Drum Song / 1961; Carícias de Luxo / That Touch of Mink // 1962; Como Possuir Lissu / Gambit / 1966; Positivamente Millie / THoroughly Modern Millie /  1967; Charity, Meu Amor / Sweet Charity / 1969; Aer0porto / Airport / 1970; Terremoto / Earthquake /1974), conquistando a estatueta com O Fantasma da Ópera / 1943 (com John B. Goodman); Spartacus / Spartacus / 1960 (com Eric Orbom) e O Sol é para Todos / To Kill a Mockingbird / 1962 (com Harry Bumstead).

DIREÇÃO DE ARTE NO CINEMA CLÁSSICO DE HOLLYWOOD II

A Warner Bros. nunca ficou conhecida na indústria do cinema por seus grandes departamentos técnicos. Apenas um prêmio da Academia pela direção de arte (para Carl Jules Weyl em As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938) foi  para o estúdio no período entre a sua fundação nos anos vinte até os anos sessenta. Em parte, isto deve ser atribuído à política econômica unha-de-fome de Jack Warner, o chefe do estúdio nos anos trinta e quarenta. O Departamento de Arte da Warner, diferentemente dos departamentos semelhantes da MGM e da Paramount, nunca teve um diretor de arte supervisor  poderoso, que poderia ter lutado por maiores orçamentos e cenários de melhor qualidade.

Quem dominou a direção de arte na Warner Bros. (ele tinha o título de chefe do departamento de arte), de 1927 até sua aposentadoria em 1948, foi Anton Grot (1884 – 1974). Ele nasceu na Polonia com o nome de Antocz Franzizek Groszewski e seus desenhos sempre denunciaram seu background europeu. Grot estudou ilustração na Krakowskie Szkoly Artyczne (Escola de Arte da Cracóvia) e começou uma carreira no campo da arte comercial na primeira década do século vinte.

Em 1909, ele se mudou para Nova York, onde continuou suas atividades como artista comercial até 1913, quando foi contratado pelo produtor Sigmund Lubin,  para desenhar cenários na Lubin Company, com sede em Filadélfia. Grot ficou nesta empresa de 1913 a 1917, trabalhando também durante esse período na Vitagraph e na Pathé, onde contribuiu com cenários para filmes de George Fitzmaurice e para o seriado As Sete Pérolas / The Seven Pearls / 1917, de Louis Gasnier.

Antes dos cenários serem construídos, Grot fazia desenhos a carvão ou em tinta preta, que sugeriam idéias para a iluminação. A técnica de fazer esboços dos cenários dos filmes em sequência, desenvolvida particularmente através de sua associação com William Cameron Menzies (que serviu como seu assistente num filme de 1917, The Naulahka, dirigido por Fitzmaurice) passou a ser adotada por outros diretores de arte.

Os desenhos mais cimportantes de Grot no tempo do cinema mudo foram os que ele fez para Douglas Fairbanks e Cecil B. DeMille. Trabalhando em colaboração com outros diretores de arte, inclusive Menzies, Grot ajudou a criar os cenários monumentais  de Robin Hood / Robin Hood / 1922 e O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924. Ao mesmo tempo, iniciou uma associação com DeMille, contribuindo com desenhos  para Amor Eterno ou O Que Fomos no Passado / The Road to Yesterday / 1925, O Barqueiro do Volga ou O Bateleiro do Volga / The Volga Boatman / 1926 e o épico bíblico O Rei dos Reis / The King of Kings / 1927.

Grot ingressou na Warner Bros. em 1927 e sua primeira tarefa importante foi  desenhar o cenário de A Arca de Noé / Noah’s Ark / 1928, para o qual Grot providenciou a estátua maciça de Moloch  e um  dilúvio devastador no clímax do espetáculo.

Pouco depois, no filme de gangster Alma no Lodo / Little Caesar / 1930, influenciado pelo expressionismo, Grot usou a iluminação dramática em claro-escuro para criar imagens sombrias da vida noturna urbana, antecipando o estilo noir em mais de uma década. Neste filme, ele foi também influenciado pelo art nouveau e pelo art déco, porém de uma maneira mais contida do que a de seus contemporâneos Hans Dreier, Van Nest Polglase e Cedric Gibbons.

No ano seguinte, em Svengali / Svengali,  Grot desenhou alguns dos seus cenários  mais estilizados. Suas casas com tetos inclinados, portas e janelas alongadas, ruas labirínticas e escadas insólitas, de inspiração expressionista, estabeleciam o clima do filme e sugeriam a mente malvada e distorcida do professor de música hipnotizador, interpretado por John Barrymore. Grot também utilizou técnicas expressionistas em duas fantasias de horror produzidas pela Warner nos anos trinta: Doutor X / Doctor X / 1932 e Os Crimes  do Museu / The Mystery of the Wax Museum / 1933, ambos dirigidos por Michael Curtiz e filmados em Technicolor de duas cores.

Nesse período, Grot deu ainda uma preciosa colaboração para alguns musicais coreografados por Busby Berkeley (trabalhando juntamente com Jack Okey), notadamente em Cavadoras de Ouro Gold Diggers of 1933 (do qual foi o único designer), cujo números “By the Waterfall” e “Shadow Waltz” ainda hoje arrancam aplausos da platéia sempre que o filme é exibido em cineclubes, não somente pela genial coreografia de Berkeley mas também pelos cenários memoráveis de Grot. As curvas elegantes da escada em espiral de “Shadow Waltz” é um cenário clássico do filme musical com sua abstração, economia e amplidão funcional.

Os diretores da Warner com os quais Grot estava mais associado eram Michael Curtiz e William Dieterle. As colaborações de Grot-Dieterle incluíram as cinebiografias Anjo de Piedade / White Angel / 1935 (a vida de Florence Nightingale), Emile Zola / The Life of Emile Zola / 1937 e Juarez / Juarez / 1939;   Sonho de uma Noite de Verão / A Midsummer’s Night Dream. A recriação que Grot fez da Paris do século dezenove em Emile Zola, não tinha nenhuma afetação: o escritório de Zola, a prisão e o tribunal, onde ele defendia Dreyfus, eram realistas e cheio de detalhes.


Em Juarez, Grot procurou obter a mesma autenticidade na construção das aldeias mexicanas porém utilizou  cenários mais estilizados, semi-abstratos na criação dos ambientes da corte, a fim de contrastar o mundo real dos camponeses com o o mundo irreal, de fantasia do Imperador e da Imperatriz. A floresta cerrada (com folhas de verdade coladas nas árvores e depois pintadas – a pedido do fotógrado Hal Mohr – com tinta de alumínio e verniz), que Grot construiu para a comédia de Shakespeare, Sonho de uma Noite de Verão, bem com seus sets para os interiores, foram entusiasticamente elogiados por outros diretores de arte da indústria.

Grot foi o único diretor de arte da Warner repetidamente indicado para o prêmio da Academia nos anos trinta e quarenta (Svengali / 1931; Adversidade / 1936; Meu Reino por Um Amor / The Private Lives of Elizabeth and Essex / 1939 e O Gavião do Mar / The Sea Hawk / 1940) mas só ganhou um Oscar honorário em 1940 pela invenção de uma máquina que simula os efeitos do vento sobre as águas, usada pela primeira vez em O Gavião do Mar, que ele patenteou.

Na colaboração Grot-Curtiz destacam-se justamente os dois filmes citados de Curtiz indicados para o Oscar e Capitão Blood / Captain Blood / 1935. Seus esboços de continuidade para esses filmes foram seguidos quase que plano por plano pelo diretor. Em Meu Reino por um Amor, os desenhos de Grot são uma magnífica simbiose de réplica isabelina, modernismo e expressionismo, que faz um uso destacado das cores e do espaço para definir o estado íntimo dos personagens – amplitude e frieza nos aposentos de Elizabeth, colorido e intimidade nos aposentos de Essex. Em O Gavião do Mar, Grot ergueu uma selva panamenha artificial num terreno perto de Burbank, decorada por plantas tropicais, arbustos, árvores e água, formando um pântano,  que as  máquinas de fazer névoa tornaram ainda mais realista.

Tanto em O Gavião do Mar como em Capitão Blood,  o grande tema arquitetônico era o “barco de época” (os mastros com suas cordas e velas, a roda do leme, o camarote do capitão, o porão – prisão etc. ) reconstruído sempre por Grot com muito cuidado. Em Capitão Blood, Grot combinou admiravelmente expressionismo com minimalismo (vg. quando Blood vai atender o paciente em uma estalagem quase não se vê o cenário; os atores interpretam a cena diante de uma sombra enorme do médico cuidando do homem ferido, numa parede ao fundo). Porém o momento mais engenhoso em termos de economia de cenário ocorre na cena em que  Flynn e seus companheiros de prisão escapam de sua escravidão numa noite em que os piratas espanhóis atacam uma colônia inglesa: os fugitivos arrastam-se através de um longo corredor criado ilusionisticamente por luz e sombra, aparecendo no fundo a batalha na cidade, representada por sombras gigantescas dos homens lutando.

Entre os cenários contemporâneos de Grot, Alma em Suplicio Mildred Pierce foi provavelmente a sua realização mais famosa, que parecia se entrosar tematicamente com o seu estilo dramático de desenho e iluminação. Grot era um dos diretores de arte mais bem preparados para desenhar sets e storyboards para aqueles dramas criminais dos anos quarenta, que ficariam conhecidos como filme noir e isto fica bem visível desde a abertura dramática do filme, quando se ouve um tiro de revólver, um espelho se parte e um homem chamando “Mildred” cai no chão, morto. Da casa de praia (construída por Grot, cheia de sombras e trevas), surge uma mulher num píer em frente ao oceano, contemplando o suicídio. Até que um policial caminha em direção a Mildred e ela finalmente responde aos seus gritos e às batidas do seu cassete na amurada das docas.

Na época áurea do sistema de estúdio, a Warner Bros. tinha em seus quadros outros diretores de arte como Carl Jules Weyl, Robert Haas, Max Parker, Hugh Reticker, Esdras Hartley, John Hughes, Charles H. Clarke, Charles Novi, Stanley Fleicher, Leo Kuter, Douglas Bacon, Ted Smith e Edward Carrere, destacando-se entre eles, Carl Jules Weyl (As Aventuras de Robin Hood / 1938,  A Carta / The Letter / 1940; Casablanca / Casablanca / 1942 etc.) e Robert Haas (Jezebel / Jezebel / 1938; Relíquia Macabra/ The Maltese Falcon / 1941; Johnny Belinda / Johnny Belinda / 1948  etc.).

Na Paramount surgiu o mais importante dos primeiros diretores de arte de Hollywood: Wilfred Buckland (1866 – 1946). Nascido em Nova York, filho de um rabino, ele trabalhou como cenógrafo para o produtor teatral David Belasco durante muitos anos. Em 1914, Cecil B. DeMille o levou para Hollywood. Entre as inovações introduzidas por Buckland estavam o uso da iluminação artificial com as klieg lights (refletores de arco voltaico fabricados pela Kliegl Company) para  ajudar DeMille e o fotógrafo Alvin Wycoff a produzir efeitos de iluminação em chave baixa (low-key) em várias produções, notadamente em A Ferreteada ou A Embusteira / The Cheat / 1915, sobressaindo sob este aspecto a famosa  cena da marca a ferro quente e o tiroteio subsequente.

Nota-se também neste filme o estilo visual dramático desenvolvido por DeMille, Wycoff e Buckland, que deixava os personagens na escuridão, exceto por uma única fonte de luz (mostrando, por exemplo, apenas metade do rosto de um ator). Esta técnica de iluminação recebeu o nome de “Rembrandt lighting”, porque assemelhava-se ao tratamento da luz que o grande pintor usara nos seus quadros. A “Rembrandt lighting” ficou também conhecida na indústria como “Lasky lighting” (porque Lasky usava-a como um meio para obter publicidade para os filmes da Paramount) e serviu como modelo para a fotografia no cinema entre 1915 e 1918.

DeMille criou fama por causa de seus opulentos sets influenciados pelo art déco mas Buckland foi o criador da maioria desses cenários como, por exemplo, os de Por Quê Trocar de Amor? ou Velhas Esposas por Novas / Old Wives for New / 1918; Não Troqueis Vossos Maridos / Don’t Change Your Husband / 1918 e Macho e Fêmea ou De Fidalga a Escrava / Male and Female / 1919 (com Mitchell Leisen).

Entretanto, Buckland e DeMille entravam sempre em conflito. Em 1917, numa carta formal a DeMille, Buckland expôs as razões de seu descontentamento: “Vim para Hollywood (…) buscando uma oportunidade para visualizar de um modo mais “pictórico”, proporcionando ao cinema as mesmas regras que imperam na arte mais elevada da pintura”. Porém DeMille não atendeu a nenhuma de suas queixas. Depois de três anos conflitivos trabalhando juntos, Buckland foi bruscamente despedido em 1920.

Desligado de DeMille, Buckland uniu-se ao diretor Allan Dwan, sob o comando do qual ele concebeu (trabalhando com os diretores de arte Irewin J. Martin e Edward Langley e Anton Grot e William Cameron Menzies não creditados) o  castelo medieval de dimensões extraordinárias para Robin Hood / Robin Hood / 1922, um dos mais impressionantes jamais construído em Hollywood.

A vida de Buckland terminou em tragédia: em 1946, aos 80 anos, ele meteu uma bala na cabeça de seu filho, doente mental desde o falecimento da mãe, e em seguida se suicidou. Buckland deixou um bilhete, dizendo: “Estou levando Billy comigo”. Ele teria agido assim, pelo seu medo da morte que se aproximava e pela sua relutância em deixar o jovem sozinho no mundo.

Com a saída de Buckland da Paramount, DeMille recorreu a Paul Iribe (1887 – 1935), pintor, cenógrafo teatral e ilustrador francês, que fazia parte do movimento de vanguarda liderado por Jean Cocteau e cujo estilo aproximava-se do art nouveau com influências orientais e africanas, particularmente nas suas ilustrações para livros. Iribe desenharia (com outros colegas) seis grandes produções para aquele diretor: As Aventuras de Anatólio / The Affairs of Anatol / 1921; A Homicida / Manslaughter / 1922; Os 10 Mandamentos / The 10 Commandments / 1923, A Cama de Ouro / The Golden Bed / 1925; Amor Eterno ou O Que Fomos no Passado / The Road to Yesterday / 1923; O Rei dos Reis / The King of Kings / 1927. A mistura de sagrado e profano de DeMille nas suas interpretações das histórias Bíblicas foi estampada nos cenários de Iribe e seus associados. Sua combinação peculiar de influências históricas e modernas foi radical e nova e  até hoje impressionam o público e os críticos.

Porém Hans Dreier (1885 – 1966) é que foi o grande diretor de arte supervisor da Paramount. Natural de Bremen, Alemanha, Hans estudou arquitetura em Munique e trabalhou como arquiteto supervisor para o Governo Imperial Germânico na colônia alemã do Kamerun, Africa. Ele serviu no exército durante a Primeira Guerra Mundial e, após seu desligamento em 1919, ingressou na subsidiária da Paramount UFA-EFA em Berlim, onde participou de 34 filmes em quatro anos na companhia. Em 1923, transferiu-se para a Paramount em Hollywood, tendo sido promovido a diretor de arte supervisor do estúdio em 1932, ocupando esta posição até sua aposentadoria em 1950. Juntamente com Cedric Gibbons da MGM, Dreier foi o diretor de arte mais influente da Idade de Ouro de Hollywood, impregnando os filmes da Paramount com um “look” germânico, sofisticado e sensual. John Baxter (Hollywood in the Thirties, 1968) escreveu: “A Paramount era o cinema da meia-luz e sugestão: espirituoso, inteligente, ligeiramente corrupto”.

Tal como Gibbons e os outros diretores de arte supervisores, Dreier recebeu crédito em quase todos os filmes produzidos pelo estúdio, durante a sua gestão; porém, ao contrário de Gibbons, que conduzia o departamento de arte com mão firme, ele encorajava os outros diretores de arte (Boris Leven, Wiard Ihnen, Ernst Fegté, Roland Anderson, Hal Pereira, John Meehan, Bernard Herzbrun, Robert Husher, Earl Hedrick, Robert Odell, John B. Goodman, Franz Bachelin, Haldane Douglas, Walter Tyler, William Flannery, etc.) a  desenvolverem seus próprios estilos.

Os cenários mais originais de Dreier foram criados para dois diretores europeus, Ernst Lubitsch e Josef von Sternberg. Entre seus trabalhos mais notáveis estavam o cenário art déco para Ladrão de Alcova / Trouble in Paradise / 1932 (Lubitsch) e o cenário barroco  – grotesco mas estranhamente belo – de A Imperatriz Galante / The Scarlet Empresss / (Sternberg). Suas colaborações com Lubitsch nas operetas (Alvorada do Amor / Love Parade / 1929), Monte Carlo / Monte Carlo / 1930 e O Tenente Sedutor / The Smiling Lieutenant / 1932) e com Sternberg nos melodramas exóticos e exagerados, estrelados por sua musa Marlene Dietrich (Marrocos / Morocco / 1930; O Expresso de Shanghai /Shanghai Express / 1932; Mulher Satânica / The Devil is a Woman / 1935) também forjaram cenários impressionantes, devendo ser ressaltado ainda o cenário (com Roland Anderson) para Cleopatra / Cleopatra / 1934 de Cecil B.  DeMille / 1934.

Os elementos do estilo de Dreier, que Michel L. Stephens definiu, à falta de outro termo, como “poetic / hard-boiled, primeiramente explorados nos filmes de Sternberg do final dos anos vinte (Paixão e Sangue / Underworld /  1927; O Super Homem / Drag Net / 1927; Docas de Nova York / The Docks of New York / 1927), se tornariam cada vez mais dominantes nos anos quarenta, através do trabalho de Dreier em um novo sub-gênero, o filme noir (Alma Torturada / His Gun for Hire / 1942; Pacto de Sangue / Double Identity / 1944; A Dália Azul / The Blue Dahlia / 1946; O Relógio Verde / The Big Clock / 1948; A Noite Tem Mil Olhos / The Night Has a Thousand Eyes / 1948 etc.


Entretanto, Dreier ganhou seu primeiro Oscar (com Ernst Fegté) por seus cenários para um filme em Technicolor, A Gaivota Negra / Frenchman’s Creek / 1944, aventura romântica de pirata adaptada de um romance de Daphne du Maurier e dirigida por Mitchell Leisen, embelezada com sets luxuosos e um uso quase surreal das cores.Sua segunda e terceira estatuetas da Academia caíram-lhe nas mãos pela contribuição para Sansão e Dalila / Samson and Delilah / 1949 (com Walter Tyler), também em Technicolor e Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard / 1950 (com John Meehan), este sim, em preto-e-branco.

William Fox planejou um departamento de arte para a Fox Films nos anos vinte contratando William S. Darling em 1922, para ser o principal diretor artístico e técnico da companhia. Darling (1882 – 1963), cujo verdadeiro nome era Vilmos Bela Sanderhazi, nasceu na Hungria, quando ela ainda era  parte do Império Austro-Húngaro. Educado primeiramente em Budapest nos campos da arquitetura e pintura, foi depois para Paris, onde estudou na École des Beaux Arts. Em 1905, Darling emigrou para os Estados Unidos e se dedicou a fazer retratos de celebridades em Nova York até que chegou à Fox.

Ele ganhou o primeiro Oscar pelos seus cenários de Cavalcade Cavalcade / 1933, adaptação da peça de Noel Coward, que mostrava os acontecimentos históricos do início do século vinte e suas consequências sobre uma família da classe alta inglêsa. Darling recriou com uma atenção meticulosa o detalhe das ruas e praças de Londres (incluindo um pub, um music hall e uma incrível Trafalgar Square) e os acontecimentos marcantes  (a Guerra dos Boers, a morte da Rainha Vitória, o afundamento do Titanic, a Primeira Guerra Mundial), tudo isto na área externa e nos palcos de filmagem do estúdio da Fox em Hollywood. Outros filmes desenhados posteriormente por Darling (E As Chuvas Chegaram / The Rains Came / 1939; A Canção de Bernadette / The Song of Bernadette / 1943 (com James Basevi);  Ana e o Rei do Sião / Anna and the King of Siam / 1946 (com Lyle Wheeler) mostram o mesmo cuidado com a pesquisa e a minúcia, sendo que os dois últimos filmes citados lhe deram mais dois Oscar.


Em 1935, a Fox Film se fundiu com a produtora independente de Darryl F. Zanuck, 20th Century Productions e Darling foi substituido no cargo de diretor de arte supervisor por Richard Day (ver Direção de Arte no Cinema Clássico de Hollywood I). Mas ele continuou na empresa como diretor de arte de unidade e consultor de efeitos especiais, emprestando sua arte para  filmes (além dos já mencionados) como O Prisioneiro da Ilha dos Tubarões The Prisoner of Shark Island / 1936; Lloyds de LondresLloyds of London / 1936; No Velho Chicago In Old Chicago (com Rudolph Sternard) / 1938; Os Carrascos Também Morrem Hangmen Also Die / 1943 etc.

Lyle Wheeler (1905 – 1990) sucedeu Richard Day como diretor de arte supervisor da 20th Century-Fox. Nascido em Massachussetts, ele estudou desenho indústrial e arquitetural na University of Southern California. Nos anos vinte, trabalhou como ilustrador de revistas, chamando a atenção de Cedric Gibbons. Wheeler ingressou na MGM em 1929 como sketch artist e chegou a ser promovido a diretor de arte assistente; porém deixou o estúdio em 1933 para se unir a David O. Selznick na sua recém-formada Selznick International Pictures, onde fez os cenários para filmes como Jardim de Alá / The Garden of Allah / 1936 (com Sturges Carné); Nasce uma Estrela / A Star is Born / 1937; O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of  Zenda / 1937  (ganhando com este a primeira das suas 29 indicações para o Oscar); … E O Vento Levou / Gone with the Wind / 1939 (que lhe deu seu primeiro Oscar); Rebecca, a Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940 etc. Em seguida, Wheeler fez os cenários da produção independente de Alexander Korda, Lady Hamilton, a Divina Dama That Hamilton Woman / 1941, antes de ir para a MGM, estúdio no qual trabalhou em outros filmes como Calouros da Broadway / Babes on Broadway / 1941; O Fogo SagradoKeeper of the Flame / 1942; A Mulher do Ano Woman of the Year / 1942; A Patrulha de BataanBataan / 1942; A Estirpe do DragãoDragon Seed / 1944; Trinta Segundos Sobre TóquioThirty Seconds Over Tokyo / 1944 etc.).


Finalmente, em 1944, Wheeler chegou à 20th Century-Fox onde, em 1947, passou a ocupar a posição de diretor de arte supervisor da companhia, depois de atuar como diretor de arte de unidade, ocasião em que fez Laura / Laura / 1944  (com Leland Fuller). Wheeler foi quem convenceu Otto Preminger a fazer aquele maravilhoso long take no início do filme, quando a câmera desliza pelas prateleiras e depois pela sala cheia de objetos de arte de Waldo Lydecker (Clifton Webb). O passeio do detetive (Dana Andrews) pelos cômodos de Laura, recolhendo suas cartas, retirando uma peça íntima da gaveta, abrindo um armário, destampando o frasco de perfume, também é mostrado da mesma maneira suave, sempre com a intenção de integrar os personagens ao ambiente. Cada interior doméstico foi concebido como um estudo do caráter e das circunstâncias de seu habitante. Wheeler faria, também para Preminger, os cenários de outros dois excelentes filmes noires, Anjo ou Demônio? / Fallen Angel / 1945 (com Lelland  Fuller) e Passos na Noite / Where the Sidewalk Ends / 1950 (com J. Russell Spencer), recriando o aspecto visual semi-expressionista de Laura.

Houve outros diretores de arte na 20th Century-Fox (James Basevi, Edward Carrere, John DeCuir, Albert Hogsett, Richard Irvine, J. Russell Spencer, Maurice Ransford, Jr, Chester Gore, Joseph C. Wright, John H. Hughes, Mark-Lee Kirk, George W. Davis, Louis H. Creber etc.) mas William S. Darling, Richard Day e Lyle Wheeler foram certamente os mais significativos.

Wheeler deixou a 20th Century-Fox em 1962 mas continuou bastante ativo nas duas décadas seguintes, prestando novamente serviço como diretor de arte ao produtor-diretor Otto Preminger em Tempestade sobre Washington / Advise and Consent / 1962, O Cardeal / The Cardinal / 1963, A Primeira Vitória / In Harm’s Way / 1965 e Diz-me Que me Amas / Tell Me You Love Me Junie Moon / 1969, recebendo sua última indicação para o prêmio da Academia por O Cardeal. Detentor de cinco estatuetas do Oscar ( … E O Vento Levou; Ana e o Rei do SiãoO Manto Sagrado / The Robe / 1953 (com George W. Davis); O Rei e Eu / The King and I / 1956 (com William S. Darling e Richard Day); O Diário de Anne Frank / The Diary of Anne Frank / 1959 (com John DeCuir), Wheeler aposentou-se em meados dos anos setenta. Embora não tivesse sido tão influente como Cedric Gibbons ou Hans Dreier, seu legado foi considerável e sua filmografia inclui muitos dos melhores filmes produzidos durante a Época de Ouro de Hollywood.