A direção de arte é um ramo da arquitetura na qual os ambientes raramente são construídos na sua totalidade e para durar. O que um diretor de arte cria são espaços (internos e externos), fachadas e até cidades inteiras (Beverly Heisner – Hollywood Art: Art Direction in the Days of the Great Studios, McFarland, 1990).
Os cineastas usam o cenário em si, esse conjunto de materiais de construção, para indicar o quadro onde se desenvolve a ação, evocar a atmosfera visual do filme, traduzir o clima psicológico do conteúdo, traçar o perfil dos personagens e sugerir certas idéias simbólicas.
Os departamentos de arte das grandes companhias de cinema americanas, compostos por 50 a 80 pessoas, eram estruturados hierarquicamente com um diretor de arte supervisor também chamado de desenhista de produção (supervising art diretor – production designer), que supervisionava todas as funções do departamento e coordenava os diretores de arte das unidades (unit art directors ) e diretores de arte assistentes (assistant art directors). Alguns autores usam o termo desenhista de produção somente quando o diretor de arte supervisor tem uma função mais abrangente, estabelecendo, em colaboração com o diretor e o diretor de fotografia, a aparência visual de todo o filme. Ele desenha os continuity sketches ou storyboards (série de desenhos em sequência com o propósito de pré-visualizar o filme no papel, mostrando principalmente as angulações e enquadramentos de cada plano). Incluídos sob a égide do departamento de arte estavam: os cenógrafos, cenotécnicos (pedreiros, marceneiros, serralheiros etc.), decoradores, figurinistas (camareiras, costureiras etc.), cabelereiros, maquiladores, pintores de arte e produtores de objetos ou aderecistas, técnicos de efeitos especiais (plantas, maquetes, miniaturas, matte painting etc), gerente de locações e pesquisadores.
Os cenários eram construídos dentro do estúdio sempre que possível: a maioria dos diretores achava que tais cenários lhes permitiam maior controle e precisão. Porém alguns realizadores, principalmente a partir dos anos cinquenta, preferiam filmar em cenários autênticos mesmo em se tratando de interiores. Ao planejar os sets, o diretor de arte devia pensar não somente em termos estéticos mas também em termos orçamentários e técnicos. Com base nas maquetes, ele tinha que avaliar o custo da construção e eliminar aquelas partes do cenário que não seriam vistas na tela, mas que haviam sido sugeridas no roteiro. Como regra, nada poderia ser construído “acima do que a câmera via”. Esta regra criava dificuldades para alguns atores, que achavam desconcertante representar em ambientes fragmentados: se o orçamento permitisse, os diretores de arte frequentemente construíam tetos e outros detalhes para ajudar os atores.
Os departamentos de arte dos grandes estúdios experimentavam mudanças anuais de pessoal porém a maioria permanecia por um período de tempo relativamente longo – uma década ou mais – no mesmo estúdio. A longevidade dos chefes de departamento era ainda maior. A criação de um estilo do estúdio ou “look” identificável, era resultante em parte dessa continuidade.
A United Artists não era um grande estúdio mas uma companhia de artistas independentes que distribuíam seus próprios filmes feitos em vários locais de filmagem em Los Angeles, de modo que a companhia não desenvolveu nenhum grande departamento técnico. Apesar desta situação peculiar, alguns diretores de arte muito conhecidos se associaram ao estúdio de Mary Pickford, Douglas Fairbanks, Charles Chaplin e D.W. Griffith, porque haviam iniciado sua carreira ou passado a maior parte dela trabalhando com um dos dirigentes da companhia.
Tal como eles, esses diretores de arte, entre os quais se destacavam William Cameron Menzies e Richard Day, eram independentes. Menzies e Day costumavam mudar de um estúdio para outro, trabalhando sob contratos sem exclusividade de curto prazo, algo inusitado na época.
William Cameron Menzies (1896 – 1957) foi um dos diretores de arte mais influentes na história do cinema e o primeiro a receber o título de “production designer”. Americano de origem escocêsa, ele nasceu em New Haven, Connecticut e estudou em Yale e na Art Student’s League em Nova York. Seus primeiros empregos foram na publicidade, fazendo leiautes de revistas e ilustrando livros infantís. Após prestar serviço na Marinha durante a Primeira Guerra Mundial, ele fez amizade com o diretor de arte Anton Grot, que o introduziu como seu assistente nos estúdios de Fort Lee em New Jersey. Convidado por Raoul Walsh para trabalhar em Hollywood, Menzies finalmente teve a chance de exercer seu ofício num filme que o confirmaria como um dos diretores de arte mais influentes no cinema silencioso, O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924, produzido e estrelado por Douglas Fairbanks. Menzies criou uma visão rica e extravagante do conto das Mil e Uma Noites, construindo uma cidade cheia de abóbadas, minaretes, arcadas, pontes, ruas estreitas e um palácio de proporções gigantescas, um décor quase todo branco, combinando semiabstração com detalhes ornamentais, que parecia estar flutuando no espaço, reforçando a impressão de fantasia.
O produtor David O. Selznick escolheu Menzies para desenhar toda a produção de … E O Vento Levou. Além de dirigir algumas cenas (ver quais foram estas cenas em nosso artigo “… E O Vento Levou: O Filme Mais Famoso De Todos Os Tempos), Menzies supervisionou todos os detalhes visuais da produção, incluindo cenários, figurinos e ângulos da câmera, tendo sido também responsável pela sua encantadora paleta de cores. Lyle Wheeler funcionou como diretor de arte do filme, criando o décor a partir dos esboços feitos pelo seu chefe, que deram ao filme a sua unidade visual, apesar da sucessão malograda de diretores e muitos incidentes na filmagem.
Menzies captou o espírito do velho Sul romântico e sua inevitável destruição e usou a cor de maneira simbólica e descritiva. O fogo é a metáfora visual central do filme e as cores de fogo são a sua matiz predominante. Antes mesmo do incêndio em Atlanta a poeira das ruas é cor-de-laranja e a terra, vermelha. Vermelho é também o tapete sobre o qual Scarlett desmaia e Rhett eventualmente parte. A resolução de Scarlett no final da primeira parte é mostrada sob a forma visual de uma silhueta negra contra um crepúsculo ardente cor-de-laranja. Lyle Wheeler recebeu o Oscar de melhor Direção de Arte e Menzies um prêmio especial da Academia “pelo emprego da cor na dramatização das cenas”.
Os cenários criados por Menzies e Zoltan Korda para O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad, 1940, refilmado em Hollywood por Alexander Korda, são ainda mais inventivos dos que os de … E O Vento Levou. A participação de Zoltan como desenhista de produção e Menzies como diretor de arte associado, garantiu um excelente desenho de produção, que oscilava entre o oriental convencional e a máxima estilização detectada na versão muda.
Um dos diretores de arte mais reverenciados de Hollywood, Richard Day (1896 – 1972) nasceu no Canadá, estudou pintura e desenho arquitetônico e, em 1920, rumou para a Terra do Cinema, onde trabalhou como pintor de cenário para vários produtores independentes. Em 1922, Day foi contratado por Erich von Stroheim, tornando-se seu diretor de arte principal, destacando-se sua colaboração em Esposas Ingênuas / Foolish Wives / 1922; Redemoinho da Vida / Merry-Go-Round /1923; Ouro e Maldição / Greed / 1924; A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 e A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928. Bastante influenciado por Stroheim, Day foi um dos defensores mais ardorosos do realismo no cinema. O altar da catedral feito por Day para A Marcha Nupcial era tão autêntico, que o fotógrafo Hal Mohr resolveu se casar diante dele.
No final dos anos vinte, ele se juntou a Cedric Gibbons na recém – formada MGM e os dois trabalharam em filmes de Lon Chaney, Quando a Cidade Dorme / While the City Sleeps / 1928; Ridi, Pagliacci / Laugh, Clown, Laugh / 1928; A Oeste de Zanzibar / West of Zanzibar / 1928 e Trindade Maldita / The Unholy Three / 1930); Greta Garbo (A Mulher Divina / The Divine Woman / 1928; The Kiss / 1929; Anna Christie / Anna Christie / 1930; e em Filhas Modernas ou Garotas Modernas / Our Dancing Daughters / 1928, com Joan Crawford, que ajudou a fixar o estilo modernista.
No ano seguinte, em Beco sem Saída / Dead End / 1937, o diretor William Wyler se debruçou sobre as vidas perturbadas de rapazes de uma área pobre da cidade grande. Day não tentou disfarçar a origem teatral do filme: construiu apenas um cenário (a rua sugerida no título com fileiras de lojas e prédios residenciais apertados e o píer de um lado e um edifício de apartamento de classe alta no outro), onde se passava toda a ação do filme e que era, claramente, o personagem principal da história. Os cenários de Day mostram uma imagem altamente estilizada (e teatral) de Nova York na era da Depressão – realista porém poética.
Durante esse período, Day trabalhou também em muitas produções da MGM e para a Twentieth Century Productions de Darryl F. Zanuck, desenhando para este último as produções de filmes históricos elegantes como As Aventuras de Cellini / The Affairs of Cellini / 1934 e A Casa de Rothschild / The House of Rothschild / 1934.
No final dos anos quarenta, Day voltou a ser free-lancer e seus melhores trabalhos, Uma Rua Chamada Pecado / A Streetcar named Desire / 1951 e Sindicato de Ladrões / On the Waterfront / 1954, pelos quais obteve seus dois últimos Oscar, foram realizados no estilo poético – realista. Dirigidos por Elia Kazan, eles mostram a diversidade de estilo utilizada por Day para obter efeitos semelhantes. Uma Rua Chamada Pecado foi baseado numa peça teatral e, tal como fizera em Beco sem Saída, Day não procurou ocultar a origem do filme. Pelo contrário, ele desenhou cenários estilizados para criar uma New Orleans exótica e sensual e espelhar com realismo o clima de neurose e repressão da obra de Tennessee Williams.
Já em Sindicato de Ladrões, rodado quase que inteiramente em Hoboken, New Jersey, Day usou os cenários verdadeiros do ambiente portuário para criar com o máximo de autenticidade a atmosfera negra / cinzenta das docas, onde ocorre a exploração dos estivadores por sindicatos corruptos. Day prosseguiu sua carreira até o início dos anos setenta, já muito depois do desaparecimento do sistema de estúdio, trabalhando em filmes tão diversos como Caçada Humana / The Chase /1965; O Vale das Bonecas / Valley of the Dolls /1967; e Tora! Tora! Tora! / Tora! Tora! Tora! / 1970.
Provavelmente Cedric Gibbons (Austin Cedric Gibbons, 1893 – 1960) foi o diretor de arte mais famoso, simplesmente porque seu nome apareceu nos créditos de mais filmes do que qualquer outra pessoa na História do Cinema. Ele foi também o diretor de arte mais premiado de todos os tempos, com 39 indicações para o Oscar, das quais ganhou onze (A Ponte de San Luis Rey / The Bridge of San Luis Rey / 1929; A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934; Orgulho e Preconceito / Pride and Prejudice / 1940; Flores do Pó / Blossoms in the Dust / 1941; À Meia-Luz / Gaslight / 1944; Virtude Selvagem / The Yearling / 1946; Quatro Destinos / Little Women / 1949; Sinfonia de Paris / An American in Paris / 1951; Assim Estava Escrito / The Bad and the Beautiful / 1952; Julio Cesar / Julius Caesar / 1953; Marcado pela Sarjeta / Somebody Up There Likes Me / 1957).
Filho de imigrantes irlandeses, Gibbons teria nascido em Nova York, onde seu pai se instalou como arquiteto. Gibbons estudou arte e desenho comercial na Art Students League e foi trabalhar no escritório de seu progenitor. Em 1914, ingressou nos estúdios Edison, onde insistiu para que os telões pintados de fundo fossem substituidos por cenários construídos, tri-dimensionais. Após servir na Marinha durante a Primeira Guerra Mundial, entrou para o estúdio de Samuel Goldwyn. Este era então um produtor independente (distribuindo seus filmes pela United Artists) e Gibbons, com Richard Day, era o principal desenhista da maioria das produções importantes da companhia no final dos anos dez e começo dos anos vinte. Quando o estúdio de Goldwyn se fundiu com a Metro Pictures e a Louis B. Mayer Productions em 1924 para formar a Metro-Goldwyn-Mayer, os dois continuaram a prestar serviço à nova firma norte-americana. Gibbons foi nomeado diretor de arte supervisor e aí nasceu o estilo visual suntuoso típico da MGM, que atendia ao gosto e à estratégia comercial do chefe de produção, Irving Thalberg.
O maior legado de Gibbons foi o “Grande Cenário Branco” (Big White Set) influenciado pelo art déco. Em 1925, Gibbons visitou a Exposition des Arts Decoratifs et Industriels Modernes em Paris, que foi o auge do art déco na Europa. Ele trouxe essas idéias para os Estados Unidos, onde as incorporou em muitos filmes da MGM. Pode-se dizer que tudo começou com Filhas Modernas ou Garotas Modernas / Our Dancing Daughters / 1928 (co-desenhado por Richard Day), o primeiro filme da trilogia estrelada por Joan Crawford que contava as histórias das mulheres modernas na Era do Jazz. Nas sequências, Donzelas de Hoje / Our Modern Maidens / 1929 e Noivas Ingênuas / Our Blushing Brides / 1930 também apareciam os cenários modernistas. Outra estrela que se beneficiou dos desenhos de Gibbons foi Greta Garbo, que participou de filmes art déco como Mulher de Brio / A Woman of Affairs / 1928; Mulher Singular / The Single Standard / 1929 e O Beijo / The Kiss / 1929.
Como lembrou Michel L. Stephens, Gibbons e Robert Day aprimoraram o estilo art déco, reduzindo-o aos seus elementos mais básicos. Outros filmes da MGM do final dos anos vinte e início dos anos trinta com cenários contemporâneos – Piratas Modernos / The Big City / 1928; A Atriz / The Actress / 1928, Os Ociosos / The Idle Rich / 1929; Dinamite ou Bonecas de Luxo / Dynamite / 1929; Hollywood Revue / The Hollywood Revue of 1929 / 1930; Jantar às Oito / Dinner at Eight / 1933; Uma Noite na Ópera / A Night at the Opera / 1935 etc. – também eram dominados por este estilo.
Entretanto, o “look” MGM dos anos vinte e trinta foi explicitamente delineado a partir do seu estilo pessoal. Além disso, ele formou um dos mais criativos departamentos de arte em Hollywood, contratando aqueles artistas de gosto parecido com o seu: Alexander Toluboff, Richard Day, Frederic Hope, Arnold Gillespie, Urie McCleary, Paul Grosse, William Horning, Edward Carfagno, Jack Martin Smith, Hans Peters, Randall Duell, Daniel B. Cathcart, Malcolm Brown, Preston Ames, Oliver Smith, Harry Oliver etc. Embora muitos desses diretores de arte tivessem trabalhado para outros estúdios, seus melhores e mais duradouros desenhos foram criados enquanto eram empregados na MGM sob a orientação do grande mestre.
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Grante texto, caro Antonio. Eu tenho uma certa preferência pelos diretores de arte da RKO Radio Pictures. São excelentes. Falo do Albert S. D'Agostino e o Darrell Silvera.
Abraços,
O Falcão Maltês
Amigo Nahud. Convido-o para ver de novo o post porque mudei algumas fotos. É sempre bom ter leitores como você que conhecem cinema e tem bom gosto: D'Agostino e Silvera eram mesmo uns craques. Um forte abraço.
Muito bom o texto!
Estou fazendo um projeto de pesquisa em relação a direção de arte, vc poderia me dizer as suas referencias para fazer esse texto?
Sugiro que acesse Art Direction in the Movies na amazon.com e Le Décor au Cinéma na amazon.fr..Consultei dezenas de livros sobre o assunto, inclusive em espanhol e, principalmente, ví todos os filmes que menciono no meu artigo.
muito obrigado por responder. :)