A direção de arte é um ramo da arquitetura na qual os ambientes raramente são construídos na sua totalidade e para durar. O que um diretor de arte cria são espaços (internos e externos), fachadas e até cidades inteiras (Beverly Heisner – Hollywood Art: Art Direction in the Days of the Great Studios, McFarland, 1990).
Os cineastas usam o cenário em si, esse conjunto de materiais de construção, para indicar o quadro onde se desenvolve a ação, evocar a atmosfera visual do filme, traduzir o clima psicológico do conteúdo, traçar o perfil dos personagens e sugerir certas idéias simbólicas.
Os departamentos de arte das grandes companhias de cinema americanas, compostos por 50 a 80 pessoas, eram estruturados hierarquicamente com um diretor de arte supervisor também chamado de desenhista de produção (supervising art diretor – production designer), que supervisionava todas as funções do departamento e coordenava os diretores de arte das unidades (unit art directors ) e diretores de arte assistentes (assistant art directors). Alguns autores usam o termo desenhista de produção somente quando o diretor de arte supervisor tem uma função mais abrangente, estabelecendo, em colaboração com o diretor e o diretor de fotografia, a aparência visual de todo o filme. Ele desenha os continuity sketches ou storyboards (série de desenhos em sequência com o propósito de pré-visualizar o filme no papel, mostrando principalmente as angulações e enquadramentos de cada plano). Incluídos sob a égide do departamento de arte estavam: os cenógrafos, cenotécnicos (pedreiros, marceneiros, serralheiros etc.), decoradores, figurinistas (camareiras, costureiras etc.), cabelereiros, maquiladores, pintores de arte e produtores de objetos ou aderecistas, técnicos de efeitos especiais (plantas, maquetes, miniaturas, matte painting etc), gerente de locações e pesquisadores.
Os cenários eram construídos dentro do estúdio sempre que possível: a maioria dos diretores achava que tais cenários lhes permitiam maior controle e precisão. Porém alguns realizadores, principalmente a partir dos anos cinquenta, preferiam filmar em cenários autênticos mesmo em se tratando de interiores. Ao planejar os sets, o diretor de arte devia pensar não somente em termos estéticos mas também em termos orçamentários e técnicos. Com base nas maquetes, ele tinha que avaliar o custo da construção e eliminar aquelas partes do cenário que não seriam vistas na tela, mas que haviam sido sugeridas no roteiro. Como regra, nada poderia ser construído “acima do que a câmera via”. Esta regra criava dificuldades para alguns atores, que achavam desconcertante representar em ambientes fragmentados: se o orçamento permitisse, os diretores de arte frequentemente construíam tetos e outros detalhes para ajudar os atores.
Os departamentos de arte dos grandes estúdios experimentavam mudanças anuais de pessoal porém a maioria permanecia por um período de tempo relativamente longo – uma década ou mais – no mesmo estúdio. A longevidade dos chefes de departamento era ainda maior. A criação de um estilo do estúdio ou “look” identificável, era resultante em parte dessa continuidade.
A United Artists não era um grande estúdio mas uma companhia de artistas independentes que distribuíam seus próprios filmes feitos em vários locais de filmagem em Los Angeles, de modo que a companhia não desenvolveu nenhum grande departamento técnico. Apesar desta situação peculiar, alguns diretores de arte muito conhecidos se associaram ao estúdio de Mary Pickford, Douglas Fairbanks, Charles Chaplin e D.W. Griffith, porque haviam iniciado sua carreira ou passado a maior parte dela trabalhando com um dos dirigentes da companhia.
Tal como eles, esses diretores de arte, entre os quais se destacavam William Cameron Menzies e Richard Day, eram independentes. Menzies e Day costumavam mudar de um estúdio para outro, trabalhando sob contratos sem exclusividade de curto prazo, algo inusitado na época.
William Cameron Menzies (1896 – 1957) foi um dos diretores de arte mais influentes na história do cinema e o primeiro a receber o título de “production designer”. Americano de origem escocêsa, ele nasceu em New Haven, Connecticut e estudou em Yale e na Art Student’s League em Nova York. Seus primeiros empregos foram na publicidade, fazendo leiautes de revistas e ilustrando livros infantís. Após prestar serviço na Marinha durante a Primeira Guerra Mundial, ele fez amizade com o diretor de arte Anton Grot, que o introduziu como seu assistente nos estúdios de Fort Lee em New Jersey. Convidado por Raoul Walsh para trabalhar em Hollywood, Menzies finalmente teve a chance de exercer seu ofício num filme que o confirmaria como um dos diretores de arte mais influentes no cinema silencioso, O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924, produzido e estrelado por Douglas Fairbanks. Menzies criou uma visão rica e extravagante do conto das Mil e Uma Noites, construindo uma cidade cheia de abóbadas, minaretes, arcadas, pontes, ruas estreitas e um palácio de proporções gigantescas, um décor quase todo branco, combinando semiabstração com detalhes ornamentais, que parecia estar flutuando no espaço, reforçando a impressão de fantasia.
Com sua reputação firmada, o jovem artista prosseguiu sua carreira, substituindo Natacha Rambova, esposa de Rudolph Valentino e sua diretora de arte, nos últimos três filmes do ator, Cobra / Cobra /1925, O Águia / The Eagle / 1925 e O Filho do Sheik / The Son of the Sheik /1926, que lhe permitiram ampliar sua visão de lugares distantes e românticos. Ele fez seu nome desenhando cenários monumentais e estilizados nos filmes Amor de Boêmio / The Beloved Rogue / 1927; Tempestade / Tempest / 1927 e A Mulher Cobiçada / The Dove / 1927 (que lhe deram o Oscar de Melhor Direção de Arte) e manifestou sua aptidão artística ainda em Dois Cavaleiros Árabes /Two Arabian Knights / 1927; Sedução do Pecado / Sadie Thompson / 1928; Jardim do Eden / The Garden of Eden / 1928; Du Barry, a Sedutora / Du Barry, Woman of Passion / 1928 (com Park French); Amante de Emoções / Bulldog Drummond / 1929; dois épicos dirigidos por D.W. Griffith, Melodia de Amor / Lady of the Pavements / 1929 e Abraham Lincoln / Abraham Lincoln / 1930 etc.
Menzies foi um dos primeiros diretores de arte americanos que começou a dirigir filmes no final dos anos vinte, sempre acumulando as duas funções, embora raramente recebesse créditos por ambas. Um de seus filmes mais notáveis como diretor / diretor de arte foi Chandu, o Mágico / Chandu the Magician / 1932, aventura fantástica bizarra, que mostrava a influência do expressionismo. Entretanto, ele nunca se especializou em um único estilo ou desenvolveu um estilo pessoal – procurava se adaptar ao material que tinha em mãos. Um dos projetos mais curiosos na carreira de Menzies foi Alice no País das Maravilhas / Alice in Wonderland / 1933, dirigido por Norman Z. McLeod e desenhado por Menzies e Robert Odell. Esta produção luxuosa, sustentada pelos recursos da Paramount, era visualmente atraente e muito imaginativa mas pecava pela idéia de colocar máscaras em todos os atores, de modo a torná-los indistinguíveis.
Em 1935, Menzies recebeu um convite do grande produtor-diretor Alexander Korda para fazer o desenho de produção e dirigir um filme de ficção científica com insinuações políticas escrito por H.G. Wells, Daqui a Cem Anos / Things to Come / 1936. Demonstrando a influência da art déco, a dupla Vincent Korda (creditado como diretor de arte) / Menzies (creditado somente como diretor) desenhou uma série de cenários imaculadamente brancos, que se tornaram a imagem de um futuro antisséptico, no qual a tecnologia dominava e subvertia as vidas dos indivíduos. Como explicou Juan Antonio Ramírez (La Arquitetura en el cine Hollywood, la Edad de Oro – Alianza Editorial, 1993), os artistas recorreram a alguns projetos utópicos elaborados uma década antes na União Soviética: o resultado, com móveis transparentes, paredes curvadas e desnudas, volumes imensos com formas militares etc. é uma síntese entre a arquitetura expressionista de Mendelsohn (Erich Mendelsohn), futurismo, desenho industrial e as experiências mais radicais da vanguarda européia. O filme consagrou a iconografia arquitetônica dos século XXI mas na verdade Menzies não era um diretor particularmente talentoso; seus dotes eram mais adequados para o desenho cênico.
Quando acumulava as funções de director e designer, ele tendia a exagerar os elementos visuais dos cenários; sob o controle de um diretor de pulso firme como Sam Wood, para o qual Menzies desenhou cinco produções esplêndidas (Nossa Cidade / Our Town / 1940; Em Cada Coração Um Pecado / King’s Row / 1941; Ídolo, Amante e Herói / Pride of the Yankees / 1942; Por Quem os Sinos Dobram / For Whom the Bell Tolls / 1943), os cenários tornaram-se parte integral da cena. De qualquer modo, como observou Michael L. Stephens (Art Directors in Cinema – McFarland, 1998), um dicionário indispensável a todo estudioso da direção de arte no cinema, a sensibilidade visual de Menzies dominou todos os filmes nos quais ele funcionou como diretor de arte. Ele foi, em certo sentido, o verdadeiro “autor” de clássicos como … E O Vento Levou e a refilmagem de O Ladrão de Bagdad.
O produtor David O. Selznick escolheu Menzies para desenhar toda a produção de … E O Vento Levou. Além de dirigir algumas cenas (ver quais foram estas cenas em nosso artigo “… E O Vento Levou: O Filme Mais Famoso De Todos Os Tempos), Menzies supervisionou todos os detalhes visuais da produção, incluindo cenários, figurinos e ângulos da câmera, tendo sido também responsável pela sua encantadora paleta de cores. Lyle Wheeler funcionou como diretor de arte do filme, criando o décor a partir dos esboços feitos pelo seu chefe, que deram ao filme a sua unidade visual, apesar da sucessão malograda de diretores e muitos incidentes na filmagem.
Menzies captou o espírito do velho Sul romântico e sua inevitável destruição e usou a cor de maneira simbólica e descritiva. O fogo é a metáfora visual central do filme e as cores de fogo são a sua matiz predominante. Antes mesmo do incêndio em Atlanta a poeira das ruas é cor-de-laranja e a terra, vermelha. Vermelho é também o tapete sobre o qual Scarlett desmaia e Rhett eventualmente parte. A resolução de Scarlett no final da primeira parte é mostrada sob a forma visual de uma silhueta negra contra um crepúsculo ardente cor-de-laranja. Lyle Wheeler recebeu o Oscar de melhor Direção de Arte e Menzies um prêmio especial da Academia “pelo emprego da cor na dramatização das cenas”.
Os cenários criados por Menzies e Zoltan Korda para O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad, 1940, refilmado em Hollywood por Alexander Korda, são ainda mais inventivos dos que os de … E O Vento Levou. A participação de Zoltan como desenhista de produção e Menzies como diretor de arte associado, garantiu um excelente desenho de produção, que oscilava entre o oriental convencional e a máxima estilização detectada na versão muda.
Nos anos quarenta, Menzies trabalhou em muitos filmes, dos quais os mais interessantes foram Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent / 1940 (efeitos de produção especiais); Endereço Desconhecido / Address Unknown / 1944 (também direção), Duelo ao Sol / Duel in the Sun / 1946 (diretor de 2ª unidade não creditado) e A Sombra da Guilhotina / Reign of Terror ou The Black Book / 1949 (diretor de arte com Edward L. Ilou).
Quando o sistema de estúdio começou a chegar ao fim, a carreira de Menzies desacelerou. Nos anos cinquenta, ele já estava quase com sessenta nos de idade e provavelmente se sentindo inconfortável com as novas técnicas de filmagem em locação, que não utilizava o estúdio com tanta frequência. Porém foi nessa época que Menzies realizou o filme que alguns (a meu ver equivocadamente) consideram a sua obra-prima como diretor / desenhista de produção, Invasores de Marte / Invaders from Mars / 1953,
um thriller de ficção científica tipicamente paranóico da Guerra Fria, sobre uma espaçonave interplanetária que aterrissa perto de uma pequena cidade. Com a assistência de Boris Leven, Menzies criou uma série de cenários despojados e sombrios com estruturas alongadas captadas por uma câmera quase sempre baixa (acentuando o fato de que a história é vista por uma criança), que revelam a influência do expressionismo alemão, chamando mais atenção a floresta caligaresca e a perspectiva forçada da cadeia.
Um dos diretores de arte mais reverenciados de Hollywood, Richard Day (1896 – 1972) nasceu no Canadá, estudou pintura e desenho arquitetônico e, em 1920, rumou para a Terra do Cinema, onde trabalhou como pintor de cenário para vários produtores independentes. Em 1922, Day foi contratado por Erich von Stroheim, tornando-se seu diretor de arte principal, destacando-se sua colaboração em Esposas Ingênuas / Foolish Wives / 1922; Redemoinho da Vida / Merry-Go-Round /1923; Ouro e Maldição / Greed / 1924; A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 e A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1928. Bastante influenciado por Stroheim, Day foi um dos defensores mais ardorosos do realismo no cinema. O altar da catedral feito por Day para A Marcha Nupcial era tão autêntico, que o fotógrafo Hal Mohr resolveu se casar diante dele.
No final dos anos vinte, ele se juntou a Cedric Gibbons na recém – formada MGM e os dois trabalharam em filmes de Lon Chaney, Quando a Cidade Dorme / While the City Sleeps / 1928; Ridi, Pagliacci / Laugh, Clown, Laugh / 1928; A Oeste de Zanzibar / West of Zanzibar / 1928 e Trindade Maldita / The Unholy Three / 1930); Greta Garbo (A Mulher Divina / The Divine Woman / 1928; The Kiss / 1929; Anna Christie / Anna Christie / 1930; e em Filhas Modernas ou Garotas Modernas / Our Dancing Daughters / 1928, com Joan Crawford, que ajudou a fixar o estilo modernista.
Em 1930, Samuel Goldwyn contratou Day e o colocou nas comédias-musicais de Eddie Cantor (Whoopee / Whoopee / 1930; O Homem do Outro Mundo /Palmy Days / 1931; Meu Boi Morreu / The Kid from Spain / 1932 ; Escândalos Romanos / Roman Scandals / 1933). A partir daí, ele desenhou quase todos os grandes filmes produzidos pelo estúdio nos anos 1930-1938, recebendo o Oscar por Anjo das Trevas / The Dark Angel / 1935 e Fogo de Outono / Dodsworth / 1936. Este último filme, dirigido por William Wyler, conta a vida conjugal de um casal de meia-idade, Samuel e Fran Dodsworth (Walter Huston e Ruth Chatterton) e as mudanças que o oprimem, quando Sam se aposenta. Fran, temendo a velhice lança-se tolamente nos braços de homens mais jovens enquanto Sam, a princípio tolerante, depois se revolta e eventualmente deixa a esposa por uma viúva simpática (Mary Astor). Day usa magistralmente os cenários – a mansão branca dos Dodsworth sustentada por pilares em Zenith, Indiana; o camarote do Queen Mary; hotéis de primeira classe em Paris e Roma; e uma vila à beira do lago em Nápoles – para definir os personagens, fornecendo ao público um contexto visual para os conflitos interiores de cada um deles. Day criou alguns dos desenhos cênicos modernos mais extravagantes dos anos trinta, influenciado pelo Art Deco, Bauhaus e os movimentos futuristas que haviam nascido nos anos vinte.
No ano seguinte, em Beco sem Saída / Dead End / 1937, o diretor William Wyler se debruçou sobre as vidas perturbadas de rapazes de uma área pobre da cidade grande. Day não tentou disfarçar a origem teatral do filme: construiu apenas um cenário (a rua sugerida no título com fileiras de lojas e prédios residenciais apertados e o píer de um lado e um edifício de apartamento de classe alta no outro), onde se passava toda a ação do filme e que era, claramente, o personagem principal da história. Os cenários de Day mostram uma imagem altamente estilizada (e teatral) de Nova York na era da Depressão – realista porém poética.
Durante esse período, Day trabalhou também em muitas produções da MGM e para a Twentieth Century Productions de Darryl F. Zanuck, desenhando para este último as produções de filmes históricos elegantes como As Aventuras de Cellini / The Affairs of Cellini / 1934 e A Casa de Rothschild / The House of Rothschild / 1934.
Quando esteve na 20th Century-Fox nos anos quarenta, ele concebeu a aldeia de mineiros do País de Gales, meticulosamente detalhada para Como Era Verde o Meu Vale / How Green Was My Valley / 1942, conquistando (com Nathan Juran) mais um Oscar da Academia. Ainda na Fox, ele repetiu a façanha com Isto Acima de Tudo / This Above All / 1942 e Minha Namorada Favorita / My Gal Sal / 1942 (com Joseph Wright) e fez também, entre muitos outros, Vinhas da Ira / The Grapes of Wrath, no qual usou cenários naturais como num documentário e a metáfora, para sublinhar as condições e situações precárias da família Joad na sua viagem para a Califórnia. Depois de servir a pátria na Segunda Guerra Mundial, Day retornou à Fox em 1946, agora como diretor de arte de unidade. Lyle Wheeler o havia sucedido como diretor de arte supervisor mas Zanuck lhe deu ampla liberdade na escolha de projetos e ele demonstrou mais uma vez sua adaptabilidade a qualquer gênero (O Justiceiro / Boomerang / 1947; O Capitão de Castela / Captain from Castille / 1947, Joana D’Arc / Joan of Arc / 1948 etc).
No final dos anos quarenta, Day voltou a ser free-lancer e seus melhores trabalhos, Uma Rua Chamada Pecado / A Streetcar named Desire / 1951 e Sindicato de Ladrões / On the Waterfront / 1954, pelos quais obteve seus dois últimos Oscar, foram realizados no estilo poético – realista. Dirigidos por Elia Kazan, eles mostram a diversidade de estilo utilizada por Day para obter efeitos semelhantes. Uma Rua Chamada Pecado foi baseado numa peça teatral e, tal como fizera em Beco sem Saída, Day não procurou ocultar a origem do filme. Pelo contrário, ele desenhou cenários estilizados para criar uma New Orleans exótica e sensual e espelhar com realismo o clima de neurose e repressão da obra de Tennessee Williams.
Já em Sindicato de Ladrões, rodado quase que inteiramente em Hoboken, New Jersey, Day usou os cenários verdadeiros do ambiente portuário para criar com o máximo de autenticidade a atmosfera negra / cinzenta das docas, onde ocorre a exploração dos estivadores por sindicatos corruptos. Day prosseguiu sua carreira até o início dos anos setenta, já muito depois do desaparecimento do sistema de estúdio, trabalhando em filmes tão diversos como Caçada Humana / The Chase /1965; O Vale das Bonecas / Valley of the Dolls /1967; e Tora! Tora! Tora! / Tora! Tora! Tora! / 1970.
Provavelmente Cedric Gibbons (Austin Cedric Gibbons, 1893 – 1960) foi o diretor de arte mais famoso, simplesmente porque seu nome apareceu nos créditos de mais filmes do que qualquer outra pessoa na História do Cinema. Ele foi também o diretor de arte mais premiado de todos os tempos, com 39 indicações para o Oscar, das quais ganhou onze (A Ponte de San Luis Rey / The Bridge of San Luis Rey / 1929; A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934; Orgulho e Preconceito / Pride and Prejudice / 1940; Flores do Pó / Blossoms in the Dust / 1941; À Meia-Luz / Gaslight / 1944; Virtude Selvagem / The Yearling / 1946; Quatro Destinos / Little Women / 1949; Sinfonia de Paris / An American in Paris / 1951; Assim Estava Escrito / The Bad and the Beautiful / 1952; Julio Cesar / Julius Caesar / 1953; Marcado pela Sarjeta / Somebody Up There Likes Me / 1957).
Filho de imigrantes irlandeses, Gibbons teria nascido em Nova York, onde seu pai se instalou como arquiteto. Gibbons estudou arte e desenho comercial na Art Students League e foi trabalhar no escritório de seu progenitor. Em 1914, ingressou nos estúdios Edison, onde insistiu para que os telões pintados de fundo fossem substituidos por cenários construídos, tri-dimensionais. Após servir na Marinha durante a Primeira Guerra Mundial, entrou para o estúdio de Samuel Goldwyn. Este era então um produtor independente (distribuindo seus filmes pela United Artists) e Gibbons, com Richard Day, era o principal desenhista da maioria das produções importantes da companhia no final dos anos dez e começo dos anos vinte. Quando o estúdio de Goldwyn se fundiu com a Metro Pictures e a Louis B. Mayer Productions em 1924 para formar a Metro-Goldwyn-Mayer, os dois continuaram a prestar serviço à nova firma norte-americana. Gibbons foi nomeado diretor de arte supervisor e aí nasceu o estilo visual suntuoso típico da MGM, que atendia ao gosto e à estratégia comercial do chefe de produção, Irving Thalberg.
O maior legado de Gibbons foi o “Grande Cenário Branco” (Big White Set) influenciado pelo art déco. Em 1925, Gibbons visitou a Exposition des Arts Decoratifs et Industriels Modernes em Paris, que foi o auge do art déco na Europa. Ele trouxe essas idéias para os Estados Unidos, onde as incorporou em muitos filmes da MGM. Pode-se dizer que tudo começou com Filhas Modernas ou Garotas Modernas / Our Dancing Daughters / 1928 (co-desenhado por Richard Day), o primeiro filme da trilogia estrelada por Joan Crawford que contava as histórias das mulheres modernas na Era do Jazz. Nas sequências, Donzelas de Hoje / Our Modern Maidens / 1929 e Noivas Ingênuas / Our Blushing Brides / 1930 também apareciam os cenários modernistas. Outra estrela que se beneficiou dos desenhos de Gibbons foi Greta Garbo, que participou de filmes art déco como Mulher de Brio / A Woman of Affairs / 1928; Mulher Singular / The Single Standard / 1929 e O Beijo / The Kiss / 1929.
Um dos filmes de maior sucesso de Garbo foi Grande Hotel / Grand Hotel / 1932, que obteve o Oscar da Academia. Este é um filme-chave para definir o estilo modernista de Gibbons. Baseado no romance (e peça) de Vicki Baum e dirigido por Edmund Goulding, a ação se passa num luxuoso hotel alemão. A produção ensejou papéis para os maiores astros do estúdio (Greta Garbo, John Barrymore, Lionel Barrymore, Wallace Beery, Joan Crawford etc.) e a direção de arte, assinada por Gibbons e Alexander Toluboff, refletia a elegância e o glamour do elenco. Seu cenário mais famoso era o magnificente saguão do hotel, que servia como uma ligação visual entre as desesperadas vinhetas da vida dos personagens. Este saguão era definido pela singeleza linear do art déco e predominância de contrastes em preto e branco, especialmente nos assoalhos de mármore lustrosos. O décor incluia ainda uma mesa em curva de 360º, permitindo que a ação fosse filmada virtualmente de qualquer ângulo. Nunca o conteúdo de um filme e a arquitetura estiveram tão intimamente relacionados.
Como lembrou Michel L. Stephens, Gibbons e Robert Day aprimoraram o estilo art déco, reduzindo-o aos seus elementos mais básicos. Outros filmes da MGM do final dos anos vinte e início dos anos trinta com cenários contemporâneos – Piratas Modernos / The Big City / 1928; A Atriz / The Actress / 1928, Os Ociosos / The Idle Rich / 1929; Dinamite ou Bonecas de Luxo / Dynamite / 1929; Hollywood Revue / The Hollywood Revue of 1929 / 1930; Jantar às Oito / Dinner at Eight / 1933; Uma Noite na Ópera / A Night at the Opera / 1935 etc. – também eram dominados por este estilo.
Porém mesmo os épicos históricos: A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934; a opereta dirigida por Ernst Lubitsch e Madame Waleska / Conquest / 1937, a história do romance entre Napoleão e Marie Waleska, são exemplos excelentes do art déco, no que ele tinha de mais extravagante. Os desenhos de Gibbons para filmes como Nascí para Dançar / Born to Dance / 1936 e Rosalie / Rosalie / 1937, inspiraram fortemente a arquitetura de vários cinemas.
O primeiro filme de longa-metragem em Technicolor produzido pela MGM, O Mágico de Oz / The Wizard of Oz / 1939, um musical-fantasia com cenários de William Horning (com a ajuda de Jack Martin Smith e Arnold Gillespie), supervisionados por Cedric Gibbons (que também contribuiu com alguns esboços), estabeleceu o estilo que o estúdio usaria nos seus musicais dos anos quarenta e cinquenta, uma abordagem quase surrealista, influenciada pela arte Impressionista e, em menor grau, pelo art déco. Entretanto, o musical technicolorido só dominaria a produção da MGM após os meados dos anos quarenta. Até então, as adaptações de obras literárias ainda ocupariam lugar de destaque na programação anual da companhia, sobressaindo as contribuições de Gibbons para Orgulho e Preconceito / Pride and Prejudice / 1940, Na Noite do Passado / Random Harvest / 1942 e À Meia Luz / Gaslight / 1944. Em 1945, Gibbons sofreu um ataque do coração, que afetou seriamente sua carreira. Embora ele continuasse como diretor de arte supervisor da MGM por mais uma década, o seu papel criativo diminuiu muito.
A extensa filmografia de Cedric Gibbons deve-se ao fato de que, devido a uma cláusula inserida no seu contrato, ele recebeu crédito em quase todos os filmes produzidos pela MGM durante sua gestão como diretor de arte supervisor mas, ao contrário de seu colega Hans Dreier da Paramount, ele apenas ocasionalmente trabalhou num filme individual. Na sua maioria, os desenhos para cada filme foram criados pelos diretores de arte da unidade, que ele designava para o projeto.
Entretanto, o “look” MGM dos anos vinte e trinta foi explicitamente delineado a partir do seu estilo pessoal. Além disso, ele formou um dos mais criativos departamentos de arte em Hollywood, contratando aqueles artistas de gosto parecido com o seu: Alexander Toluboff, Richard Day, Frederic Hope, Arnold Gillespie, Urie McCleary, Paul Grosse, William Horning, Edward Carfagno, Jack Martin Smith, Hans Peters, Randall Duell, Daniel B. Cathcart, Malcolm Brown, Preston Ames, Oliver Smith, Harry Oliver etc. Embora muitos desses diretores de arte tivessem trabalhado para outros estúdios, seus melhores e mais duradouros desenhos foram criados enquanto eram empregados na MGM sob a orientação do grande mestre.