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CONEXÃO VAUDEVILLE – CINEMA I

Por muitos anos o vaudeville foi a forma de entretenimento mais popular nos Estados Unidos. No final do século dezenove, o termo vaudeville designava uma série de oito a dez números de variedades, sem nenhuma relação narrativa ou temática entre eles, que se sucediam continuamente no palco, tais como cantores, comediantes, músicos, dançarinos, animais adestrados, transformistas, acrobatas, equilibristas, “mentalistas” (transmissão de pensamento), mágicos, “playlets” (cenas de peças de teatro populares na época), declamações, etc.

Esta forma de diversão tinha muitos parentes próximos ou distantes na família das variedades a saber: o medicine show, pequena trupe itinerante cujas performances serviam principalmente para anunciar remédios “milagrosos” de curandeiros; o circo, com sua ênfase nos palhaços, acrobatas e animais adestrados; o dime museum, precursor do sideshow, expondo criaturas deformadas e aberrações da natureza; o minstrel show, revista musical com números apresentados por atores brancos maquilados de negros tocando banjo, pandeiro e castanholas, intercalados por diálogos cômicos; o music hall inglês; e o chautauqua, espécie de espetáculo de variedades intelectual, combinando palestras, poesia, recitais de música e um humor mais refinado.

O programa do vaudeville era dividido em duas partes com um intervalo no meio. O ator principal (headliner) sempre aparecia no número imediatamente anterior ao intervalo e no penúltimo número do programa. O espetáculo abria com um “dumb act”, normalmente um animal adestrado ou um acrobata. “Dumb” (mudo, silencioso) não se referia à qualidade do número mas ao fato de que ele não dependia de som e, portanto,  era apropriado para ser usado como número de abertura ou de encerramento, quando os espectadores estavam entrando ou saindo ruidosamente do teatro. O “dumb act” de encerramento era chamado de “chaser”, porque tinha o objetivo de “expulsar” os espectadores, a fim de que desocupassem seus lugares para novos fregueses.

Os filmes curtos (aproximadamente de dez minutos), exibidos pelos primeiros projetores (Vitascópio, Cinematógrafo), inicialmente serviam como “chasers” na vasta rede de teatros de vaudeville do país, pertencentes a empreendedores como Antonio “Tony” Pastor (“O Pai do Vaudeville”), Benjamin Franklin Keith (B.F. Keith), Edward Franklin Albee, Frederick Freeman (“F.F.”) Proctor, Henry Miner, Oscar Hammerstein, Sylvester Poli, Percy Williams, John W. Considine, Pericles Pantages, C. E. Kohl e George Castle, John Koster e Adam Bial, Morris Meyerfeld, Martin Beck, etc. O Vitascópio estreou no dia 23 de abril de 1896 no Koster’s and Bial’s Music Hall e o cinematógrafo no Keith’s Union Square Theatre no dia 29 de junho do mesmo ano. Os principais teatros de vaudeville eram o Palace Theatre, o Victoria, o Hippodrome, o Colonial e o Alhambra.

Para manter seus teatros lotados, os ditos empresários procuravam sempre novos números, notadamente espetáculos visuais tais como marionetes, projeção de sombras feitas com a mão, living pictures (modelos imóveis em poses recriando quadros ou estátuas famosos) e apresentações de lanterna mágica. A projeção de filmes foi a última novidade a ser mostrada num palco como espetáculo visual.

Em 1905, surgiram  os primeiros cinemas (store front theatres ou nickelodeons), que se tornaram os locais predominantes de exibição de filmes e assim permaneceram até o início dos anos dez, quando começaram a ser construídos os grandes cinemas (movie palaces). Quatro dos maiores estúdios de Holywood – Loew’s (MGM), Paramount, Fox e RKO – tinham laços históricos com a indústria do vaudeville. Marcus Loew, Adolph Zukor e William Fox possuiram uma cadeia de teatros de vaudeville e a RKO foi criada pela fusão da Radio Pictures com os circuitos de vaudeville Keith (Keith / Albee) e  Orpheum (Meyerfeld / Beck).

Inspiradas pelo êxito do vaudeville, outras formas de competição ao vivo emergiram no século vinte. Os produtores da Broadway e os donos de buates atraíram alguns dos melhores artistas do vaudeville, oferecendo-lhes altos salários. O pioneiro neste campo foi Florenz Ziegfeld, cujo Follies foi inaugurado em 1907. O Follies combinou elementos do vaudeville e do teatro burlesco ( lindas garotas despidas) e os envolveu com o luxo dos espetáculos musicais da Broadway; porém Ziegfeld não foi o único empresário de revistas. Outros surgiram através dos tempos: a série Passing Show apresentada pelos Shuberts, George White’s Scandals, Earl Carrol’s Vanities, Greenwich Village Follies, Music Box Revues, etc.

Alguns artistas continuaram a atuar ao mesmo tempo no vaudeville e nas revistas (vg. as cantoras Nora Bayes, Belle Baker, Eva Tanguay, Ruth Etting) mas muitos disseram adeus aos circuitos de vaudeville, trocando-os pelo maior prestígio e remuneração que teriam nos palcos do teatro de revista. Entre os artistas que deram esse salto estavam Leon Errol, Bert Williams, Ed Wynn, W.C. Fields, Will Rogers e Eddie Cantor. Outros artistas abandonariam os circuitos de vaudeville para estrelar musicais da Broadway (vg. George M. Cohan, Al Jolson, Vernon e Irene Castle, Fred e Adele Astaire) ou atuar em shows de cabaré ou em speakeasies, buates que vendiam bebidas ilegais durante a Depressão (vg. Jimmy Durante, Texas Guinan, Helen Morgan).

Nos meados dos anos dez, alguns desenvolvimentos no mundo cinematográfico tiveram um impacto profundo sobre o vaudeville. Em 1912, Mack Sennett contratou alguns pequenos artistas do vaudeville para as suas comédias Keystone, entre eles, Fred Mace, Ford Serling e Roscoe “Fatty” Arbuckle.  Quando Sennett arrebatou Charles Chaplin da trupe de Fred Karno em 1913 e ele se tornou uma sensação da noite para o dia, um grupo de talentosos vaudevillians como W.C. Fields, Buster Keaton, Larry Semon, Will Rogers, Harry Houdini, Bert Williams, Weber e Fields, Eddie Foy, Moran e Mack, as Irmãs Duncan, as Irmãs Dolly, etc. – trilharam o caminho para Hollywood.

Mais devastadora para a indústria do vaudeville foi o incremento do filme de longa-metragem. Um por um, os teatros de vaudeville se transformaram em cinemas. Estes ainda incluíam alguns números de vaudeville no programa mas não havia muito espaço para artistas ao vivo em torno de um filme de longa-metragem.

Em 1919 existiam cerca de mil teatros de vaudeville nos Estados Unidos. Em 1921 estimava-se que um quarto dos teatros que haviam oferecido tanto filmes como vaudeville deixaram de apresentar os espetáculos de vaudeville. A nova moda passou a ser as “presentation houses” – grandes cinemas que também ofereciam entretenimento ao vivo, tais como grandes orquestras e números de comédia popular. Estes cinemas eram enormes: o Roxy tinha 6.200 lugares, o Capitol tinha 5.300 lugares; o Loew’s State, tinha 3.500 lugares, o Rivoli tinha 2.100 lugares, destacando-se também o Rialto, Paramount e Strand.

Em 1926,  uma nova audiência nacional para o vaudeville acabara de ser forjada: o rádio. Três milhões de lares americanos já possuíam aparelhos de rádio em 1927. No final dos anos 30, o número havia aumentado dez vezes. Astros do vaudeville como Eddie Cantor, Burns e Allen, Fred Allen, Jack Benny, Ed Wynn, Fanny Brice, Edgar Bergen e todos os grandes chefes de orquestra da época tornaram-se grandes astros do rádio.

O advento do som deu o golpe de misericórdia no vaudeville. A Warner Bros. adotou o sistema de som-em-disco Vitafone e em 1927, foi lançado o primeiro filme parcialmente falado, O Cantor de Jazz / The Jazz Singer, estrelado por Al Jolson. A partir daí, todos os grandes cantores e comediantes do vaudeville começaram a fazer Vitaphone shorts (ironicamente, a Warner foi o único dos cinco grandes estúdios de Hollywood que não havia sido criado por antigos empresários do vaudeville).

Houve duas razões para a invasão dos artistas de vaudeville no cinema: primeiro, porque oferecia às celebridades do cinema uma oportunidade de provar aos donos de seus estúdios que eles podiam falar, cantar e dançar, provando assim que estavam aptos para trabalhar nos talkies; segundo, porque era um meio de reativar uma carreira em declínio ou, em muitos casos,  condenada à extinção.

Mesmo antes da estréia de O Cantor de Jazz um ou outro astro do cinema mudo havia experimentado atuar no vaudeville. Conforme Anthony Slide (The Vaudevillians, Arlington House, 1981), em dezembro de 1914, Crane Wilbur que havia sido o parceiro da Rainha do Seriado, Pearl White, apareceu no palco do Teatro Poli em Springfield. Francis X. Bushman e Beverly Bayne, par romântico dos anos dez, apareceu em um esquete cômico, “Poor Rich Man”, no Palace, em fevereiro de 1921. Henry B. Walthall, um dos atores de O Nascimento de uma Nação / The Birth of a Nation, fez sua estréia no vaudeville no Hill Street Theatre em Los Angeles em maio de 1922 em um playlet de vinte minutos, “The Unknown. Dorothy Gish recusou uma proposta para aparecer no vaudeville em 1921 porém Bebe Daniels, uma grande estrela da Paramount, participou de espetáculos de vaudeville em Buffalo e Detroit no verão de 1923. Betty Blythe, cuja carreira cinematográfica estava quase em decadência, era a primeira atração do Palace em agosto de 1926. Esses são apenas alguns exemplos, pois Slide cita ainda as experiências no vaudeville, algumas frustradas, como a de Anita Stewart, Bryant Washburn, Anna May Wong, Helen Holmes e outras bem sucedidas, como as de Ruth Roland, Tom Mix, Ricardo Cortez.

Por volta de 1929, os maiores artistas do vaudeville  como os Irmãos Marx, Joe E. Brown e Eddie Cantor estavam fazendo filmes sonoros. Logo, eles seriam acompanhados nas telas por Bill Robinson, Will Rogers, Os Três Patetas, Wheeler e Woolsey, Mae West, os Ritz Brothers e muitos outros.

Durante os anos 30 e 40, Hollywood produziu inúmeros “revue films” (filmes revista), entremeados de números de vaudeville, criados especificamente para o cinema. Entre eles posso apontar: a série Gold Diggers (Mordedoras / The Gold Diggers of Broadway / 1929, Cavadoras de Ouro / The Gold Diggers of 1933 / 1933; Mordedoras de 1935 / The Gold Diggers of 1935 / 1935, Cavadoras de Ouro de 1937 / The  Gold Diggers of 1937 / 1936;  Cavadoras em Paris / The Gold Diggers in Paris / 1938); Follies / Fox Follies of 1929;  a série Broadway Melody (Broadway Melody / The Broadway Melody / 1929, Broadway Melody de 1936 / Broadway Melody of 1936 / 1935; Broadway Melody de 1940 / Broadway Melody of 1940 / 1940; a série The Big Broadcast (Ondas Musicais / The Big Broadcast  / 1932 / 1932; Ondas Sonoras de 1936 / The Big Broadcast of 1936 / 1935 ; Ondas Sonoras de 1937 / The Big Broadcast of 1937 / 1936; Folia a Bordo / The Big Broadcast of 1938); a série George White’s Scandals (Escândalos da Broadway / George White Scandals of 1934 / 1934; Escândalos da Broadway de 1935 / George White Scandals of 1935 (reintitulado George White’s 1935 Scandals) / 1935; Turbilhão de Melodias / George White Scandals of 1945 / 1945; Hollywood Revue / The Hollywood Revue of 1929; Torre de Babel / International House /1933, Noivas de Tio Sam / Stage Door Canteen /1943 e outros.

Foram feitas também várias cinebiografias de artistas do vaudeville: A História de Vernon e Irene Castle / The Story of Vernon and Irene Castle / 1939; A Bela Lillian Russell / Lillian Russel / 1940; A Canção da Vitória / Yankee Doodle Dandy / 1942 (George M. Cohan); Melodia de Amor / Shine on Harvest Moon / 1944 (Nora Baynes); As Irmãs Dolly / The Dolly Sisters / 1945; Chispa de Fogo / Incendiary Blonde / 1945 (Texas Guinan);  Sonhos Dourados / The Jolson Story / 1946 e O Trovador Inolvidável / Jolson Sings Again / 1949; A História de Will Rogers / The Story of Will Rogers / 1952; A Louca Aventura / The I Don’t Care Girl / 1953 (Eva Tanguay); Nas Asas da Fama / The Eddie Cantor Story / 1953; Houdini – O Homem Miraculoso / Houdini / 1953; Ama-me ou Esquece-me / Love me or Leave me / 1955 (Ruth Etting), Um Coringa e Sete Ases / The Seven Little Foys / 1955 (Eddie Foy); Com Lágrimas na Voz / The Helen Morgan Story / 1957; O Palhaço que não Ri / The Buster Keaton Story / 1957; Funny Girl – A Garota Genial / Funny Girl / 1968 (Fanny Brice); Frenesí de Glória / W.C. Fields and Me / 1976, etc.

Alguns historiadores afirmam que o espetáculo de vaudeville derradeiro teve lugar no Loew’s State em 1947 mas sabe-se que o Palace Theater (conhecido como o “Valhalha do Vaudeville’) voltou a adotar a política de intercalar vaudeville com filmes de Hollywood de 1949 a 1957. Houve também outros esforços para “reavivar” o vaudeville como o do colunista Walter Winchell. Ele foi responsável pelo sucesso de Hellzapoppin, um espetáculo que havia sido criticado acerbamente pelos comentaristas de Nova York. Esta revista absurda, protagonizada pela dupla Olsen e Johnson, estreou em 1938 e foi um sucesso  de público extraordinário. Transposta para a tela em 1941, recebeu no Brasil o título de Pandemônio.

No final dos anos 30, sob o governo do Presidente Roosevelt, o Federal Theatre Project, uma divisão da Works Progress Administration, tinha uma unidade de vaudeville. Durante a Segunda Guerra Mundial, a United Service Organization (USO) usou os serviços de muitos artistas de vaudeville (Joe E. Brown e Bob Hope foram os que mais se destacaram neste serviço) para divertir os pracinhas no exterior. Na frente doméstica, a USO utilizou-os na Hollywood Canteen, onde toda noite uma grande orquestra tocava e os homens de uniforme podiam dançar com as estrelas glamourosas, que também serviam as mesas e lavavam os pratos. Hotéis de veraneio em Catskill Mountains, Miami, Atlantic City e Las Vegas, buates e parques de diversão continuaram a programar talentos ao vivo. E, finalmente, pouco após a apresentação do último show de vaudeville no Loew’s Theater em 1947, o Variety publicou um anúncio dizendo: “Vaudeville is Back! The Golden Era of Variety begins with the Premiere of Texaco Star Theatre on Television”(O Vaudeville está de Volta! A Era do Teatro de Variedades começa com a Estréia do Texaco Star Theatre na Televisão).

Segundo Trav S.D. (No Applause – Just Throw Money, Faber and Faber, 2005), o programa citado, de Milton Berle, foi acompanhado naquele mesmo ano pelo programa de Ed Sullivan, Toast of the Town; no ano seguinte acompanhado por The Admiral Broadway Revue, estrelado por Sid Caesar e por Cavalcade of Stars, liderado primeiramente por Jack Carter e mais tarde por Jackie Gleason. Em 1950, estrearam The Ken Murray Show, The Colgate Comedy Hour (com convidados como Eddie Cantor, Bob Hope, e Jimmy Durante) e The Four Star Revue (com Durante, Ed Wynn, Danny Thomas e Jack Carson alternando como anfitriões). O Red Skelton Show foi lançado em 1951 e o Red Buttons Show, em 1952. The Tonight Show, conduzido por Steve Allen começou em 1954. Em 1964, um variety show chamado The Hollywood Palace, especificamente modelado no velho formato do vaudeville, teve início na ABC e se manteve em boa posição nas pesquisas de audiência até seu desaparecimento em 1970. Bob Hope e Jack Benny fizeram inúmeros “especiais” de televisão com o formato de variedades. Groucho Marx e Fred Allen tinham seus próprios quiz shows (programas de perguntas),  You Bet Your Life e What’s My Line? respectivamente.

Nos verbetes que se seguem, descrevo sucintamente (neste e nos próximos artigos) alguns dos  principais artistas de vaudeville americanos, que tiveram alguma ligação com o cinema:

FRED ALLEN (John Florence Sullivan, 1894-1956) – Estreou no vaudeville no início de 1910 como equilibrista e ventríloquo Em 1922, ainda no vaudeville, tornou-se uma atração principal como comediante e depois foi para o Teatro de Revista. Posteriormente, tornou-se muito conhecido no rádio com o “The Fred Allen Show” (1939-1949) e, finalmente, aderiu à televisão, integrando o painel do programa,  ”What’s My Line”. Sua mulher, Portland Hoffa, foi sua parceira no vaudeville e no rádio durante muitos anos. Filmes: Mil Vezes Obrigado / Thanks a Million / 1935; Três Moças Sabidas / Sally, Irene and Mary / 1938; Dois Bicudos não se Beijam / Love Thy Neighbour / 1941; Está no Papo / It’s in the Bag / 1945; Travessuras de Casados / We’re Not Married / 1952; Páginas da Vida / O Henry’s Full House / 1953.

BELLE BAKER (Bella Baker, 1895-1957) – foi uma das grandes cantoras do vaudeville, onde estreou em 1911 e manteve uma amizade com Irving Berlin, que escreveu várias canções para ela. Em 1926, Belle integrou o elenco de uma revista de Florenz Ziegfeld, “Betsy”, que, no entanto, ficou pouquíssimo tempo em cartaz. Em 1929, entrou no elenco de uma produção da Columbia intitulada The Song of Love e, mais tarde, participaria de um outro filme, Atlantic City / Atlantic City / 1944. Belle voltou ao vaudeville em 1932, quando apresentou um de seus maiores êxitos: “All of Me”. Em 1934 ela foi atração principal ao lado de Beatrice Lillie num espetáculo no London Palladium e participou de um filme inglês, Charing Cross Road, lançado no ano seguinte. Em 1936, Belle estreou na boate Versailles Club de Nova York  (depois de ter trabalhado em Londres no Kit Kat e no Café de Paris). Suas aparições no palco  diminuiram nos anos quarenta  e ela fez sua última aparição em público em 1950.

BARBETTE (Vander Clyde, 1904-1973) – Como transformista, Barbette era único, porque aparecia como uma extraordinária mulher trapezista, eletrizando as platéias do vaudeville dos anos dez e deliciando a sociedade parisiense nos anos vinte. Aos quatorze anos de idade, Vander Clyde respondeu um anúncio colocado por uma das Alfaretta Sisters, que eram conhecidas como “Word Famous Aerial Queens”. Uma das irmãs havia falecido e a outra estava procurando um parceiro. Ela explicou ao rapaz que o público ficava mais impressionado com mulheres trapezistas e sugeriu que ele se vestisse como uma moça. Aos poucos, Barbette desenvolveu um número sozinho e logo se tornou uma grande atração. Em 1923, apresentou-se no casino de Paris e foi o sucesso da noite, aparecendo num vestido branco coberto de penas de avestruz e terminando seu número com um “chute d’ange” do trapézio para o tapete branco do palco. Quando ele tirou sua peruca e tomou a posição de um pugilista profissional, a platéia ficou enlouquecida. Nos anos seguintes, Barbette foi um dos astros mais populares do cabaré na França. Seu amigo, Jean Cocteau, disse: ”Ele é um anjo, uma flor, um pássaro”. Em 1930, o cineasta colocou Barbette  travestido no seu filme  Le Sang d’un Poete. O filme de Hitchcock, Murder! / 1930, apresenta um trapezista homossexual transformista como o assassino e não resta dúvida de que este personagem foi baseado em Barbette.

NORA BAYES (Eleanor ou Leonora Goldberg, 1880-1928). Ninguém era capaz de dramatizar uma canção como ela.  Nora foi um dos grandes nomes do vaudeville no mesmo nível de Elsie Janis e Eva Tanguay. Ela trabalhou também sob contrato de Florenz Ziegfeld no Follies de 1908 juntamente com seu marido, o compositor Jack Norworth, e em outras revistas musicais. A vida do casal foi filmada em 1944 pela Warner sob o título de Melodia do Amor / Shine on Harvest Moon com Ann Sheridan e Dennis Morgan. Após seu divórcio de Norworth, Nora voltou para o vaudeville, sendo anunciada como “The Greatest Single Woman Singing Comedienne in the World”. Durante a Primeira Guerra Mundial, ela divertiu as tropas e lançou em 1917 a canção mais famosa de tempo de guerra, “Over There”, de autoria de George M. Cohan.

JACK BENNY (Benjamin Kubelski, 1894-1974) –  Célebre comediante do rádio, da TV e, ocasionalmente, do cinema. Seu inimitável olhar repreensivo e seu violino odioso, seu timing perfeito e o uso supremo da pausa para arrancar risadas, mantiveram sua popularidade intacta por muitos anos. Benny começou no vaudeville fazendo dupla com Cora Salisbury: ela tocava piano e ele violino e seu número era anunciado como “From Grand Opera to Ragtime”. Quando a America entrou na Primeira Guerra Mundial ele se alistou na Marinha e alí descobriu seu talento para a comédia, divertindo as tropas com solos de violino entremeados com piadas. Depois da guerra, Benny retornou ao vaudeville sozinho, chamando-se inicialmente Ben K. Benny; mas depois mudou de nome. Além do vaudeville,  Jack Benny trabalhou em buates e na  revista Earl Carroll’s Vanities. Em 1927, ele se agrupou com um grupo musical chamado The New Yorkers e depois retornou ao vaudeville. Seu programa de rádio, “The Jack Benny Program”, entrou no ar em 1 de outubro de 1944. Em poucos anos alguns artistas se tornaram familiares no seu programa: o locutor Don Wilson, Eddie Anderson como Rochester, o cantor Dennis Day, o chefe de orquestra Phil Harris, Mel Blanc (conhecido por ter emprestado a voz para o Coelho Pernalonga / Bugs Bunny e do Picapau / Woody Woodpecker) e a mulher de Benny, Mary Livingstone. O “Jack Benny Program” passou para a televisão e ficou no ar de 1950 a 1965. Filmes: Hollywood Revue of 1929 / 1929; No Mundo da Lua / Chasing Rainbows / 1930; Medicine Man / 1930; Folias Transatlânticas / Transatlantic Merry-Go-Round /1934; Broadway Melody de 1936 / Broadway Melody of 1936 / 1935; Dois Águias em Vôo / It’s in the Air/ 1935; Ondas Sonoras de 1937 / The Big Broadcast of 1937/ 1936; Alegria à Solta College Holiday / 1936; Artistas e Modelos / Artists and Models / 1937; No Turbilhão Parisiense / Artists and Models Abroad / 1938; O Terror dos Maridos / Man About Town / 1939; Romeu a Cavalo / Buck Benny Rides Again / 1939; Dois Bicudos não se Beijam / Love Thy Neighbour / 1940; A Tia de Carlito / Charley’s Aunt / 1941; Ser ou Não Ser /To Be or Not To Be / 1942; Mania de Antiguidades / George Washington Slept Here / 1942; O Maior Sovina do Mundo / The Meanest Man in the World / 1943; Um Sonho em Hollywood / Hollywood Canteen / 1944; Está no Papo / It’s in the Bag / 1945; The Horn Blows at Midnight / 1945; Diário de um Homem Casado / A Guide for the Married Man / 1967. Cameos em: Romance e Fantasia / Without Reservations / 1945; O Prefeito se Diverte / Beau James / 1957; Deu a Louca no Mundo / It’s a Mad, Mad, Mad, Mad  World / 1963.

EDGAR BERGEN (Edgar Breggen, 1903-1978). Americano de origem sueca, Bergen divertiu o público com os seus bonecos Charlie McCarthy e  Mortimer Snerd, que eram seus alter egos. Quando ele fazia seu número de ventríloquo  as pessoas se encantavam com o seu humor gentil e se esqueciam de que seus lábios se moviam. Em 1930, Bergen e Charlie fizeram a sua primeira aparição numa série de filmes curtos da Vitafone porém a grande chance para a dupla chegou em 1936, quando eles apareceram como convidados no programa de rádio de Rudy Vallee. Em 1937 Bergen e Charlie iniciaram o seu próprio programa radiofônico, que ficou no ar pelos próximos vinte anos. No rádio, Bergen introduziu outros bonecos como Effie Klinger; Ophelia; Maisie e Matilda; Podine Puffington; Lars Lindquist; e Gloria Graham. Depois de participar de vários filmes, inclusive como coadjuvante sem o boneco, Bergen anunciou seu afastamento do show business e que Charlie McCarthy seria legado ao Smithsonian Institution. Charlie retrucou: “Bem, pelo menos eu não serei o único boneco em Washington”. Filmes: Goldwyn Follies / The Goldwyn Follies /  1938; Um Dia de Promessa / Letter of Introduction / 1938; Quem Mal Anda, Mal Acaba / You Can’t Cheat an Honest Man / 1939; Charlie McCarthy Detetive / Charlie McCarthy Detective / 1939; Quem Se Ri Por Último / Look Who’s Laughing / 1941; Ursadas e Peruadas / Here We Go Again / 1942; Noivas de Tio Sam / Stage Door Canteen / 1943; Viva a Juventude / Song of the Open Road / 1944; Pongo / Fun and Fancy Free / 1947; A Vida de um Sonho / I Remember Mama / 1948; Capitão China / Captain China / 1949; One – Way Wahine / 1966;  Não Faça Onda / Don’t Make Waves / 1967. Cameos: Conjunto de Espiões / The Phynx / 1970; Won-Ton-Ton o C Won Ton Ton – The Dog That Saved Hollywood / 19 76; The Muppet Movie / 1979.

MILTON BERLE  (Milton Berlinger, 1908- 2002) – Berle entrou para o vaudeville ainda criança  e teve sua grande chance na nova montagem de “Florodora” como parte de um Baby Sextette, seis meninos e meninas que cantavam  a canção de sucesso do espetáculo, “Tell Me Pretty Maiden”. Em 1921, ele formou uma dupla com Elizabeth Kennedy em um número de vaudeville intitulado Kennedy e Berle Berle estreou sozinho em 1924 e foi adquirindo popularidade, passando depois a atuar em boates, onde suas piadas eram ajustadas deliberadamente para insultar os fregueses. Por exemplo, ele se dirigia a um dos frequentadores do local e dizia: “Oh, temos novidade; o senhor está acompanhado de sua esposa”. No rádio, ele ficou no ar de 1934 a 1948. Seu programa mais conhecido foi a série “Let Yourself Go”, que encorajava o ouvinte a fazer exatamente aquilo e a expressar seus desejos secretos. Berle esteve nas telas desde o cinema mudo, fazendo “pontas” no seriado de Pearl White, The Perils of Pauline e em outros filmes rodados em Fort Lee, New Jersey. Porém o seu maior êxito foi na televisão no “The Texaco Star Theater”, que depois se chamou “The Milton Berle Show” e assim continuou até 1956, quando foi cancelado. Ele praticamente dominou a televisão entre 1948 e 1956 a ponto de ser nomeado “Mr. Television” ou, mais afetuosamente,  “Tio Miltie”.  Filmes sonoros: Caras Novas de 1937 / New Faces of 1937; Folias de Radio City / Radio City Revels / 1938; Alto, Moreno e Simpático / Tall, Dark and Handsome / 1941; Quero Casar-me Contigo / Sun Valley Serenade / 1941; O Bamba da Pelota / Rise and Shine / 1941; Um Blefe Formidável / A Gentleman at Heart / 1942; Veleiro Fantasma / Whispering Ghosts / 1942; Over My Dead Body / 1942; Um Pequeno Erro / Margin for Error / 1943; O Mundo de um Palhaço / Always Leave Them Laughing / 1949; Deu a Louca no Mundo / It’s a Mad, Mad, Mad., Mad World / 1963; Confidências de Hollywood / The Oscar / 1965; O Ente Querido / The Loved One / 1965; Don’t Worry We’ll Think of a Title / 1966; Acontece Cada Coisa / The Happening / 1967; Quem está Guardando esta Erva? / Who’s Minding the Mint? / 1967; For Singles Only / 1968; Can Heironymous Merkin Ever Forget Mercy Humppe and Find True Happinness? / 1969; Regresso ao Mundo Maravilhoso de Oz / Journey Back to Oz (somente a voz do Leão Covarde) / 1974; Lepke / Lepke / 1975; Won Ton Ton – O Cachorro Que Salvou Hollywood / Won Ton Ton – The Dog That Saved Hollywood / 1976; O Mundo Mágico dos Muppets / /The Muppet Movie / 1980; Broadway Danny Rose / Broadway Danny Rose / 1984; As Loucuras de Jerry Lewis / Smorgasbord / 1985; Driving me Crazy / 1992; Storybook / 1996.

FANNY BRICE (Fannie Borach, 1891-1951). Fanny ficava sempre à vontade tanto interpretando canções cômicas como letras de música trágicas. Ela era uma grande cantora de fossa, como ficou evidenciado na interpretação de sua canção mais famosa, “My Man”. Magra e comprida, com olhos em forma de meia lua e um nariz de papagaio, sorriso largo e forte sotaque yddish, a popular artista era muito engraçada, principalmente quando compunha o tipo de uma vamp cinematográfica ou de uma madame da alta sociedade. Depois de se apresentar como amadora num teatro do Brooklyn, cantando  – com lágrimas de emoção – “You Know You’re Not Forgotten by the Girl You Can’t Forget”, Fanny fez um teste com George M. Cohan mas foi reprovada porque não sabia dançar. Ela então excursionou com uma companhia de teatro burlesco, até ser vista por Florenz Ziegfeld, que estava escolhendo o elenco de sua Follies de 1910. Quando o espetáculo estreou no New York Theatre em 20 de junho de 1910, inquestionavelmente uma estrela acabara de nascer. Ziegfeld colocou Fanny como atração principal de sua Follies de 1911, 1916, 1917, 1920, 1921 e 1923 mas o célebre show man nunca lhe deu oportunidade de fazer outra coisa senão comédia. Depois ela foi estrela na “Music Box Revue”(1924-1925) e em peças da Broadway. Fanny se tornou uma favorita do público também no vaudeville. Ela estreou no Palace em fevereiro de 1914 e seria uma artista habitual no gênero pelos próximos vinte anos. Um primeiro casamento, quando ela era ainda adolescente com Grant White logo se dissolveu tal como seu segundo matrimônio, em 1918, com o jogador Nick Arnstein (que inspirou a canção “My Man”).

Em 1930, Fanny casou-se com Billy Rose porém divorciou-se dele oito anos depois. A caracterização mais famosa de Fanny Brice foi a de Baby Snooks. A personagem apareceu pela primeira vez no rádio  em 29 de fevereiro de 1936 e continuou no ar intermitentemente até a sua morte. Suas aparições no cinema foram poucas: My Man / 1928; Night Club / 1929 (curta-metragem); Astúcia Feminina / Be Yourself / 1930; Ziegfeld, o Criador de Estrelas / The Great Ziegfeld / 1936; Diabinho de Saias / Everybody Sing / 1938; Ziegfeld Follies / Ziegfeld Follies / 1945.

A história de sua vida foi o tema de um musical da Broadway e do filme Funny GirlA Garota Genial / Funny Girl / /1968 e de sua continuação, Funny Lady / Funny Lady / 1975, ambos com Barbra Streisand. Referências ligeiramente disfarçadas sobre sua intimidade foram também feitas em Luzes da Broadway / Broadway Thru a Keyhole / 1933 com Constance Cummings e O Meu Amado / Rose of Washington Square / 1939 com Alice Faye.

MICHAEL CURTIZ II

Michael Kertesz chegou em Nova York na noite de domingo do dia 6 de junho de 1926. Albert Warner, o terceiro dos irmãos Warner e tesoureiro do estúdio reteve-o na cidade  uma semana à espera do regresso de Harry de Chicago. Assim que este chegou, e uma vez resolvidos vários assuntos legais, entre eles a mudança do nome artístico do diretor de Kertesz para Curtiz, eles partiram para Hollywood. Contratado da Warner durante a maior parte de sua carreira, Curtiz tornou-se o diretor mais importante do estúdio, odiado pelos atores e técnicos por suas grosserias, ridicularizado pelo seu inglês errôneo (“Bring on the empty horses”) e monitorado constantemente pelos produtores por seu perfeccionismo.

De 1926 a 1961, Michael Curtiz fez 102 filmes, dos quais pude assistir 73. Na filmografia que se segue, destaco os que mais me agradaram (sem deixar de apreciar muitos outros de seu extenso currículo) e assinalo com um * os filmes que não assistí.

FILMOGRAFIA

A TORTURA / The Third Degree / 1926 (*); O SACRIFÍCIO / A Million Bid / 1927 (*); MULHER DESEJADA / The Desired Woman (*); NOBREZA E VILANIA / Good Time Charley / 1927 (*); FLOR DO LODO / Tenderloin / 1928 (*); A ARCA DE NOÉ / Noah’s Arc / 1929; The Glad Rag Doll / 1929 (*); A MADONA DA AVENIDA  / The Madonna of Avenue A / 1929 (*); The Gamblers / 1929 (*); CORAÇÕES EM EXÍLIO / Hearts in Exile / 1929 (*); MINHA MÃE / Mammy / 1930 (*); DON JUAN DO MÉXICO / Under a Texas Moon / 1930 (*); The Matrimonial Bed / 1930 (*); Bright Lights / 1929; O MORTO-VIVO / River’s End / 1930 (*); A Soldier’s Plaything / 1930 (*); Dämon des Meeres (versão em língua alemã de “Moby Dick”, dir: Lloyd Bacon) / 1931 (*); God’s Gift to Women / 1931 (*); O GÊNIO DO MAL / The Mad Genius / 1931; A DAMA DE MONTE CARLO / The Woman from Monte Carlo / 1932 (*); GLÓRIA AMARGA / Alias the Doctor / 1932 (*); HÁ MULHERES ASSIM / The Strange Love of Molly Louvain / 1932; DOUTOR X / Doctor X / 1932; ESCRAVOS DA TERRA / Cabin in the Cotton / 1932; 20.000 ANOS EM SING SING / 20.000 Thousands Years in Sing Sing / 1932;  MUSEU DE CÊRA / Mystery of the Wax Museum / 1933; PELA FECHADURA / The Keyhole / 1933; QUANDO A SORTE SORRI / Private Detective 62 / 1933; Goodbye Again / 1933 (*); O CASO DE HILDA LAKE / The Kennel Murder Case / 1933; TU ÉS MULHER / Female / 1933; CAPRICHO BRANCO / Mandalay / 1934; BANCANDO O CAVALHEIRO / Jimmy the Gent / 1934; A CHAVE / The Key / 1934; ESPIONAGEM / British Agent / 1934; INFERNO NEGRO / Black Fury / 1935; A NOIVA CURIOSA / The Case of the Curious Bride / 1935; MISS REPÓRTER / Front Page Woman / 1935 (*); A PEQUENA DITADORA / Little Big Shot / 1935 (*);

CAPITÃO BLOOD / CAPTAIN BLOOD / 1935. Aventura de capa-e-espada baseada no romancede Rafael Sabatini, marcando o verdadeiro início (Flynn já havia feito uma ponta em A Noiva Curiosa) da colaboração entre Curtiz e Errol Flynn, que se estenderia por mais onze filmes até 1941. Flynn entrou no lugar de Robert Donat que não pôde assumir o papel principal por motivo de saúde. Olivia de Havilland, então com 19 anos, foi escolhida para interpretar Arabella, depois de cogitadas Bette Davis, Anita Louise e Jean Muir. Ação, humor e romance – fórmula básica da dupla – foram forjados com técnica e senso rítmico impecáveis. A direção de Curtiz, servida por um excelente roteiro de Casey Robinson e pela estupenda montagem de George Amy, mantém um clima de constante euforia. Ele teve à sua disposição três assistentes de direção entre eles Jean Negulesco, futuro diretor de prestígio e mais de 2 mil figurantes para as batalhas marítimas e o assalto a Port Royal, sequências complicadas nas quais os cenários de Anton Grot e as miniaturas e os efeitos especiais criados por Fred Jackman supriram a ausência, tanto de qualquer embarcação de verdade como da própria cidade portuária, tendo sido depois incorporados planos gerais de outros filmes, notadamente O Gavião do Mar / The Sea Hawk / 1924 (Dir: Frank Lloyd). O célebre duelo na praia entre Blood (Errol Flynn) e Levasseur (Basil Rathbone), orientados pelo

especialista em esgrima Fred Cavens, filmado em Laguna Beach à luz do crepúsculo, é um trecho de antologia. Mohr foi substituido temporariamente por Ernest Haller e ocasionalmente por Byron Haskin. Estreando como autor de partituras originais para Cinema, o compositor austríaco Erich Wolfgang Korngold criou, em apenas três semanas, vibrante composição de acordo com a excitante narrativa. Capitão Blood foi indicado para o Oscar, mas perdeu para O Grande Motim / Mutiny on the Bounty (Dir: Frank Lloyd). O MORTO AMBULANTE / The Walking Dead / 1936 (*);

A CARGA DA BRIGADA LIGEIRA / THE CHARGE OF THE LIGHT BRIGADE / 1936. Aventura colonialista no auge do Império Britânico, inspirada pelo poema de  Alfred, Lord Tennyson sobre a famosa carga de cavalaria ligeira suicida em Balaclava durante a Guerra da Crimeia e também na sangrenta rebelião dos cipaios em 1857, sem se preocupar com a fidelidade histórica. O ponto culminante do espetáculo é a emocionante sequência, na qual centenas de homens e cavalos correm em direção aos canhões russos, pontuada pela música excitante de Max Steiner e editadas por George Amy num ritmo acelerado à maneira de Eisenstein.

Rodada quase que inteiramente em Chatsworth, perto de Los Angeles,  com o apoio do diretor de segunda unidade B. Reeves Eason e do fotógrafo siciliano Sol (Salvador) Polito (utilizando sete câmeras para filmar 280 figurantes e 320 cavalos), a célebre carga dura 6 minutos na tela e é sem dúvida uma dos momentos mais espetaculares do Cinema. Infelizmente, durante a filmagem, vários animais tiveram que ser abatidos por causa dos ferimentos causados pelos fios colocados para provocar sua queda e um stuntman faleceu por ter caído sobre uma espada perdida, cujo cabo se encontrava fincado no solo com a lâmina apontada para cima. O filme não somente confirmou Errol Flynn e Olivia de Havilland como astros, mas também colocou Michael Curtiz no topo dos diretores de Hollywood; VENTURA ROUBADA / Stolen Holiday / 1937; JUSTIÇA HUMANA / Mountain Justice / 1937; TALHADO PARA CAMPEÃO / Kid Galahad / 1937; O HOMEM PERFEITO / The Perfect Specimen / 1937; ONDE O OURO SE ESCONDE / Gold is Where You Find It / 1938;

AS AVENTURAS DE ROBIN HOOD / THE ADVENTURES OF ROBIN HOOD / 1938. Indiscutivelmente um dos melhores filmes de aventura de todos os tempos e clássico permanente. Os chefões da Warner pensaram primeiramente em James Cagney para o papel principal, porém o ator brigou com o estúdio e finalmente eles escolheram Errol Flynn. Sob o comando de William Keighley, (acompanhado pelo fotógrafo Tony Gaudio e pelo diretor de segunda unidade B. Reeves Eason) a equipe viajou até Bidwell Park em Chico, na California, onde filmou as cenas na floresta de Sherwood e depois rumou para Busch Gardens, em Pasadena, a fim de rodar a sequência do torneio. Devido ao atraso da filmagem acumulado em quinze dias, o produtor executivo Hal Wallis substituiu Keighley por Curtiz. Enquanto este se inteirava do que já havia sido realizado e tomava as primeiras providências para o prosseguimento da produção, William Dieterle filmou durante dois dias várias cenas com atores secundários. Curtiz dispensou Tony Gaudio e colocou Sol Polito no seu lugar (a primeira sequência a cargo de Curtiz / Polito foi a da entrada de Robin no salão real com o cervo nos ombros) e refilmou algumas cenas de ação na floresta de Sherwood e no torneio. Fred Cavens ensinou Errol Flynn e Basil Rathbone  a manejarem as espadas, tal como fizera em Capitão Blood e Howard Hill instruiu Flynn no arco-e-flecha. As cenas do duelo no desenlace

iluminadas com sombras gigantescas dos esgrimistas numa das colunas do castelo jamais sairá da memória dos fãs. Os cenários foram erguidos por Carl Jules Weyl e Erich Wolfgang Korngold  compôs uma obra-prima de partitura original, sublinhando percussivamente os lances da história. Weyl, Korngold e o montador Ralph Dawson ganharam o Oscar. As Aventuras de Robin Hood foi indicado para o prêmio da Academia, mas perdeu para Da Vida Nada se


Leva / You Can’t Take it With You (Dir. Frank Capra). O novo processo Technicolor tricromático jamais se encaixou tão bem num filme, graças ao trabalho do perito W. Howard Greene, assessorado pelos fotógrafos Gaudio e Polito. O elenco muito bem escolhido (no qual sobressaiam, além do par romântico, Basil Rathbone / Sir Guy de Gisbourne, Claude Rains / Prince John, Alan Hale / Little John, Eugene Pallette / Friar Tuck e Patrick Knowles / Will Scarlet) estava em plena forma e Errol Flynn e  Olivia de Havilland interpretaram algumas de suas melhores cenas de amor. Vibrante, dinâmico e atlético, Flynn firmou-se como o maior espadachim do Cinema; AMANDO SEM SABER / Four’s a Crowd / 1938 (*); QUATRO FILHAS / Four Daughters / 1938;

ANJOS DE CARA SUJA / ANGELS WITH DIRTY FACES / 1938. Retornando à Warner depois de um desentendimento, que o deixou afastado do estúdio durante dois anos, James Cagney tem um de seus melhores desempenhos (como sempre, pondo todo o corpo para representar) neste clássico do filme de gângsteres, em que Curtiz dá uma aula de exposição cinematográfica e o rítmo e as sombras (controladas por Sol Polito) assumem particular relêvo. O ator conquistou o prêmio dos críticos de Nova York e recebeu sua primeira indicação para o Oscar, porém os “Anjos”(Leo Gorcey, Huntz Hall, Bobby Jordan,

Billy Halop, Bernard Punsley, Gabriel Dell) quase lhe “roubaram” o filme. Após uma estréia auspiciosa ao lado de Humphrey Bogart na produção de Samuel Goldwyn, Beco sem Saída / Dead End / 1937 (Dir: William Wyler), o grupo de rapazes (Já conhecido como “Dead End Kids”) assinou contrato com a Warner, para aparecer em filmes classe “B” assim como em produções mais caras. Entretanto, antes de colocá-los em Os Anjos de Cara Suja, Jack Warner testou-os num filme modesto chamado No Limiar do Crime / Crime School / 1938  (Dir: Lewis Seiler), também protagonizado por Bogart. O tema de dois amigos de infância que se vêem em campos opostos da lei não era novo, mas o filme de Curtiz atingiu um nível artístico mais elevado do que o de seus predecessores, graças à clareza e agilidade da sua mise-en-scène, à fotografia notável de Polito, aos excelentes cenários de Robert Haas, ao score animado de Max Steiner e aos intérpretes de primeira qualidade, entre eles Bogart no seu primeiro filme ao lado de Cagney. A cena ambígua da execução, na qual Cagney (Rocky Sullivan) finge (ou não?) que é covarde, para dissuadir os rapazes da sua antiga vizinhança de seguir os seus passos no caminho do crime, ainda hoje causa um forte impacto; UMA CIDADE QUE SURGE / Dodge City / 1939; FILHAS CORAJOSAS / Daughters Courageous / 1939; MEU REINO POR UM AMOR / The Private Lives of Elizabeth and Essex / 1939; QUATRO ESPOSAS / Four Wives / 1939; CARAVANA DO OURO / Virginia City / 1940;

O GAVIÃO DO MAR / THE SEA HAWK / 1940. Com esta nova visita ao mundo da pirataria, Curtiz atingiu o auge do seu cinema de aventuras, realizando um dos filmes mais férteis do gênero. Desprezando a adaptação que Delmer Daves havia feito do romance de Rafael Sabatini, os roteiristas Seton I. Miller e Howard Koch preferiram escrever uma história original, inspirada na vida de Francis Drake, contando as aventuras do grupo de Sea Dogs, que enriqueceram a corôa da Inglaterra como corsários, apenas mudando a expressão Sea Dogs para Sea Hawks, que parecia fazer alusão à obra de Sabatini. O script e os altos valores de produção deram a Curtiz ampla liberdade para aperfeiçoar seu estilo, compondo à vontade seus espetaculares movimentos de câmera e seus jogos de sombras gigantescos sobre as paredes dos castelos, que são a sua marca registrada. A ação transcorre quase sempre em lugares claustrofóbicos (galeras, selva, etc.), onde são postos em evidência a tensão, o esforço heróico e doloroso dos participantes. A arte de Curtiz se expressa com veemência no duelo de espada entre o Capitão Geoffrey Thorpe (Flynn / dublado em algumas cenas por Don Turner) ) e (Lord Wolfingham (Henry Daniell / dublado em todas as cenas por Ralph Faulkner e Ned Davenport) e nas sequências em que Thorpe e seus homens são emboscados nos pântanos do Panamá e sua subsequente fuga da nau espanhola. Sol Polito proporcionou ao espetáculo uma esplêndida fotografia em preto e branco e Erich Wolfgang Korngold contribuiu com uma partitura bombástica, indicada para o Oscar. O diretor teve à sua disposição um tanque erguido no palco 21 do estúdio, que era literalmente um lago

artificial, onde os engenheiros da companhia e 375 operários construíram réplicas perfeitas de embarcações da era isabelina, um navio de ataque inglês com mais de 41 metros de distância da popa à prôa e um galeão espanhol de uns 50 metros. As naus foram montadas em plataformas de aço conectadas a trilhos que permitiam movê-las para a frente e para trás; do movimento lateral e do balanço se encarregavam uns macacos hidráulicos facilmente manejáveis. As paredes do tanque estavam cobertas por um ciclorama monumental de musselina pintada, representando o céu e o mar infinito

enquanto que a ilusão do movimento das águas era criado pela “Máquina de Ondas”, um invento de Anton Grot (também indicado ao Oscar), que utilizava silhuetas móveis de ondas convenientemente localizadas e iluminadas atrás da tela do ciclorama. Grot reciclou um bom número de cenários usados em Meu Reino por um Amor, trabalho igualmente cometido por Orry-Kelly, cujos desenhos básicos de vestuários usados no referido filme foram reutilizados juntamente com novas roupagens. Olivia de Havilland não quís participar do filme e, no lugar dela, entrou  Brenda Marshall, um jovem atriz nascida nas Filipinas, passando a frente de Andrea Leeds, Jane Bryan e Geraldine Fitzgerald. O produtor executivo Hal Wallis queria tingir de verde a sequência do Panamá com a intenção de transmitir o tremendo calor tropical mas foi advertido pelos técnicos de que o efeito seria o oposto e acabou optando pela cor sépia. Esta, no entanto, só foi usada em algumas cópias exibidas por ocasião da estréia do filme.

A ESTRADA DE SANTA FE / SANTA FE TRAIL / 1940. Por sugestão de Curtiz e do produtor Robert Fellows, o roteirista Robert Buckner começou a conceber um relato épico sobre a colonização do oeste americano através da construção da estrada de ferro de Santa Fe, incluindo uma segunda linha temática, que envolvia um conspirador inspirado em John Wilkes Booth, o assassino de Lincoln. Entretanto, com o passar dos meses, o argumento foi derivando para os anos anteriores à Guerra Civil e a história do abolicionista John Brown, uma figura controvertida, que até hoje continua dividindo os estudiosos. Na trama, dois cadetes de West Point, J.E.B. Stuart (Errol Flynn) e George A. Custer (Ronald Reagan) procuram reprimir as atividades de Brown (Raymond Massey), apresentado no filme como um antiescravagista fanático. Brown ataca o arsenal de Harper’s Ferry na Virginia, onde ocorrerá o combate final, terminando com a campanha do agitador. O filme condena o fanatismo e os métodos violentos  de John Brown, mas faz referências elogiosas às suas idéias sobre escravidão. A inexatidão histórica de muitos fatos (entre eles a relação amistosa, profissional e de rivalidade amorosa entre Stuart e Custer) é compensada por esplêndidas cenas de ação, dirigida com vigor por Curtiz. Além do ataque ao arsenal e do enforcamento expressionista de Brown, o que mais impressiona no espetáculo é a composição alucinada de Raymond Massey, concentrando toda a atenção do público sobre o personagem. O filme

demonstra a aptidão de Curtiz num terreno onde Ford, Hawks, Walsh e alguns outros até então reinavam como mestres e é um dos westerns mais sombrios dos anos 40, com uma atmosfera dark, pessimista, transmitida admiravelmente  pela câmera  de Sol Polito e pela música de Max Steiner. Olivia de Havilland, que havia sido punida com suspensão do salário por se negar a trabalhar em O Gavião do Mar, teve que concordar em ser mais uma vez “a namorada de Flynn”. Durante a filmagem ocorreram alguns acidentes desagradáveis como os figurantes em perigo na cena do incêndio do celeiro, o Flynn ferido por um sabre ou a bala de festim que atingiu a perna de Massey, além dos incômodos físicos próprios de uma rodagem em exteriores – poeira, calor – e a habitual atenção de Curtiz para o detalhe

realista; O LOBO DO MAR / THE SEA WOLF / 1941. Inicialmente, a Warner adquiriu de David O. Selznick os direitos de filmagem do romance de Jack London com a intenção de filmá-lo com Paul Muni sob a direção de Mervyn LeRoy. Depois que este projeto não foi avante, o produtor Henry Blanke assegurou-o para Edward G. Robinson, que desejava interpretar o papel do Capitão “Wolf” Larsen, designando Curtiz como diretor. Embora distanciando-se consideravelmente do texto original, o roteiro de Robert Rossen condensou-o  admiravelmente, mantendo o espírito do autor. Do começo ao fim, o filme transcorre num compasso veloz e vigoroso. Os personagens principais além de Larsen –  o escritor

Humphrey Van Weyden / Alexander Knox e os fugitivos Ruth Brewster (Ida Lupino) e George Leach (John Garfield) – são apresentados, instantaneamente definidos e em seguida rapidamente aprisionados a bordo do navio “fantasma”.  Enquanto Weyden fica sabendo algo mais sobre o enigmático comandante da embarcação, Ruth e Leach se apaixonam. Eles sonham com a fuga e a liberdade mas a sombra de Larsen paira sobre eles. Na verdade, a sombra de Wolf Larsen paira sobre todo o filme. Edward G. Robinson deu ao público talvez a melhor performance de sua carreira como o capitão cruel e sádico, um tirano com traços claramente nietzcheanos e uma obsessão pelo poeta Milton, cujo verso “Melhor reinar no Inferno do que servir no Paraíso” está sublinhado no seu exemplar do “Paraíso Perdido”. É difícil esquecer a imagem do rosto de Robinson em primeiro plano, contorcida pelo medo, quando a tripulação descobre a sua cegueira. Curtiz mantém uma forte atmosfera dramática ao longo de todo o desenrolar da intriga – sobressaindo a cena do suicídio do médico de bordo alcoólatra, Dr. Prescott (Gene Lockhart), atirando-se do tôpo de um mastro e a cena em que Larsen incita a tripulação a jogar o cozinheiro Cookie (Barry Fitzgerald) no mar durante um ataque de tubarões e depois manda os homens “remendar o que sobrou de sua perna”. O clima de tensão é reforçado pela penumbra fantástica de Sol Polito e pela direção de arte de Anton Grot, ambas influenciadas pelo cinema expressionista alemão bem como pelos acordes angustiantes de Erich Wolgang Korngold; DEMÔNIOS DO CÉU / Dive Bomber / 1941;  CORSÁRIOS DAS NUVENS / Captains of the Clouds / 1942;

A CANÇÃO DA VITÓRIA / YANKEE DOODLE DANDY / 1942. A Canção da Vitória é um musical panfletário que presta homenagem ao legendário ator-autor-compositor-dançarino americano de origem irlandesa George M. Cohan, cujos musicais dominaram a Broadway de 1902 ao começo dos anos 20.  Ao saber, aos 62 anos, que um câncer estava acabando com sua vida, Cohan se interessou em levar sua história para a tela. A MGM foi seu primeiro destino, porém o acordo se frustrou diante da negativa de Louis B. Mayer em lhe ceder o direito de supervisionar a montagem final de um filme que deveria revisitar seus anos de juventude com Mickey Rooney como protagonista. Numa segunda tentativa, ele chegou aos estúdios de Samuel Goldwyn, que havia aceitado as suas condições mas não conseguiu convencer Fred Astaire a interpretar o famoso artista dos palcos. Em março de 1941, Jack Warner comprou o direito de filmagem da vida de Cohan e este concordou com a escolha de James Cagney para o papel principal, que foi convencido por seu irmão William Cagney (que seria o produtor associado)  a aceitar. O roteirista Robert Buckner optou por uma estrutura circular, iniciando e terminando o filme na Casa Branca onde Cohan conta ao Presidente Roosevelt a  sua trajetória artística num retrospecto e recebe a condecoração mais alta dada a um civil. Emocionado, Cohan agradece da mesma maneira como  agradecia ao público no final dos espetáculos dos “Quatro Cohans”: “My mother thanks you, my father thanks you, my sister

thanks you, and I thank you”. Depois que Buckner deu por encerrado o seu trabalho, por insistência de Cagney foram chamados os irmãos Philip e Julian Epstein. Estes recomendaram Edmund Joseph em seu lugar mas a contribuição de Joseph foi mínima, e os Epstein acabaram aperfeiçoando eles mesmos o script de Buckner; porém nos créditos do filme só aparecem os nomes de Buckner e Joseph. Cantando e dansando, James Cagney é a grande atração do filme. Ele se entregou de corpo e alma ao papel e teve um desempenho efervescente, conquistando o Oscar de Melhor Ator. Para imitar o mais possível o biografado, o ator conseguiu que a Warner contratasse o bailarino Johnny Boyle, antigo coreógrafo de Cohan, profundo conhecedor do seu estilo de dança, com quem ensaiou exaustivamente. A imitação dos passos de Cohan é perfeita e eu posso dizer isto porque tive a sorte de ver o verdadeiro Cohan dançando em O Falso Presidente / The Phantom President / 1932. Na equipe técnica, o fotógrafo James Wong Howe, o diretor de arte Carl Jules Weyl, o montador George Amy e dois diretores de segunda unidade, Seymour Felix (para  os números musicais) e Don Siegel (para as sequências de montagem), ajudaram Curtiz a criar, com aquela sua flexibilidade de câmera caraterística e seu senso visual, um espetáculo divertido e contagiante, valorizado também pela presença dos coadjuvantes Walter Huston, Rosemary DeCamp, Jeanne Cagney e Joan Leslie respectivamente como o pai, a mãe, a irmã e a mulher de Cohan

(obs. o personagem é um amálgama, pois Cohan foi casado mais de uma vez na vida real). Do número musical mais empolgante, “Grand Old Flag”, participaram 42 cantores, 35 figurantes, 24 escoteiros autênticos, 25 bailarinas, um coro de 16 cantores negros, centenas de bandeiras dos Estados Unidos, fragmentos de canções populares (“Dixie”, “Auld Lang Song”, “When Johnny Comes Marching Home”, etc.), reconstituições ao vivo de momentos históricos (Betsy Ross costurando a primeira bandeira, o quadro “Spirit of ‘76’ de Archibald McNeal Willard, Theodore Roosevelt à frente das tropas na guerra contra a Espanha e inclusive o monumento em homenagem a Lincoln juntamente o seu célebre discurso em Gettysburg (“… e que o governo do povo, pelo povo e para o povo não desapareça da face da Terra”). Com seus números musicais nacionalistas e o contexto da Segunda Guerra Mundial, A Canção da Vitória tornou-se o maior sucesso de bilheteria do ano e da Warner até então e foi indicado ao prêmio da Academia em oito categorias, inclusive a de Melhor Filme e Melhor Diretor, saindo vencedores, além de Cagney, George Amy, o Departamento de Som da Warner Bros, dirigido por Nathan Levinson, e os

arranjadores Ray Heindorf e Heinz Roemheld; CASABLANCA / CASABLANCA / 1942. Quando em 1943 Casablanca recebeu o Oscar de Melhor Filme (e também de Melhor Diretor e Melhor Roteiro Adaptado), ninguém podia adivinhar que iria se tornar film cult, depois que o desaparecimento de Humphrey Bogart contribuiu para dar um novo brilho aos filmes nos quais ele foi o astro. Mas, no correr do tempo, tornou-se evidente que o renome de Casablanca não era inteiramente devido à lenda bogartiana. O espetáculo contém todos os elementos capazes de agradar o público – ação, romance, aventura, ambiente exótico,  patriotismo, canção linda, etc. – e é aquele filme raro onde tudo deu certo, apesar do tortuoso processo pelo qual chegou à tela. Casablanca foi baseado numa peça não encenada, “Everybody Comes to Rick’s,” escrita por Murray Burnett e Joan Allison, quando o casal estava em lua-de-mel na Europa e viu o anti-semitismo nazista em primeira mão. Depois que a peça foi comprada pela Warner Bros., o produtor Hal Wallis designou Wally Kline e Aeneas MacKenzie para escrever o roteiro. A peça e o tratamento de Kline-MacKenzie foram por sua vez entregues para os irmãos gêmeos Julius e Philip Epstein. Ainda não


satisfeito, Wallis decidiu incorporar Howard Koch à equipe de escritores, não com o objetivo de que eles ajudassem os Epstein, mas para que ele escrevesse um roteiro independente, e cada qual foi dando a sua contribuição. Finalmente, Wallis colocou outros dois escritores para trabalhar no script. Lenore Coffee, roteirista veterana da Warner, prestou serviço durante menos de uma semana. Casey Robinson deu forma à história de amor da trama, especialmente o flashback de Paris. O par amoroso de Rick Blaine era originariamente uma americana, Lois Meredith, e o estúdio pensou que Ann Sheridan seria a atriz ideal para o papel Mas quando a leading lady foi transformada em uma européia, Ilsa Lund Laszlo, Sheridan ficou de fora e o personagem foi oferecido para Hedy Lamarr. Como a MGM não quís emprestar Hedy para a Warner, seus executivos então chamaram Michele Morgan. Ela chegou a fazer um teste, dirigido pelo próprio Curtiz, porém o agente de Hedy exigiu muito dinheiro. A esta altura, a Warner fechou um acordo de intercâmbio com David O. Selznick: a cessão de Ingrid Bergman por oito semanas de trabalho por 25 mil dólares – em vez dos 55 mil dólares perdidos por Morgan – e a opção de que Olivia de Havilland trabalhasse para Selznick nas mesmas condições. Quando Wallis decidiu qual seria o título definitivo do filme, o estúdio divulgou material de propaganda, anunciando que Ronald Reagan iria encabeçar o elenco ao lado de Ann Sheridan e Dennis Morgan. Entretanto, de acordo com memorandos

internos concernentes ao cast, Wallis tinha em mente o nome de Humphrey Bogart desde o início da produção. Na verdade, o anúncio dos nomes de Reagan, Sheridan e Morgan não passou de uma manobra promocional, para tornar o título do filme conhecido e ao mesmo tempo promover três jovens atores, que a Warner estava querendo elevar à categoria de astros. Outro rumor conhecido foi o de que George Raft teria sido convidado para ser Rick, porém o filme nunca chegou a ser oferecido oficialmente a Raft. A notícia deve ter surgido pelo fato de que Raft havia recusado papéis importantes, que depois foram para Bogart como o de Roy Earle em O Último Refúgio /  High Sierra / 1940 e o de Sam Spade em Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941. Para personificar Victor Laszlo, Wallis havia pensado somente em dois nomes: o holandês Philip Dorn e o austro-húngaro Paul Henreid, porém o primeiro tinha um contrato de exclusividade com a MGM e o segundo, estava no meio da filmagem de Estranha

Passageira / Now Voyageur / 1942, cuja produção se arrastava, sem prazo para terminar. Wallis e Curtiz se viram forçados a considerar outros atores como o dinamarquês Nilz Asther, o francês Jean-Pierre Aumont, o austríaco Carl Esmond  e o americano Joseph Cotten, entre outros. Depois de conseguir o compromisso de que seu papel seria aumentado e seu nome teria um destaque nos créditos do filme igual ao de Humphrey Bogart, Henreid aceitou o convite. Claude Rains e Peter Lorre foram logo previstos para os papéis respectivamente do Capitão Louis Renault e Ugarte. Conrad Veidt assumiu o papel do Major Strasser após terem fracassado as negociações com a Fox por Otto Preminger. A escolha de Dooley Wilson para personificar o pianista negro é que foi surpreendente, porque Dooley não sabia tocar piano, mas sim bateria, tendo sido dublado pelo pianista do estudo, Elliott Carpenter. Wallis havia pensado até em mudar o sexo deste último personagem, contemplando a possibilidade de contratar Lena Horne, Hazel Scott ou Ella Fitzgerald para o mesmo, mas logo desistiu da idéia, e ficou de escolher entre Dooley e Clarence Muse. Ele acabou decidindo em favor de Dooley. Atrás da câmera, Curtiz contou novamente com a colaboração do diretor de arte Carl Jules Weyl, cuja sapiência arquitetural foi posta à

prova no desenho e construção dos principais entornos do filme, as ruas da capital marroquina e o interior da buate de Rick. O fotógrafo desta vez foi o inglês Artur Edeson, Owen Marks ocupou-se da montagem, Don Siegel do montage (sequência de montagem) e Max Steiner foi contratado como compositor de uma trilha sonora que devia contar obrigatoriamente com a canção “As Time Goes By”, que não ganhou o Oscar, porque não era sequer elegível para ser indicada, por não ser um trabalho original, mas sim uma canção antiga, composta por Herman Hupfeld para um show da Broadway em 1931. Produzido no ápice do sistema de estúdio, Casablanca ilustra admiravelmente as qualidades maiores de Michael Curtiz: a fluência, a energia e a concisão de sua mise-en-scène, o seu perfeito domínio daquele “estilo clássico”, que deixa o espectador completamente envolvido pelo enredo e pelos personagens.  O cabaré de Rick onde se reúnem os exilados do nazismo, a aparição de Ingrid Bergman toda de branco, uma canção inesquecível, Paul Henreid mandando tocar a Marselhesa para abafar o hino nazista, Bogart deixando partir a mulher de sua vida, casada com um resistente francês … Em suma, Casablanca é um desses filmes que a gente não se cansa de ver; MISSÃO EM  MOSCOU / Mission to Moscow / 1943; FORJA DE HERÓIS / This is the Army / 1943; PASSAGEM

PARA MARSELHA / PASSAGE TO MARSEILLE / 1944. Adaptação cinematográfica de “Men Without Country”, romance escrito por James Norman Hall e Charles Nordoff, que conta a história de cinco presos fugitivos da colônia penal francêsa da Guyana na Ilha do Diabo, cujo objetivo é regressar ao seu país de origem e lutar contra o inimigo invasor. O romance de Hall e Nordhoff (os autores de “Mutiny on the Bounty” levado ao cinema como O Grande Motim) não tinha um único protagonista, funcionando como uma trama coral na qual, um dos personagens – Jean Matrac – é retratado como um herói de passado misterioso. Os roteiristas Casey Robinson e Jack Moffitt, incluíram um elemento romântico no argumento (Paula, a esposa de Matrac, interpretada por Michèle Morgan, depois de cogitada Nina Foch) e converteram Matrac num jornalista politicamente comprometido e vítima dos setores mais reacionários do governo de Eduard Daladier, chefe do executivo francês, que havia celebrado, em 28 de setembro de 1938, o Pacto de Munich com Chamberlain, Mussolini e Hitler. O filme é tributo aos combatentes da França Livre, uma maneira de justificar a legitimidade do governo no exílio de De Gaulle.

Apoiando-se no fato de que o  romance já fazia uso de um duplo retrospecto, para contar a história, Curtiz e seus roteiristas  decidiram ir mais longe e apostar numa arriscada estrutura narrativa, um conjunto de histórias contadas em quatro níveis. O primeiro nível é o presente da trama, que mostra a realidade do momento e a luta dos patriotas francêses no exílio inglês; o segundo nível é o relato em flashback que Freycinet (Claude Rains) – o oficial francês – faz a Manning (John Loder)  – o jornalista americano – sobre como Matrac ( Humphrey Bogart, depois de Jean Gabin ter sido considerado como intérprete) e seus companheiros (Marius / Peter Lorre, Renault / Philip Dorn, Garou / Helmut Dantine, Petit / George Tobias), se tornaram parte da França Livre, enfrentando primeiramente o Major Duval (Sidney Greenstreet), simpatizante de Vichy; o terceiro nível é a história (exposta por um flashback dentro do flashback) que Renault, um dos condenados foragidos conta a Freycinet como era a vida na Guyana e como foi a fuga da colônia penal;  o quarto, e último, narra (por meio de um flashback dentro do flashback dentro do flashback) como Matrac chegou a ser condenado. Coube a Curtiz fazer com que esta complexidade narrativa funcionasse perfeitamente e não se voltasse contra o filme. Ele venceu o desafio, empregando todos os recursos de seu arsenal cinematográfico para dar conta da tarefa,

destacando-se não só a eficiência na condução dos flashbacks como as cenas na Ilha do Diabo (enriquecidas pela fotografia de James Wong Howe e pelos cenários de Carl Jules Weyl) e as duas batalhas no cargueiro, esplendidamente encenadas com a música excessiva de Max Steiner. Curtiz evitou deliberadamente a descrição glamourosa da guerra usualmente feita por Hollywood e não é por acaso que, tanto Matrac quanto Marius são mortos, sem saber que a libertação de seu país estava assegurada. Após a morte de Marius, Matrac metralha os pilotos alemães indefesos e seus olhos se enchem de ódio enquanto ele se delicia,  vendo os alemães caírem no mar e morrerem. O Capitão Malo (Victor Francen) o chama de assassino e ele responde, pedindo ao capitão para olhar a morte e a destruição em torno dele e identificar os verdadeiros assassinos. Esta cena de ambiguidade moral recebeu protestos do OWI (Office of War Information) e da Legião da Decência que classificou o filme na sua categoria “B” (sujeito a objeções), porque “estamos cometendo o mesmo crime contra a humanidade do qual acusamos os alemães e japoneses”. A Warner não deu à Legião o poder de vetar a cena mas para atender às objeções do OWI, extirpou a cena, para que o filme pudesse obter a licença de exportação; JANIE TEM DOIS NAMORADOS / Janie / 1944 (*); O PREÇO DA FELICIDADE / Roughly Speaking / 1945; ALMA EM

SUPLÍCIO / MILDRED PIERCE / 1945. Mildred Pierce (Joan Crawford após terem sido cogitados os nomes de Bette Davis, Ida Lupino e Ann Sheridan mas realmente consideradas para o papel Rosalind Russell e Barbara Stanwyck) é uma dona-de-casa preocupada em oferecer para a sua filha mais velha, Veda (Ann Blyth, depois de testadas Bonita Granville,  Martha Vickers e cogitadas Virginia Weidler e  Shirley Temple), os bens materiais que o marido, Bert Pierce (Bruce Bennett, depois de escolhido anteriormente Ralph Bellamy), não pode lhes proporcionar. Mildred separa-se de Bert e emprega-se como garçonete. Passado algum tempo, Mildred abre um restaurante em parceira com Wally Fay (Jack Carson), seu eterno admirador e Monte Beragon (Zachary Scott), um playboy da alta sociedade. Mildred começa a sair com Beragon . Também atraída por ele, Veda seduz o namorado da mãe, mas este lhe diz que não tem nenhuma intenção de se casar com ela. Percebendo que Veda matou Beragon, Mildred tenta assumir a culpa. A realização é noir no que diz respeito ao estilo visual (fotografia expressionista) e à estrutura narrativa (o assassinato logo na primeira cena enseja alguns retrospectos e a voz over), porém Mildred é uma heroína convencional  de um “filme para mulheres”, a mãe com uma paixão obsessiva pela filha

perversa e ingrata e seu desejo de lhe dar uma “boa vida”.  O romance de James M. Cain, no qual foi baseado o filme, passou pelas mãos de vários roteiristas – entre eles Catherine Turney, Albert Maltz, William Faulkner, Louise Randall Pierce, Ranald MacDougall (o único creditado), etc. – que foram fazendo muitas modificações, eliminando os aspectos sórdidos da obra original para escapar da censura do Código de Produção, transportando a trama para o presente, eliminando toda referência à Depressão e introduzindo um assassinato como artificio dramático para contar a história de Mildred, conforme desejo do produtor executivo Jerry Wild e de Curtiz. O espetáculo é feito de uma série de confrontações emocionais acompanhadas pela música estridente de Max Steiner. Assim, por exemplo,  ouvimos Veda gritar para a sua progenitora: “Você nunca vai deixar de ser uma mulher vulgar!”, com a resposta de Mildred: “Saia da minha casa antes que eu a mate!”. Em vários momentos Curtiz expressa-se só por meio de imagens. Logo que os letreiros de apresentação terminam, apagados pelas ondas que se desmancham na areia, vemos uma casa na praia à noite. O silêncio é interrompido pelo som de tiros. Um corte rápido e Beragon cai no chão, crivado de balas. Alguém joga um revólver ao lado do seu corpo, iluminado pelos clarões de uma lareira. Ele balbucia “Mildred!”, antes de morrer. A câmera capta a figura de Mildred Pierce andando por um píer. Ela se aproxima de uma amurada e contempla o mar. Quando vai se atirar na água, um guarda bate com o cassetete na grade e ela recobra a razão. São alguns minutos de cinema

puro, para a realização dos quais o diretor contou com a ajuda dos cenários de Anton Grot daquele cais fantasmagórico e daquela casa opressiva na praia, da iluminação expressionista de Ernest Haller e da partitura de Max Steiner, dominada por um tema principal potente. Por curiosidade, o tema que Steiner compôs para Bette Davis em Estranha Passageira / Now Voyageur / 1942 é ouvido na cena em que Mildred e Beragon se beijam em frente da lareira no primeiro dia em que passam juntos, e em outros momentos, como aquele em que Bert surpreende Mildred beijando Beragon. Joan Crawford deu a volta por cima, depois um declínio na sua carreira,  e conquistou o Oscar de Melhor Atriz. Alma em Suplício propiciou ainda indicações para Melhor Filme, Melhor Atriz Coadjuvante (Ann Blyth e Eve Arden), Melhor Fotografia e Melhor Roteiro Adaptado (Ranald MacDougall) mas, a meu ver, merecia também uma indicação para Michael Curtiz; CANÇÃO INESQUECÍVEL / Night and Day / 1946; NOSSA VIDA COM PAPAI / Life With Father / 1947; SEM SOMBRA DE SUSPEITA / The Unsuspected / 1947; ROMANCE EM ALTO MAR / Romance on the High Seas / 1948; MEUS SONHOS TE PERTENCEM / My Dream is Yours / 1949; CAMINHO DA REDENÇÃO / Flamingo Road / 1949; ATÉ PARECE MENTIRA / The Lady Takes a Sailor / 1949 (*); ÊXITO FUGAZ / Young Man With a Horn / 1950; CINZAS AO VENTO / Bright Leaf / 1950; REDENÇÃO SANGRENTA / THE BREAKING POINT / 1950. Esta segunda

adaptação do romance de Ernest Hemingway, “To Have and Have Not”, feita por Ranald Mac Dougall, é mais fiel ao texto original do que a versão dirigida por Howard Hawks com Humphrey Bogart em 1944. Em Newport Beach, California, Harry Morgan (John Garfield), veterano de guerra, aluga seu barco, “The Sea Queen”, para pescarias, a fim de sustentar sua esposa, Lucy (Phyllis Thaxter, depois de cogitada uma dezena de atrizes entre elas Doris Day, Jane Wyman, Ruth Roman, Teresa Wright) e suas duas filhas. Cansada dos problemas financeiros, Lucy implora continuamente que ele desista do barco e se mude para a fazenda do seu pai. Um dia, Harry é contratado para levar Hannagan (Ralph Dumke) e sua amante Leona Charles (Patricia Neal, depois de outras candidatas, principalmente Jane Greer) para uma pescaria na costa do México. Hannagan abandona Leona e não paga Harry. Desesperado, Harry faz um acordo com um advogado inescrupuloso, Duncan (Wallace Ford), para introduzir trabalhadores chineses clandestinamente nos Estados Unidos. A fim de impedir que seu imediato, Wesley Park (Juano Hernandez) se envolva numa atividade ilícita, Harry tenta mandá-lo de volta para a Califórnia de ônibus; porém Wesley e Leona entram às escondidas no barco. Mais tarde, Harry embarca os chineses

numa pequena enseada deserta, mas Mr. Sing (Victor Sen Young), o contrabandista, se recusa a pagar o restante da quantia que lhe devia pelo serviço, irrompe uma briga e Sing é morto. Harry joga o corpo de Sing no mar e obriga os chineses a voltarem para a terra, devolvendo a eles parte do dinheiro recebida. Entretanto, um dos chineses  denuncia o “The Sea Queen” à Guarda Costeira e, quando Harry chega a San Diego, seu barco é confiscado. Posteriormente, Leona e Duncan aparecem em Newport Beach. Harry quase sucumbe aos encantos de Leona, mas finalmente decide ser fiel à sua esposa. Duncan consegue liberar o barco, exigindo em troca que Harry transporte quatro gângsteres, depois do assalto a um hipódromo. Quando o barco chega em alto mar, os criminosos matam Wesley e Harry  vai

eliminando os bandidos um a um, como havia planejado. A Guarda Costeira encontra o “The Sea Queen” e Harry bastante ferido. O médico pede permissão a Lucy para amputar o braço de Harry. Quando eles partem, Joseph, o filho de Wesley aguarda em vão nas docas o retorno de seu pai. Produzido quando John Garfield estava sob o ataque da House of Un-American Activities Commitee, Redenção Sangrenta, é um melodrama com  certos elementos do filme criminal e alguma crítica social. Morgan representa os milhares de soldados que retornaram do campo de batalha e não se adaptaram à bolha de prosperidade do pós guerra. Ele se vê compelido a praticar atos ilegais em virtude de uma situação econômica implacável, até que chega ao seu “breaking point” (ponto de ruptura). Harry poderia ser um “perdedor” noir, mas ele não se submete ao desespero, e resolve armar a emboscada para os bandidos. Ninguém melhor do que John Garfield para expressar o rancor do desafortunado marinheiro, o seu comportamento diante de uma sociedade construída sobre a injustiça e a violência. Sua atuação é impecável, uma das melhores de sua carreira e ele é acompanhado por um elenco em plena forma, especialmente Hernandez, Neal e Ford. Integrando seus personagens ao cenário natural exigido pelo argumento (o filme foi rodado em Newport Bay e Balboa na California), Curtiz fugiu da rotina das reconstituições em estúdio. Esta preocupação com o realismo é ainda reforçada pelo trabalho de Ted Mac Cord, um mestre na fotografia de exteriores. Sempre em busca da perfeição técnica, Curtiz não deixou que nenhuma imagem ficasse sobrando. Cada plano, cada movimento de câmera tem a sua razão de ser. As melhores cenas do filme são as do episódio com os chineses, o assalto ao hipódromo – notadamente aquel

momento em que Duncan corre atrás dos bandidos que fogem pelo corredor subterrâneo do estádio até ser alvejado pelos policiais –  e o acerto de contas final, que termina com Harry gravemente ferido, dizendo: “Um homem sozinho não pode ir a lugar algum” e o barco vagando no mar sob a luz do crepúsculo. O plano final do menino negro, imóvel e silencioso, aguardando no cais o retorno do pai que não virá, impressiona pela sua amargura; QUANDO PASSAR A TORMENTA / Force of Arms / 1951; HOMEM DE BRONZE / Jim Thorpe – All American / 1951; SONHAREI COM VOCÊ / I’ll See You in My Dreams / 1951; A HISTÓRIA DE WILL ROGERS / The Story of Will Rogers / 1952; O CANTOR DE JAZZ / The Jazz Singer / 1953; ATALHOS DO DESTINO / Trouble Along the Way / 1953; AÇO DE BOA TÊMPERA / The Boy from Oklahoma / 1954, O EGÍPCIO / The Egyptian / 1954; NATAL BRANCO / White Christmas / 1954; VENENO DE COBRA / We’re No Angels / 1955; HORA ESCARLATE / The Scarlet Hour / 1956; O REI VAGABUNDO / The Vagabond King / 1956; O ENCANTO DE VIVER / The Best Things in Life Are Free / 1956; COM LÁGRIMAS NA VOZ / The Helen Morgan Story / 1957; O REBELDE ORGULHOSO / The Proud Rebel / 1958; BALADA SANGRENTA / King Creole / 1958; O MENSAGEIRO DA MORTE / The Hangman / 1959; A MULHER QUE COMPROU A MORTE / The Man in the Net / 1959; O ESCÂNDALO DA PRINCESA / A Breath of Scandal / 1960; AS AVENTURAS DE HUCKLEBERRY FINN / The Adventures of Huckleberry Finn / 1960; SÃO FRANCISCO DE ASSIS

Francis of Assisi / 1961; OS COMANCHEROS /  THE COMANCHEROS / 1961. Era natural que Michael Curtiz encerrasse sua carreira com um filme de ação excitante. George Stevens havia comprado os direitos de filmagem do romance de Paul I. Wellman em 1952 mas depois cedeu-os  para a 20th Century-Fox, que achou o texto adequado para um western estrelado por John Wayne. Por intermédio de seu velho amigo, o diretor George Sherman, agora produtor executivo do filme por imposição sua, Wayne trouxe seus amigos, o roteirista James Edward Grant e o fotógrafo William H. Clothier; seu próprio filho Patrick; e seus colegas Bruce Cabot e Lee Marvin. Porém Curtiz  teve muito a dizer na hora de completar o resto do elenco. Foi dele a sugestão de entregar o papel de Paul Regret a Stuart Whitman, contra a opinião do estúdio assim como a de contratar  Ina Balin e Nehemiah Persoff, dois seguidores do Método e com uma forma de trabalhar radicalmente diferente à de Wayne. Depois de feitas algumas modificações no texto original (com ajuda inestimável de Clair Huffaker), a história entregue por Grant, em síntese, ficou assim: o jogador profissional Paul Rogert (Stuart Whitman) e o Texas Ranger Jack Cutter (John Wayne) são convocados para uma missão muito perigosa: descobrir o esconderijo dos Comancheros, bando de renegados brancos chefiado por um ex-confederado, Graile (Nehemiah Persoff), que pretende construir um império no México e armar os índios, incitando-os contra a União. Trata-se, com efeito, de um Western clássico com ingredientes básicos do gênero: representantes da lei, brancos traidores, ataques de índios, perseguições, amor, amizade, honra, etc. Eles estão todos aí, expostos inicialmente em tom de farsa, que depois adquire austeridade com os abruptos rompantes de brutalidade. Como Curtiz estava seriamente doente, Cliff Lyons cuidou das cenas de ação, sob a supervisão do diretor; mas a participação de Curtiz não se limitou às cenas passadas em interiores. Ele deve ter filmado pelo menos alguns exteriores, porque sofreu um acidente numa locação, enquanto dirigia um ataque dos índios

enfrentado por Cutter e Regret. O resultado foi um bom espetáculo, faltando-lhe apenas certa coesão dramática. As duas principais sequências de ação, a do assalto ao rancho dos Schofield e a do confronto final na cidade dos Comancheros (erguida pelos diretores de arte  Jack Martin Smith e Alfred Ybarra na área conhecida como Fishers Towers nos arredores da cidade de Moab no Utah) mostram uma planificação bem cuidada e um esforço por parte dos stuntmen para criar lances arrojados. Outras cenas que chamam a atenção são as cenas da briga fordiana no saloon e a cena em que Regret golpeia Cutter com uma pá, causando grande surpresa na platéia. Uma atração à parte é a partitura de Elmer Benstein, marcada por um tema principal, que atrai a atenção do espectador para a história desde o início. Os Comancheros foi um epitáfio sob medida para Michael Curtiz. Dentro de poucos meses o câncer que já o vitimava há quatro anos, retirou-o do mundo. Ele faleceu em 11 de abril de 1962 com a idade de 73 anos.