Arquivo mensais:setembro 2011

ERNST LUBITSCH – II

Em outubro de 1922, convidado por Mary Pickford, Ernst Lubitsch partiu para os Estados Unidos, certo de que iria dirigir uma versão de Fausto com Lars Hansen no papel-título. Mary chegou a fazer um teste (vestida por Mitchell Leisen) como Margarida mas sua mãe a proibiu de atuar num filme no qual uma jovem mata seu bebê.

Informado de que seria incumbido de outra produção, Dorothy Vernon of Haddon Hall (depois filmada por Marshall Neilan, tendo recebido o título em português de Entre Duas Rainhas), Lubitsch ficou furioso e fingiu não entender bem a história até concordar com Mary em filmar Rosita / Rosita / 1923, drama romântico de época, roteirizado por Edward Knoblock, a partir do argumento de Hanns Kräly e Norbert Falk, inspirado na peça francêsa Don César de Bazan. No enredo, Rosita (Mary Pickford), uma cantora das ruas de Sevilha, atraí a atenção do Rei da Espanha (Hoolbrock Blinn) porém se apaixona por Don Diego (George Walsh), um nobre arruinado.

Para desenhar os cenários, Lubitsch indicou o cineasta dinamarquês Svend Gade (diretor de Hamlet / Hamlet / 1921 com Asta Nielsen), tendo sido a direção de arte entregue a William Cameron Menzies e os figurinos a Mitchell Leisen. Mary desejava Maurice Chevalier em seu primeiro filme como adulta (ela estava com 29 anos) mas não conseguiu contratá-lo e George Walsh, irmão de Raoul Walsh, ocupou seu lugar. Entre os inúmeros figurantes estava um jovem chamado Charles Farrell, mais tarde o galã de Janet Gaynor em Sétimo Céu / Seventh Heaven / 1927 de Frank Borzage.

Como Lubitsch não admitia interferências, durante os três meses de rodagem discutiu muito com a estrela e, entre os atritos, o grande fotógrafo Charles Rosher – Oscar por Aurora / Sunrise / 1927 de F. W. Murnau -, que havia desenvolvido para Rosita uma iluminação de efeitos estereoscópicos, deixou o cargo.

O filme, indisponível por longos anos nos Estados Unidos, teve uma das piores reputações na História do Cinema Mudo, perpetuada pela sua própria estrela, que o classificou como um fracasso: “Foi o pior filme que eu já fiz; foi o pior filme que eu ví”. Mary o descrevia como “um diretor de portas”, acrescentando, “ele não me entendia”.

Entretanto, como revelou Scott Eyman (Ernst Lubitsch: Laughter in Paradise, Simon and Schuster,1993), assim que o filme ficou pronto, Pickford disse para seu advogado, Cap O’Brien, que ela ainda considerava Lubitsch o maior diretor do mundo e estaria disposta a patrocinar outras realizações dele, se tivesse condições financeiras. Seis dias depois, quando consentiu mudar o título do filme originário de The Street Singer para Rosita, reiterou para o causídico que estava satisfeita com Rosita e achava que o espetáculo faria sucesso. Somente anos depois, consumida pelo alcoolismo, perturbada pelo divórcio de Fairbanks e outros problemas, foi que ela começou a desenvolver uma idéia fixa negativa sobre o filme.

O fato é que, por ocasião do seu lançamento, Rosita foi aclamado como o maior filme feito até então. O The New York Times disse: “Nada de mais deliciosamente encantador … tem sido visto desde certo tempo”. Na Retrospectiva Lubitsch de Berlim em 1967, Rosita foi saudado como obra-prima. Em uma sessão pública no New York’s Film Forum, em agosto de 1997, a platéia ovacionou-o calorosamente.

Jeanine Basinger estava lá e o descreveu assim: “Rosita tem cenários dispendiosos, inclusive uma Sevilha em exteriores, lindos jardins, salas do castelo com tetos abobadados, móveis adornados, e espelhos e portas magníficos. O ritmo é soberbo e a direção de Lubitsch do típico “elenco de milhares” retrata um mundo de pessoas reais e ação pitoresca. Holbrook Blinn como o velho rei lascivo está absolutamente maravilhoso e os figurinos, penteados e jóias são todos muito bonitos. Pickford excelente como a cantora de rua que dança, flerta e entretém as massas”.

Janine destacou uma cena de comédia na qual Rosita, uma garota faminta, é levada pela primeira vez ao palácio. Na sala de espera, ela avista uma taça enorme cheia de doces. Enquanto Rosita passa repetidas vezes diante da taça e sai do quadro, a câmera fica paralisada na taça. Após alguns momentos de hesitação, a jovem apanha um bombom, põe na sua boca, e parte logo para fazer o mesmo com um outro. Esta cena é um exemplo perfeito de como Lubitsch e Pickford casaram seus estilos harmoniosamente. A colocação da câmera é puro Lubitsch; a ação cômica, muito bem cronometrada, é Pickford pura.

Após Rosita, circularam notícias de um novo filme com Mary Pickford mas ela iniciou Entre Duas Rainhas. Douglas Fairbanks ofereceu a Lubitsch a direção de um filme de piratas – depois transformado em O Pirata Negro / The Black Pirate /1926 e dirigido por Albert Parker. Finalmente, Lubitsch assinou contrato com a Warner Bros. onde – após um projeto não concretizado de filmar a peça Debureau de Sacha Guitry – inaugurou uma série bastante homogênea de comédias sofisticadas nas quais, exercitando seu estilo e refinando seu gosto, ridicularizou os preconceitos e as futilidades mundanas.

Sátira matrimonial ambientada na Viena às vésperas da Primeira Guerra Mundial, baseada  na peça Nur ein Traum de Lothar Goldschmidt, adaptada por Paul Bern (e Kräly não creditado), O Círculo de Casamento / The Marriage Circle / 1924 seguia o modelo shakespereano de “muito barulho por nada”. O Professor Josef Stock (Adolphe Menjou) vê a oportunidade, ansiosamente aguardada, de se divorciar da esposa, Mizzi (Marie Prevost), quando ela começa um flerte com o Dr. Franz Braun (Monte Blue, substituindo Warner Baxter após oito dias de filmagem), marido de sua melhor amiga, Charlotte (Florence Vidor) que, por sua vez, é cortejada pelo Dr. Gustave Müller (Creighton Hale), sócio de Braun. No desenlace, após muitos enganos e falsas suspeitas, tudo volta ao normal, como se nada tivesse acontecido.

Filme de Lubitsch favorito de Chaplin, Hitchcock e Kurosawa, O Círculo do Casamento, fotografado por Charles van Enger, serviu de modelo para vários cineastas pelas sutilezas eróticas e psicológicas e pelas elipses e detalhes significativos. Desenvolvendo o tipo que compusera em Casamento ou Luxo, Menjou impôs-se como um dos atores prediletos de Lubitsch e sua interpretação minimalista é um dos pontos altos do filme. Entretanto, Menjou preferia Chaplin como diretor: “Tudo o que eu tinha que fazer para deixar Lubitsch feliz era ficar diante da câmera imitando todos os gestos que ele fazia para mim”.

Uma das melhores cenas do filme antecipa a descoberta do rei que é enganado em  A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1934: o detetive mostra a Joseph o relatório sobre os encontros de Mizzi e Franz, que Josef considera absurdos. Josef senta-se num sofá em cima de um chapéu, o qual retira sorridente, e o entrega ao detetive. Este diz que este chapéu não lhe pertence e mostra o seu. Neste momento (como o rei ao ver que o cinturão não era o seu em A Viúva Alegre), Josef cai na realidade. Brilhante também é a cena que nos mostra a relação amorosa entre Franz e Charlotte, sem que seja preciso vermos os dois personagens. A câmera enquadra a mesa na qual eles tomam o café da manhã. O braço dele bate com a colher no ovo; o dela, mexe o café. Os movimentos normais vão se atenuando, e de repente param, quando as mãos se encontram. E aí nos lembramos da frase de François Truffaut: “Dans la gruyère de Lubitsch chaque trou est genial!”(No queijo de Lubitsch cada buraco é genial!”).

Insólito no currículo lubitscheano (tal como seria Não Matarás / The Man I Killed ou Broken Lullaby/ 1932 no período sonoro) e sofrendo flagrante influência de Casamento ou Luxo, As Três Mulheres / Three Women / 1923, é um melodrama puro com incisivas observações, puramente visuais, sobre a psicologia feminina.

O roteiro original de Kräly / Lubitsh baseado num romance de Jolanthe Marès, gira em torno de uma viúva rica, Mabel Wilton (Pauline Frederick) e sua filha, Jeanne (May McAvoy), apaixonadas pelo mesmo homem, Edmund Lamont (Lew Cody), um aproveitador indigno das duas e da amante, Harriet (Marie Prevost). Pauline Frederick na figura da mulher de meia idade que procura conservar a juventude é um exemplo de contenção interpretativa, sabendo mostrar num pequeno gesto e olhar tudo o que se passa no seu íntimo: a série de planos em que ela estuda a iluminação de forma a escolher o melhor ambiente para esconder as rugas é um prodígio da psicologia, não só da atriz, como de Lubitsch. A fotografia competiu a Charles van Enger, que fora acionado em O Círculo do Casamento e seria da equipe de Lubitsch até o final de1925, participando de cinco filmes.

A Paramount reuniu Pola Negri e Lubitsch em Paraíso Proibido / Forbidden Paradise / 1924, deliciosa zombaria da fragilidade das mulheres (e particularmente das rainhas), vagamente inspirada  nas intrigas amorosas da Catarina da Rússia. Modernizando a peça de autoria dos húngaros Lajos Biró e Melchior Lengyel, os roteiristas Hanns Kräly e Agnes Christine Johnston contam como o jovem oficial Alexei Czerny (Rod La Rocque) salva a Czarina (Pola Negri) de um minúsculo país europeu dos conspiradores revolucionários e é recompensado com seu amor. Apaixonado, Alexei abandona a antiga namorada, Anna (Pauline Starke), dama de companhia da soberana mas logo vem a saber da infidelidade desta. Desesperado, junta-se aos revoltosos que o chanceler da Corte (Adolphe Menjou) apaziguara … com um talão de cheques. No desfecho, a Czarina liberta Alexei da prisão para os braços de Anna e busca consolo com o Embaixador francês (Fred Malatesta).

Inserindo divertidos anacronismos numa Rússia do século XVIII (reconstituída em opulentos interiores barrocos por Hans Dreier) e suas costumeiras alusões  espirituosas, estritamente pictóricas, Paraíso Perdido – como observou Manoel Cintra Ferreira num livrinho precioso editado pela Cinemateca Portuguesa – é um verdadeiro aperitivo para os suntuosos banquetes que seriam Alvorada do Amor / The Love Parade / 1929, A Viúva Alegre e O Tenente Sedutor / The Smiling Lieutenant. O mesmo reino de fantasia e as mesmas intrigas de alcova, nos bastidores da política. Todo o espetáculo é extremamente rico em pormenores tipicamente lubitscheanos, que proporcionam algumas das situações mais divertidas como, por exemplo, o caso das pontas dos caídas dos bigodes que a czarina quer bem erguidas (uma conotação erótica bem evidente) ou o caso do fabuloso gag das condecorações (que testemunham a passagem dos oficiais pela cama da czarina) ou, ainda,  a cena em que a czarina sobe num banquinho, a fim de poder beijar Alexei nos lábios, talvez inspirada na famosa frase de Sacha Guitry de que os saltos altos foram inventados por uma mulher cansada de ser beijada na testa.

No elenco, sobressai a atuação de Pola Negri: ”Jamais encontrei uma criatura de tanta vitalidade e magnetismo. Artista de uma sensibilidade muito viva e tipo humano único. Foi ela que trouxe para Hollywood o que eles chamam de temperamento continental que, a meu ver, não é senão um extraordinário dom de atrair a atenção na tela como na vida, o que Pola possuía em maior quantidade que ninguém”.

Retornando à Warner, Lubitsch filmou Beija-me Outra Vez / Kiss Me Again / 1925, comédia doméstica, versando sobre o eterno triângulo familiar, segundo os que a viram, intelectualmente atraente e com penetrante estudo do mecanismo do amor romântico. No script de Kräly, inspirado na peça Divorçons de Victorien Sardou e Émile de Najac, Loulou Fleury (Marie Prevost), mulher de Gaston (Monte Blue), demonstra interesse por um pianista, Maurice (John Roche). Embora não querendo realmente deixá-la nas mãos de Maurice, Gaston finge estar disposto a conceder-lhe o divórcio. Loulou cansa-se de Maurice e as inteligentes manobras de Gaston fazem com que ela deseje ardentemente a reconciliação. Expondo as situações através de seus célebres epigramas visuais, Lubitsch burlou com muita classe a censura e assim prosseguiu durante a sua trajetória cinematográfica. Como desabafou um dos homens do Hays Office, “a gente sabia o que ele estava dizendo, mas não podíamos provar o que estava insinuando”.

Clara Bow estava perdendo a sua qualidade de estrela numa série de quickies produzidos por B.P. Schulberg, quando Lubitsch a convidou para fazer um teste com vistas a uma pequena participação em Beija-me Outra Vez. Ela ganhou o papel de Grizette, a graciosa secretária com a qual Gaston flerta numa buate, a fim de suscitar um motivo para o seu divórcio. Infelizmente, nenhuma cópia do filme sobreviveu, fazendo com que a combinação deleitável de Lubitsch e Bow ficasse inédita para várias gerações.

Em O Leque de Lady Margarida / Lady Windermere’s Fan / 1925, Lubitsch realizou um tour-de-force, adaptando (com a ajuda de Julien Josephson) a peça de Oscar Wilde, sem utilizar um só epigrama espirituoso do texto original mas mantendo o espírito do dramaturgo inglês na denúncia das imposturas e afetação da alta sociedade londrina. A difamada Mrs. Erlynne (Irene Rich), julgada morta há muito tempo pela filha, Lady Windermere (May McAvoy), volta a Londres e pede ao genro, Lord Windermere (Bert Lytell) dinheiro para manter o segredo. Ela se introduz no ambiente em que vivem os Windermere, com o objetivo de recuperar a respeitabilidade por via de um casamento com o rico Lord Augustus (Edward Martindel) e, sacrificando sua reputação e seu futuro, acaba salvando a filha da desonra, fazendo-se passar por amante de seu admirador, Lord Darlington (Ronald Colman, substituindo Clive Brook).

Lubitsch deixa os espectadores adivinharem os sentimentos dos personagens através do que eles fazem para dissimulá-los e revela só com a câmera, sem desperdiçar uma tomada sequer, seus impulsos secretos. Raros subtítulos explicam a intriga.

Lubitsch se exprime visualmente pelos cenários grandiosos e vazios (de Harold Grieve), pelos movimentos de câmera (de Charles van Enger), e pela montagem.

Uma das cenas mais expressivas do toque lubitscheano é a do hipódromo, onde  a linda Mrs. Erlynne, focalizada pelos binóculos sob diferentes pontos de vista, parece estar encerrada numa rede de olhares, “massacrada” pela sociedade galante.

Em meados de 1926, divulgou-se que Mary Pickford e Douglas Fairbanks  estrelarian um filme dirigido conjuntamente por Max Reinhardt e Ernst Lubitsch mas isto não aconteceu. Ao invés, Lubitsch fez Em Paris é Assim / So This is Paris / 1926, outra comédia doméstica, adaptada por Kraly do original francês Réveillon de Henri Leilhac e Ludovic Halévy.

Suzanne Giraud (Patsy Ruth Miller) avista pela janela um homem vestido de sheik, aparentemente despido, e envia o marido, Dr. Paul Giraud (Monte Blue) para tomar satisfações. Paul constata que se trata de um casal de atores, Maurice (André Béranger) e Georgette (Lilyan Tashman), ensaiando uma cena de As Mil e uma Noites. Ele  descobre na mulher uma sua antiga amante e passa a cortejá-la. Paul afirma a Suzanne ter “imposto” a ordem, quebrando inclusive sua bengala nas costas do agressor, mas Maurice aparece depois para entregá-la em perfeito estado, revelando a mentira. Georgette, entretanto, disposta a reconquistar o antigo amante, consegue fazê-lo sair de casa a pretexto de uma consulta médica e Maurice, por sua vez, aproveita a “saída” para uma visita a Suzanne, surgindo uma série de outros equívocos.

Com este enredo, Lubitsch construiu uma soberba e minuciosa encenação de um vaudeville à francesa, impregnado de um sentimento de alegria e graça incomparáveis e utilizou mais uma vez o espaço cênico e a montagem para extrair efeitos cômicos irresistíveis. Casais trocados são a especialidade de Lubitsch mas poucas vezes (vg. em Sócios do Amor / Design for Living / 1933) eles foram assumidos e trocados com tal despudor.

Para o clímax, Lubitsch providenciou uma sequência de baile feita com múltiplas exposições, sendo muito comentados os arranjos caleidoscópicos cubistas (pré Busby Berkeley) na cena do concurso de charleston, verdadeira “rapsódia futurista”. Em Paris é Assim consolidou a fama de Lubitsch e muitos apontaram o filme como uma de suas comédias mais divertidas.

Em 1927, transferindo-se para a Metro, Lubitsch assumiu a direção (prevista para Erich von Stroheim) de O Príncipe Estudante / The Student Prince in Old Heidelberg, filme baseado na peça Alt Heidelberg,  de W. Meyer-Förster,  e na opereta de Dorothy Donnelly e Sigmund Romberg.

Adaptada por Kraly, a história já havia sido filmada pela Triangle por John Emerson, com a supervisão de D.W. Griffith, interpretação de Dorothy Gish e Wallace Reid, e consultoria de Erich von Stroheim na parte de cenografia e vestuário. Na versão Lubitsch, a decoração ficou sob a responsabilidade de Cedric Gibbons e Richard Day – que desenhara os cenários de alguns filmes de Stroheim como A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 e A Marcha Nupcial / The Wedding March / 1926.

Trata-se de uma delicada história de amor, finalmente frustrada, que transforma as duas pessoas que a viveram, sobretudo o jovem sensível e retraído, que só teve em sua vida uma pequena oportunidade para sair dessa teia real, tecida pelas Instituições, pelo Estado e pela Tradição.

Karl Heinrich (Ramon Novarro) é o príncipe herdeiro de um reino da Europa central. A sua vida de criança é solitária e sujeita aos constrangimentos impostos pelo protocolo da corte. O seu único amigo é o velho preceptor, Dr. Juttner (Jean Hersholt). Quando atinge a idade própria, Karl parte com Juttnerpara a Universidade de Heidelberg, onde conhece finalmente a alegria de viver, a camaradagem estudantil e o amor, na pessoa de Kathi (Norma Shearer), a filha de um estalajadeiro. Mas quando o rei morre, Karl é chamado para assumir o trono e obrigado a se casar com uma princesa.

Para realizar este precursor silencioso (e melancólico) dos seus musicais do período sonoro, Lubitsch contratou os serviços de Ali Hubert (seu colaborador na maioria dos filmes mudos alemães) para desenhar os figurinos; os de Andrew Marton (que depois se tornaria um diretor de segunda unidade)  para ser o montador do filme e também os serviços do fotógrafo John Mescall (que já havia trabalhado com ele em Paris é Assim).

Destaco duas cenas entre tantas admiráveis deste filme. A primeira é a do encontro de Karl e Kathi num jardim coberto de flores sob as estrelas brilhantes. Quando eles  se deitam sobre a relva, o vento começa a soprar, primeiro lentamente e depois com força, num crescendo que acompanha a manifestação de amor entre eles, para  acalmar depois do beijo. É uma cena metaforicamente erótica que antecipa de certa forma aquela cena do defloramento de Rosie no filme de David Lean, A Filha de Ryan / Ryan’s Daughter, realizado muitos anos mais tarde.

A outra cena, ou melhor, as outras, são os planos que mostram o mesmo comentário dito por gerações diferentes: os meninos vendo o retrato do príncipe ainda criança na vitrine de uma loja e afirmando “como deve ser ótimo ser príncipe”; depois as meninas contemplando o retrato do príncipe já adulto na mesma vitrine e exclamando  “como deve ser ótimo ser príncipe (com ênfase na palavra ótimo); e, no desfile final do casamento, os velhos na janela murmurando “como deve ser ótimo ser rei”, todas estas frases contrapondo-se ironicamente ao que se passa no íntimo de Karl.

Depois de O Príncipe Estudante, Lubitsch deu a Josef von Sternberg a idéia de A Última Ordem / The Last Command / 1927, interpretado por Emil Jannings e, contratado novamente pela Paramount, abordou um assunto russo em Alta Traição / The Patriot / 1928, igualmente estrelado por Jannings. Melodrama histórico adaptado por Kräly (Oscar de Melhor Roteiro) de uma peça de Alfred Neumann, Der Patriot, levada aos palcos berlinenses com muito sucesso, o filme, completado pouco antes do advento do Cinema Falado, recebeu trilha musical sincronizada e efeitos sonoros nos momentos culminantes (no final, Jannings gritava: “Pahlen! Pahlen!”, chamando o amigo que o traíra por amor à pátria.

Na intriga, o Czar Paulo I (Emil Jannings), filho da Grande Catarina, vive cercado por conspiradores e só confia no Conde Pahlen (Lewis Stone). Pahlen quer proteger o amigo mas, por causa dos atos tresloucados do monarca, decide alijá-lo do trono, para o bem da nação, com a ajuda da sua amante, a Condessa Ostermann (Florence Vidor). Esta porém, trai Pahlen e conta ao Czar o plano. Conduzido à presença do soberano, Pahlen convence-o de sua lealdade e, mais tarde, o extermina.

Alta Traição é considerado um filme perdido; somente há pouco tempo foi descoberto o seu trailer, apresentado no Festival de Pordenone em 1996, que dá uma idéia da suntuosidade dos cenários de Hans Dreier e da qualidade da fotografia de Bert Glennon. Como não ví o filme, tenho que me amparar nas críticas da época, selecionando uma, eufórica, da revista Cinearte, da qual cito alguns trechos: “Indiscutivelmente, um dos melhores filmes, senão o melhor filme até agora feito … É um filme colosso! … O trabalho de Jannings, mais dramático, mais impressionante, mais cheio de peripécias, causa maior impressão. Mas o de Lewis Stone, calmo, imperturbável, másculo, impressionante na sua singeleza, é uma página admirável de arte e beleza … O filme, todo ele, é irrepreensível em técnica … Lubitsch é um diretor fantástico! Esta é a sua obra-prima!”. Acrescento apenas que, algumas tomadas da multidão, foram aproveitadas seis anos depois por von Sternberg em A Imperatriz Galante / The Scarlet Empress (cf. Fun in a Chinese Laundry de Josef von Sternberg, Mercury House, 1965, pg. 266).

Amor Eterno / Eternal Love / 1929, derradeiro filme mudo de Lubitsch, produzido pela Feature Productions (Joseph M. Schenck) e distribuído pela United Artists,  assinala a última colaboração do roteirista Hänns Kraly, o mais assíduo companheiro do diretor.

No roteiro de Kräly, tirado do drama romântico de Jakob Christoph Herr, Der König der Bernina, durante as guerras napoleônicas, Marcus Paltram (John Barrymore), um caçador rebelde das montanhas da Suiça, desafia os invasores de seu país. Embora apaixonado por Ciglia (Camilla Gorn), filha do pastor da aldeia (Hobart Bosworth), ele é adorado por Pia (Mona Rico), que odeia a rival e aguarda uma oportunidade de separá-la de Marcus. Aproveitando um baile de máscaras, no qual Marcus se embriaga, Pia, disfarçada, consegue fazê-lo sucumbir aos seus desejos. Para reparar o erro, Marcus casa com ela e Ciglia logo se une a Lorenz Gruber (Victor Varconi), um antigo e insistente admirador. Sabendo que sua esposa ainda ama Marcus, Gruber tenta suborná-lo, para que ele saia da  aldeia; Marcus recusa e, num incidente, é forçado a matar Gruber em legítima defesa. Acusado de assassinato, Marcus foge com Ciglia para as montanhas, perecendo ambos soterrados por uma avalanche.

Amor Eterno não é um dos trabalhos mais importantes de Lubitsch. “O filme foi feito para honrar um compromisso” – revelaria mais tarde o montador Andrew Marton – , “nem Lubitsch, nem John Barrymore, nem Camilla Horn entraram nele com entusiasmo”. Lubitsch procurou compensar a banalidade da história com um esplendor visual. A maior atração do filme são justamente as sugestivas cenas nas montanhas, fotografadas em exteriores no Canadá por Oliver T. Marsh, notando-se ainda a marca do diretor nos ambientes, nos movimentos de câmera e em algumas elipses e subentendidos como, por exemplo, na sequência da noite em que Pia arrasta Marcus para a cama ou na sequência do casamento duplo, pontuada com o bater dos sinos e os comentários dos sineiros. Tal como ocorreu em Alta Traição, houve adição de um score musical e efeitos sonoros.

ERNST LUBITSCH – I

Dotado de um estilo bem definido e do poder de se expressar através do cinema puro, Ernst Lubitsch, um dos mais representativos emigrados que ajudaram a desenvolver a indústria cinematográfica de Hollywood nos anos 20/40, preocupou-se sempre em agradar o público.

Ele nunca procurou criar obras altamente artísticas ou de vanguarda como seus contemporâneos Murnau e Fritz Lang. “Jamais perdí de vista, durante minha carreira, esta idéia de que um filme deve evitar ao máximo situações e concepções que só podem ser apreciadas e compreendidas por uma parcela determinada e limitada de espectadores” (Lubitsch).

Tanto nas farsas curtas e grandiosos espetáculos históricos da fase alemã como nas operetas e comédias sofisticadas americanas, predominou a intenção do entretenimento. Aliando seu espírito europeu, tipicamente judaico-berlinense, a uma arguta observação dos costumes dos Estados Unidos, Lubitsch criou um humor atrevido e malicioso, através de deliciosas ironias, subentendidos elegantes  e insinuações rápidas com a câmera, que ficaram conhecidos como o Lubitsch Touch.

Inspirando-se em Stroheim (Esposas Ingênuas / Foolish Wives / 1921) e em Chaplin (Casamento ou Luxo / A Woman of Paris / 1923), ele ajudou a introduzir a psicologia na tela e, apropriando-se também um pouco do luxo e sensualidade dos filmes de Cecil B. DeMille, influenciou toda uma escola de realizadores (Malcom St. Clair, Harry d’Abbadie d’Arrast, Monta Bell, Rouben Mamoulian, Lewis Milestone, William Dieterle, Joseph L. Mankiewicz, Billy Wilder, etc.) que, no entanto, jamais ultrapassaram o mestre no gênero que o celebrizou. “Ele estava muito acima de todos nós no campo da alta comédia sofisticada,” afirmou Mankiewickz.

Ernst Lubitsch nasceu em Berlim no dia 29 de janeiro de 1892, filho de Simon Lubitsch e Anna Lindenstaedt. O pai, de origem russa, tinha uma loja de confecções na Schönhäuser Allee, que ficava a vinte minutos a pé da Alexanderplatz no centro da cidade. Aos 16 anos, apaixonado pelo teatro, o jovem Ernst deixou os estudos no Sophien-Gymnasium e o trabalho no estabelecimento paterno, travando amizade com o ator Victor Arnold, que lhe deu aulas de arte dramática e o levou aos palcos.

Em 1911, com a ajuda de Arnold, Ernst ingressou no Deustches Theater, dirigido por Max Reinhardt, notável encenador austríaco, sob cuja orientação se formou a nata dos atores que despontariam depois nas telas germânicas: Emil Jannings, Paul Wegener, Werner Krauss, Conrad Veidt, Fritz Kortner, Gustav Grundgens, Heinrich George, etc. Além do aprendizado com Reinhardt, Ernst começou a atuar em cabarés, cantando e dançando, muito interessado em aprender tudo o que podia sobre a fascinante profissão de ator.

Em 1913, Lubitsch estréia no cinema como ator em Eine Ideale Gattin uma produção da Deutsche Bioscop, com a qual colabora por um breve período. No ano seguinte, ele interpreta o papel principal em Die Firma heiratet, comédia ligeira (lustpiele) ambientada no meio pequeno-burguês da konfektion, produzida pela Projektions – AG Union, na qual atingiu a notoriedade. Ainda em 1914, Lubitsch participa de Der Stolz der Firma, também sobre o meio da confecção, e se torna o orgulho da Union.

Durante quatro anos, em período de guerra, ele fica conhecido como intérprete de tipos cômico-burlescos judeus, como o alfaiate trouxa e sortudo (Meyer) ou os caixeiros rústicos e ladinos (Moritz, Lachman), que acabavam conquistando a filha do patrão e entrando como sócios da firma. Porém surgiu um impasse: “Se quisesse continuar, tinha de escrever meus próprios argumentos. Então, com um amigo, o ator Erich Schönfelder, escreví uma série de comédias de um rolo e as vendí para a Union, num pacote autor-diretor-ator, proporcionando-lhes três serviços pelo preço de um. Eis como passei a diretor” (Lubitsch).

Aos primeiros encargos atrás da câmera, Fräulein Seinfenschaum / 1914 e Aufs Eis geführt / 1915, seguiram-se filmes nos quais atuava apenas como ator ou acumulava outras funções, utilizando geralmente a atriz Ossi Oswalda, a “Mary Pickford da Alemanha” (alguns passaram no Brasil como A Primeira Bailarina / Das Mädel Vom Ballet / 1918).

Seu maior triunfo neste período, Schuhpalast Pinkus / 1916, marcou a primeira (das vinte e sete) colaborações com Hänns Kraly, responsável pelo roteiro juntamente com Schönfelder. Além de dirigir o filme, Lubitsch encarna o personagem Solomon (Sally) Pinkus, um estudante preguiçoso que prefere andar atrás das garotas, em vez de cumprir os deveres escolares. Expulso do colégio, vai trabalhar numa sapataria, onde seu fraco pelas mulheres quase lhe é fatal. Depois, conquista o coração de Melitta (Else Kenter), uma bailarina que lhe empresta dinheiro, para abrir a sua própria loja de calçados. Embora caracterizado com sendo estúpido, Pinkus tem a faculdade de se desvencilhar de qualquer situação: quando está metido numa encrenca, gesticula, persuade, justifica-se de tal maneira, que o opositor não tem outro remédio senão desculpar a falta.

Uma grata surpresa entre as comédias com Ossi Oswalda foi Ich möchte kein Mann sein / 1918 (trad. literal: Eu não gostaria de ser um homem), uma excursão rápida pelo mundo do papel sexual invertido. Ossi Owalda (Ossi) goza os prazeres da vida – jogando cartas, fumando e bebendo – um  comportamento não condizente com uma dama segundo seu tio (Ferry Sikla), com quem mora. Aproveitando a ausência do tio, Ossi decide “viver como um homem”. Veste-se em conformidade e rapidamente descobre os inconvenientes de pertencer ao sexo masculino, por exemplo, quando não encontra lugar sentado num transporte público. Devidamente “travestida”, ela vai a um baile, onde encontra o Dr. Kersten (Kurt Götz), a quem o tio havia encarregado de cuidar dela. Sem se reconhecerem, os dois se entregam a excessos alcoólicos. A caminho de casa, eles se beijam – e não como amigos – várias vezes. No final, os dois se reconhecem e Ossi promete se comportar dali em diante com uma mulherzinha submissa.

Ainda em 1918, Lubitsch realizou seu primeiro longa-metragem, A Múmia / Die Augen der Mumie Ma, aventura exótica melodramática, sobre uma dançarina de um templo egípcio, Ma (Pola Negri), que se apaixona por um pintor inglês, Alfred Wendland (Harry Liedtke), e é obsessivamente perseguida por Radu (Emil Jannings), um sacerdote fanático. Wendland casa-se com Ma e a leva para a Inglaterra mas Radu os persegue e a mata. O filme, com roteiro de Kraly e Emil Rameau, firmou a reputação de Lubitsch como diretor dramático e o revelou como aluno de Reinhardt, cujas revolucionárias invenções no teatro ele adaptou ao cinema. Esta produção impulsionou também a carreira alemã da atriz polonesa Pola Negri e proporcionou a Emil Jannings seu primeiro grande papel. Entretanto, os críticos notaram a superficialidade das situações como o fanatismo pouco convicente de Radu, o amor à primeira vista entre Wendland e Ma, e as múltiplas coincidências forçadas no enredo, para tentar dar uma conclusão vagamente trágica à história.

O próximo sucesso de Lubitsch, Carmen / Carmen /1918, produzido pela UFA e tendo no elenco Pola Negri (Carmen), Harry Liedtke (Don José Navarro), Magnus Stifter (Escamillo) e Paul Biensfeldt (Garcia), deu-lhe projeção internacional. A criação de Prosper Mérimée já fora levada à tela por Cecil B. DeMille (Geraldine Farrar) e Raoul Walsh (Theda Bara) mas estas versões,  ambas datadas de 1915, se inspiraram mais na ópera de Bizet. Somente a versão de Lubitsch narrava a história em retrospecto, tal como ocorria no original do escritor francês. Num acampamento, um viajante contava “a história de um homem enfeitiçado”.

Reconstituindo a Espanha do começo do século XX, os cenários de Kurt Richter, executados por Karl Machus, ergueram-se com precisão realista no lote adjacente ao estúdio da UFA em Tempelhof e foram enquadrados pelo fotógrafo Alfred Hansen, que também servira a Lubitsch em  A Múmia. A composição de Pola Negri, sem glamour, se aproximava mais da cigana rude e relaxada de Mérimée, e assim foi aclamada como a “atriz número um da Alemanha”.

Depois dessa incursão pela adaptação literária, Lubitsch voltou à comédia, fazendo mais filmes com Ossi Oswalda, entre os quais se destacaram Minha Mulher, Artista de Cinema / Meine Frau, die Filmschauspielerin / 1919, sátira ao universo do Cinema e às suas estrelas e A Princesa das Ostras / Die Austernprinzessin / 1919, conto satírico e mordaz sobre os laços culturais entre Europa e América. No primeiro, Ossi interpreta uma diva do cinema temperamental. No segundo, ela faz a filha de um milionário ianque, conhecido como “O Rei das Ostras”. O pai quer casá-la com o Príncipe Nucki (Harry Liedtke) da tradicional aristocracia prussiana mas, por engano, Ossi confunde Nucki com seu criado Josef (Julius Falkenstein), que fora à mansão examinar as qualificações da pretendente, e se casa com ele com o nome de Nucki.

Quando Josef chega à fabulosa morada, dão-lhe um mapa para chegar até onde estavam a moça e o pai, e o criado dizia “Glukliche Reise”(Boa Viagem). O filme resumia tudo o que Lubitsch aprendera da arte da comédia (a sequência do foxtrote é inesquecível) e pressagiava o método usado com cintilante efeito em Hollywood. “Die Austernprinzessin foi minha primeira comédia a mostrar algo do meu estilo definitivo” (Lubitsch). O filme fêz um grande sucesso quando exibido aquí no Rio de Janeiro.

Depois de conduzir Vertigem / Rausch / 1919 (filme do qual não existe mais nenhuma cópia) com Asta Nielsen e Alfred Abel, drama de interiores (Kammerspiel) baseado em Strindberg e fotografado por Karl Freund, Lubitsch deixou-se contaminar pelo entusiasmo de Paul Davidson (então executivo da UFA) e deu início aos preparativos de um superespectáculo, Madame Dubarry / Madame Dubarry / 1919. Mais uma vez ele convocou o roteirista  Hanns Kräly e o fotógrafo Theodor Sparkhul (ex-cameraman de cine-jornais, colaborador precioso de Minha Mulher, Artista de CinemaA Princesa das Ostras e de todos os filmes do cineasta, com exceção de Vertigem, até sua ida para a América) e entregou os papéis principais a Pola Negri (Madame du Barry) e Emil Jannings ( Louis XV).

Na mise-en-scène de Madame du Barry, o diretor denotava a influência de Max Reinhardt (preparo minucioso da decoração e do vestuário, arranjo coral dos figurantes, organização funcional do espaço) e expunha sua própria inventividade (máscaras e vinhetas na pontuação, distanciamento do modelo italiano). “A importância dos meus filmes históricos residiam no fato de que eles se distinguiam completamente da escola italiana então muito em voga, que tinha algo a ver com a grande ópera. Tentei “desoperizar” meus filmes e humanizar meus personagens históricos. Dei o mesmo valor às nuanças íntimas e aos movimentos de massas e procurei fundir estes dois elementos”(Lubitsch). Para Lubitsch, a História servia apenas como pretexto para rodar obras suntuosas e ele a utilizou como pano de fundo para as intrigas de boudoir. Em Madame du Barry Lubitsch interpretou a Revolução Francesa como consequência de assuntos particulares da Corte de Louis XV.

Simples aprendiz numa casa de modas, Jeanne Vaubernier (Pola Negri) torna-se a Condessa du Barry, a preferida do Rei (Emil Jannings). Ela consegue libertar da prisão Armand de Foix (Harry Liedtke), seu amante, preso por matar um adversário em duelo, e ainda obtém que ele seja nomeado oficial da guarda real. Armand não simpatiza com o ambiente da Corte e toma parte numa conspiração chefiada pelo sapateiro Paillet (Alexander Ekert). O Rei é atacado de varíola. E Armand incita a multidão a assediar a Bastilha. Luis XV morre e Madame du Barry, expulsa da Corte, é levada a um tribunal revolucionário, presidido exatamente por Armand de Foix. Este procura salvá-la mas Paillet, sabedor da ligação entre ambos, manda assassinar Armand enquanto Du Barry é condenada à morte na guilhotina.

Esta deformação histórica suscitou críticas a Lubitsch; porém na América, ele se viu saudado como “grande humanizador da História “ e o Griffith da Alemanha”. Em Nova York, onde ainda era forte o sentimento anti-germânico, a First National, que comprara o filme,  após ele ter sido rejeitado por todas as demais companhias, protegeu seu investimento, reintitulando-o de Passion e anunciando-o como “um espetáculo europeu”, sem a menor indicação dos nomes de Lubitsch e Jannings. Em Los Angeles, certas organizações, como a American Legion, tentaram baní-lo das telas. Entretanto, Passion foi um tremendo sucesso e este êxito impulsionaria a importação de outros filmes de Lubitsch como Anna Boleyn que foi rebatizado de Deception, Carmen (Gypsy Blood), Sumurun (One Arabian Night), etc.

O entrecho de A Boneca / Die Puppe/ 1919, fantasia erótica inspirada em um tema de E.T. A. Hoffman, gira em torno de um herdeiro, Lancelot von Chanterelle (Hermann Timmig) que, para receber o legado, vê-se forçado a cumprir uma condição: casar. Quarenta jovens são apresentadas a Lancelot. Assustado com as formas bruscas do ataque feminino, o rapaz refugia-se num convento. Contornado o problema, ele pede a um fabricante de brinquedos, Hilarius (Victor Janson), que faça uma boneca de aparência real, para passar por sua noiva. A filha do fabricante, Ossi (Ossi Oswalda), quebra a boneca e toma o lugar dela. Em conivência com os monges, Lancelot leva-a ao convento e lá descobre a verdade. Nesta altura, estão apaixonados um pelo outro.

Lubitsch considerava A Boneca do Amor um de seus filmes mais imaginativos. Na cena de abertura, ele próprio aparecia, montando a miniatura do cenário, onde a ação se desenrola e, no transcorrer desta, ele usava toda sorte de truques de câmera, tela dividida, sobreimpressões, fotografia acelerada, múltipla exposição (havia uma tomada com doze imagens de bocas num só quadro) e cenografia estilizada, para extrair efeitos cômicos. A certa altura, Lancelot quebra a quarta parede, para se dirigir à plateia, tal como Maurice Chevalier faria nas futuras operetas do cineasta.

Entre os momentos mais engraçados, destacam-se as cenas entre o tímido Lancelot e as mulheres que o perseguem, (seja a turba de pretendentes, seja o exército de bonecas mecânicas), causando-lhe um sentimento de pavor ou ainda todas as cenas com a “boneca”, interpretada por Ossi Oswalda, assumindo brilhantemente a identidade de autômato e deliciosa com a sua dança mecânica sincopada.

Em 1920, duas comédias rústicas bastante populares, As Filhas de KohlhieselKohlhiesels Tochter com Henny Porten e Emil Jannings e Romeu e Julieta na Neve / Romeo und Julia im Schnee com Lotte Neumann e Gustav von Wangenheim, variações em tom de farsa, respectivamente de A Megera Domada e Romeu e Julieta de Shakespeare, transportadas para as montanhas da Bavária, Lubitsch sentiu-se apto para abordar o gênero do conto oriental, tão caro ao cinema alemão. A fonte escolhida foi Sumurun / Sumurun, a pantomima-balé na qual trabalhara ao lado de Pola Negri na montagem de Max Reinhardt no Deutsches Theater. Na adaptação cinematográfica, o diretor repetia seu desempenho como Yeggar, o bobo anão e corcunda, dono de um circo itinerante, que se apaixonava por Yannaia (Pola Negri), a dançarina da trupe. Comprada pelo sultão Omar (Paul Wegener), num incidente articulado pelo despeitado Yeggar, Yannaia vinha a ser surpreendida nos braços  de seu filho, Soliman (Carl Clewing), sendo ambos mortos pelo tirano. Sumurun era o nome carinhoso pelo qual o sultão chamava sua odalisca predileta, Zuleika (Jenny Hasselquist), enamorada de um mercador de tecidos, Nur-Al-Djin (Harry Liedtke). Omar encontra os dois amantes e se lança sobre o mercador para matá-lo mas, neste momento, Yeggar o apunhala pelas costas, vingando o assassinato de Yannaia.

Para as filmagens, a UFA mobilizou todos os recursos de que dispunha e com eles os cenógrafos Kurt Richter e Erno Metzner (com assessoria técnica de Kurt Waschneck) recriaram a paisagem de As Mil e Uma Noites em primorosos arabescos formais enquanto Sparkuhl forjava uma atmosfera de mistério. Josef von Sternberg elogiou a performance de Lubitsch e este, pela direção do filme, recebeu o cognome de “o Max Reinhardt do Cinema”.

Não concretizado o projeto de Salomé, com Pola Negri, Lubitsch deu continuidade à série de superproduções escapistas com Anna Boleyn / Anna Boleyn / 1920, cujos papéis centrais couberam a Henny Porten (Ana Bolena) e Emil Jannings (Henrique VIII).

Ana Bolena, sobrinha do Duque de Norfolk (Ludwig Hartau), entra na Corte como dama de companhia da Rainha Catarina (Hedwig Pauli). No dia do aniversário da Rainha, o vestido de Ana fica preso numa porta. Henrique VIII observa o episódio e começa a cortejá-la. A princípio, ela se conserva fiel ao amigo de infância, Sir Henry Norris (Paul Hartmann) mas, quando Henrique lhe oferece a coroa, ela aceita. Catarina é contrária ao divórcio e o Papa se recusa a anular o casamento. Usando de todas as suas prerrogativas, o monarca elimina a oposição, proclama-se Chefe da Igreja Anglicana, e festeja pomposamente o matrimônio com Ana. O Rei espera um herdeiro porém, quando nasce uma menina, passa a se interessar por uma nova beldade, Jane Seymour (Aud Egede Nissen). Ana é acusada de adultério com Norris e o tribunal condena-a à morte. Enquanto ela sobe ao patíbulo, Henrique VIII prepara suas próximas bodas.

Em Tempelhof foram construídas réplicas do Castelo de Windsor, da Torre de Londres, de Hampton Court e da Abadia de Westminster sob a meticulosa supervisão de Richter, e reunidos cinco mil figurantes, ultrapassando em grandiosidade as produções anteriores. Diante da esplêndida decoração e dos belos enquadramentos providenciados por Sparkuhl, os críticos exclamaram: “Lubitsch kann alles! (Lubitsch pode fazer qualquer coisa!).

Num intervalo entre os filmes monumentais, surgiu Gatinha Amorosa / Die Bergkatze / 1921, sátira antimilitarista de humor grotesco, rodada em estilo expressionista, com cenários expressionistas cômicos e vestuários bizarros (de Ernst Stern), despontando no elenco Pola Negri, como Rischka, uma jovem criada nas montanhas balcânicas.

Em uma majestosa e inexpugnável fortaleza dos Alpes, o Comandante (Victor Janson) preocupa-se coma filha Lilli (Edith Meller), pois o informaram da vinda de um autêntico Don Juan, o tenente Alexis (Paul Heidemann), que já havia sido seu hóspede e seduzira todas as moças dos arredores. No caminho, Alexis encontra Rischka, filha do chefe dos bandoleiros, Claudius (Wilhelm Diegelmann), a quem chamam, de “A Gata Brava”. Claudius rouba Alexis, deixando-o praticamente despido e este, ao chegar ao seu destino, promove uma expedição punitiva contra os bandoleiros. Nos festejos da vitória, Alexis decide casar com Lilli e Rischka, aproveitando a euforia reinante, saqueia totalmente a fortaleza.

Die Bergkatze foi um completo fracasso mas, apesar disso, tinha mais inventiva e espírito que muitas das minhas outras comédias”(Lubitsch). Uma cena que ilustra bem  A Gatinha Amorosa é aquela na qual, após o sonho romântico de Rischka, vemos a tenda desabar com tais convulsões oníricas e o seu pai   exclamar: “Esta menina tem que casar!”.

Terminado este exótico interregno, o diretor formou a sua própria companhia, Ernst Lubitsch-Film, e retornou à fantasia histórica, evocando o antigo Egito em Amores de Faraó / Das Weib des Pharao / 1922  que, com a ajuda financeira da EFA (Europäische Film-Allianz), uma companhia americano-germânica (Hamilton Theatrical Goup / Famous Players-Lasky / UFA); dos cenógrafos Kurt Richter e Ernst Stern; e dos fotógrafos Theodor Sparkuhl e Alfred Hansen, se igualou em magnitude aos maiores espetáculos internacionais produzidos mais ou menos naquela época.

Como Pola Negri não estava disponível, o papel da bela escrava Theonis – por quem o Faraó Amenes (Emil Jannings) e o Rei da Etiópia, Samiak (Paul Wegener) travam uma guerra sangrenta, perdendo no final o objeto de suas paixões para o verdadeiro amor da jovem, Ramphis (Harry Liedtke) – coube à atriz vienense Dagny Servaes, também ex-aluna de Max Reinhardt.

Sob o ponto de vista da técnica cinematográfica, o filme chegou a um ponto de perfeição semelhante aos filmes americanos daquele tempo. Lubitsch conduz o drama para um desenlace semelhante às tragédias gregas e às de Shakespeare. O faraó é humilhado pelo povo, que antes o temia, e morre de desgosto. Sua morte é complementada pelas mortes dos dois jovens amantes, Theonis e Ramphis, que são apedrejados pela multidão.

Lubitsch chegou à América pela primeira vez no véspera do Natal de 1921, acompanhado por Paul Davidson, para estudarem os métodos de produção  americanos. Na sua curta estadia, Lubitsch descobriu que, na América, o diretor de arte era menos importante que o fotógrafo. “Os fotógrafos americanos são os melhores do mundo”, ele comentaria em 1929. “Como os invejávamos na Alemanha. Eles sabiam uma coisa, que daríamos tudo para saber: como fotografar os atores sem que a maquilagem não aparecesse.”

No seu retorno à Alemanha, Lubitsch casou-se com Irni (Helene) Kraus, uma viúva, cujo primeiro marido, um soldado alemão, morrera de gripe durante a Primeira Guerra Mundial, deixando-a com dois filhos pequenos, Edmund e Heinz.

Lubitsch encerrou suas atividades no seu país natal com A Modista de Montmartre / Die Flamme / 1923 (exibido na América como Montmartre),  melodrama de costumes na Paris do fim-do-sécul adaptado de um conto de Guy de Maupassant e com direção de arte de Ernst Stern e Kurt Richter. Yvette (Pola Negri), uma cocote, casa-se com um compositor, André (Hermann Thimig) mas não consegue se adaptar à vida burguêsa e se suicida, jogando-se pela janela.

Lubitsch declarou: “como um antídoto contra os grandes épicos históricos, sentí necessidade de fazer … um pequeno, íntimo Kammerspiel”. O operador de câmera Charles Van Enger, depois de ver o único fragmento sobrevivente do filme (conservado no Munich Stadtmuseum), observou que, obviamente, o diretor sentia-se mais à vontade com a Paris de La Boheme do que com o Egito antigo ou a Pérsia de conto-de-fadas.

Em uma sequência de cinema puro muito lembrada de A Modista de Montmarte, Pola Negri está pensando se deve ou não deixar seu marido. Ela senta no banquinho de uma penteadeira e apalpa nervosamente sua aliança de casamento. Tira a aliança, avalia seu peso na palma da mão e a coloca dentro de uma caixa numa gaveta. Ao fechá-la, um porta-retrato com a foto do marido cai no chão. Subitamente ela se amendronta e seu corpo fica tenso. Pola então apanha  o porta-retrato e o recoloca no lugar, retira a aliança da caixa e a põe no dedo. Em seguida se levanta e corre para abraçar o marido no quarto ao lado. Este meio minuto de ação revela o que um cineasta inventivo é capaz de fazer combinando o detalhe e o simbolismo.

Enquanto o filme A Modista de Montmartre estava sendo feito, Lubitsch começou a construção de uma casa, que nunca seria habitada pelo seu dono porque, quando ela ficou pronta, ele estaria a caminho de Hollywood, com um contrato para dirigir a estrela mais famosa do mundo.

DOUGLAS FAIRBANKS

Com exceção de seu amigo Charles Chaplin, Douglas Fairbanks foi o maior astro masculino do cinema mudo, ídolo de milhares de jovens e também de um grande número de adultos. Ele representava coragem, vigor, decência, uma mente sã em corpo são, otimismo, auto-confiança – chegando até à timidez – pelo sexo fraco e … sucesso.

Suas armas para atrair o público foram o seu espantoso atletismo e um sorriso enorme e irresistível. Fairbanks não era alto nem particularmente bonito mas gozava de uma forma física excelente, usando o corpo para expressar o caráter  de seus personagens e praticar cenas de ação engenhosas, que ele executava sem precisar de dublês. Além da agilidade atlética e simpatia, tinha o que todo astro deve ter: magnetismo. Com essas qualidades, tornou-se o primeiro Rei de Hollywood e seus filmes contribuíram para definir o espírito de seu tempo.

Fairbanks foi também um dos produtores mais criativos de Hollywood. Aprendeu tudo o que podia sobre a realização de filmes e se cercou dos melhores artistas e técnicos. Frequentemente contribuía na redação dos roteiros (sob o pseudônimo de Elton Thomas) e co-participava da direção de seus filmes. Caprichoso e perfeccionista, ele gastou muito dinheiro, construindo cenários gigantescos, para que o esplendor, o fausto, a pompa de suas histórias fossem sustentados visualmente e deliciassem os olhos dos espectadores.

Douglas Elton Thomas Ulman (1883-1939) nasceu em Denver, Colorado. Sua mãe, Ella Adelaide Marsh, havia se casado primeiramente com John Carpenter, um rico plantador de Massachussets. O filho deles, também chamado John, nasceu em 1873. O pai, John Sr., morreu de tuberculose neste mesmo ano. Ela então se casou com o juiz Edward Wilcox, com quem teve outro filho, Norris. Quando Wilcox  se tornou um alcoólatra, Ella pediu o divórcio com a ajuda de um renomado advogado judeu de Nova York, Hezekiah Charles Ulman, que depois se apaixonou e se casou com ela.  Ella e Ulman tiveram dois filhos, Robert e Douglas. Ulman abandonou o lar quando Douglas tinha cinco anos de idade. Ella reassumiu o nome do primeiro marido, Fairbanks, colocando-o também em Robert e Douglas, e batizou os meninos na fé católica. Depois da morte de Fairbanks, outro fato veio à tona: Ulman não havia se divorciado legalmente de sua primeira esposa, de modo que Douglas e Robert eram filhos ilegítimos.

Desde pequeno Fairbanks demonstrou interesse em ser ator. Em 1899, quando tinha apenas dezesseis anos, excursionou com a famosa companhia de Frederic Warde, especializada em Shakespeare e, um ano depois, estava na Broadway. Durante os próximos quatorze anos ele firmou sua reputação como ator e, em 1906, com sua aparição na peça Man of the Hour, tornou-se oficialmente um astro.

Em 1907, Fairbanks casou-se com Beth Sully, filha do ex-“Rei do Algodão”, Daniel J. Sully, e desistiu por um tempo do teatro, indo trabalhar na Buchan Soap Company, o novo negócio do pai de Beth. Em 9 de dezembro de 1909, o casal teve um filho, Douglas Fairbanks, Jr., que seria no futuro um renomado ator do cinema e do teatro.

Todavia, Fairbanks não gostou do emprego, e retornou aos palcos, tendo sido eventualmente levado à Costa Oeste por Harry Aitken da Triangle Film Company.

A carreira de Fairbanks no cinema mudo teve duas partes distintas: até 1920, ele fez comédias (românticas, dramáticas, western); após esta data, salvo uma exceção, começou a fazer filmes de aventuras de época, pelos quais é mais lembrado nos dias de hoje.

Fairbanks começou fazendo 13 filmes na Fine Arts Film Combany, distribuídos pela Triangle Film Corporation: Amor Inspira Audácia / The Lamb / 1915, Dois … Um Só / Double Trouble / 1915, Delírio de Aparecer / His Pictures in the Papers / 1916, Um Professor de Alegrias / The Habit of Happiness / 1916, O Bom Facínora / The Good Bad Man / 1916, O Aventureiro Heróico / Reggie Mixes In / 1916, Sherlock Douglas / The Mystery of the Leaping Fish / 1916,  Um Moço Valente / Flirting with Fate / 1916, O Índio Amoroso / The Half Bread / 1916, Nova York Misteriosa / Manhattan Madness / 1916, Aristocracia Americana / American Aristocracy / 1916, Um Casamento Trabalhoso / The Matrimoniac / 1916, O Verdadeiro Americano / The Americano / 1916.

Em 1917, Fairbanks formou sua própria produtora, Douglas Fairbanks Pictures Production e passou a distribuir seus filmes pela Artcraft Film Corporation, que fora criada pela Famous Players-Lasky, para distribuir os filmes de Mary Pickford. Entre 1917 e 1919 ele fez mais 13 filmes: Por Tí, Querida! / In Again – Out Again / 1917,  Provocação / Wild and Wooly / 1917, Um Problema Humano / Down to Earth / 1917, Miguel, o Touro / The Man from Painted Post / 1917, Querendo Agarrar a Lua / Reaching for the Moon / 1917, Um Moderno Mosqueteiro / A Modern Musketeer / 1917, Bandoleiro do Amor / Headin’ South / 1917, O Protetor / Mr. Fix – It / 1917, O Jovem Ambicioso / Say! Young Fellow / 1917, O Homem do Automóvel / Bound in Moroccco / 1918, Sempre Sorrindo / He Comes Up Smiling / 1918, Golpe Adversário / Arizona / 1918,  Audaz e Caprichoso / The Knickerbocker Buckaroo / 1919.

Em 1919, os quatro maiores artistas de Hollywood, Douglas Fairbanks, Mary Pickford, Charles Chaplin e D.W. Griffith celebraram um acordo revolucionário,  pelo qual eles se tornaram distribuidores dos seus próprios filmes independentes. Nesta fase United, Fairbanks fez mais quatro comédias, Sua Majestade o Ianque / His Majesty the American / 1919, O Supersticioso / When the Clouds Roll By / 1919, Ousadia Hereditária / The Mollycoddle / 1920 e O Maluco / The Nut / 1921 e os oito filmes de aventuras de época: A Marca do Zorro / The Mark of Zorro / 1920, Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeeers / 1921, Robin Hood / Robin Hood ou Douglas Fairbanks in Robin Hood)/ 1922, O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924, Don Q, o Filho do Zorro / Don Q, Son of Zorro / 1925,   O Pirata Negro / The Black Pirate / 1926, O Gaucho / The Gaucho ou Douglas Fairbanks as the Gaucho / 1927, O Máscara de Ferro / The Iron Mask / 1929.

No cinema sonoro, Fairbanks fez quatro filmes: Mulher Domada / Taming of the Shrew /1929, O Príncipe dos Dólares / Reaching for the Moon / 1930, Robinson Crusoe Moderno / Mr. Robinson Crusoe / 1932 e Os Amores de Don Juan / The Private Life of Don Juan / 1934 porém neste  artigo vou falar apenas sobre os oito filmes de aventuras de época, lembrando que eles estão disponíveis em dvds da Kino Video. Quanto às 30 comédias, dez delas podem ser vistas na coletânea Douglas Fairbanks: A Modern Musketeer, oferecida pela Flickler Alley, composta por cinco dvds.

Quando Fairbanks expandiu seu universo cinematográfico para os filmes de espadachim, ele simplesmente transportou o seu jovem dinâmico e decidido  das suas comédias contemporâneas para a História. Como observou Jeanine Basinger em Silent Stars (Wesleley University, 1999),  “todos os oito swashbucklers silenciosos de Fairbanks tinham em comum excelentes valores de produção, ação excitante, altas doses de comédia agradável, um pouco de sátira e no centro, Douglas Fairbanks, que já havia criado sua persona e agora estava criando um gênero”.

Tendo tomado a decisão de realizar um filme de aventura de época, A Marca do Zorro, Fairbanks começou a formar a sua equipe. Fred Niblo foi contratado para dirigir o  primeiro dos dois filmes para Fairbanks. Niblo basicamente firmou sua reputação com Fairbanks e depois assumiria a direção de filmes mudos importantes como Sangue e Areia / Blood and Sand / 1922 e Ben-Hur / Ben-Hur, a Tale of the Christ. William McGann e Harris Thorpe foram contratados como fotógrafos. Edward M. Langley providenciou a direção de arte e Eugene Mullin trabalhou com Fairbanks na adaptação da história de Johnston McCulley, “The Curse of Capistrano”. Marguerite dela Motte (Lolita) foi contratada como atriz principal e coadjuvantes muito capazes como Robert McKim (Capitão  Juan Ramon), Noah Beery (Sargento Gonzales), Charles Hill Mailes (Don Carlos Pulido), Claire McDowell (Dona Catalina), Snitz Edwards (Dono da taverna) e Sydney De Grey (Don Alejandro) completaram o elenco.

Um dos melhores stuntman de Hollywood, Richard Talmadge também estava na folha de pagamento, para dar assistência a Fairbanks na coreografia das cenas de ação. Nos ensaios, Talmadge serviu apenas como um modelo: Fairbanks, observava-o executando as cenas de ação e em seguida o próprio Fairbanks as repetia diante das câmeras. Outra contribuição valiosa foi a do mestre de esgrima belga, Henry J. Uyttenhove, que coreografou todas as cenas de duelo do filme.

Fairbanks adicionou alguns elementos importantes à história de McCulley. Ele deu à A Marca do Zorro, não somente o seu título definitivo mas também duas de suas características mais identificáveis. Primeiro, em “The Curse of Capistrano” não há menção à famosa “marca” do Zorro – um “Z” gravado nas suas vítimas. A “marca” foi um inovação do filme. Em segundo lugar, a natureza afetada e frívola de Don Diego Vega, como sugerida pelos truques de salão, que ele pratica com o seu lenço, também foi uma idéia de Fairbanks. Johnston McCulley incorporou esses elementos na sua história seguinte sobre o Zorro, publicada em 1922, que foi inquestionavelmente influenciada pelo filme de Fairbanks.

Destaco aqui as duas sequências de A Marca do Zorro que mais me agradaram. A primeira foi a sequência de abertura dentro de uma taverna durante uma noite chuvosa. Os fregueses estão apavorados falando sobre o mascarado Zorro, que havia gravado a sua marca no rosto de um dos soldados do Sargento Gonzales. O arrogante e vaidoso Gonzales alardeia que será ele quem vai capturar o fora-da-lei. De repente, ouve-se uma batida na porta e todos ficam congelados de medo. A porta se abre lentamente, e uma figura, obscurecida pela noite e por um grande guarda- chuva preto, penetra no recinto. Enquanto os espectadores prendem a respiração, o guarda-chuva é levantado e fica claro que a figura não é o temível Zorro mas o dândi Don Diego. A outra sequência me entusiasmou mais ainda. Foi a maravilhosa caçada perto do final do filme, na qual a Fairbanks dá uma mostra de vários feitos acrobáticos sensacionais, quando o Zorro escapa da comitiva do governador. A perseguição culmina numa cena memorável em que o herói tira a máscara e enfrenta o vilão como Don Diego, revelando sua verdadeira identidade para espanto do pai, do sogro e de todos os presentes. Como um todo, esta é, na minha opinião, uma das melhores sequências de filmes de capa-e-espada do cinema.

Com este filme, Fairbanks definiu e popularizou o gênero capa-e-espada. Todos os praticantes depois dele – Errol Flynn, Tyrone Power, Gene Kelly, Burt Lancaster, Douglas Fairbanks Jr. entre outros – inspiraram-se na herança de Fairbanks e na sua contribuição para a composição do herói espadachim.

Na vida real, 1920 foi o ano em que Fairbanks se casou com uma atriz, cuja fama era ainda maior do que a dele – Mary Pickford.  Eles contraíram matrimônio em 28 de março e foram morar em “Pickfair”, sua residência de Beverly Hills, que foi apelidada de  “Buckingham Palace de Hollywood”, pois os dois astros formavam uma verdadeira realeza americana.

O sucesso popular de A Marca do Zorro significou uma mudança, não somente do gênero de filmes de Fairbanks, mas também do próprio Fairbanks. Há muito tempo que ele queria realizar grandes espetáculos. Com este propósito, começou a trabalhar, para trazer o seu herói predileto D’Artagnan, (do romance Os Três Mosqueteiros de Alexandre Dumas), para as telas. Fairbanks se identificava mais com o bravo e incansável D’Artagnan do que com qualquer outro personagem que interpretou, e ele se empenhou na produção com muito entusiasmo.

Fairbanks chamou novamente Fred Niblo para dirigir a produção e convocou seu velho amigo Edward Knoblock, dramaturgo, roteirista e romancista inglês, que era uma autoridade em história e cultura francesa do reino de Louis XIV. O roteiro finalmente utilizado foi muito simplificado, abordando apenas o episódio envolvendo o colar de diamantes da rainha. Outra alteração significativa foi o interesse amoroso de D’Artagnan. Constance Bonacieux passou a ser sua sobrinha e não a mulher de M. Bonacieux, a fim de se evitar problemas com a censura. Ademais, Constance não morria como no romance, para que o filme tivesse um final feliz. Arthur Edeson foi o fotógrafo de Os Três Mosqueteiros e, no futuro, de alguns clássicos como Frankenstein / Frankenstein / 1931, O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935, Relíquia Macabra / The Maltese Falcon / 1941 e Casablanca / Casablanca / 1942.

No elenco: Marguerite de la Motte (como Constance Bonacieux), Léon Bary (Athos) , George Siegmann (Porthos), Eugene Pallette (Aramis), Mary MacLaren (Ana D’Austria), Barbara La Marr (Milady de Winter), Nigel de Brulier (Cardeal Richelieu) e Adolphe Menjou (Louis XIII). E, é claro, o próprio Fairbanks que, com convicção e sinceridade absoluta, estava convencido de que era o D’Artagnan ideal.

Enquanto A Marca do Zorro havia sido produzido com cautela e valores de produção conservadores, Os Três  Mosqueteiros tinha cenários suntuosos, um elenco numeroso e um vestuário magnífico. O diretor de arte Edward M. Langley se desdobrou para assegurar a reprodução fiel dos interiores, da casa rural de D’Artagnan na  Gasconha aos aposentos ornamentados de Louis XIII.

Um dos feitos mais notáveis  da produção foi a construção das cenas de luta de espada, um esforço colaborativo entre Fairbanks, Niblo e o esgrimista-coreógrafo H. J. Uyttenhove, sobressaindo a sequência do combate contra os guardas do Cardeal, quando Fairbanks desce pelo corrimão de uma escadaria e enfrenta um número incrível de adversários. Entretanto, esta sequência aconteceu muito cedo no desenrolar da narrativa e o filme não atingiu depois outro momento tão excitante. Por outro lado, a direção de arte não convenceu como a França do século dezessete. Fairbanks percebeu essas falhas do filme e retificou seus erros quando retomou o assunto em O Máscara de Ferro.

Animado com o êxito de Os Três Mosqueteiros, Fairbanks empreendeu um filme ainda mais grandioso, Robin Hood, que consumiu quase um ano de sua vida e  assentou a matriz para todos os seus filmes silenciosos subsequentes.

Edward Knoblock  havia inicialmente proposto a Fairbanks a produção de uma adaptação do romance Ivanhoe de  Sir Walter Scott e daí surgiu a idéia de um filme inspirado na lenda de Robin Hood. Ambas as sugestões foram submetidas ao quartel-general da United Artists em Nova York, para o departamento de vendas manifestar a sua recomendação e  Robin Hood foi escolhido como a sugestão mais vendável.

Fairbanks reuniu sua equipe para o primeiro dia de pré-produção no dia do Ano Novo em 1922. Robert Florey (futuro diretor), que estava então empregado por Fairbanks na qualidade de chefe da publicidade no exterior, lembrou-se anos depois de ter ouvido seu patrão declarar: “Acabei de decidir que vou filmar a história de Robin Hood. Construiremos os cenários aqui em Hollywood. Vou chamá-lo de O Espírito da Cavalaria. “Nunca me esquecí” – disse Florey – “da impetuosidade com a qual Douglas fez este pronunciamento. Ele bateu com o punho numa pequena mesa. Ninguém disse uma palavra”. Segundo Florey, Fairbanks continuou: “Mary e eu vamos comprar um novo estúdio, onde  todos poderemos trabalhar juntos . Estou pensando no velho Jesse Hampton Studio em Santa Monica (obs. que se transformou no Pickford-Fairbanks Studio). Não existe nada além de campos lá e nós podemos construir alguns cenários realmente grandiosos – Nottingham no século doze, o castelo de Ricardo Coração de Leão, uma cidade na Palestina, a Floresta de Sherwood e o covil dos fora-da-lei. Há um largo espaço ao sul onde poderemos filmar o acampamento dos Cruzados. Teremos milhares de vestimentas desenhadas de acordo com os documentos da época, compraremos escudos, lanças, e espadas aos milhares, vamos encenar um torneio, vamos …”. “E quanto vai custar tudo isso?”, perguntou John Fairbanks, o irmão de Douglas, que era o tesoureiro da companhia. “Isto não vem ao caso”,  replicou Douglas. “Estas coisas têm que ser feitas com precisão, ou de forma alguma”.

Fairbanks autorizou a construção de um enorme castelo normando como centro principal de seu filme. O tamanho da estrutura suplantou a do palácio Babiloniano de Intolerância de D. W. Griffith, até então o maior cenário cinematográfico jamais construído. O castelo foi uma criação do diretor de arte supervisor o grande Wilfred Buckland. Mitchell Leisen que, como Buckland, trabalhara para Cecil B. DeMille, foi o figurinista (Leisen se tornaria um diretor de prestígio em Hollywood). Arthur Edeson atuou de novo como fotógrafo e os serviços de Henry J. Uyttenhove foram requisitados mais uma vez para coreografar todas as cenas envolvendo lutas de espada.

O elenco incluía: Enid Bennett (Lady Marian), Wallace Beery (Ricardo Coração de Leão), Sam de Grasse (Príncipe John) e Paul Dickey (Sir Guy of Gisbourne) e Faribanks contou ainda com a ajuda de dois engenheiros altamente capazes – seu irmão Robert e o diretor Allan Dwan – para resolverem os vários problemas técnicos. Um dos grandes momentos do filme foi a maravilhosa descida de Robin Hood por uma cortina imensa e majestosa existente no vasto salão do castelo. Ela era feita em tela de juta mas foi pintada à mão por Leisen, para evocar uma tapeçaria. Dwan escondeu um escorrega atrás da cortina, para facilitar o deslizamento do herói, e demonstrou ele mesmo como Fairbanks deveria fazer a  cena.

A certa altura da filmagem, Robert ficou muito preocupado com a determinação de seu irmão de escalar uma ponte levadiça, para se infiltrar no castelo de Nottingham. Fairbanks acabou aceitando o emprego de um dublê. Durante o ensaio, ficou óbvio que o dublê contratado não estava conseguindo proporcionar a devida combinação de atletismo e graciosidade típicas do ator e foi ordenada a sua substituição por outro dublê. No dia seguinte, foi encontrado um acrobata, que começou a ensaiar e a testar as roupas e a maquilagem. Quando as câmeras rodaram, a equipe ficou encantada ao ver que o acrobata se parecia mais com Fairbanks do que durante os ensaios e que estava impregnando a sequência com os seus gestos característicos, que haviam sido considerados inimitáveis. Somente quando o acrobata chegou ao topo da ponte levadiça, foi que Dwan e Robert perceberam que o próprio Fairbanks havia dublado o seu próprio dublê.

A primeira parte surpreendeu o público, que esperava cenas de ação, assim que Fairbanks aparecesse na tela mas ele explicou: “Creio que sem uma apresentação completa do herói no personagem do Earl of Huntingdon, suas façanhas como Robin Hood teriam sido menos eficazes”. De fato, o filme se arrasta no início porém, quando começa a ação, ele deslancha. Os cenários massivos – a ponte levadiça, o castelo, o convento, o salão de banquetes – são impressionantes e os figurinos de Leisen, muito bonitos.

Fairbanks ofereceu às plateias um espetáculo ainda maior em O Ladrão de Bagdad, uma aventura de fantasia inspirada em As Mil e Uma Noites.  Trabalhando com o diretor de arte William Cameron Menzies, Fairbanks supervisionou a construção de uma cidade cheia de abóbadas e minaretes, um palácio de proporções gigantescas, ruas minúsculas com arcadas, pontes, escadarias e corredores, uma cidade de sonho saída de um conto de fadas e especificamente planejada para dar a impressão de que estava flutuando sobre suas próprias ruas.

Desenho visual soberbo, espetáculo, esplendor imaginativo e efeitos visuais, juntamente com a performance brilhante de Fairbanks (liderando um elenco com milhares de figurantes), contribuíram  para fazer de O Ladrão de Bagdad a sua obra-prima.

Como notou Jeffrey Vance na sua excelente biografia Douglas Fairbanks (University of California / Academy of Motion Picture Arts and Sciences, 2008) da qual extraímos numerosas informações, o ladrão de Fairbanks (Ahmed) é completamente diferente dos papéis que seus fãs sempre esperavam dele: ele era mais um bailarino no estilo de Nijinsky do que um Doug tipicamente americano … A mágica do seu dinamismo – sua presença física, seus movimentos, e seu humor – e a mágica do cinema silencioso chegaram ao auge em O Ladrão de Bagdad.

Fairbanks originariamente pretendeu fazer uma continuação de A Marca do Zorro envolvendo piratas e chegou a conversar com Ernst Lubitsch, para dirigir a produção; mas como queria seu filme de pirata em Technicolor e estava insatisfeito com as limitações e dificuldades da cinematografia em cores naquela época, adiou o projeto.

A  escolha mais importante para a equipe criativa de O Ladrão de Bagdad foi a de Raoul Walsh como diretor. O tipo de fantasia-espetáculo, que Fairbanks imaginou, não era o elemento de Walsh. Porém ele tinha confiança na capacidade daquele diretor para coordenar a produção e apreciava o seu senso de humor. Já com relação a Fairbanks, Walsh diria que ele foi um autor de cinema avançado mais de trinta anos antes que o conceito tivesse sido desenvolvido, pois deixava a sua marca em todos os seus filmes. O êxito de O Ladrão de Bagdad impulsionou a carreira de Walsh como um grande diretor de Hollywood, realizador de clássicos como Sangue por Glória / What Price Glory? / 1926, Sedução do Pecado / Sadie Thompson, O Último Refúgio/ High Sierra / 1941 e Fúria Sanguinária / White Heat / 1949.

Depois de uma longa busca, Fairbanks contratou William Cameron Menzies  como diretor de arte. Menzies, então com apenas trinta anos, tornar-se-ia o maior desenhista de produção de Hollywood, obtendo seu maior triunfo com …E O Vento Levou / Gone With the Wind / 1939.

No elenco estavam: Snitz Edwards (Amigo do ladrão), Charles Belcher (Homem Santo), Brandon Hurst (Califa), Sojin (Príncipe Mongol) e Noble Johnson (Príncipe Indiano). Inexplicavelmente, coube a uma mulher, Mathilde Comont, com um bigode, o papel do corpulento Príncipe Persa. Fairbanks havia escolhido Evelyn Brent como atriz principal mas, em junho de 1923, Evelyn deixou abruptamente a produção e foi substituída por Julanne Johnston, uma dançarina do vaudeville. Fairbanks contratou ainda Anna May Wong (que havia visto no filme em Technicolor de duas cores, Flor de Lotus / The Toll of the Sea / 1922), para ser a escrava da princesa mongol, e ela ficou conhecida internacionalmente. Finalmente, Edward Knoblock funcionou como consultor, ajudando na preparação da história e Arthur Edeson e Mitchel Leisen continuaram nas suas respectivas funções de fotógrafo e figurinista.

Walsh, Edeson, Menzies desenvolveram o estilo Art Nouveau integrado, coerente e curvilíneo, em torno do qual o filme gira. O ladrão interpretado por Fairbanks aparece bronzeado e com o peito nú, usando brincos de argolas douradas, um bigode fino pintado a lápis, a cabeça adornada por um lenço, seus bíceps direito mostrando uma tatuagem em forma de uma estrela ao lado de uma lua no quarto crescente. Seus movimentos são leves e graciosos, os movimentos exagerados de um bailarino, perfeitamente adequados para a fantasia estilizada e a escala enorme da produção.

Entre as atrações de efeitos especiais incluem-se: o tapete mágico (na realidade uma plataforma numa grua suspensa por seis fios de aço escondidos), o cavalo alado, o dragão que cospe fogo, a caverna das árvores encantadas, a corda mágica, o manto da invisibilidade, um morcego enorme, sereias e uma aranha insólita no fundo do mar, o ídolo com vários braços, etc.

Em vez de assumir uma dupla identidade como fez em A Marca do Zorro, Fairbanks interpreta dois papéis em Don Q, o Filho do Zorro: Don Diego Vega, trinta anos depois e seu filho de vinte anos, Cesar. Passado na Espanha, o relato conta como Cesar é falsamente acusado de assassinar um arquiduque austríaco  e seu pai parte apressadamente da Califórnia, para ajudar seu filho a limpar o nome da família.

Após a relativa decepção financeira de O Ladrão de Bagdad, Farbanks quís produzir um filme de sucesso garantido e decidiu que era o momento de revisitar Zorro. Ele havia adquirido previamente os direitos da continuação de Johnston McCulley, “The Further Adventures of Zorro” com a intenção de usá-la como base de uma eventual continuação de A Marca do Zorro. Entretanto, contratou Jack Cunningham (que havia preparado o roteiro de  Os Bandeirantes / The Covered Wagon / 1923), para adaptar  o romance de Kate e Hesketh Prichard, “Don Q’s Love Story” (Fairbanks usou “The Further Adventures of Zorro” para O Pirata Negro no ano seguinte).

O ator coadjuvante inglês Donald Crisp, que havia chamado atenção como o pai brutal de Lillian Gish em Lírio Partido / Broken Blossoms /  1919, foi contratado como diretor nominal do filme e convidado para fazer o papel de Don Sebastian.  A atriz principal foi Mary Astor (Dolores), uma jovem de 18 anos que havia aparecido ao lado de John Barrymore em O Belo Brummel / Beau Brummel / 1924 e apareceria de novo com ele em Don Juan / Don Juan / 26. O ator sueco Warner Oland (depois muito conhecido como Charlie Chan numa série de filmes nos anos 30) ganhou o papel simpático do arquiduque Paul. O ator dinamarquês Jean Hersholt, que havia interpretado o desprezível Marcus em Ouro e Maldição / Greed / 1924, foi chamado para interpretar o inescrupuloso e intrigante Don Fabrique Borusta, completando-se o elenco com Albert MacQuarrie (Colonel Matsado) e Lottie Pickford, irmã de Mary, como a criada Lola. Henry Sharp, chefe do setor de fotografia do estúdio de Thomas H. Ince por mais de seis anos, substituiu Arthur Edeson e Edward M. Langley assumiu a direção de arte.

Fairbanks havia ficado muito impressionado pela maneira com que o esgrimista belga Fred Cavens coreografara as lutas de espada na versão burlesca de Os Três Mosqueteiros com Max Linder, The Three Must-Get-Theres / 1922, e requisitou seus serviços para O Filho do Zorro. Entretanto, embora haja muitas cenas de esgrima neste filme é a habilidade com que Fairbanks maneja o chicote, que domina todas as sequências de ação. Nas mãos dele, o chicote tornou-se um apêndice ao seu personagem Cesar e com ele o ator foi capaz de quebrar uma garrafa ao meio, cortar em dois um convite para o baile do arquiduque (e depois um contrato forçado de casamento), apagar uma vela, desarmar um espadachim, capturar um touro foragido pelas ruas da cidade, tirar um cigarro da boca de Don Fabrique, etc. A destreza de Fairbanks com o chicote é, de fato, admirável.

Fascinado pelas ilustrações de “The Book of Pirates” de Howard Pyle, que o lembravam das histórias sobre bucaneiros de sua infância, Fairbanks resolveu fazer um filme sobre o assunto, usando o Technicolor de duas cores, que já havia sido utilizado em sequências de produções importantes como Os Dez Mandamentos / The Ten Commandements / 1923, O Fantasma da Ópera / Phantom of the Opera / 1925 e Ben-Hur /Ben-Hur, A Tale of the Christ / 1925. Em maio de 1925, o fotógrafo Henry Sharp começou a testar a nova tecnologia, assistido pelos diretores técnicos da firma Technicolor. No mês seguinte, Fairbanks anunciou a contratação de seu amigo Albert Parker como diretor; de Fred Cavens como coreógrafo das lutas de espada; do artista Carl Oscar Borg, (muito conhecido pelas suas pinturas do Sudoeste Americano e que havia também pintado paisagens marítimas e retratos na Grã Bretanha no início de sua carreira) como diretor de arte supervisor; de Dwight Franklin, uma autoridade sobre a vida e pintura dos bucaneiros e discípulo de Howard Pyle, como diretor de arte associado; de Jack Cunningham e do poeta inglês excêntrico Robert Nichols como roteiristas. Algumas idéias sobre “The Further Adventures of Zorro” foram incorporadas em O Pirata Negro embora de uma forma alterada, notando-se também a influência de “A Ilha do Tesouro” de Robert Louis Stevenson. Tal como o desenho de produção, o conteúdo da história foi rigorosamente estilizado, um resumo de todos os mitos dos piratas. Fairbanks e sua equipe também estudaram as pinturas dos grandes mestres e Henry Sharp  revelaria depois que os quadros de Rembrandt exerceram muita influência sobre o aspecto visual do filme.

Durante dois meses, Fairbanks testou várias atrizes para o principal papel feminino (Princesa Isobel) e acabou selecionando Billie Dove, que já havia aparecido num filme com cenas em Technicolor de duas cores, O Vagabundo do Deserto / Wanderer of the Wasteland / 1924, completando-se o elenco com: Sam de Grasse (Michel), Donald Crisp (Mac Tavish), Tempé Pigott (Duenna) e Anders Randolf (Capitão Pirata).

A sequência mais celebrada (e mais tarde copiada por Errol Flynn e Johnny Depp) do filme, e talvez de toda a carreira de Fairbanks, foi aquela em que o Pirata Negro, depois de capturar um galeão sozinho, cravava sua espada na vela da embarcação e descia por ela, dividindo-a em dois.  A sequência foi tão espetacular que ele a repetiu poucos minutos depois. Aos 43 anos de idade, Fairbanks estava no auge de sua forma física e parecia que fazia tudo sem esforço. Outra sequência memorável foi a do grupo de abordagem, composto por cento e vinte marinheiros semi-nús e armados, nadando em formação na águas profundas e depois ascendendo para a superfície e subindo a bordo como se fossem um enxame de abelhas.

Após o lançamento do filme em Nova York, Fairbanks e Mary Pickford embarcaram para uma longa viagem no exterior, combinando negócio e prazer.  Estas férias merecidas serviram para eles se afirmarem como os cidadãos do cinema na Europa, um mercado chave. O casal real de Hollywood foi recebido por diversos líderes tais como Benito Mussolini e o rei e a rainha da Espanha. Fairbanks e Pickford também foram à Russia, com uma chegada triunfante ao país no antigo vagão particular do tzar. Multidões (cem mil pessoas segundo estimativa de Pickford) os saudaram na sua chegada a Moscou. O casal se encontrou com o célebre diretor Serguei Eisenstein e apoiou a indústria cinematográfica russa, fazendo uma breve aparição num filme de Sergei Komarov, Potselui Mei Pikford (ao pé da letra, O Beijo de Mary Pickford) / 1927, que satirizava o novo fenômeno da celebridade fílmica. Pickford e Fairbanks pensaram que estavam posando para as câmeras dos cine-jornais russos. Eles não sabiam que o material filmado serviria como base para um filme de longa-metragem.

Sempre inquieto, Fairbanks procurou uma história com mais profundidade e ousadia no seu penúltimo filme mudo, O Gaúcho. Ele queria interpretar um personagem mais dark, mais sensual do que aqueles que havia encarnado antes. Assim, ele se tornou um fora-da-lei, que se deleita no seu comportamento execrável, sem ligar para as consequências. Porém é claro que  – por força do Código Hays e do próprio código pessoal de conduta de Fairbanks  –  redime-se no final através da conversão religiosa.

Outra diferença em O Gaúcho foi a protagonista feminina. Ela não era mais a virgem pura, a donzela em perigo que precisa ser salva mas uma versão feminina de Douglas Fairbanks, a “garota das montanhas”, interpretada pela ardente Lupe Velez.

Para amenizar o tom dark do espetáculo Fairbanks tomou uma decisão inesperada: contratou um diretor de comédias, F. Richard Jones. Outra nova aquisição para a equipe foi o fotógrafo Tony Gaudio, que mais tarde filmaria As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938 e outras obras importantes. Gaudio fotografou muito bem tanto as cenas de multidão como as cenas intimistas. As angulações pouco usuais e a frequente movimentação de câmera mostram a influencia do cinema alemão sobre a realização de filmes  americana. Gaudio empregou também a iluminação claro-escura, criando sombras profundas e um marcante contraste de luz e sombra.

A outra mulher na história foi interpretada por Eve Southern (A Garota do Santuário), tendo sido cogitada Dolores Del Rio para fazer o papel da fogosa “garota da montanha”, que finalmente coube a Lupe Velez, então com 17 anos de idade. No elenco estavam ainda Nigel de Brulier (Padre), Gustav von Seiffertitz (Ruiz), Geraine Greear, depois conhecida como Joan Barclay (A Garota do Santuário quando menina) e Mary Pickford numa breve aparição não creditada como a Virgem Maria.

Desta vez, Fairbanks não maneja a espada, o chicote ou o arco e flecha mas as boleadoras, a arma dos vaqueiros dos pampas argentinos, e ele o faz com a mesma perícia com que usou os outros tipos de instrumentos de defesa ou de ataque.

Tal como os outros filmes de aventuras de Fairbanks, O Gaúcho é notável pelo seu estilo visual, graças à colaboração do diretor de arte supervisor, Carl Oscar Borg. Os cenários que ele e seus assistentes criaram  – a gruta escarpada e coberta de hera, os degraus brancos e imaculados que conduzem ao santuário, a complexidade das várias lojas dentro da Cidade do Milagre, as tavernas enfumaçadas e a prisão escura são apresentados romanticamente em belas imagens.

O derradeiro filme silencioso de Fairbanks, O Máscara de Ferro é tão dark quanto O Gaúcho. D’Artagnan ainda é capaz de realizar feitos extraordinários mas agora  tem seus cabelos prateados e pela primeira vez paga o derradeiro preço de seu heroísmo: ele morre.

Em acréscimo a Allan Dwan (dirigindo seu décimo e último filme para Fairbanks), Fairbanks reuniu uma equipe de alta categoria: Henry Sharp foi contratado como fotógrafo e Fred Cavens novamente encarregado de coreografar as lutas de espada. Muitos dos atores que compuseram o elenco de Os Três Mosqueteiros repetiram seus papéis em O Máscara de Ferro: Marguerite de la Motte (Constance), Nigel de Brulier (Cardeal Richelieu e Léon Bary (Athos), ficando ausentes o Aramis, original, Eugene Pallette, que foi substituído pelo ator italiano Gino Corrado. O Porthos original, George Siegmann morreu na fase de pré-produção e Stanley J. Sanford entrou no seu lugar. Outros novatos no cast foram: Dorothy Revier (Milady de Winter) e Belle Bennett (Ana D’Austria). Adolphe Menjou, impulsionado pelo seu sucesso em Casamento ou Luxo? / A Woman of Paris / 1923  de Charles Chaplin, não pôde repetir o seu pequeno papel de Louis XIII, que ficou para Rolfe Sedan. Completava o grupo de artistas o jovem ator William Bakewell no papel duplo de Louis XIV e de seu irmão gênio. Na direção de arte Fairbanks contou com um corpo de colaboradores fabuloso: o pintor inglês Laurence Irving como supervisor da direção de arte; o artista septuagenário francês Maurice Leloir, ilustrador da edição de 1894 do romance de Alexandre Dumas; o desenhista de produção William Cameron Menzies; os diretores de arte Carl Oscar Borg, Wilfred Buckland e Ben Carré.

O Máscara de Ferro foi lançado em duas versões  para garantir o maior sucesso possível. A versão “sonora” tinha uma trilha musical soberba de Hugo Riesenfeld que incluía um coro masculino cantando o canção tema, “One for All – All for One”, efeitos sonoros, e dois discursos sincronizados, ditos por Fairbanks, gravados em som ótico, usando o Western Electric System. Para os cinemas ainda não equipados para o som, foi oferecida uma versão silenciosa sem os discursos.

Quando o primeiro palco de som da United Artists estava sendo erguido, Fairbanks chamou o diretor de arte Laurence Irving para ir lá, dar uma olhada. Laurence recordaria: “Nós descemos, e em vez de encontrarmos um lugar bem iluminado, onde todos estavam alegres trabalhando, vimos uma espécie de caverna horrível forrada de cobertores, nenhuma luz, todo o piso coberto de fios torcidos e cabos, e então aqueles microfones ameaçadores … Douglas pôs a mão no meu braço, como sempre fazia quando falava comigo, e disse: “Laurence, o romance de fazer filmes termina aqui”.