Nino Frank no seu livro “Cinema dell’Arte (Editions d’Aujourd’hi, 1982) caracterizou Alessandro Blasetti com precisão: “Extraordinário compositor e orquestrador de imagens, pintor sobre a película”. Além de ser um grande estilista visual, ele era um artesão muito competente, que abordava os temas mais variados, conduzido por um notável instinto cinematográfico.
Blasetti nasceu em Roma no dia 3 de julho de 1900, filho de Giulio Cesare, musicista e professor de obóe e corne inglês e de Augusta Lulani pertencente a uma família de advogados. Em 1913, no colégio Rosi dos padres Somaschi em Spello, onde completou o curso primário, ele assistiu à projeção do Quo Vadis? de Guazzoni, apaixonando-se pelo cinema. Finda a Primeira Guerra Mundial, na qual se alistou como voluntário, Alessandro teve o primeiro contato com um estúdio cinematográfico, participando como figurante de um filme de Mario Caserini; de um drama histórico, I Borgia, de Luigi Caramba; e de um filme de Lucio D’Ambra. Em 1920, sujeitando-se à tradição da família materna, matriculou-se na Faculdade de Direito, onde se formou em 1924 porém declarando que não iria exercer a advocacia.
Após o final do conflito 1914-1918, o cinema italiano entrou numa crise financeira e criativa profunda, por causa principalmente da incapacidade de renovar os velhos esquemas dramatúrgicos e de enfrentar eficazmente a concorrência estrangeira, principalmente hollywoodiana. Para tentar remediar esta grave situação foi fundada em 1919 a U.C.I. (Unione Cinematografica Italiana) que, entretanto, faliu quatro anos depois, frustrando-se o sonho de restituir o cinema italiano ao fausto de antes da guerra.
Durante os anos 30, a produção cinematográfica permaneceu no seu conjunto qualitativamente bem modesta e economicamente deficitária; o regime fascista por um momento não interveio de modo significativo, mas começou a considerar o meio audiovisual como instrumento de propaganda: em 1924 foi formado o Instituto LUCE com o objetivo de produzir cinejornais e documentários de sustento da ideologia e política governamentais.
Depois da metade dos anos 20, um grupo de jovens intelectuais e artistas fascistas – que incluía Alessandro Blasetti, Umberto Barbaro, Aldo Vergano, Francesco Pasinetti, A. G. Bragaglia, etc. – projetou, nas páginas de vários jornais e revistas, os lineamentos de um cinema “moderno” que pudesse sustentar a concorrência das produções estrangeiras. Alessandro Blasetti foi o mais ativo e ousado desses “agitadores”, empenhados na batalha pelo “renascimento” do cinema italiano. Em 1923, Blasetti exerceu a crítica cinematográfica no jornal “L’Impero”; entre 1926 e 1927 fundou e dirigiu a revista “Lo Schermo”, depois transformada em Cinematografo, publicada concomitantemente com Lo Spettacolo d ‘Italia.
Nas páginas desses dois periódicos foi lançada uma subscrição para financiar a Sociedade Anônima Augustus, constituída no ano consecutivo. O primeiro filme da Augustus, Sole /1929, dirigido por Blasetti e com roteiro dele e de Aldo Vergano, pondo em prática as idéias expressas nas revistas, foi um grande sucesso de crítica, tendo sido considerado como exemplo concreto do cinema “de qualidade” italiano.
Esta obra, produzida graças a uma iniciativa cooperativista, abordava um tema da atualidade (o saneamento de uma zona pantanosa no Agro Pontino pelo governo fascista), foi inteiramente rodada em ambientes naturais e utilizava atores não profissionais. Hoje restam apenas alguns fragmentos do primeiro filme de Blasetti porém, segundo os que puderam vê-los, neles se percebe um uso sábio e original da paisagem como um verdadeiro protagonista, que interage com os outros personagens. Entretanto, o público não respondeu com o mesmo entusiasmo ao filme Sole e a Augustus, com dificuldades econômicas, entrou em liquidação.
No início dos anos 30, o advento do cinema sonoro trouxe novos problemas econômicos, técnicos e expressivos, que foram enfrentados com eficácia sobretudo pela companhia produtora Cines, dirigida primeiramente por Stefano Pittaluga e depois por Emilio Cecchi, conhecido literato, que tentou elevar o nível cultural do mercado, chamando para perto de si artistas, intelectuais e professionais, entre os quais figurava também Blasetti. Este realizou, no decorrer de mais de vinte anos – inicialmente com a Cines e depois com outras produtoras -, muitos documentários e filmes de ficção, aventurando-se em diversos gêneros cinematográficos: afrescos históricos imponentes, comédias sentimentais e sofisticadas, dramas contemporâneos, obras empenhadas politicamente, etc., impondo-se como um dos mais respeitados cineastas italianos.
Dos 44 filmes (incluindo filmes de ficção e documentários) que Blasetti realizou entre 1929 e 1969, eu ví 18: Terra Mater /Terra Madre / 1931, Ressurrectio / 1931, 1860 / 1934, Vecchia Guarda / 1934, Contessa di Parma / 1937, Ettore Fieramosca / Ettore Fieramosca / 1938, Retroscena / 1939, Romântico Aventureiro / Un’Avventura di Salvator Rosa / 1939, A Coroa de Ferro / La Corona di Ferro / 1941, A Farsa Trágica / La Cena delle Beffe / 1942, O Coração Manda / Quatri Passi Fra la Nuvole / 1942, Instituto Grimaldi / Nessuno torna Indietro / 1945, Um Dia na Vida / Un Giorno nella Vita / 1946, Fabiola / Fabiola / 1950, Sua Majestade, o Sr. Carloni / Prima Comunione / 1950, Outros Tempos / Altri Tempi / 1952, A Bela e Canalha / Peccato che sia una Canaglia / 1954, A Sorte de ser Mulher / La Fortuna di essere Donna / 1955 e Europa de Noite / Europa di Notte / 1959. Entre eles estão os melhores filmes do diretor e os meus preferidos: 1860, Ettore Fieramosca, Uma Romântica Aventura, A Coroa de Ferro, A Farsa Trágica e O Coração Manda.
Pittaluga convidou Blasetti para fazer quatro documentários porém o diretor lhe propôs realizar um longa-metragem, e assim nasceu Resurrectio, o primeiro filme falado italiano embora tivesse sido precedido nos cinemas pelo filme de Gennaro Righelli, La canzone dell’amore, pois somente foi exibido em 1931. Na trama, um maestro está prestes a se suicidar por causa de uma paixão infeliz mas é salvo pelo encontro fortuito com uma doce mocinha. O seu “retorno” à vida ocorrerá por ocasião de um concerto, durante o qual irrompe um temporal violento, que provoca pânico no Conservatório. Como observou Gian Piero Brunetta em Il Cinema Italiano di Regime (Laterza,2009), com este filme Blasetti quís mostrar o sentimento de pânico social, de perda de controle e de poder que se apossou da burguesia – simbolizada pelo referido vendaval – e a necessidade de restabelecer a ordem graças à intervenção decidida e decisiva de um só indivíduo. O maestro, neste caso. Graças à sua capacidade de controlar a situação, continuando a reger a orquestra, a calma se restabelece.
Para Pitaluga, Blasetti fez ainda Nerone /1930, a única documentação visual do grande ator Ettore Petrolini, mostrando trechos de alguns de seus espetáculos, evitando ao máximo o teatro filmado e Terra Mater / Terra Madre / 1931, o segundo filme no filão ruralista caro à política do fascismo, inaugurado em Sole. O tema agora é “a volta à terra” e, para defender a causa de tal “retorno”, Blasetti construiu a obra sob a fundamental oposição entre a vida citadina corrompida e a vida rural “sã”.
Um nobre romano, quase na miséria por causa de uma vida falsa e estúpida na cidade, encontra na terra de seus antepassados, na terra que o viu nascer, uma razão melhor para viver, ajudando os camponeses.
Na sua luta teórica em favor do cinema italiano, Blasetti constituiu em Roma o Grupo Central de Cultura Cinematográfica, que solicitou ao governo uma Escola Nacional de Cinema. Pouco depois, ele colaborou com a Commissione per l’instituzione dela Prima Scuola di Cinematografia, nascida sob o patrocínio do Ministério de Educação Nacional, na qual lecionou. Entre seus alunos: Maria Denis, Andrea Checchi, Otello Toso, Luigi Zampa.
Em 1932, Blasetti fez Palio, baseado em alguns contos de Luigi Bonelli e dois filmes para Cecchi: La Tavola di poveri, baseado numa peça em um ato de Raffaele Viviani e o documentário em curta-metragem, Assisi. A respeito de Palio, disse Blasetti: “Lembro-me com prazer de algumas sequências inspiradas na maravilhosa cidade de Siena e na sua festa épica e bizarra, sobretudo porque foi então que comecei a perceber o prazer musical do ritmo na sequência”. Ele manifesta seu gosto pelos belos enquadramentos, pelos figurinos, sua complacência com o efeito decorativo, em suma, pelos elementos que usará nos seus filmes históricos. La Tavola di poveri foi um dos pouquíssimos filmes interpretados por Raffaele Viviani, um dos maiores intérpretes da tradição cômica napolitana do novecento.
Escrito por Viviani e adaptado para a tela com a colaboração de Mario Soldati, a história, cheia de paradoxos e de ironia, gira em torno de um marquês arruinado. Por um equívoco, o dinheiro acumulado – durante anos pedindo esmola – que um mendigo deu para o marquês, vem a ser considerado como uma doação ao Comitê de Beneficência dos Pobres, presidido pelo nobre. Ninguém sabe da indigência do marquês que, para manter a sua dignidade, deixa os outros pobres convencidos de que a quantia é naturalmente do seu próprio bolso.
Depois de Il caso Haller / 1933, versão italiana de Der Andere / 1930 de Robert Wiene, (em cuja intriga um procurador, conhecido por sua rigidez e intransigência, se transforma à noite em um ladrão e rufião), estrelado por Marta Abba (a companheira de Pirandello), Blasetti filmou no mesmo ano na Sicília, 1860, a primeira de suas obras-primas.
O filme conta a história da unificação da Itália sob o ponto de vista pessoal de um montanhês siciliano patriota, Carmelo (Giuseppe Gulino), que cumpre a missão de chegar ao quartel-geral de Garibaldi e pedir sua ajuda para libertar a Sicília dos ocupantes Bourbons Espanhóis e alemães mercenários. No caminho, ele encontra vários personagens italianos representando dialetos e pontos de vista com relação ao clima político em ebulição. Não se trata de um filme sobre Garibaldi, nós quase não o vemos durante o desenrolar da narrativa; para Blasetti, o Risorgimento tinha mais a ver com as pessoas comuns que, apesar das diferenças culturais, juntaram suas forças.
Anos mais tarde, o cineasta recordaria: “O objetivo de 1860 era exortar os italianos muito pouco unidos a se conhecerem e a se amarem. E a coisa que me faz mais orgulhoso do filme foi ter reunido o parmesão que fala com o toscano, com o romano, com o siciliano. Foi ter juntado todos esses dialetos, sustentado que éramos todos italianos e que nos batíamos pelo mesmos ideais”.
Blasetti retrata a epopéia garibaldina num estilo seco mas pictoricamente belo, manifestando uma técnica apurada na utilização da paisagem em forte chave simbólica, na busca de enquadramentos requintados expressivamente funcionais, na eficácia da montagem, na construção dramática hábil da trama espetacular, elementos que concorreram para criar uma obra fundamental na história do cinema italiano. As cenas finais da batalha de Calatafimi em contraponto com a imagem da jovem esposa de Carmelo, que acompanha os combates do alto de uma colina e tenta reconhecer seu marido entre os soldados, são inesquecíveis.
Bastante apreciado pela crítica da época, considerado depois da guerra uma das origens do neorrealismo (pela utilização de atores não-profissionais e pelo tom realista), o filme foi objeto de uma polêmica levantada pela sua consonância com a propaganda do regime fascista (na exaltação do “fascismo perene” implícito dos heróis nacionais da antiga Roma do Risorgimento). Parece que os sinais mais evidentes de propaganda apareciam nos cinco minutos que estavam na edição original do filme e foram extirpados numa nova edição em 1951, exibida com o titulo de I Mille de Garibaldi.
Em 1934, os lucros relativamente modestos de 1860, compeliram Blasetti a realizar L’Impiegata di papá, versão italiana do filme alemão Heimkehr ins Glück / 1933, de Carl Boese (em cujo enredo a filha de um banqueiro emprega-se no banco do pai, escondendo dos colegas sua verdadeira identidade), rodado em 14 dias e, como Il caso Haller, hoje considerado como perdido. Em 22 de abril desse mesmo ano, Blasetti encena 18BL Spettacolo di Masse, espetáculo de proporções colossais, para celebrar os Littoriali della cultura e dell’arte (competição cultural da época do fascismo). Ele voltaria à direção teatral nos anos de 1945 a 1952, levando aos palcos peças de J.B. Priestley, Pirandello, Robert Sherwood, Ugo Betti, Alfred De Musset e Prosper Merimée.
Quando foi criada a Direzone Generale dela Cinematografia em 1935, considerada a primeira intervenção direta verdadeira do estado fascista no cinema italiano, Blasetti filmava Vecchia Guarda que, embora celebrando os tempos heróicos do fascismo (o filme terminava com a marcha sobre Roma) não agradou ao regime. Iniciou-se então um período de tensão, no qual o diretor recusou uma série de projetos como Scipione l’Africano, dirigido depois por Carmine Gallone e Condottieri, realizado por Luis Trenker. Blasetti explicou: “Eu tinha acreditado no fascismo … o desejo de ordem me levou ao erro de optar por um regime ditatorial, que parecia o menor dos males. Descreví um momento da história italiana em Vecchia Guardia. Não se tratava de um elogio ao esquadrismo, à imposição da ditadura. O tom dos sentimentos era diverso, sem o som de fanfarra”.
Blasetti aceitou fazer Aldebaran / Aldebaran / 1935, um filme exaltando a Marinha italiana em tempo de paz, que assinala o encontro com dois atores fundamentais em sua filmografia: Gino Cervi e Elisa Cegani. No mesmo ano, nasceu o Centro Sperimentale di Cinematografia, onde Blasetti assumiu a cátedra de direção e roteiro por muitos anos, vendo desfilar entre seus alunos: Luigi Zampa, Domenico Paolella, Folco Quilicci, Giuseppe De Santis, Tonino Valerii, Pietro Ingrao e Pietro Germi.
Na noite de 26 de setembro de 1935 um incêndio destruiu os estúdios da Cines e pouco meses depois foi iniciada a construção da Cinecittà, cujos palcos mais amplos foram desenhados segundo a indicação e a necessidade de Blasetti, que ali realizaria os filmes mais espetaculares e de maior investimento financeiro da cinematografia italiana dos anos 30 e 40.
Em 1936, Blasetti começou a filmar Contessa di Parma, comédia de equívocos (entre uma modelo e um jogador de futebol), um exercício no gênero, que o próprio Blasetti chamou de “il film più cretino che avesse mai fato”. No ano seguinte, a Cinecittà foi inaugurada e começou a se afirmar no cinema italiano um profissionalismo de estúdio, cuja manifestação tornar-se-ia mais evidente nos filmes históricos e de época.
Em 1938, Blasetti realizou seu filme predileto, Ettore Fieramosca (do qual eu gosto muito) acolhendo o convite do regime para evidenciar os momentos mais gloriosos da história nacional através das façanhas do famoso condottiero, que serviam para estimular a unidade do povo italiano contra as potências estrangeiras. As qualidades figurativas do filme são evidentes: o afresco histórico é vigoroso e dramático, e parece citar continuamente os espaços, a perspectiva, os claros-escuros e a plasticidade das formas de certa pintura renascentista. Tal como em 1860, os exteriores em locação desempenham um papel surpreendentemente notável com momentos líricos eficazes como, por exemplo, a visita da nobre dama ao acampamento perto do mar ou a descida da tropa do castelo vista em plano longuíssimo; são espetaculares as cenas de batalha e as cavalgadas e muito bem coreografados os duelos, que evocam os filmes americanos de capa-e-espada.
No mesmo ano, Blasetti fez a primeira experiência italiana com um filme em cores, o documentário Caccia alla volpe nella campagna romana, no qual tinha a seu lado o grande fotografo inglês Jack Cardiff.
Em 1939, Blasetti rodou Retroscena, comédia que o diretor considerou “alimentar” e Romântico Aventureiro, filme de aventura exemplar com uma narrativa jocosa e uma elegância requintadíssima da mise-en-scène. Blasetti reconheceu com humildade o auxílio prestado por seus dois co-roteiristas e pelo dialoguista: “O sucesso de Salvator Rosa eu o devo fundamentalmente ao cérebro luminoso, ao gosto e à sensibilidade de Corrado Pavolini, à fantasia surpreendente do meu novo colaborador Renato Castellani e à já antiga colaboração do autor de Vecchia Guarda: Giuseppe Zucca”.
A ação do filme transcorre em Nápoles, após o fracasso da revolta de Masaniello, quando o peso da dominação espanhola torna-se cada vez mais insuportável. O pintor Salvator Rosa (Gino Cervi), conhecido e admirado pelos espanhóis, tem uma outra identidade, a de Formica, um herói do povo, tipo Robin Hood ou Zorro, que luta em favor dos oprimidos e trama contra os poderosos. O espetáculo tem um bom ritmo, uma ótima cenografia de Virgilio Marchi e dos figurinos de Gino Sensani, o todo bem integrado com imagens autênticas da paisagem e dos castelos napolitanos.
Em 1940, Blasetti começou a fazer o documentário Napoli e le terre d’oltro mare, interrompido por causa da guerra e jamais completado. Em 1941, surgiu A Coroa de Ferro, fábula simbólica com intenções pacifistas, que contrastavam com a entrada da Itália no conflito mundial. O filme, grandioso exemplo do sistema de produção nacional daqueles anos, foi premiado na IX Mostra de Cinema de Veneza. Blasetti recordou: “La Corona di Ferro dizia não à violência, dizia não à vingança, dizia não à contínua guerra entre as nações … Goebbels, em perfeita coerência com a sua fé e o seu credo político, comentou na minha frente: ‘Se um diretor alemão tivesse feito este filme na Alemanha, iria para o paredão’. E fez tudo para que o filme não fosse premiado”.
O filme é uma verdadeira colcha de retalhos de mitos e histórias populares e fantásticos (Lenda do Santo Graal, contos de Andersen, Edipo Rei e a tragédia grega, etc.), passada numa Idade Média nórdica tardia e confusa, criada com uma cenografia delirante de Virgilio Marchi, extrema mobilidade da câmera e um ritmo rápido da montagem. Nino Frank considerou-o “obra-prima do cinema barroco de ontem” e eu concordo com ele.
Ainda em 1941, Blasetti fez A Farsa Trágica, baseado na peça homônima de Sem Benelli e com roteiro de Blasetti e Renato Castellani, suscitando um grande clamor com a famosa cena de seio nú de Clara Calamai, fugazmente descoberto por Amedeo Nazzari. O filme é um melodrama sombrio e compacto, de tom truculento e erótico, incrivelmente ambíguo e sanguinário para a época. O enredo, em síntese, expõe o confronto entre o prepotente Neri (Amedeo Nazzari) e o ardiloso Giannetto (Osvaldo Valenti), e a maquinação deste último, que consegue zombar de seu temível inimigo roubando-lhe a sensual Ginevra (Clara Calamai), fazê-lo passar por louco, encarcerá-lo e, finalmente, atraí-lo para uma terrificante e engenhosa armadilha noturna, na qual, pensando ter matado o odioso rival, assassina seu próprio irmão. Tudo isto é contado pelo diretor com um senso eficaz de ritmo, um cuidado com a ambientação em interiores elegantes renascentistas de Florença e uma capacidade de retratar com força dramática esse turbilhão de paixões incontroladas e demoníacas.
Em 1942, deixando de lado alguns projetos como, por exemplo, I tre moschettieri e Francesca da Rimini, Blasetti inicia sua colaboração com Cesare Zavattini, fazendo – na minha opinião – o seu melhor filme, O Coração Manda. O cineasta dá uma guinada radical, abandonando o estilo grandiloquente e realizando um filme muitas vezes apontado como um precursor do neorrealismo. A distância do fascismo é nítida e irrevogável. No filme não há nenhum traço de compromisso político, não há nada de retórico ou heroico, mas é mostrada a realidade cotidiana de um personagem frustrado, deprimido pela desagregação social, pela perda dos valores humanos autênticos.
Paolo (Gino Cervi) vive uma existência monótona ao lado de uma esposa insuportável. Caixeiro-viajante, ele parte um dia para visitar seus clientes. No ônibus, conhece uma jovem, Maria (Adriana Benetti) cuja tristeza o comove. Grávida e abandonada por seu sedutor, ela não ousa voltar para a casa de seus pais. Atendendo às súplicas da moça, Paolo consente em se fazer passar pelo marido diante da família de rígidas idéias tradicionais. Após algumas dificuldades, Paolo obtém o perdão para Maria. Finda a comédia, ele retorna ao domicílio conjugal e reencontra a realidade banal.
José Lino Grunewald (Cinema Italiano, Cinemateca do MAM, 1960), depois de se referir à colaboração de Blasetti com Zavattini, comentou: “Daí, não seria propriamente estranho vislumbrar algumas feições da nova escola: uma narrativa simples, um jogo de situações inspirado no mais puro cotidiano, do qual Blasetti, numa direção segura e meticulosa, mas anti-rebuscada, conseguiu aquela difícil extração de um fluxo de singeleza, a partir de um acontecimento banal”.
Cada vez mais distante do fascismo depois da virada belicista, Blasetti se recusa a filmar o filme de propaganda Bir El-Gobi e realiza, em vez de, Instituto Grimaldi, baseado no romance de Alba De Cèspedes, autora que não estava na linha do regime. O filme mostra sete moças que saem de um pensionato e vivem o seu primeiro impacto com a realidade, ocorrendo muita desilusão. A respeito de sua ligação com o regime fascista Blasetti declarou: “Na verdade eu era um fascista convicto. Mas depois veio a guerra etiópica. Mussolini demonstrou com os fatos que preferia a guerra até então. E o meu posicionamento com relação ao regime mudou”.
Após o 8 de setembro, sentindo que estava nos planos de Mussolini transferir também a indústria cinematográfica para Salò, Blasetti se refugia, disfarçado de monsenhor, na Basilica di Sant’Angelo, sob a proteção de Don Mario Marchi, irmão do cenógrafo. Nos dois meses passados no convento, Blasetti escreve alguma poesia.
No momento da paralização geral do cinema, Blasetti organiza uma companhia teatral, da qual faziam parte Vittorio De Sica, Massimo Girotti, Roldano Lupi, Elisa Cegani, etc, e depois realiza Um Dia na Vida / Un Giorno nella Vita / 1946, no qual conta um episódio da luta partiagana, ganhando o premio Nastro d’argento de melhor direção, empatado com De Sica (por seu trabalho em Vítimas da Tormenta / Sciuscià).
Em 1947, Blasetti faz para a Universalia Film os documentários: La gemma orientale dei papi, Nel duomo di Milano e Castel Sant’Angelo e, em 1948, retorna ao filme de época, realizando um super-espetáculo, Fabiola, primeira co-produção franco-italiana no pós-guerra ambientada na Roma do século III com Michele Morgan. Henri Vidal e Michel Simon à frente do elenco.
Em 1950, Blasetti filma Sua Majestade, o Sr. Carloni, sátira aos costumes e ritos da pequena burguesia italiana, que assinala um novo encontro com Zavattini. O filme conquistou o Premio Internacional na XI Mostra de cinema de Veneza, ex aequo com Pânico nas Ruas / Panic in the Streets de Elia Kazan e Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes de Jean Delannoy, e três Nastri d’argento pela melhor direção, roteiro e interpretação masculina (Aldo Fabrizzi).
Nos anos seguintes Blasetti realiza: os documentários Quelli che soffrono per noi / 1951 e MIracolo a Ferrara / 1953; dois filmes contando várias histórias, Outros Tempos / 1951 e Nossos Tempos / Tempi Nostri / 1953 (primeiros exemplos de filme em episódios” na Itália); A Labareda / La Fiammata / 1952 (drama passado às vésperas da guerra franco-prussiana); duas comédias com a dupla Loren – Mastroianni, Bela e Canalha / 1954 e A Sorte de ser Mulher / 1955; Com o amor não se brinca / Amore e chiacchiere / 1957 (comédia de costumes, com roteiro de Zavattini, acusando o prazer e a vaidade de falar dos italianos); Europa de Noite / 1958 (inventando um novo gênero cinematográfico: um pot-pourri de variados espetáculos de cabaré filmados ao vivo e montados um após o outro sem solução de continuidade); Eu amo, tu amas … / Lo amo, tu ami… / 1961 (filme enquete sobre o modo de amar rodado em vários países); As Quatro Verdades / Le Quattro Verità / 1963 (Episódio A Lebre e a Tartaruga / La Lepre e la Tartaruga); O Sedutor Liolà / Liolà / 1963 (comédia baseada peça campestre de Luigi Pirandello); Eu, eu, eu … e os Outros / Io, io, io … e gli altri / 1966 (comédia analisando o egoísmo em vários episódios mas sempre com o mesmo personagem principal); Uma Noiva do Outro Mundo / La Ragazza del Bersagliere / 1967 (comédia fantástica) e Simon Bolivar, o Libertador / Simon Bolivar / 1969 (cinebiografia em co-produção ítalo-espanhola filmada na América do Sul). Neste período de sua carreira Blasetti participou, como ele mesmo, de Belíssima / Belissima / 1951 de Luchino Visconti, Uma Vida Difícil / Una Vita Difficile / 1961 de Dino Risi e Il Misterio di Cineccità / 1967 di Mario Ferrero, fez 12 filmes para a televisão e colaborou como diretor de 2ª unidade em A Grande Guerra / La Grande Guerra / 1959 de Mario Monicelli (direção das cenas de batalha), O Melhor dos Inimigos / I Due Nemici / 1964 de Guy Hamiton (direção das cenas de incêndio do lago) e A Bíblia / The Bible … in the begining / 1966 de John Huston (direção da batalha de Siddim).
Em 1982, na Quinquagésima Mostra de Cinema de Veneza, ganhou um Leão de Ouro por sua carreira que, por causa do seu estado de saúde, lhe foi entregue na sua residência por Fellini, Lizzani, Suso Cecchi d ‘Amico e Gian Luigi Rondi.
Blasetti faleceu em 3 de fevereiro de 1987. Ao seu funeral, celebrado na igreja de Santa Maria del Popolo, estava presente todo o cinema italiano.
O cinema brasileiro busca suas bases na história do cinema mundial. Nossa escola é formada por profissionais que estudam linguagem e formação do cinema europeu, especificamente o neorealismo italiano. Outras fontes asiáticas também trazem narrativas que complementam a nossa linguagem cinematográfica. Ótimo material encontrado neste site.
darcel andrade
http://www.uniescolascinema.blogspot.com
Obrigado Darcel. Minha intenção primordial neste blog é divulgar assuntos de cinema pouco abordados no Brasil. Falam muito dos neo-realistas, cuja importância é indiscutível, mas se esquecem dos estilistas visuais (ou calígrafos) como Blasetti e Soldati.
Sou fã do neorrealismo italiano e adorei esse blog.
Obrigado Clarissa. Espero que continue gostando do blog.Ele é feito para pessoas sensíveis e cultas como você.
Bom dia. Como poderia adquirir os seguintes filmes de Blasetti:
1) 1860;
2) A croa de ferro.
Muito grato.
Otávio
Olá, Otavio. Procure na Amazon,it (Amazon italiana).abs