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SERIADOS MUDOS AMERICANOS

O seriados estavam entre as primeiras tentativas de desenvolver narrativas mais longas e complexas e serviram como uma ponte útil entre o filme curto e o filme de longa-metragem. Por um período relativamente curto de 17 anos, de 1913 a 1930, eles cativaram o público da cena silenciosa, tanto o infantil quanto o adulto, preenchendo sua única finalidade: divertir as massas, oferecendo-lhes um puro escapismo.

Os serials nasceram da competição entre as empresas jornalísticas para aumentar as circulações de seus jornais e revistas.  What Happened to Mary? / 1912, considerado o precursor dos seriados, surgiu como resultado de um acordo entre a revista The Ladies’ World da McClure e a Edison Company, para a realização de um série de filmes de um rolo, que seriam lançados simultaneamente com a publicação de um grupo de histórias contendo os mesmos enredos. A capa da revista anunciava: “Cem dólares para você, se adivinhar o que aconteceu com Mary”. Estrelado por Mary Fuller, a série apresentava grande quantidade de ação física excitante nos seus 12 episódios de um rolo porém não havia a conexão necessária entre os segmentos, daí porque não pode ser classificada como serial mas sim como series.

As Aventuras de Catarina / The Adventures of Kathlyn / 1913, com Kathlyn Williams, este sim, é que pode ser considerado o primeiro seriado, com um fio narrativo continuando diretamente de um episódio para o seguinte, semana após semana, cada episódio terminando com um lance em que o mocinho ficava numa situação de perigo, do qual normalmente não conseguiria escapar (“cliff-hanger”), fazendo com que os espectadores aguardassem ansiosos o próximo capítulo. O jornal The Chicago Tribune fez o inverso da Ladies’ World: serializou no papel esta produção da Selig Polyscope, como meio de aumentar suas vendas. O filme não alcançou um êxito estrondoso mas o Chicago Tribune obteve um aumento de dez por cento na sua circulação em consequência dele.

Com os mesmos propósitos da McClure e do Chicago Tribune, William Randolph Hearst produziu, através dos irmãos Wharton, As Aventuras de Elaine / The Perils of Pauline / 1914 (com capítulos completos e não “cliff-hangers” devendo por isso ser classificado como série e não seriado), que foi estrelado por Pearl White, sendo distribuído pela Eclectic  da Pathé.

Charles Pathé havia começado a produção de filmes nos Estados Unidos em 1910,  primeiro em várias locações e depois nos estúdios em Jersey City perto de Bound Brook e Edendale, na California. Westerns e algumas comédias foram feitos em ambos os estúdios porém a companhia só conquistou uma posição segura no mercado americano com a aquisição da Eclectic e de seu sistema de distribuição nacional. A certa altura de sua existência, a Pathé passou a comprar seriados de companhias produtoras independentes ou subsidiar pequenas firmas, adiantando a quantia necessária para o início das produções, tudo sob o controle de qualidade do seu Comitê do Filme (Film Committee).

Entre suas primeiras fornecedoras de seriados estavam a Balboa e a Astra. Tecnicamente, o produto da Balboa, (fundada em 1913 em Long Beach, Califórnia por H. M. Horkheimer) era de boa qualidade porém no que dizia respeito aos valores de produção, histórias e aspecto dramático deixavam muito a desejar. A Balboa forneceu apenas quatro seriados para a Pathé. Uma produtora mais importante foi a Astra (formada em 1916 por Louis J. Gasnier, George B. Seitz, Edward Jose e George Fitzmaurice), que produziu dez seriados para a Pathé, ajudando-a a se firmar como líder na distribuição deste tipo de filme.

Entre os outros fornecedores da Pathé (Diando, Brunton e Western Photoplay) destacavam-se os imãos Wharton, Theodore e Leopold.  Sob vários nomes (Star Company, Feature Film Company, International Film Service e Wharton Inc.) eles produziram sete seriados, incluindo quatro com Pearl White e o famoso Patria / Patria / 1917 com Irene Castle, a parceira de dança  e irmã de Vernon Castle.

A entrada da Universal no campo do seriado foi ditada pela imediata aceitação pelo público de As Aventuras de Elaine mas se a Pathé tentava elevar o nível artístico de seus seriados, a companhia de Carl Laemmle não se preocupava com nenhuma forma de controle de qualidade. O primeiro seriado da Universal foi uma expansão de um western de dois rolos intitulado A Rapariga Misteriosa Lucille Love, Girl of Mystery / 1914 com Francis Ford e Grace Cunnard nos papéis principais, formando uma dupla que funcionaria em quatro chapter plays, dos quais o mais famoso foi A Moeda Quebrada / The Broken Coin / 1915.

A Vitagraph chegou a uma posição de proeminência atrás da Universal durante algum tempo. Seu primeiro seriado foi uma paródia da histórias de detetives em três episódios, intitulada The Fates and Flora Fourflush / 1915. A Vitagraph gastou tanto dinheiro com o próximo seriado da companhia, A Deusa The Goddess / 1915, anunciado como “a suprema realização no mundo dos seriados”, que se passaram dezoito meses antes que o seriado seguinte, The Scarlet Runner / 1916, pudesse ser exibido. Em 1917, Antonio Moreno e William Duncan tornaram-se os astros principais da companhia, levando muitos espectadores ao cinema. Duncan especializou-se em seriados passados em exteriores com um sabor de western e Moreno fazia seriados de mistério. As façanhas fílmicas desses dois astros mantiveram a Vitagraph no campo dos seriados até o final de 1921.

Entre as outras firmas que fizeram seriados (Thanhauser, American, Mutual, Lubin, Reliance), a Kalem foi a mais importante, tendo sido a produtora da série (porque continha capítulos completos e não “cliff-hangers”) mais longa (119 episódios de um rolo) e mais popular, Façanhas de Helen / The Hazards of Helen / 1914, cuja protagonista foi primeiramente interpretada por Helen Holmes e depois por Helen Gibson.

Um número representativo de seriados foram produzidos por pequenas companhias independentes (Great Western, Beacon, Burston, Hallmark, Canyon, etc.), das quais se destacavam três: Arrow, Rayart e a Mascot. A Arrow, formada pelos irmãos Shallenberger, logo alcançou uma posição de relevância. Os irmãos Shallenberger ingressaram no negócio cinematográfico com uma ativa participação na  Thanhouser Company, produtora do seriado de muito sucesso O Mistério de Um Milhão de Dólares / The Million Dollar Mystery / 1914. Os Shallenberger perceberam o valor financeiro de um seriado bem feito e fundaram a Arrow.

Enquanto estavam filiados à Thanhouser, o destino dos Shallenberger se misturou com o de W. Ray Johnston, um jovem que iria aumentar o valor dos seriados como uma forma de entretenimento e gerador de lucros. Quando a Thanhouser cessou suas atividades, Johnston se juntou aos irmãos Shallenberger na Arrow e logo se tornou vice-presidente da empresa. Em 1914, Johnston sentiu que sua experiência era suficiente para deixar a Arrow e fundar a sua própria companhia, Rayart, inaugurando seu programa de seriados com O Mistério de Ouro e Sangue / Battling Brewster / 1924.

O terceiro realizador independente de seriados foi Nat Levine, que fundou a Mascot Pictures Corporation em 1926. Os seriados da Mascot, embora realizados com poucos recursos, eram tecnicamente superiores aos das outras companhias. Eles davam primazia à ação em detrimento das intrigas e fizeram bom uso do talento de Yakima Cannutt, um criador audacioso de sequências perigosas e bem movimentadas.

Entre as firmas independentes existia ainda a Artclass dos irmãos Weiss, Max e Adolph. Estes não se preocupavam com a qualidade do seu produto e os três seriados que produziram no final dos anos vinte tinham histórias incrivelmente ruins, elenco pobre, diretores ineptos e seu tratamento cinematográfico  suscitou reações de incredulidade por parte dos verdadeiros fãs de seriados.

Situado muito acima de seus contemporâneos, George B. Seitz foi o decano dos diretores de seriados. Somente seu assistente, Spencer G. Bennet chegou a se aproximar dele em termos de habilidade com o megafone. Seitz foi também roteirista, ator, e confirmou seu talento atrás das câmeras com The Exploits of Elaine / 1914, que dirigiu juntamente com Louis J. Gasnier, continuando sozinho no comando nas continuações The New Exploits of Elaine e The Romance of Elaine. Estes três seriados foram estrelados por Pearl White e receberam o mesmo título em português: Os Mistérios de Nova York. Em 1916, Seitz fez excelentes seriados na Astra para a Pathé distribuir e, em 1919, formou sua própria companhia. Depois de dirigir  o último seriado de Pearl White, O Tesouro Oculto / Plunder / 1923 e mais alguns de Allene Ray, ele foi trabalhar como diretor de longas-metragens na  Paramount.

Spencer Gordon Bennet teve sua grande chance quando Seitz deixou de produzir seriados para a Pathé distribuir. Colaborando com Seitz durante anos, ele costumava estudar a montagem dos seriados do seu mestre, tornando-se um dos raros diretores que podia montar quase todo o seu filme com a câmera – poupando tempo, esforço, película e dinheiro. A capacidade de Bennet ficou mais do que comprovada em O Fantasma Verde / The Green Archer / 1925, o melhor seriado – baseado numa história de Edgar Wallace e com Allene Ray no papel principal – que ele fez.

Os diretores que exerciam suas funções na Universal tinham várias desvantagens, como a de trabalhar com histórias fracas e poucos recursos, porém o canadense Robert F. Hill sempre conseguiu extrair o máximo do mínimo, realizando os melhores seriados da companhia. Ele começou sua carreira nos serials com O Mistério do Radium / The Great Radium Mystery / 1919, estrelado por Cleo Madison e entre os seus sucessos estão As Aventuras de Tarzan / The Adventures of Tarzan / 1921 com Elmo Lincoln e Louise Lorraine (produzido pela Great Western e distribuído pela Numa Films dos irmãos Weiss) e  O Rei dos Detetives / Blake of Scotland Ward / 1927 com Hayden Stevenson e Gloria Grey, este último um dos mais rentáveis da Universal.

Dentre os diretores que filmavam seriados rápidamente e com baixo orçamento durante os anos 20, um dos melhores foi W.S. Van Dyke, oficialmente conhecido como Woodbridge Strong Van Dyke II, apelidado de “Woody” ou Van. Van, órfão de pai no dia seguinte do seu nascimento, “Woody” e a mãe trabalhavam como atores numa companhia teatral quando um amigo, Walter Long, lhe arranjou um emprego de figurante em Intolerância / Intolerance / 1916 de David Wark Griffith. Passando a maior parte do seu tempo livre observando Griffith dirigir, “Woody” decidiu que o seu futuro estava no cinema.  Após adquirir experiência, dirigindo  Jack Dempsey em  Vivo ou Morto / Daredevil Jack / 1920 e King Baggot em O Homem de Ferro / The Hawk’s Trail / 1920 , “Woody” firmou sua reputação conduzindo (juntamente com Fred Jackman) Ruth Roland em A Águia Branca / White Eagle / 1922, um seriado produzido pela companhia da própria Ruth (Ruth Roland Serials) e supervisionado por Hal Roach.

Outro diretor dos seriados de ação, Francis Ford, estreou em  A Rapariga Misteriosa, no qual atuou também como ator ao lado de Grace Cunnard, com quem se casaria em 1913. Os dois formaram uma dupla em quatro seriados que estiveram sempre na lista dos melhores dos primeiros tempos deste tipo de filme. Ford dirigiu onze seriados durante a sua carreira e interpretou facilmente tanto heróis quanto vilões. O seu melhor seriado sem Grace Cunnard foi O Silêncio Misterioso / The Silent Mystery / 1918. No período sonoro, até sua morte em 1953, Francis dependeu de seu irmão John para obter alguns papéis como coadjuvante.

A contribuição de Henry McRae para os seriados da Universal não foi tão expressiva quanto a do seu conterrâneo Robert F. Hill mas ele teve o mérito de ajudar a abrir as portas para os filmes em episódio falados com a realização de Índios do Oeste / The Indians are Coming / 1930. Trabalhando arduamente com os técnicos de som e solucionando ele próprio muitos problemas, McRae realizou o primeiro seriado-western falado que, estrelado por Tim McCoy e Allene Ray e baseado na história de William F. Cody, “The Great West That Was”, custou 160 mil dólares e deu ao estúdio um lucro de quase 1 milhão de dólares, tendo sido o primeiro filme dessa espécie a estrear em primeiro lançamento no gigantesco e luxuoso Cinema Roxy de Nova York. Will Hays escreveu para Laemmle: “Toda a indústria cinematográfica tem uma dívida de gratidão para com The Indians are Coming. Este filme trouxe vinte milhões de crianças de volta para os cinemas”.

Além desses diretores de seriados em destaque houve muitos outros, entre os quais os mais produtivos foram: J. P. McGowan, Jacques Jaccard,  William Duncan, Ray Taylor, Paul C. Hurst, Stuart Paton, Richard Thorpe, Jay Marchant, Duke Worne e James W. Horne.

Os principais mocinhos (ou “daredevils” ) dos seriados mudos foram: Charles Hutchinson, Eddie Polo, William Duncan, William Desmond e Joe Bonomo.

Charles Hutchinson tinha um sorriso cativante, capacidade atlética e era um exímio motociclista, anunciado como “The Thrill-A-Minute Stunt King”. Essas qualidades foram demonstradas em seriados como A Dupla Aventura / Double Adventure / 1921 e A Mantilha Prateada / Hurricane Hutch / 1921 dirigidos respectivamente por W.S. Van Dyke e George B. Seitz.

O acrobata de circo Eddie Polo (Edward W. Wyman), de origem austríaca, começou sua carreira cinematográfica como coadjuvante em A Moeda Quebrada / The Broken Coin e fez poucos seriados; mas sua popularidade foi insuperável enquanto esteve em atividade. Baixo e moreno, Eddie conquistou o público, por exemplo, em: O Fantasma Pardo / The Gray Ghost / 1917 de Stuart Paton, Sedução do Circo / Lure of the Circus / 1918, O Rei do Circo / King of the Circus / 1920 e O Sinete de Satanás / Do or Die / 1921, dirigidos por J. P. Mc Gowan, ficando conhecido como “Hercules of the Screen”. Aquí no Brasil seu prestígio era imenso: os fãs referiam-se a ele como Rolleaux, nome do seu personagem em A Moeda Quebrada, que estava sempre ajudando a heroína a se livrar de alguma dificuldade.

William Duncan, além de diretor, foi também ator. Escocês robusto e de cabelos pretos, ele estreou em O Rastro Sangrento / The Fighting Trail / 1917, e logo no seu segundo seriado, A Vingança e a Mulher / Vengeance and the Women / 1917, atingiu o topo da lista dos grandes mocinhos. A maioria dos seriados foram filmados em locação nas montanhas e ele nunca precisou de dublês.

Irlandês, com um rosto sério e sobrancelhas cerradas, que lhe aumentavam a aparência viril, William Desmond iniciou sua carreira nos seriados em Os Perigos do Yukon / Perils of the Yukon / 1922 mas nesta sua primeira aparição ele se machucou seriamente ao fazer uma cena arriscada e, daí em diante, sempre precisou ser dublado pelos stuntmen. Em 1925, Desmond era o principal mocinho da Universal, distinguindo-se em seriados como O Ás de Espadas / Ace of Spades / 1925 e Tentáculos de Aço / Strings of Steel / 1926, ambos sob direção de Henry McRae.

Joe Bonomo foi um dos raros dublês de cenas arriscadas que se tornou um astro dos seriados. Quando ainda era menino, Joe não se conformava com seu corpo magro e frágil e decidiu se submeter a um  programa de exercícios árduos, que o transformou num excelente atleta, dotado de um físico  muito bem desenvolvido. Em 1921, ele passou à frente de muitos rapazes num concurso intitulado “Modern Apollo”, ganhando  mil dólares de premio e um contrato para o cinema. Bonomo começou como stuntmen e coadjuvante de vários seriados, recebendo a cada dia mais cartas dos fãs, notadamente depois de ter feito O Sansão do Circo / The Great Circus Mystery / 1925, dirigido por Jay Marchant. Este seriado foi um tremendo sucesso, sendo logo seguido por Perigos das Florestas / Perils of the Wild / 1925, adaptação de The Swiss Family Robinson, dirigido por Francis Ford. Depois de outros trabalhos, Bonomo foi escolhido para ser o Tarzan no seriado da Universal de 1928, porém quebrou a perna e foi substituído por Frank Merrill. Bonomo ficou famoso por seu saltos fantásticos através de grandes distâncias, suas incríveis execuções de transferência de um veículo em movimento para outro, e a sua capacidade de segurar um homem sobre sua cabeça com uma das  mãos enquanto lutava contra outros agressores. Por curiosidade, foi Bonomo quem dublou Lon Chaney em O Corcunda de Notre Dame / The Hunchback of Notre Dame / 1923 e, vestido de gorila, assustou as pessoas em Assassínios na Rua Morgue / Murders in the Rue Morgue / 1932.

Além desses mocinhos em destaque houve outros, entre os quais os mais assíduos nos seriados foram: Ben Wilson, Walter Miller, Jack Daugherty, Elmo Lincoln, Art Acord, Cullen Landis e Antonio Moreno.

As principais heroínas dos seriados mudos foram: Pearl White, Ruth Roland, Helen Holmes, Allene Ray, Louise Lorraine, Ethlyne Clair, Eileen Sedgwick.

As Aventuras de Elaine tornou Pearl White famosa internacionalmente e continua sendo o seriado sobre o qual todo mundo ouviu falar. Ela foi a campeã de bilheteria da Pathé no campo dos seriados e ninguém a ultrapassou em termos de popularidade. Pearl fez mais nove seriados entre 1914-1919 (destaque para O Correio de Washington / Pearl of the Army / 1916, O Enigma da Máscara ou A Garra de Ferro / The Iron Claw / 1916 ,  A Jóia Fatal / The Fatal Ring / 1917, A Casa do Ódio / The House of Hate / 1918), antes de se transferir para a Fox,  a fim de participar de longas-metragens. Todos os seus seriados deram um lucro imenso porém Pearl pensou que poderia obter o mesmo sucesso em papéis dramáticos. Foi um erro grave. O drama não era o seu forte e os filmes da Fox na sua maioria foram um fracasso. Após uma viagem ao exterior e uma semi-aposentadoria, ela retornou à Pathé para fazer O Tesouro Oculto, seu último e memorável seriado.

Ruth Roland, a segunda rainha do seriado da Pathé (“Queen of the Trhriller Serials”), era dublada em todas as cenas que envolviam risco ou sofrimento. Robert Rose, um ex-cowboy franzino, foi um perfeito substituto para Ruth. Usando uma peruca, ele conseguia se fazer passar por ela até mesmo nos planos mais próximos. Como atriz, Ruth compunha bem os tipos que interpretava, e melhor do que as sua colegas dos seriados, sabia transmitir fortes emoções no meio das  situações mais excitantes. Aparentemente destemida e atlética, ela conseguia ao mesmo tempo manter o seu encanto feminino, apesar de aparecer invariavelmente com trajes de montaria, calças e botas.  Entre seus melhores seriados estavam: Cavaleiro Fantasma / Hands Up / 1918, O Rastro do Tigre / The Tiger’s Trail / 1919, As Aventuras de Ruth / The Adventures of Ruth / 1919) e a Flecha Vingadora / The Avenging Arrow / 1921.

A maior rival de Pearl White e Ruth Roland era uma jovem de Indiana chamada Helen Holmes. Ela ganhou fama como estrela do seriado mais longo de todos, Façanhas de Helen, explorando suas qualidades atléticas e sua paixão pelas estradas-de-ferro. Sua especialidade era perseguir os vilões pelo topo dos vagões  e pular para um cavalo ou automóvel ou de um cavalo ou automóvel para um trem ambos em movimento. Depois de filmar 48 capítulos de Façanhas, Helen e seu marido- diretor, J. P. McGowan, transferiram-se da Kalem para a Universal, onde ficaram apenas algumas semanas antes de sucumbirem aos apelos de Samuel S. Hitchinson da Mutual, que formou a Signal Film Corporation para produzir os seriados da atriz. O primeiro seriado de Helen na Signal, Mulher Audaciosa The Girl and the Game / 1915, foi um grande sucesso, seguindo-se Lass of the Lumberlands / 1916, The Lost Express / 1917 e The Railroad Raiders / 1917, cada qual contando uma historia sobre ferrovia mais popular do que o anterior.

Nos meados dos anos vinte surgiu Allene Ray. Esta bela loura de olhos cor-de-mel era extremamente séria com relação ao seu trabalho mas muito introvertida. Por causa de sua natureza calma, ela tinha dificuldade em expressar o medo, quando colocada numa situação perigosa, um grave defeito para uma serial queen; porém, como excelente atleta, nunca se recusou a fazer uma cena fisicamente difícil.  Em 1924, Allene estrelou quatro seriados e sua reputação foi aumentando aos poucos. Mas ela realmente deslanchou, quando formou uma dupla muito bem sucedida com Walter Miller em 10 seriados (sendo 8 consecutivos) entre os quais sobressaíram: O Fantasma Verde / The Green Archer / 1925, As Dobras de Prata / Sunken River / 1925,  No Deserto da Neve / Snowed In / 1926 e O Terrível Bandoleiro / Hawk of the Hills / 1927.

Umas das atrações mais sólidas da Universal nas bilheterias no início dos anos 20, Louise Fortune quase não conseguiu penetrar no mundo do cinema. Quando foi convidada para trabalhar em Hollywood, sua mãe foi contra. Porém, após algum tempo, ela obteve o consentimento de sua progenitora e começou como figurante nos filmes de Clara Kimball Young, passando depois para as comédias de dois rolos da Century. Louise recebeu um grande impulso e também um novo nome, quando substituiu Grace Cunnard em Elmo, o Destemido / Elmo, the Fearless / 1920, um seriado da Great Western, distribuido pela Universal. Depois de fazer Elmo, o Poderoso / Elmo the Mighty, Grace estava escalada para contracenar novamente com Elmo Lincoln mas não pôde fazer o seriado por motivo de saúde e Louise entrou no seu lugar. O êxito de Louise nesse papel a levou a um contrato com a Universal como heroína de seriado, aparecendo também em muitos westerns de dois rolos da companhia. Em Elmo, o Destemido Louise Fortune tornou-se Louise Lorraine. Seus seriados mais expressivos podem ser citados: As Aventuras de Tarzan / The Adventures of Tarzan / 1921 com Elmo Lincoln e O Sansão do Circo com Joe Bonomo.

A bela e extrovertida Ethlyne Claire, vencedora de um concurso de beleza em Atlanta, Georgia, iniciou sua carreira em Hollywood numa série de comédias chamada The Newlyweds and Their Baby. Depois de fazer na Universal seu primeiro seriado, O Cavaleiro Invisível / The Vanishing Rider / 1928, ela foi contratada pela Pathé, onde estrelou, com Walter Miller, O Lobo Sinistro / Queen of the Northwoods. Repleto de ação e suspense, este thriller muito bem construído utilizou um dos vilões mais misteriosos que chegou os seriados nos anos vinte. Ele aparecia quase sempre disfarçado (sob uma cabeça de lobo) no papel do Wolf-Devil. Dominando com um poder quase sobrenatural uma alcatéia de lobos, ele aterrorizava toda a região do Noroeste. Embora dublada nas cenas mais arriscadas, Ethlyne impressionou bem o público com o seu desempenho, demonstrando que tinha uma carreira promissora. Entretanto, a Pathé estava no processo de abandonar a produção de seriados, e Ethlyne não encontrou mais emprego neste campo. Ela obteve certa popularidade contracenando com alguns astros-cowboys como Hoot Gibson mas suas aparições nos serials, embora breve, foi marcante.

Pertencente a uma família de atores, que se apresentava como The Five Sedgwicks, Eileen Sedgwick trabalhou nos teatros de vaudeville através do país com seus pais, o irmão Edward e a irmã gêmea, Josie. Ed Sedgwick foi o primeiro a entrar para o cinema, trabalhando como cômico; posteriormente tornar-se-ia um diretor de seriados para a Universal (vg. Fantomas / Fantomas / 1920). A grande chance de Eileen surgiu em 1918, quando substituiu Molly Malone em Sedução do Circo, o segundo seriado estrelado por Eddie Polo. Este foi o primeiro dos seus doze seriados e ela logo se tornou a heroína principal da Universal no lugar de Marie Walcamp, que se aposentara em 1920. Eileen manteve-se ocupada durante os próximos doze anos, aparecendo em inúmeros westerns curtos, realizados entre os seriados nos quais participou. Exímia cavaleira, ela assemelhava-se a Ruth Roland no que dizia respeito à interpretação mas a Universal não tinha intenção de fazer dela uma estrela do mesmo calibre. Sua melhor aparição foi em O Cavaleiro das Sombras / The Riddle Rider / 1924) ao lado de William Desmond e Helen Holmes. Sua irmã Josie também participou de seriados como Vivo ou MortoDaredevil Jack / 1920  com o  pugilista Jack Dempsey no papel principal.

Aliás, outros campeões mundiais de boxe  integraram o elenco de seriados: James J. Corbet em O Homem da Meia-Noite / The Midnight Man / 1919 e Gene Tunney em Punhos de Aço / The Fighting Marine / 1926.  O mágico  húngaro Harry Houdini também atuou como ator em O Homem de Aço / The Master Mystery / 1919 mas o público teve dificuldade em aceitar um  ridículo autômato como um sério vilão. Segundo consta, um produtor independente tentou em vão contratar os astros do basebol, Babe Ruth e Lou Gehrig para estrelar em dois seriados.

Neva Gerber (Obs. no anúncio do filme no Brasil sai o nome da atriz errado), uma garota linda da alta sociedade de Chicago, formou com Ben Wilson uma dupla de muito sucesso. Eles fizeram juntos nove seriados excitantes preenchendo o vazio criado pelo fim dos quatro chapter plays protagonizados por outra dupla, Francis Ford e Grace Cunnard. Os seriados de  Neva-Ben eram muito movimentados e continham uma mistura de mistério e violência. Vale a pena mencioná-los todos: O Navio Fantasma / The Mystery Ship / 1917, O Telefone da Morte / The Voice on the Wire / 1917, O Rastro do Polvo / Trail of the Octopus / 1919, As Quatro Virgens Marcadas / The Branded Four / 1920, O Grito da Sombra / The Screaming Shadow / 1920, A Pérola Misteriosa / The Mysterious Pearl / 1921, A Caixa dos Mistérios / The Mystery Box / 1925, O Deus da Energia / The Power God / 1925 e  O Oficial 444 / Officer 444 / 1926.

Além dessas heroínas em destaque houve outras, entre as quais as mais assíduas nos seriados foram: Grace Cunnard, Marie Walcamp, Juanita Hansen, Marguerite Courtot, Mollie King, Cleo Madison , Edna Murphy e Ann Little.

Em 1929, começaram a surgir seriados feitos em duas versões, muda e sonora, esta com um score musical sincronizado e diálogo. Os dois primeiros foram O Às da Polícia Londrina / The Ace of Scotland Yard / 1929 e O Uivar das Feras ou O Rei do Congo / King of the Kongo / 1929. O último seriado silencioso foi O Livro Negro / The Black Book, lançado em 21 de julho de 1929.

Ao terminar este artigo, devo esclarecer que eu não ví nenhum seriado mudo na sua íntegra mas apenas condensações ou trechos de alguns episódios, que foram oferecidos pela Grapevine ou pela Serial Squadron pois, contra a minha vontade, não nascí no tempo do cinema silencioso. A maioria das informações contidas no meu texto foram extraídas dos livros Continued Next Week – A History of the Motion Picture Serial (University of Oklahoma, 1964) e Bound and Gagged – The Story of the Silent Serials (Castle Books, 1968) de autoria de Kalton C. Lahue, o maior especialista no assunto e também da esplêndida e abrangente filmografia de Buck Rainey, Serials and Series – A World Filmography (McFarland, 1999).

ALESSANDRO BLASETTI

Nino Frank no seu livro “Cinema dell’Arte (Editions d’Aujourd’hi, 1982) caracterizou Alessandro Blasetti com precisão: “Extraordinário compositor e orquestrador de imagens, pintor sobre a película”. Além de ser um grande estilista visual, ele era um artesão muito competente, que abordava os temas mais variados, conduzido por um  notável instinto cinematográfico.

Blasetti nasceu em Roma no dia 3 de julho de 1900, filho de Giulio Cesare, musicista e professor de obóe e corne inglês e de Augusta Lulani pertencente a uma família de advogados. Em 1913, no colégio Rosi  dos padres Somaschi em Spello, onde completou o curso primário, ele assistiu à projeção do Quo Vadis? de Guazzoni, apaixonando-se pelo cinema. Finda a Primeira Guerra Mundial, na qual se alistou como voluntário, Alessandro teve o primeiro contato com um estúdio cinematográfico, participando como figurante de um filme de Mario Caserini; de um drama histórico, I Borgia, de Luigi Caramba; e de um filme de Lucio D’Ambra. Em 1920, sujeitando-se à tradição da família materna, matriculou-se na Faculdade de Direito, onde se formou em 1924 porém declarando que não iria exercer a advocacia.

Após o final do conflito 1914-1918, o cinema italiano entrou numa crise financeira e criativa profunda, por causa principalmente da incapacidade de renovar os velhos esquemas dramatúrgicos e de enfrentar eficazmente a concorrência estrangeira, principalmente hollywoodiana. Para tentar remediar esta grave situação foi fundada em 1919 a U.C.I. (Unione Cinematografica Italiana) que, entretanto, faliu quatro anos depois, frustrando-se o sonho de restituir o cinema italiano ao fausto de antes da guerra.

Durante os anos 30, a produção cinematográfica permaneceu no seu conjunto qualitativamente bem modesta e economicamente deficitária; o regime fascista por um momento não interveio de modo significativo, mas começou a considerar o meio audiovisual como instrumento de propaganda: em 1924 foi formado o Instituto LUCE com o objetivo de produzir cinejornais e documentários de sustento da ideologia e política governamentais.

Depois da metade dos anos 20, um grupo de jovens intelectuais e artistas fascistas – que incluía Alessandro Blasetti, Umberto Barbaro, Aldo Vergano, Francesco Pasinetti, A. G. Bragaglia, etc. – projetou, nas páginas de vários jornais e revistas, os lineamentos de um cinema “moderno” que pudesse sustentar a concorrência das produções estrangeiras. Alessandro Blasetti foi o mais ativo e ousado desses “agitadores”, empenhados na batalha pelo “renascimento” do cinema italiano. Em 1923, Blasetti exerceu a crítica cinematográfica no jornal “L’Impero”; entre 1926 e 1927 fundou e dirigiu a revista “Lo Schermo”, depois transformada em Cinematografo, publicada concomitantemente com Lo Spettacolo d ‘Italia.

Nas páginas desses dois periódicos foi lançada uma subscrição para financiar a Sociedade Anônima Augustus, constituída no ano consecutivo. O primeiro filme da Augustus, Sole /1929, dirigido por Blasetti e com roteiro dele e de Aldo Vergano, pondo em prática as idéias expressas nas revistas, foi um grande sucesso de crítica, tendo sido considerado como exemplo concreto do cinema “de qualidade” italiano.

Esta obra, produzida graças a uma iniciativa cooperativista, abordava um tema da atualidade (o saneamento de uma zona pantanosa no Agro Pontino pelo governo fascista), foi inteiramente rodada em ambientes naturais e utilizava atores não profissionais. Hoje restam apenas alguns fragmentos do primeiro filme de Blasetti  porém, segundo os que puderam vê-los, neles se percebe um uso sábio e original da paisagem como um verdadeiro protagonista, que interage com os outros personagens. Entretanto, o público não respondeu com o mesmo entusiasmo ao filme Sole e a Augustus, com dificuldades econômicas, entrou em liquidação.

No início dos anos 30, o advento do cinema sonoro trouxe novos problemas econômicos, técnicos e expressivos, que foram enfrentados com eficácia sobretudo pela companhia produtora Cines, dirigida primeiramente por Stefano Pittaluga e depois por Emilio Cecchi, conhecido literato, que tentou elevar o nível cultural do mercado, chamando para perto de si artistas, intelectuais e professionais, entre os quais figurava também Blasetti. Este realizou, no decorrer de mais de vinte anos – inicialmente com a Cines e depois com outras produtoras -, muitos documentários e filmes de ficção, aventurando-se em diversos gêneros cinematográficos: afrescos históricos imponentes, comédias sentimentais e sofisticadas, dramas contemporâneos, obras empenhadas politicamente, etc., impondo-se como um dos mais respeitados cineastas italianos.

Dos 44 filmes (incluindo filmes de ficção e documentários) que Blasetti realizou entre 1929 e 1969, eu ví 18: Terra Mater /Terra Madre / 1931, Ressurrectio / 1931, 1860 / 1934, Vecchia Guarda / 1934, Contessa di Parma / 1937, Ettore Fieramosca / Ettore Fieramosca / 1938, Retroscena / 1939, Romântico Aventureiro / Un’Avventura di Salvator Rosa / 1939, A Coroa de Ferro / La Corona di Ferro / 1941, A Farsa Trágica / La Cena delle Beffe / 1942, O Coração Manda / Quatri Passi Fra la Nuvole / 1942,  Instituto Grimaldi / Nessuno torna Indietro / 1945, Um Dia na Vida / Un Giorno nella Vita / 1946, Fabiola / Fabiola / 1950, Sua Majestade, o Sr. Carloni / Prima Comunione / 1950, Outros Tempos / Altri Tempi / 1952, A Bela e Canalha / Peccato che sia una Canaglia / 1954, A Sorte de ser Mulher / La Fortuna di essere Donna / 1955 e Europa de Noite / Europa di Notte / 1959. Entre eles estão os melhores filmes do diretor e os meus preferidos: 1860, Ettore Fieramosca, Uma Romântica Aventura, A Coroa de Ferro, A Farsa Trágica e O Coração Manda.


Pittaluga convidou Blasetti para fazer quatro documentários porém o diretor lhe propôs realizar um longa-metragem, e assim nasceu Resurrectio, o primeiro filme falado italiano embora tivesse sido precedido nos cinemas pelo filme de Gennaro Righelli, La canzone  dell’amore, pois somente foi exibido em 1931. Na trama, um maestro está prestes a se suicidar por causa de uma paixão infeliz mas é salvo pelo encontro fortuito com uma doce mocinha. O seu “retorno” à vida ocorrerá por ocasião de um concerto, durante o qual irrompe um temporal violento, que provoca pânico no Conservatório. Como observou Gian Piero Brunetta em Il Cinema Italiano di Regime (Laterza,2009), com este filme Blasetti quís mostrar o sentimento de pânico social, de perda de controle e de poder que se apossou da burguesia  – simbolizada pelo referido vendaval – e a necessidade de restabelecer a ordem graças à intervenção decidida e decisiva de um só indivíduo. O maestro, neste caso. Graças à sua capacidade de controlar a situação, continuando a reger a orquestra, a calma se restabelece.

Para Pitaluga, Blasetti fez ainda Nerone /1930, a única documentação visual do grande ator Ettore Petrolini, mostrando trechos de alguns de seus espetáculos, evitando ao máximo o teatro filmado e Terra Mater Terra Madre / 1931, o segundo filme no filão ruralista caro à política do fascismo, inaugurado em Sole. O tema agora é “a volta à terra” e, para defender a causa de tal “retorno”, Blasetti construiu a obra sob a fundamental oposição entre a vida citadina corrompida e a vida rural “sã”.

Um nobre romano, quase na miséria por causa de uma vida falsa e estúpida na cidade, encontra na terra de seus antepassados, na terra que o viu nascer, uma razão melhor para viver, ajudando os camponeses.

Na sua luta teórica em favor do cinema italiano,  Blasetti constituiu em Roma o Grupo Central de Cultura Cinematográfica, que solicitou ao governo uma Escola Nacional de Cinema. Pouco depois, ele colaborou com a Commissione per l’instituzione dela Prima Scuola di Cinematografia, nascida sob o patrocínio do Ministério de Educação Nacional, na qual lecionou. Entre seus alunos: Maria Denis, Andrea Checchi, Otello Toso, Luigi Zampa.

Em 1932, Blasetti  fez Palio, baseado em alguns contos de Luigi Bonelli e dois filmes para Cecchi: La Tavola di poveri, baseado numa peça em um ato de Raffaele Viviani e o documentário em curta-metragem, Assisi. A respeito de Palio, disse Blasetti: “Lembro-me com prazer de algumas sequências inspiradas na maravilhosa cidade de Siena e na sua festa épica e bizarra, sobretudo porque foi então que comecei a perceber o prazer musical do ritmo na sequência”. Ele manifesta seu gosto pelos belos enquadramentos, pelos figurinos, sua complacência com o efeito decorativo, em suma, pelos  elementos que usará nos seus filmes históricos. La Tavola di poveri foi um dos pouquíssimos filmes interpretados por Raffaele Viviani, um dos maiores intérpretes da tradição cômica napolitana do novecento.

Escrito por Viviani e adaptado para a tela com a colaboração de Mario Soldati,  a história, cheia de paradoxos e de ironia, gira em torno de um marquês  arruinado. Por um equívoco, o dinheiro acumulado – durante anos pedindo esmola – que um mendigo deu para o marquês, vem a ser considerado como uma doação ao Comitê de Beneficência dos Pobres, presidido pelo nobre. Ninguém sabe da indigência do marquês que, para manter a sua dignidade, deixa os outros pobres convencidos de que a quantia é naturalmente do seu próprio bolso.

Depois de Il caso Haller / 1933, versão italiana de Der Andere / 1930 de Robert Wiene, (em cuja intriga um procurador, conhecido por sua rigidez e intransigência, se transforma à noite em um ladrão e rufião), estrelado por Marta Abba (a companheira de Pirandello), Blasetti filmou no mesmo ano na Sicília, 1860, a primeira de suas obras-primas.

O filme conta a história da unificação da Itália sob o ponto de vista pessoal de um montanhês siciliano patriota, Carmelo (Giuseppe Gulino), que cumpre a missão de chegar ao quartel-geral de Garibaldi e pedir sua ajuda para libertar a Sicília dos ocupantes Bourbons Espanhóis e alemães mercenários. No caminho, ele encontra vários personagens italianos representando dialetos e pontos de vista com relação ao clima político em ebulição. Não se trata de um filme sobre Garibaldi, nós quase não o vemos durante o desenrolar da narrativa; para Blasetti, o Risorgimento tinha mais a ver com as pessoas comuns que, apesar das diferenças culturais, juntaram suas forças.

Anos mais tarde, o cineasta recordaria: “O objetivo de 1860 era exortar os italianos muito pouco unidos a se conhecerem e a se amarem. E a coisa que me faz mais orgulhoso do filme foi ter reunido o parmesão que fala com o toscano, com o romano, com o siciliano. Foi ter juntado todos esses dialetos,  sustentado que éramos todos italianos e que nos batíamos pelo mesmos ideais”.

Blasetti retrata a epopéia garibaldina num estilo seco mas pictoricamente belo, manifestando uma técnica apurada  na utilização da paisagem em forte chave simbólica, na busca de enquadramentos requintados expressivamente funcionais, na eficácia da montagem, na construção dramática hábil da trama espetacular, elementos que concorreram para criar uma obra fundamental na história do cinema italiano. As cenas finais da batalha de Calatafimi em contraponto com a imagem da jovem esposa de Carmelo, que acompanha os combates do alto de uma colina e tenta reconhecer seu marido entre os soldados, são inesquecíveis.

Bastante apreciado pela crítica da época, considerado depois da guerra uma das origens do neorrealismo (pela utilização de atores não-profissionais e pelo tom realista), o filme foi objeto de uma polêmica levantada pela sua consonância com a propaganda do regime fascista (na exaltação do “fascismo perene” implícito  dos heróis nacionais da antiga Roma do Risorgimento). Parece que os sinais mais evidentes de propaganda apareciam nos cinco minutos que estavam na edição original do filme e foram extirpados numa nova edição em 1951, exibida com o titulo de I Mille de Garibaldi.

Em 1934, os lucros relativamente modestos de 1860, compeliram Blasetti a realizar L’Impiegata di papá, versão italiana do filme alemão Heimkehr ins Glück / 1933, de Carl Boese (em cujo enredo a filha de um banqueiro emprega-se no banco do pai, escondendo dos colegas sua verdadeira identidade), rodado em 14 dias e, como Il caso Haller, hoje considerado como perdido. Em 22 de abril desse mesmo ano, Blasetti encena 18BL Spettacolo di Masse, espetáculo de proporções colossais, para celebrar os Littoriali della cultura e dell’arte (competição cultural da época do fascismo). Ele voltaria à direção teatral nos anos de 1945 a 1952, levando aos palcos peças de J.B. Priestley, Pirandello, Robert Sherwood, Ugo Betti, Alfred De Musset e Prosper Merimée.

Quando foi criada a Direzone Generale dela Cinematografia em 1935, considerada a primeira intervenção direta verdadeira do estado fascista no cinema italiano, Blasetti filmava Vecchia Guarda que, embora celebrando os tempos heróicos do fascismo (o filme terminava com a marcha sobre Roma)  não agradou ao regime. Iniciou-se então um período de tensão, no qual o diretor recusou uma série de projetos como Scipione l’Africano, dirigido depois por Carmine Gallone e Condottieri, realizado por Luis Trenker. Blasetti explicou: “Eu tinha acreditado no fascismo … o desejo de ordem me levou ao erro de optar por um regime ditatorial, que parecia o menor dos males. Descreví um momento da história italiana em Vecchia Guardia. Não se tratava de um elogio ao esquadrismo, à imposição da ditadura. O tom dos sentimentos era diverso, sem o som de fanfarra”.

Blasetti aceitou fazer Aldebaran / Aldebaran / 1935, um filme exaltando a Marinha italiana em tempo de paz, que assinala o encontro com dois atores fundamentais em sua filmografia: Gino Cervi e Elisa Cegani. No mesmo ano, nasceu o Centro Sperimentale di Cinematografia, onde Blasetti assumiu a cátedra de direção e roteiro por muitos anos, vendo desfilar entre seus alunos: Luigi Zampa, Domenico Paolella, Folco Quilicci, Giuseppe De Santis, Tonino Valerii, Pietro Ingrao e Pietro Germi.

Na noite de 26 de setembro de 1935 um incêndio destruiu os estúdios da Cines e pouco meses depois foi iniciada a construção da Cinecittà, cujos palcos mais amplos foram desenhados segundo a indicação e a necessidade de Blasetti, que ali realizaria os filmes mais espetaculares e de maior investimento financeiro da cinematografia italiana dos anos 30 e 40.

Em 1936, Blasetti começou a filmar Contessa di Parma, comédia de equívocos (entre uma modelo e um jogador de futebol), um exercício no gênero, que o próprio Blasetti chamou de “il film più cretino che avesse mai fato”. No ano seguinte, a Cinecittà foi inaugurada e começou a se afirmar no cinema italiano um profissionalismo de estúdio, cuja manifestação tornar-se-ia mais evidente nos filmes históricos e de época.

Em 1938, Blasetti realizou seu filme predileto, Ettore Fieramosca (do qual eu gosto muito) acolhendo o convite do regime para evidenciar os momentos mais gloriosos da história nacional através das façanhas do famoso condottiero, que serviam para estimular a unidade do povo italiano contra as potências estrangeiras. As qualidades figurativas do filme são evidentes: o afresco histórico é vigoroso e dramático, e parece citar continuamente os espaços, a perspectiva, os claros-escuros e a plasticidade das formas de certa pintura renascentista. Tal como em 1860, os exteriores em locação desempenham um papel surpreendentemente notável com momentos líricos eficazes como, por exemplo, a visita da  nobre dama ao acampamento perto do mar  ou a descida da tropa do castelo vista em plano longuíssimo; são espetaculares as cenas de batalha e as cavalgadas e muito bem coreografados os duelos, que evocam os filmes americanos de capa-e-espada.

No mesmo ano, Blasetti  fez a primeira experiência italiana com um filme em cores, o documentário Caccia alla volpe nella campagna romana, no qual tinha a seu lado o grande fotografo inglês Jack Cardiff.

Em 1939, Blasetti rodou Retroscena, comédia que o diretor considerou “alimentar” e Romântico Aventureiro, filme de aventura exemplar com uma narrativa jocosa e uma elegância requintadíssima da mise-en-scène. Blasetti reconheceu com humildade o auxílio prestado por seus dois co-roteiristas e pelo dialoguista: “O sucesso de Salvator Rosa eu o devo fundamentalmente ao cérebro luminoso, ao gosto e à sensibilidade de Corrado Pavolini, à fantasia surpreendente do meu novo colaborador Renato Castellani e à já antiga colaboração do autor de Vecchia Guarda: Giuseppe Zucca”.

A ação do filme transcorre em Nápoles, após o fracasso da revolta de Masaniello, quando o peso da dominação espanhola torna-se cada vez mais insuportável. O pintor Salvator Rosa (Gino Cervi), conhecido e admirado pelos espanhóis, tem uma outra identidade, a de Formica, um herói do povo, tipo Robin Hood ou Zorro, que luta em favor dos oprimidos e trama contra os poderosos. O espetáculo tem um bom ritmo, uma ótima cenografia de Virgilio Marchi e dos figurinos de Gino Sensani, o todo bem integrado com imagens autênticas da paisagem e dos castelos napolitanos.

Em 1940, Blasetti começou a fazer o documentário Napoli e le terre d’oltro mare, interrompido por causa da guerra e jamais completado. Em 1941, surgiu A Coroa de Ferro, fábula simbólica com intenções pacifistas, que contrastavam com a entrada da Itália no conflito mundial. O filme, grandioso exemplo do sistema de produção nacional daqueles anos, foi premiado na IX Mostra de Cinema de Veneza. Blasetti recordou: “La Corona di Ferro dizia não à violência, dizia não à vingança, dizia não à contínua guerra entre as nações … Goebbels, em perfeita coerência com a sua fé e o seu credo político, comentou na minha frente: ‘Se um diretor alemão tivesse feito este filme na Alemanha, iria para o paredão’. E fez tudo para que o filme não fosse premiado”.

O filme é uma verdadeira colcha de retalhos de mitos e histórias populares e fantásticos (Lenda do Santo Graal, contos de Andersen, Edipo Rei e a tragédia grega, etc.), passada numa Idade Média nórdica tardia e confusa, criada com uma cenografia delirante de Virgilio Marchi, extrema mobilidade da câmera e um ritmo rápido da montagem. Nino Frank considerou-o “obra-prima do cinema barroco de ontem” e eu concordo com ele.

Ainda em 1941, Blasetti fez A Farsa Trágica, baseado na peça homônima de Sem Benelli e com roteiro de Blasetti e Renato Castellani, suscitando um grande clamor com a famosa cena de seio nú de Clara Calamai, fugazmente descoberto por Amedeo Nazzari. O filme é um melodrama sombrio e compacto, de tom truculento e erótico, incrivelmente ambíguo e sanguinário para a época. O enredo, em síntese, expõe o confronto entre o prepotente Neri (Amedeo Nazzari) e o ardiloso Giannetto (Osvaldo Valenti), e a maquinação deste último, que consegue zombar de seu temível inimigo roubando-lhe a sensual Ginevra (Clara Calamai), fazê-lo passar por louco, encarcerá-lo e, finalmente, atraí-lo para uma terrificante e engenhosa armadilha noturna, na qual, pensando ter matado o odioso rival, assassina seu próprio irmão. Tudo isto é contado pelo diretor com um senso eficaz de ritmo, um cuidado com a ambientação em interiores elegantes renascentistas de Florença e uma capacidade de retratar com força dramática esse turbilhão de paixões incontroladas e demoníacas.

Em 1942, deixando de lado alguns projetos como, por exemplo, I tre moschettieri e Francesca da Rimini, Blasetti inicia sua colaboração com Cesare Zavattini, fazendo – na minha opinião – o seu melhor filme, O Coração Manda. O cineasta dá uma guinada radical, abandonando o estilo grandiloquente e realizando um filme muitas vezes apontado como um precursor do neorrealismo. A distância do fascismo é nítida e irrevogável. No filme não há nenhum traço de compromisso político, não há nada de retórico ou heroico, mas é mostrada a realidade cotidiana  de um personagem frustrado, deprimido pela desagregação social, pela perda dos valores humanos autênticos.

Paolo (Gino Cervi) vive uma existência monótona ao lado de uma esposa insuportável. Caixeiro-viajante, ele parte um dia para visitar seus clientes. No ônibus, conhece uma jovem, Maria (Adriana Benetti) cuja tristeza o comove. Grávida e abandonada por seu sedutor, ela não ousa voltar para a casa de seus pais. Atendendo às súplicas da moça, Paolo consente em se fazer passar pelo marido diante da família de rígidas idéias tradicionais. Após algumas dificuldades, Paolo obtém o perdão para Maria. Finda a comédia, ele retorna ao domicílio conjugal e reencontra a realidade banal.

José Lino Grunewald  (Cinema Italiano, Cinemateca do MAM, 1960), depois de se referir à colaboração de Blasetti com Zavattini, comentou: “Daí, não seria propriamente estranho vislumbrar algumas feições da nova escola: uma narrativa simples, um jogo de situações inspirado no mais puro cotidiano, do qual Blasetti, numa direção segura e meticulosa, mas anti-rebuscada, conseguiu aquela difícil extração de um fluxo de singeleza, a partir de um acontecimento banal”.

Cada vez mais distante do fascismo depois da virada belicista, Blasetti se recusa a filmar o filme de propaganda Bir El-Gobi e realiza, em vez de, Instituto Grimaldi, baseado no romance de Alba De Cèspedes, autora que não estava na linha do regime. O filme mostra sete moças que saem de um pensionato e vivem o seu primeiro impacto com a realidade, ocorrendo muita desilusão. A respeito de sua ligação com o regime fascista Blasetti declarou: “Na verdade eu era um fascista convicto. Mas depois veio a guerra etiópica. Mussolini demonstrou com os fatos que preferia a guerra até então. E o meu posicionamento com relação ao regime mudou”.

Após o 8 de setembro, sentindo que estava nos planos de Mussolini transferir também a indústria cinematográfica para Salò, Blasetti se refugia, disfarçado de monsenhor, na Basilica  di Sant’Angelo, sob a proteção de Don Mario Marchi, irmão do cenógrafo. Nos dois meses passados no convento, Blasetti escreve alguma poesia.

No momento da paralização geral do cinema, Blasetti organiza uma companhia teatral, da qual faziam parte Vittorio De Sica, Massimo Girotti, Roldano Lupi, Elisa Cegani, etc, e depois realiza Um Dia na Vida / Un Giorno nella Vita / 1946, no qual conta um episódio da luta partiagana, ganhando o premio Nastro d’argento de melhor  direção, empatado com De Sica (por seu trabalho em Vítimas da Tormenta /  Sciuscià).

Em 1947, Blasetti faz para a Universalia Film os documentários: La gemma orientale dei papi, Nel duomo di Milano e Castel Sant’Angelo e, em 1948, retorna ao filme de época, realizando um super-espetáculo, Fabiola, primeira co-produção franco-italiana no pós-guerra ambientada na Roma do século III com Michele Morgan. Henri Vidal e Michel Simon à frente do elenco.

Em 1950, Blasetti filma Sua Majestade, o Sr. Carloni, sátira aos costumes e ritos da pequena burguesia italiana, que assinala um novo encontro com Zavattini. O filme conquistou o Premio Internacional na XI Mostra de cinema de Veneza, ex aequo com Pânico nas Ruas / Panic in the Streets de Elia Kazan e Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes de Jean Delannoy, e três Nastri d’argento pela melhor direção, roteiro e interpretação masculina (Aldo Fabrizzi).

Nos anos seguintes Blasetti realiza: os documentários Quelli che soffrono per noi / 1951 e MIracolo a Ferrara / 1953; dois filmes contando várias histórias, Outros Tempos / 1951 e Nossos Tempos / Tempi Nostri / 1953 (primeiros exemplos de filme em episódios” na Itália); A Labareda / La Fiammata / 1952 (drama passado às vésperas da guerra franco-prussiana); duas comédias com a dupla Loren – Mastroianni, Bela e Canalha / 1954 e A Sorte de ser Mulher / 1955; Com o amor não se brinca / Amore e chiacchiere / 1957 (comédia de costumes, com roteiro de Zavattini, acusando o prazer e a vaidade de falar dos italianos); Europa de Noite / 1958 (inventando um novo gênero cinematográfico: um pot-pourri de variados espetáculos de cabaré filmados ao vivo e montados um após o outro sem solução de continuidade); Eu amo, tu amas … / Lo amo, tu ami… / 1961 (filme enquete sobre o modo de amar rodado em vários países); As Quatro Verdades / Le Quattro Verità / 1963 (Episódio  A Lebre e a Tartaruga / La Lepre e la Tartaruga); O Sedutor Liolà / Liolà / 1963 (comédia baseada peça campestre de Luigi Pirandello); Eu, eu, eu … e os Outros / Io, io, io … e gli altri / 1966 (comédia analisando o egoísmo em vários episódios mas sempre com o mesmo personagem principal); Uma Noiva do Outro Mundo / La Ragazza del Bersagliere / 1967 (comédia fantástica) e Simon Bolivar, o Libertador / Simon Bolivar / 1969 (cinebiografia em co-produção ítalo-espanhola filmada na América do Sul). Neste período de sua carreira Blasetti participou, como ele mesmo, de Belíssima / Belissima / 1951 de Luchino Visconti, Uma Vida Difícil / Una Vita Difficile / 1961 de Dino Risi e Il Misterio di Cineccità / 1967 di Mario Ferrero, fez 12 filmes para a  televisão e colaborou como diretor de 2ª unidade em A Grande Guerra / La Grande Guerra / 1959 de Mario Monicelli (direção das cenas de batalha), O Melhor dos Inimigos / I Due Nemici / 1964 de Guy Hamiton (direção das cenas de incêndio do lago) e A Bíblia / The Bible … in the begining / 1966 de John Huston (direção da batalha de Siddim).

Em 1982, na Quinquagésima Mostra de Cinema de Veneza, ganhou um Leão de Ouro por sua carreira  que, por causa do seu estado de saúde, lhe foi entregue na sua residência  por Fellini, Lizzani, Suso Cecchi d ‘Amico e Gian Luigi Rondi.

Blasetti faleceu em 3 de fevereiro de 1987. Ao seu funeral, celebrado na igreja de Santa Maria del Popolo, estava presente todo o cinema italiano.