MARY PICKFORD
junho 7, 2011
Existiram centenas de estrelas e excelentes atrizes em Hollywood porém só uma Mary Pickford. Ela foi a maior entre as maiores, uma enorme atração de bilheteria, artista de fama internacional e mulher forte e empreendedora, que soube cuidar muito bem de sua carreira em um negócio árduo e competitivo. Mary queria que seus filmes fossem lucrativos mas também que eles fossem bons. Para isso, infiltrava-se em todos os aspectos da produção, contratando sempre os melhores talentos e acompanhando constantemente o seu trabalho. Ela era boa tanto na comédia como no drama e tinha carisma, muito carisma. Um de seus fotógrafos prediletos, Charles Rosher, disse que ela “conhecia tudo o que era para conhecer sobre cinema”.
Mary aperfeiçoou um estilo de interpretação naturalista e demonstrou um grau de sutileza e comedimento nunca visto antes. Pode-se dizer que ela foi para a interpretação o que D.W. Griffith foi para a direção na fase pioneira do cinema. Como disse o historiador Leslie Wood: “Mary Pickford foi o complemento do gênio de Griffith”. Mary uma vez comentou: “Eu não representava. Eu era o personagem que interpretava na tela”.
A “Pequena Mary”, como ficou inicialmente conhecida pelo público, foi uma das quatro grandes personalidades do cinema silencioso, juntamente com seu marido Douglas Fairbanks, Charles Chaplin e D. W. Griffith. Os fãs a adoravam e foram eles mesmos, e não os agentes de publicidade, que lhe deram o título de America’s Sweetheart (A Namorada da América).
Gladys Marie Smith nascida em Toronto, Canadá em 8 de abril de 1892, enfrentou a pobreza durante a infância. Seu pai, morreu quando ela tinha seis anos de idade, deixando sua mãe, Charlotte, uma viúva sem dinheiro e com três crianças para criar – Gladys, a irmã Lottie, e o irmão Jack, que também trabalharam no cinema. Porém em 19 de setembro de 1898, a vida da família começou a melhorar: foi nesse dia que Gladys, estreou no Princess Theatre em Toronto com a Cummings Stock Company. Dentro de três anos, ela se tornou conhecida no meio teatral e foi convidada para fazer uma tournée numa peça intitulada The Little Red Schoolhouse.
A história de Mary Pickford foi contada – primeiro na sua autobiografia (Sunshine and Shadow, 1955) e depois nas biografias de Scott Eyman (Mary Pickford, America’s Sweetheart, 1990) e Eileen Whitfield (Pickford: The Woman Who Made Hollywood, 1997) – tendo sido também abordada em livros admiráveis de Janine Basinger (Silent Stars, 1999) e Kevin Brownlow (Mary Pickford Rediscovered: Rare Pictures of a Hollywood Legend, 1999). De modo que vamos apenas reproduzir mais ou menos o que eles disseram.
Como lembrou Janine, a lenda de Pickford começa quando uma pequenina e delicada criatura de belos cabelos cacheados pede uma audiência com David Belasco, o famoso empresário de Nova York. Ele é muito ocupado porém ela persiste, consegue finalmente entrar no escritório dele, e dizer com coragem e firmeza: “Sou uma atriz, mas eu quero me tornar uma boa atriz”. É claro que ela o conquistou e ele imediatamente a colocou no importante papel de Betty Warren na peça de William de Mille, The Warrens of Virginia, ganhando cinco dólares por semana. Desde então, Mary ficou caracterizada como a mulher decidida, que sempre insiste para obter o que quer e sempre consegue.
A trajetória artística de Mary com Belasco ia muito bem até que, em 1909, aconselhada pela mãe, ela se dirigiu ao estúdio da Biograph e, de novo, teve oportunidade de ficar diante de um homem poderoso: D.W. Griffith. Mary se apresentou como “uma atriz de Belasco” e pediu um salário de “pelo menos dez dólares por dia”. Ela foi contratada e, em 20 de abril daquele ano, com sua maquilagem aplicada pessoalmente por Griffith, estreou na tela em Her First Biscuits (segundo Scott Eyman, que consultou os arquivos da Biograph, Mary aparecia em segundo plano, eis que o filme era estrelado por Dorothy Bernard. Mary diria mais tarde que a maquilagem de Griffith fez com que ela ficasse parecida com Pancho Villa).
Depois de ter ido trabalhar com Griffith, Mary tornou-se rapidamente uma favorita do público. Tal como Florence Lawrence antes dela, Mary ficou conhecida com “A Garota da Biograph e também como “A Pequena Mary” ou “A Mocinha dos Cachos Dourados”. Nos anos de formação, Mary fez dramas e comédias, westerns e filmes românticos, papéis de menina e de jovem adulta, de pobre e de rica. Apareceu em mais de cem filmes de curta-metragem (ver a longa filmografia completa de Mary Pickford nos livros de Scott Eyman e Eileen Whitfield) e, em apenas três anos, transferiu-se da Biograph para a IMP (Independent Motion Picture) de Carl Laemmle (filmando inclusive nos estúdios de Thomas Ince em Havana, Cuba) e desta para a Majestic, retornando posteriormente à Biograph, sempre aumentando o seu salário.
Em 7 de janeiro de 1911, quando tinha apenas dezoito anos, Mary casou-se com o ator Owen Moore, um alcoólatra inveterado, de quem se divorciou em 1919 embora seu casamento já tivesse acabado há muito tempo. No mesmo ano, ela e Douglas Fairbanks se apaixonaram e começaram a namorar. Eles eram o maiores astros feminino e masculino de sua época. O público já gostava deles individualmente e adorava vê-los juntos na vida real. Mary relutou um pouco em se casar, porque divorciar-se e contrair matrimônio com um homem que também teria de se divorciar e deixar seu filho (Douglas Fairbanks, Jr.) do primeiro casamento (com a socialite Beth Sully), poderia destruir sua imagem de “A Namorada da América”. Mas foi em frente e, em 28 de março de 1920, casaram-se na casa de Fairbanks, numa cerimônia simples.
Mr. e Mrs. Fairbanks fixaram residência em Hollywood e se tornaram os líderes sociais do mundo do cinema. Eles foram morar numa fabulosa mansão chamada Pickfair, que chegava perto da famosa San Simeon de William Randolph Hearst. O casamento Pickford / Fairbanks – e os dias felizes em Pickfair – terminou nos anos 30, quando Doug e Mary tinham deixado de ser os astros brilhantes do passado. Em 8 de dezembro de 1933, Mary pediu o divórcio e, embora eles tivessem quase se reconciliado, ela acabou casando-se, em 26 de junho de 1937, com Buddy Rogers (doze anos mais moço do que ela) e Fairbanks com Lady Sylvia Ashley. Anos depois, ao saber da morte de Douglas, Mary exclamou: “Meu querido se foi”.
Por volta de 1912, Mary já era uma grande estrela de cinema. Sua volta para a Biograph significou atuar novamente sob as ordens de Griffith, um relacionamento laboral que nunca foi confortável para nenhum dos dois. Mary não era dócil como Lillian Gish e enfrentou Griffith em muitas frentes, reclamando que ele só lhe dava papéis que outras atrizes recusavam. Dizem que uma vez ela o mordeu e ele lhe deu um empurrão, derrubando-a (Eileen Whitfield disse que ela caiu no chão e gritou: “Você diz que é um cavalheiro sulista! Você é não somente uma desgraça para o Sul como também para o Norte! Nunca mais fale comigo, senhor!”). Um dos filmes de maior sucesso da colaboração Pickford / Griffith deste período foi New York Hat, baseado numa história de Anita Loos, exibido em 1913.
No final de 1913, Mary assinou contrato com a Famous Players Film Company de Adolph Zukor e, em 1914, atingiu uma popularidade impressionante em filmes como O Filho do Prisioneiro / The Eagle’s Mate, As Duas Monarquias / Such a Little Queen, Cinderella / A Gata Borralheira ou Cinderella, No País das Tormentas / Tess of the Storm Country, Senhorita Nell / Mistress Nell, Ao Alvorecer da Verdade / The Dwan of Tomorrow, Mágoa / Rags, Esmeralda / Esmeralda, A Sombra do Passado / A Girl of Yesterday, Madame Butterfly / Madame Butterfly, etc.
Em junho de 1916, a Famous Players fundiu-se com a Jesse L. Lasky Feature Play Company para formar a Famous Players / Lasky, cujos filmes seriam distribuídos pela Paramount Pictures. Em julho, a companhia organizou a Artcraft Pictures para distribuir os filmes de Mary Pickford e ela se tornou a primeira atriz a ter a sua própria unidade de produção: a Pickford Film Company. Mary podia escolher seu próprio diretor e elenco coadjuvante, aprovar a publicidade, ter controle sob o corte final e o direito de questionar qualquer papel que não lhe interessasse.
Seguiu-se uma série de filmes de grande sucesso como, por exemplo, A Enjeitada / The Foundling, Pobre Pepinazinha / Poor Little Peppina, Eterna Tormenta / The Eternal Grind, Gulda da Holanda / Hulda from Holland, Menos que o Pó / Less Than the Dust.
Em 1917, nova sucessão de êxitos com Raça de Heróis / Pride of the Clan, Rica e Pobre ou Pobre e Rica / The Poor Little Rich Girl, Perseverança / A Romance of the Redwoods, A Intrépida Americana / The Little American, Rebeca / Rebecca of Sunnybrook Farm, A Princezinha / The Little Princess, etc.
Em 1918, os três irmãos Pickford estavam juntos na tela em M’liss / M’liss, uma produção de primeira linha baseada numa história de Bret Harte e enriquecida pelos talentos da roteirista Francis Marion, do diretor Marshall Neilan e do galã Thomas Meigham. Nessa época, Mary já era uma mulher de vinte e seis anos porém seus fãs a amavam como uma menina valente e ela vinha – com muita esperteza – mantendo esta imagem. Entretanto, aos poucos, a atriz começou a fazer filmes que lhe permitissem ser uma outra coisa ao mesmo tempo: uma versão adulta da “Namorada da América”. Na temporada de 1918, Mary apareceu em filmes que ofereciam aos espectadores “duas Marys”: Benditoso Esplendor / Stella Maris, Contrastes da Vida / Amarilly of Clothes-Line Alley, o citado M’liss e Johanna Enlists, nos quais ela interpretava sua personagem tradicional e uma variante mais bem apessoada, mais bem vestida, de si mesma.
Em 9 de novembro de 1918, Mary assinou contrato com a First National e deixou Zukor. Após um tempo de distribuição de cinco a seis anos, a propriedade dos filmes e os direitos autorais seriam revertidos para ela. Durante esse período Mary dissolveu a Pickford Film Company e fundou a Mary Pickford Company, que pertencia metade a ela e metade à sua mãe. Em 1919 ela fez alguns dos maiores êxitos de sua carreira: Papaizinho Pernilongo / Daddy Long Legs, A Garota / The Hoodlum e Entre Bandidos / The Heart O ’ the Hills.
Diante dos rumores de que a First National ia se associar com a Famous Players / Lasky, Mary, Douglas Fairbanks, D. W. Griffith, William S. Hart e Charles Chaplin criaram a United Artists Association (Hart logo deixaria o grupo). Seu plano era incrementar seus lucros, impedir que outras companhias os usassem para fins de venda por pacote e ganhar completo controle, de uma vez por todas, sobre suas carreiras.
Mary produziu vários filmes através da United Artists, destacando-se: Pollyanna ou Menina Travessa / Pollyanna / 1920, Castelos de Espuma / Suds / 1920, O Pequeno Lord Fauntleroy / Little Lord Fountleroy / 1921, Mãos Frívolas / Through the Back Door / 1921, uma nova versão de O País das Tormentas / Tess of the Storm Country / 1922, Rosita /Rosita / 1923, (dirigido pelo grande Ernst Lubitsch), Entre Duas Rainhas / Dorothy Vernon of Haddon Hall / 1924, Sua Vida pelo seu Amor / Little Annie Rooney / 1925, Aves sem Ninho / Sparrows / 1926 e o seu último filme mudo, Meu Único Amor / My Best Girl / 1927.
Mary estreou no cinema falado em Coquette / Coquette / 1929, que lhe deu o Oscar de 1928-29 como Melhor Atriz. No papel de Norma Besant, interpretado por Helen Hayes no teatro, ela apareceu diante do seu público completamente transformada, não somente porque tinha uma voz e cortara o cabelo bem curto. Como disse Janine, agora Mary “era uma nova pessoa, e definitivamente uma mulher com uma vida sexual”. Depois de Coquette, Mary fez apenas mais três filmes: Mulher Domada / The Taming of the Shrew / 1929, (no qual contracenou com Douglas Fairbanks), Kiki / Kiki / 1931 e Segredos / Secrets / 1931, ambos os quais eram refilmagens de filmes mudos estrelados por Norma Talmadge.
Mary Pickford fez ao todo, 52 filmes de longa-metragem. Só vi 10 filmes dela: Contrastes da Vida, Benditoso Esplendor, Mães Frívolas, Pequeno Lord Fauntleroy, No País das Tormentas (2a versão), Aves sem Ninho, Meu Único Amor, Coquette, Mulher Domada, e Segredos. Destes nove, gostei mais dos três filmes sobre os quais falarei: No País das Tormentas, Aves sem Ninho e Meu Único Amor.
No País das Tormentas, apresenta Mary como Tessibel ‘Tess’ Skinner, garota pobre e esfarrapada, filha de um pescador que vive numa comunidade miserável instalada à beira-mar. Todos os homens do lugar, desde o brutal Ben Letts (Jean Hersholt) ao patético Ezra Longman (Danny Hoy), cobiçam a jovem bela e corajosa. No topo da montanha que fica acima dos casebres, vive uma família rica, cujo patriarca, Elias Graves (David Torrence), despreza seus “vizinhos” e tenta expulsá-los, para ter uma visão “irrestrita” do mar. O filho de Graves, Frederick (Lloyd Hughes), simpatiza com os “intrusos” e se apaixona por Tess. No decorrer da trama, o pai de Tess (Forrest Robinson) é acusado injustamente de assassinato durante um confronto com os capangas de Graves, Tess assume a maternidade do filho ilegítimo de Teola (Gloria Hope), filha de Graves, e ensina ao velho milionário o verdadeiro sentido do cristianismo.
Nesta refilmagem do mesmo melodrama dirigido em 1914 por John S. Robertson e belissimamente fotografada por Charles Rosher, Mary recria a sua personagem favorita, passando do humor às cenas de arrancar lágrimas com extraordinária desenvoltura. Basta citar a sequência intensamente dramática, na qual Mary entra na igreja com o bebê de Teola moribundo no colo. Logo na entrada, ela se ajoelha diante de um vitral reproduzindo a figura do Cristo com uma criança nos braços. Depois caminha em direção ao altar e pede que o padre batize o pequenino. Diante da recusa, ela vai à pia batismal e realiza ela mesma o sacramento. O menino morre, a verdadeira mãe não se controla, e grita “Me dá o meu bebé! “, diante do sacerdote, dos fiéis, de Ezra e de Frederick estupefactos.
Em Aves sem Ninho, numa região pantanosa do Sul dos Estados Unidos, um casal de camponeses, os Grimes (Gustav von Seiffertitz, Charlotte Mineau) e seu filho Ambrose (Spec O’Donnell), exploram um grupo de crianças abandonadas, obrigando-as a trabalhar na sua fazenda. Os menores são tratados como prisioneiros, para não dizer escravos, e são muitas vezes brutalizados e privados de comida. Uma adolescente chamada Mollie (Mary Pickford) cuida dos pequenos “pardais” da melhor maneira possível, os reconforta, e lhes assegura que Deus vela sobre eles. Doris (Mary Louise Miller), uma menininha, é raptada da cidade e entregue aos Grimes. A fim de que a polícia não descubra seu paradeiro, Grimes manda seu enteado afogá-la no pântano. Mollie salva Doris e, depois de se opor violentamente contra Grimes, organiza a fuga de seus protegidos. Percorrendo o pântano infestado de crocodilos, as crianças passam por situações difíceis, livrando-se de todos os perigos. A polícia prende os Grimes e persegue os raptores, que encontrarão a morte nas areias movediças. Mollie tem a felicidade de ver todos os seus “pardais” adotados pelo milionário Dennis Wayne (Roy Stewart), pai de Doris.
Aos trinta e três anos Mary ainda podia interpretar adolescentes destemidas, cheias de vitalidade e alegria, ajudando os outros a enfrentar as piores calamidades. Eileen Whitfield descreveu o filme com precisão: “um conto de fadas narrado num estilo brilhante; um Grand Guignol; um thriller expressionista”. Scott Eyman acrescentou com igual perspicácia: “Dickens entrelaçado com uma dose forte de Edgar Allan Poe”. Richard Corliss na revista Film Comment sintetizou: “Uma angustiante história de horror na mata”.
O espetáculo foi dirigido com muito acêrto por William Beaudine, auxiliado pela extraordinária direção de arte estilizada de Harry Oliver e pela excelente fotografia de Charles Rosher e seus colaboradores Hal Mohr e Karl Struss, influenciada pelo estilo expressionista germânico dos anos 20.
Nossas emoções atingem o auge durante a fuga no final, cheia de suspense, quando Mollie conduz as crianças através do pântano para a liberdade. Perseguida pelo cão de Grimes, a meninada usa uma corda como cipó para atravessar a área de areia movediça, trepa nas árvores e se arrasta pelos seus galhos, pairando pouco acima dos répteis ferozes, que escancaram suas terríveis mandíbulas (Mary andou espalhando para a imprensa que a filmagem dessas cenas foi muito perigosa mas na verdade elas não passaram de habilidosas dupla-exposições).
Porém a cena que mais impressionou foi aquela na qual Mollie embala um bebê morto em seus braços enquanto Jesus Cristo aparece no fundo do quadro com um rebanho de ovelhas. Ela adormece, Jesus se aproxima, toma o bebê nos seus braços, e se afasta. É uma das cenas mais lindas que eu já vi no cinema.
Meu Único Amor, dirigido por Sam Taylor e fotografado por Charles Rosher, é uma simples e deliciosa comédia romântica, que tem algo a ver com a história de Cinderella. Maggie Johnson (Mary Pickford), arrimo de uma família modesta e excêntrica (o pai, Lucien Littlefield; a mãe, Sunshine Hart; a irmã, Carmelita Geraghty), trabalha numa grande loja de departamentos, onde se apaixona por Joe Grant (Charles “Buddy” Rogers), um novo empregado, sem saber que ele é na realidade Joe Merrill, filho do milionário dono da loja (Hobart Bosworth), e está noivo de uma jovem da sociedade. Quando Maggie fica sabendo da verdade ela tenta convencer Joe de que sabia tempo todo quem ele era e estava tentando seduzí-lo.
As cenas de amor entre Mary Pickford e Buddy Rogers são maravilhosas: belas, puras e comoventes. Os momentos cômicos têm um charme irresistível. Logo no início, Mary surge sobrecarregada de baldes, frigideiras e panelas. Ela deixa cair uma panela, apanha-a, deixa cair outra, e mais outra, até que, finalmente, enfia seu pé em uma das panelas, para arrastá-la consigo. Quando está quase chegando onde queria ir, sua anágua escorrega e cai no chão. Mary se livra dela e corre para um balcão da loja, para pensar no que vai fazer. Neste ínterim, uma mulher aparece, vê a anágua, pensa que é a dela, e a recoloca rapidamente no seu corpo num canto escuro do estabelecimento.
Numa outra cena, “Buddy” acompanha Mary até sua casa. Ela o convida para entrar mas, antes de abrir a porta, ouve a discussão reinante entre seus familiares no interior da casa. Mary pede que “Buddy” aguarde um pouco na varanda, explicando aquele caos como sendo um ensaio para um clube dramático. “Que lindo uniforme, você parece um policial”, ela diz para um guarda que chega atrás do namorado meio suspeito de sua irmã, fazendo crer a “Buddy”, que ele é outro membro do grupo teatral que chegara para o “ensaio”.
Na grande cena em que Mary diz que estava enganando “Buddy”, para que ele possa se casar com a sua noiva, mostra a habilidade que Mary tinha – tal como Chaplin – de fazer o público rir e chorar ao mesmo tempo. Ela anda de modo afetado, lambuza seu rosto de batom, quase se sufoca com um cigarro que tenta fumar e dança um Charleston frenético, enfim, finge que é uma jovem desregrada. Porém Mary não consegue levar adiante esta farsa, cai em prantos e se pendura nos ombros de “Buddy”, dizendo: “Eu não sou uma garota má, Joe. Eu te amo mas não posso me casar com você”. Entretanto, ela acaba se casando com “Buddy”, na tela e na vida real. Em 29 de maio de 1979, Mary faleceu de hemorragia cerebral em Santa Monica, Califórnia, com “Buddy” ao seu lado.
Kevin Brownlow resumiu a importância de Mary Pickford de maneira correta: “Ela tinha legiões de imitadoras mas nenhuma rival”.
Quem falar em mulheres atuando no ramo cinematográfico e não falar em Mary Pickford está sendo leviano ou injusto. Ela foi pioneira dentro e fora das telas, e acho que a primeira artista norte-americana a ser dona de um estúdio de cinema. Era diferente de Norma Talmadge, que era casada com o patrão. Mary was the boss. Dizem que ela não soube fazer a transição do cinema mudo para o falado, e o Oscar por “Coquete” foi mais uma espécie de reconhecimento por tudo que ela representava, mas não sei se é verdade. Infelizmente, nunca pude ver nenhum de seus filmes, e tudo que sei foi o que li e vi de fotografias ao longo de todos esses anos que me interesso por cinema.
Já eu, Marcio, tive mais sorte do que você. Pude ver 10 filmes dela e, na minha visão, ela era uma grande atriz.
Bom saber um pouco mais sobre Mary Pickford.
Tudo de bom,
O Falcão Maltês
Oi, Antonio. Tenho visto o seu blog. Lembrei-me muito do Casal 20, sobre o qual escreví na minha coluna sobre Seriados de TV nas contra-capas do encarte Amigão da extinta Revista Amiga. Parabéns.
Antes de mais nada, gostaria de agradecer seu retorno à mídia de massa e o compartilhamento de sua enorme cultura e paixão pelo cinema. Fui leitor e colecionador contumaz de Cinemin enquanto ela existiu e lamento sua perda, agora grandemente compensada (para ficar completo, precisaríamos ainda contar com os conhecimentos de Fernando Albagli, João Lepiane e Gil Araújo).
Há mais de 20 anos estudando a história do cinema, mas sujeito à precária bibliografia de que dispomos, jamais consegui reunir a filmografias nacionais completas anteriores à década de 20, incluindo as de ícones absolutos como Mary Pickford, Douglas Fairbanks e John Gilbert. O que dirá de gente esquecida como Helen Gardner (uma correção: esta sim, a 1ª. estrela a fundar sua própria companhia, em 1912), Geraldine Farrar ou Pauline Frederick. Seu artigo forneceu títulos brasileiros de vários filmes de Pickford que não dispunha, mas ainda assim omitiu alguns, que agradeceria enormemente se puder informar. Partindo do princípio que levantar informações sobre curtas exibidos no Brasil na época beira o impossível, peço-lhe apenas o dos longas: “Caprice” (J. Searle Dawley, 1913), “A Good Little Devil” (Edwin Porter, 1914), “Behind the Scenes” (1914), “Fanchon, the Cricket” (1915) e “Little Pal” (1915), todos de James Kirkwood, e “The Love Light” (1921), que ela entregou à sua grande amiga, Frances Marion, já na United Artists.
Como curiosidade, acrescento títulos alternativos (ou de relançamentos) de Pickford que reuni: “Through the Back Door” também foi chamado de “Mãos Levianas” e “Pela Porta Falsa”; “Stella Maris” de “Desditoso Amor”; “The Little American” de “Refreando Tentações”; e “Rebecca” também foi lançado como “Geraldina”(!).
Prezado Fernando. Vou responder pelo seu e-mail mas desde logo agradeço sua informação a respeito de Helen Gardner, apenas fazendo o seguinte esclarecimento: eu disse que Mary Pickford foi a primeira atriz a ter a sua própria unidade de produção e não que ela fundou a sua própria companhia.