O êxito de A Severa – primeiro filme sonoro português, dirigido em 1931 por Leitão de Barros e estrelado por Dina Teresa, com a filmagem de interiores e a sonorização feitos no estúdio da Tobis em Epinay-sur-Seine na França e as cenas exteriores rodadas em Portugal – acelerou a construção de um estúdio devidamente equipado para o som em Lisboa.
No início de 1932, foi constituída a Companhia Portuguesa de Filmes Sonoros Tobis Klang Film (abreviatura de Tonbild Syndikat), que conservou o nome da sociedade alemã, por ter sido ela que lhe forneceu a aparelhagem técnica, e ficou conhecida como Tobis Portuguêsa.
Antes de prosseguir nesta minha sucinta apresentação da “Época de Ouro do Cinema Português”, que abrange os anos 30/40, quero deixar bem claro que não sou um especialista na História do Cinema Português. Dos filmes citados neste artigo, ví apenas: A Canção de Lisboa, Aldeia da Roupa Branca, O Pai Tirano, O Costa do Castelo, O Leão da Estrela, A Menina da Rádio, A Vizinha do lado, O Pátio das Cantigas, Camões, Inês de Castro, Vendaval Maravilhoso, Capas Negras, Fado, História de uma Cantadeira, Aniki-Bóbó e trechos de alguns outros.
De modo que tive que recorrer a um livro precioso, História do Cinema Português (Publicações Europa-América,1986) de Luís de Pina, renomado crítico e estudioso de cinema, que foi diretor da Cinemateca Portuguêsa como também a comentários de revistas da época, para recordar alguns dos principais filmes daquele período, excluindo os documentários.
A primeira produção feita com o equipamento da Tobis, A Canção de Lisboa, começou a sua filmagem num palco improvisado enquanto continuava a construção do estúdio, orientado pelo arquiteto Cottinelli Telmo que foi, ao mesmo tempo, o argumentista e o realizador do filme.
Estreado em novembro de 1933, essa “graciosa comédia musical à portuguêsa”, foi um sucesso e trouxe para o cinema o magnífico ator Antonio Silva ao lado de Beatriz Costa e Vasco Santana e Tereza Gomes, três grandes e populares figuras do teatro ligeiro.
No enredo, Vasco Leitão (Vasco Santana), estudante de medicina, vive da mesada das tias de Tras-os-Montes e passa por bom aluno. Mas, na verdade, ele prefere as festas, as cantigas populares e as mulheres bonitas, em particular, Alice (Beatriz Costa), uma costureira do Bairro dos Castelinhos, o que não agrada ao pai da moça, o alfaiate Caetano (Antonio Silva). No mesmo dia em que é reprovado no exame final, Vasco recebe uma carta das tias (Teresa Gomes, Sofia Santos) que lhe anunciam uma visita a Lisboa! Caetano não consente que a filha namore com Vasco, até saber que as tias do estudante são ricas e farão dele seu único herdeiro. De olho no dinheiro, ele ajuda Vasco a fingir que é médico e à dupla junta-se um sapateiro interesseiro da loja ao lado (Alfredo Silva), também atraído pela fortuna.
Como disse Luís de Pina, e eu concordo com ele, A Canção de Lisboa foi um filme feito com alegria, entusiasmo e amor ao cinema, sentimentos que vieram a refletir-se claramente nas suas imagens. Além das situações ingênuas mas engraçadas, da interpretação deliciosa do trio de intérpretes principais, do ritmo ágil e fluente, do som impecável, o espetáculo oferece boas canções (de Raul Ferrão e Raul Portela) como “Olhó Balão e “A Agulha e o Dedal” e duas sequências antológicas: o sonho nupcial de Alice enquanto está passando a ferro as calças do seu namorado, durante o qual vemos as imagens do casal dançando na floresta e Beatriz Costa cantando com sua voz maviosa aquela que, para mim, é a canção mais bela do filme e a cena da eleição de Alice como “Miss Castelinhos” no concurso presidido pelo pai (um Antonio Silva impagável!).
A segunda produção sonora realizada em Portugal, seguindo a linha folclórico-popular, foi Gado Bravo, lançado em 1934, dirigido por Antonio Lopes Ribeiro com supervisão do alemão Max Nosseck e a colaboração de uma equipe germânica (na qual se incluíam a atriz Olly Gebauer, o ator Siegfried Arno, o fotógrafo Heinrich Gartner e o argumentista Erich Phillipi). Segundo Luís de Pina, havia de fato uma forte influência alemã, sobretudo no plano fotográfico. A atriz austríaca Olly Gebauer fazia o papel da cantora estrangeira Nina, mulher fria e perturbadora que disputa o coração de Manuel Garrido (Raul de Carvalho), criador de touros e hábil cavaleiro tauromáquico com a doce e sensível Branca (Nita Brandão). Siegfried Arno era o empresário de Nina. Na opinião de Alves Costa, (Breve História do Cinema Português, ICALP, 1977) o filme alterna “alguma coisa boa com muita coisa má, numa historieta inventada por um estrangeiro que arranca com algumas das mais belas imagens do Ribatejo jamais filmadas e acaba por meter de tudo um bocadinho numa salgalhada de folhetim sentimental em que os campinos são apenas nota folclórica…”
Em 1935, o filme mais importante foi As Pupilas do Senhor Reitor, nova versão do romance de Julio Diniz (houve uma primeira em 1922 de Maurice Mariaud), dirigido por Leitão de Barros.
A nossa Cinearte dedicou ao filme uma página inteira da sua seção A Tela em Revista, concluindo pela cotação “muito bom”. Eis um trecho: “Durante suas seis semanas no Alhambra, encantou não só aos portugueses, que recordaram com ele a terra distante, como também a todos os espectadores brasileiros, pois é um filme de deliciosa poesia, de um pitoresco excepcional, cujo encanto atua fortemente sobre a platéia desde as primeiras e belas imagens de Coimbra até o final … Leitão de Barros revela progressos notáveis como diretor. Antes que tudo, é de louvar como conseguiu fixar bem essa estranha dualidade que é o traço característico, é a alma das coisas de Portugal – a luminosa alegria sempre engastada a uma terna melancolia”.
Em 1936, surgem dois filmes, uma comédia e uma biografia histórico-literária, binômio habitual do cinema português: O Trevo de Quatro Folhas, de Chianca de Garcia e Bocage, de Leitão de Barros. O primeiro era uma espécie de comédia sofisticada na tradição americana, apoiada no tema da dupla identidade com um roteiro recheado de surpresas e peripécias. Beatriz Costa fazia o papel duplo de Rosita, uma aventureira e Manuela, caixeira do quiosque “O Trevo de Quatro Folhas” e Nascimento Fernandes, um papel múltiplo, pois interpretava um tal de Zé Maria, empregado numa fábrica de sabonetes, que se parece com toda a gente, razão pela qual tem de fazer os mais diversos personagens, incluindo um goleiro de futebol. A novidade era a presença do nosso Procópio Ferreira, contracenando com aqueles dois grandes nomes do teatro português.
Quanto a Bocage, é uma opulenta reconstituição histórica da Lisboa Antiga com magníficos cenários e figurinos porém, como observou Luís de Pina, “Leitão de Barros não consegue harmonizar, como em A Severa, o estúdio e a Natureza, a verdade dos rostos e a convenção da época reconstituída. Bocage, apesar do brio de Raul de Carvalho, pouco à vontade no personagem, deixa de ser o poeta singular, a figura discutida que o povo consagrou”.
Talvez por sentir que Bocage havia sido um relativo fracasso, Leitão de Barros muda de gênero e se decide pela comédia. Surge assim, um novo sucesso popular, Maria Papoila / 1937, a história da moça beirã, de fala vieense, que vai trabalhar como criada em Lisboa. Mirita Casimiro, no papel principal, domina o filme de ponta a ponta com a sua presença.
O comentarista de Cinearte, na Tela em Revista, referiu-se assim à Mirita, que chama de Marita: “Não sendo bonita, tem contudo qualidades magníficas para agradar. O papel parece ter sido talhado para ela, que lhe dá o máximo de seu temperamento e agrada em tudo o que faz. Canta com muita propriedade a “Canção da Papoila”. Pode-se dizer que é uma revelação”. Ainda nos anos 30, Leitão de Barros faria outra comédia, A Varanda dos Rouxinóis, mas sem o interesse desta.
No mesmo ano da estréia de Maria Papoila, foi apresentado à Nação o primeiro filme subsidiado pelo Estado Novo, produzido no âmbito das comemorações do 10º aniversário do 28 de Maio: A Revolução de Maio, de Antonio Lopes Ribeiro. Dois anos antes fora criado o Secretariado da Propaganda Nacional, dirigido por Antonio Ferro, que passa a superintender todo o cinema português. Filme político, seu objetivo é mostrar que a política do Estado Novo, através das suas realizações, transformou as mentalidades e que Portugal é um país diferente daquele que o regime encontrara. Empenhado em mobilizar todas as formas de expressão artística ao serviço da sua Política do Espírito, Ferro pretendia cristalizar um estilo artístico nacional. Como aconteceu com as outras artes, também o cinema procurou materializar a forma “de ser português” e tentou definir um estilo cinematográfico nacional.
Em 1938, Chianca de Garcia fêz A Rosa do Adro e Aldeia da Roupa Branca. A personagem central de A Rosa do Adro, história dramática baseada no romance de Manuel Maria Rodrigues, é Rosa (Maria Lalande), jovem alegre e despreocupada, dona de uma voz melodiosa, cujo som ecoa pelas quebradas dos montes. Ela se apaixona por Fernando (Oliveira Martins), no que é correspondida. Mas Fernando vai estudar medicina no Porto e se toma de amores por Deolinda (Elsa Rumina), filha de uma abastada baronesa.
O romance original sofreu algumas alterações muito polêmicas, introduzidas por Chianca. Apostando na vertente comercial, o realizador fez decorrer a ação na época das lutas liberais que dividiram o país durante a primeira metade do século XIX, aumentando assim o conflito social e psicológico entre os personagens.
Vejam parte do comentário de A Tela em Revista da Cinearte: “Se Chianca de Garcia não nos oferece um grande trabalho, soube diluir as tonalidades fortes deste folhetim, mediante uma narrativa por vezes bastante feliz. Soube dar à história um clima suave, retirar-lhe o delicioso sabor regional, o sentimentalismo da encantadora alma portuguesa e o pitoresco das situações típicas … Nota-se que o realizador está mais à vontade quando focaliza a natureza e são quadros empolgantes, da poética e linda região do Minho, que o espectador vê desfilar perante os seus olhos maravilhados com tanta beleza … Onde este diretor fracassa é nas cenas interiores: as personagens não perdem a impressão de que estão num palco e parecem adaptadas a um cordel, que não as deixa serem humanas e sinceras”.
Em Aldeia da Roupa Branca, numa aldeia nos arredores de Lisboa, na zona saloia, duas famílias lutam pelo monopólio do transporte das lavadeiras, que se deslocam à capital para recolher as roupas dos citadinos e entregar as encomendas de camisas e calças, já devidamente lavadas e engomadas. A personagem central da história é Gracinda (Beatriz Costa), sobrinha de Jacinto (Manuel Santos Carvalho), que tem longa inimizade com a sua eterna rival, a viúva Quitéria (Elvira Velez). As coisas não correm bem para o velho Jacinto, privado da ajuda do seu filho, Chico (José Amaro), que tinha decidido seguir outro rumo. Enquanto na aldeia se luta pelo domínio do transporte, ele anda por Lisboa, divertindo-se com a namorada, uma fadista de renome (Hermínia Silva), e trabalhando como motorista. Até que Gracinda vai à cidade tentar convencer Chico, por quem se apaixonou, a voltar à terra e ajudar o pai a recuperar seu negócio.
A crítica e o público prestigiaram o filme que, realmente, é muito bom. Augusto Fraga no jornal Cinéfilo assim se expressou: “Sente-se, através do filme, Chianca de Garcia, sempre irônico, observador, atento ao mais pequeno pormenor da vida que o rodeia. Toda a beleza e o pitoresco do ambiente saloio agitam, enchem de contraste e alegria castiça o filme inteiro”.
No julgamento de Luís de Pina, com Aldeia da Roupa Branca, Chianca de Garcia consegue o seu melhor filme, servindo-se de uma Beatriz Costa inspirada pelos ares de sua terra, a região saloia ao norte de Lisboa e atuando em estado de graça. Para o saudoso crítico lusitano, tudo se harmoniza para o êxito conjugado dos elementos fílmicos: a história – com a sugestão eisensteiniana do “velho e do novo”, colhida na sua “Linha Geral”, que faz da camioneta do antigo condutor de galeras, o elemento transformador do núcleo social, como o trator daquele filme soviético: as personagens, caracterizadas na sua tipicidade, sem exagero nem concessões à convenção revisteira; e a ação, como os dois momentos supremos da desfilada das galeras carregadas de roupa, tal qual a corrida de quadrigas do Ben Hur, e da luta das bandas de música pelo único coreto da aldeia.
Porém eu notei também algumas influências do cinema americano. A sequência de abertura não lembra Lubitsch? Nela, Beatrizinha – mais bela e faceira do que nunca – canta “Ai, rio não te queixes/ Ai, rio, o sabão não mata … Água fria na ribeira / Água fria que o sol esqueceu” enquanto a câmera de Aquilino Mendes vai mostrando com inspiração pictórica e rítmica as lavadeiras na prática do seu ofício.
Em Os Fidalgos da Casa Mourisca a ação desenrola-se no Minho oitocentista, mais concretamente nas consequências sociais da abolição dos direitos senhoriais no novo regime da propriedade, através do drama da decadência de uma família fidalga e da ascensão de novas personagens com influência política e social. Ao contrário da primeira versão de Georges Pallu (1920), o realizador Arthur Duarte decidiu adaptar a ação do romance de meados do século XIX à sua época, apostando na intemporalidade da história. Luís de Pina observou que esta modernização não evitava o convencionalismo da intriga, apesar dos luxuosos interiores do solar nortenho e das magníficas paisagens (fotografadas por Aquilino Mendes e Isy Goldberger) que enquadravam a ação, tudo isto acentuado por uma clara incipiência na direção de atores: Tomás de Macedo / Jorge, Maria Castelar / Berta, Eduardo Fernandes / Maurício , Henrique de Albuquerque / D. Luís), João Lopes / Tomé da Póvoa) e Gabriel Lopes / Frei Januário.
A década termina com um filme de Jorge Brum do Canto, A Canção da Terra, “cujo lirismo e pureza de meios a tornaram uma película memorável” (Alves Costa). Na sinopse de Pina, “contando com uma história de amor lírica e singela – o romance de Gonçalves (Barreto Poeira) e Bastiana (Elsa Romino) -, vivida entre gente simples de Porto Santo, o filme documenta também o drama da sêca que assola a ilha e provoca graves tensões sociais, explicando a injustiça que vitima Gonçalves e o leva a tirar desforço e justificando, no plano mais geral, o fenômeno da emigração dos ilhéus”. O forte do filme, para o crítico citado, é o ritmo visual, a sequência sempre dominada pela imagem, a beleza incomparável da terra e do mar, o tom lírico mantido com segurança e sem pieguice. Jorge Brum do Canto soube traduzir essa imagem poética numa forma cinematográfica que muito deve ao seu operador Aquilino Mendes. Mais próximo de Flaherty ou de Epstein que dos russos, sobra-lhe uma sensibilidade e um conhecimento pessoal muito direto daquilo que mostra.
Os anos 40 vão assistir o apogeu da comédia popular e da tendência histórico-literária. Entre as comédias podemos destacar: O Pai Tirano / 1941 e A Vizinha do Lado /1945 de Antonio Lopes Ribeiro; O Pátio das Cantigas / 1942 de Francisco Ribeiro (com argumento de A.L.Ribeiro); O Grande Elias / 1942, O Costa do Castelo/ 1943, A Menina da Rádio / 1944 e O Leão da Estrela / 1947 de Arthur Duarte; João Ratão / 1940 e Ladrão Precisa-se / 1946 de Jorge Brum do Canto.
O Pai Tirano de Antonio Lopes Ribeiro é uma das mais célebres comédias populistas do cinema português. O filme retrata a tempestuosa paixão de um jovem entusiasta do teatro amador, Chico Mega (Franciso Ribeiro “Ribeirinho”), caixeiro da sapataria dos Grandes Armazéns Grandela, por Tatão (Leonor Maia), uma empregada da Perfumaria da Moda, situada na mesma rua, mas seu amor não é correspondido e, além disso, Tatão está sendo cobiçada por outro homem, Artur de Castro (Arthur Duarte). O encenador do grupo teatral “Os Grandelhinas”, que inclui outros empregados dos Armazéns, é Santana (Vasco Santana), o colega e chefe de Chico na sapataria.
O comentário de Luís de Pina é exemplar e, portanto, passo-lhe a palavra. “Tudo parece caber neste filme absoluto: a crítica bem humorada do amadorismo teatral; a crítica do velho dramalhão, a crítica da aristocracia inútil e o louvor do trabalho honrado e do amor sincero, mas também criticados logo que se transformam em caricatura; a crítica da dicotomia teatro-cinema, talvez a mais interessante e, eventualmente, a menos notada; e, por cima de todas, a crítica da falsidade, da convenção, da insinceridade … O mais prodigioso neste filme deriva do modo como estas sobreposições sucessivas de mentiras e representações, como esta verdadeira comédia de enganos – bem ao nosso gosto barroco – flui naturalmente, sem se perder o fio do enredo em nenhum momento”.
São muitas as situações engraçadas e os diálogos espirituosos (de autoria de A.L.Ribeiro, Vasco Santana e “Ribeirinho”) a começar pela frase de Santana falando mal dos cinéfilos: “Só pensam no Cinema. Trocam o grande Talma por um Clark Gable qualquer!”. Ele mesmo exclama, quando o desastrado contra-regra não consegue subir o pano e dar as três pancadas tradicionais : “O pano parece que tem soluços!”. E quando o pano finalmente sobe, o elenco vê, espantado, Chico abraçado com o encenador num duplo sentido visual hilariante. A frase “Isto é fundamental!”, usada constantemente por Santana. A representação no castelo, onde a prima de Santana trabalha como empregada, para fazer Tatão pensar que Chico é um fidalgo rico. A cena dos “pastéis de Belém. Aquele lance no final quando, durante a representação de “O Pai Tirano”, o contra-regra, em vez de chamar a polícia pelo telefone cênico, usa o telefone verdadeiro e, em consequência, poucos minutos depois, os bombeiros e a polícia irrompem no teatro e leva todos presos, etc.
Entre os filmes históricos-literários os mais importantes foram: Amor de Perdição / 1943 de Antonio Lopes Ribeiro, José do Telhado / 1945 e A Volta de José do Telhado / 1949 de Armando de Miranda, Inês de Castro / 1945, Camões / 1946 e Vendaval Maravilhoso / 1949 de Leitão de Barros.
Dentre eles sobressaem os três filmes históricos que marcaram a última fase da carreira cinematográfica de Leitão de Barros. Inês de Castro assinala o início de uma série de co-produções entre Portugal e Espanha, na sequência do Pacto Ibérico de 1939. O primeiro projeto deveria ter um tema que fosse comum à história de ambos os países, pelo que se optou pela paixão entre D. Pedro e D. Inês. O filme se impõe, pela dignidade da reconstituição histórica de um Portugal medievo, pela riqueza e funcionalidade dos cenários, pela atuação de Antonio Vilar no protagonista, tornando viva, verosímil, real, a figura do príncipe apaixonado e do rei vingativo e pela fotografia (Heinrich Gartner). Na visão de Luís de Pina, “uma vez mais, é no arrebato e no desregramento da paixão, na fatalidade, na desgraça, no amor frustrado, que Leitão de Barros consegue o seu melhor. Poucas vezes o nosso cinema – e o próprio cinema no seu conjunto – foi tão longe como nas longas e loucas cenas noturnas da vingança de D. Pedro, essa macabra coroação de Inês (Alicia Palacios) e esse cortejo de fantasmas que atravessa a noite à luz dos archotes”.
Em despacho do próprio António de Oliveira Salazar, o próximo projeto de Leitão de Barros é definido como de utilidade nacional: Camões reafirma as qualidades previamente reveladas pelo diretor embora o tom demasiado majestoso da obra acabe por lhe retirar alguma autenticidade, se bem que os dados biográficos disponíveis sejam respeitados. Alguns críticos quiseram que Leitão de Barros tivesse criado um Camões bem comportado, um “português sério”, mas o cineasta preferiu o “Trinca-Fortes”, amante da vida, amoroso, perseguido, derrotado, doente e Antonio Vilar o interpreta assim com perfeição.
Problemas de toda ordem (do tipo financeiro e até de censura) prejudicaram a filmagem de Vendaval Maravilhoso, uma co-produção luso-brasileira baseada na vida de Castro Alves, “o poeta dos escravos”; mas Leitão de Barros lutou até o fim, deixando o cinema depois deste episódio. O filme reflete todas as dificuldades da produção, porém restou a incontestável beleza plástica, a presença dolorosa dos escravos, um fado maravilhoso de Amália Rodrigues (Eugênia Câmara, o grande amor de Castro Alves), um rosto de poeta como o do ator Paulo Maurício e um desejo concreto de unir os dois países pelo cinema.
Entre os outros filmes interessantes do período dourado do cinema português (Feitiço do Império / 1940 de Antonio Lopes Ribeiro, Pão Nosso / 1940 de Armando de Miranda, Porto de Abrigo / 1941 de Adolfo Coelho, Ala Arriba / 1942 de Leitão de Barros, Aniki- Bóbó de Manoel de Oliveira, Aves de Arribação / 1943 de Armando de Miranda, Lobos da Serra / 1942, Fátima, Terra de Fe’/ 1943 e Um Homem às Direitas / 1944 de Jorge Brum do Canto, A Noiva do Brasil / 1945 de Santos Mendes, Caís do Sodré / 1946 de Alejandro Perla, Três Dias sem Deus / 1946 de Bárbara Virgínia, primeiro filme português realizado por uma mulher, cujo argumento explorava a situação dramática de uma comunidade que se via privada de seu padre, como acontecia em Deus Necessita de Homens / Dieu a Besoin des Hommes / 1950 de Jean Delannoy, Um Homem do Ribatejo / 1946 de Henrique Campos, Capas Negras / 1947 de Armando de Miranda, Bola ao Centro / 1947 de João Moreira, Fado – História de uma Cantadeira / 1948 de Perdigão Queiroga, Um Grito na Noite / 1948 de Carlos Porfirio, Serra Brava / 1948 de Armando de Miranda, Não há rapazes maus / 1949 de Eduardo Maroto, Uma Vida para Dois / 1949 de Armando de Miranda, Heróis do Mar / 1949 de Fernando Garcia) merecem maior atenção, Aniki-Bóbó e os dois filmes de Amália Rodrigues, Capas Negras e Fado- História de uma Cantadeira.
Aniki-Bóbó, reflete o mundo adulto aos olhos das criança. “Procurei espelhar nos garotos”, disse o diretor, “os problemas do homem, problemas ainda em estado embrionário: pôr em oposição concepções do Bem e do Mal, o ódio e o amor, a amizade e a ingratidão; sugerir o medo da noite e do desconhecido; refletir a atração da vida que palpita em todas as coisas à nossa volta, contrastando com a monotonia do que é fechado, limitado por paredes, pela força ou pelo convencionalismo”. O título do filme deriva de um jogo de crianças que vivem um cotidiano igual ao de todas as crianças – “Aniki-Bóbó / Aniki-Bóbó / Passarinho do Totó / Berimbau, Cavaquinho / Salomão, Sacristão / Tu és Policia, tu és Ladrão!”. É um conto poético, intensamente dramático, contando as aventuras de um bando de garotos das ruas do Porto, sua vivência psíquica diante do tédio de uma escola arcaica; o medo da polícia; as lendas que envolvem o mistério da morte; o deslumbramento do trem que passa, etc. Mais simples e mais acessível no que se refere ao estilo do que muitos filmes posteriores do cineasta, o espetáculo é enriquecido pela excelente fotografia em locações de Antonio Mendes e pela interpretação natural dos meninos. E, pelo seu tom, pode ser considerado um dos precursores do neo-realismo italiano.
Já Capas Negras e Fado – História de uma Cantadeira, foram dois grandes sucessos comerciais do cinema português. Capas Negras ficou 22 semanas em cartaz e bateu todos os recordes de bilheteria até então e parece que continua imbatível em termos de rentabilidade.
Na trama, José Duarte (Alberto Ribeiro), estudante de Direito em Coimbra namora Maria de Lisboa (Amália Rodrigues). O romance é rompido por suspeita de traição por parte de Maria, partindo José Duarte para o Porto. Algum tempo depois, Maria é presa no Porto, sob acusação de abandono do filho e o advogado que a defenderá será José Duarte.
O filme contava antes de tudo com dois artistas no auge de sua popularidade, Amália Rodrigues e Alberto Ribeiro, com todas as suas canções na boca do povo e em segundo lugar com um argumento melodramático com o advogado defendendo no tribunal a mãe solteira do seu filho ilegítimo, um final que, para quem gosta do gênero, era emocionante. Uma das canções do filme, a famosa “Coimbra” de Raul Ferrão, transformou-se num emblema sonoro de Portugal no mundo.
O argumento de Fado – História de uma Cantadeira também é folhetinesco. Conta o percurso de Ana Maria (Amália Rodrigues), uma fadista da classe operária, cujo namorado, Julio (Virgilio Teixeira), é guitarrista. Ela torna-se famosa, rica e sai do seu bairro. Mas, quando Julio decide emigrar para a África, Ana Maria regressa e eles se reconciliam. O enredo sentimental, a fabulosa fotografia do rosto de Amália (devida ao competente fotógrafo italiano Francesco Izarelli, que já trabalhara em Camões), as atuações primorosas de Amália Rodrigues, Virgilio Teixeira e Antonio Silva (como Chico Fadista) e, acima de tudo os fados de Amália, garantiram um bom espetáculo.