Arquivo diários:março 22, 2011

TOTÓ

Filho ilegítimo do Marquês Giuseppe De Curtis e de Anna Clemente, Totó (Antonio Vincenzo Stefano Clemente) nasceu em Nápoles no dia 15 de fevereiro de 1898 no segundo andar de um prédio da Via Santa Maria Antesaecula no bairro Stella apelidado de Sanitá (Saúde) por causa do seu ar, naquele tempo, particularmente salubre. Registrado no Cartório do Registro Civil com o sobrenome materno, Totó seria reconhecido legalmente como filho do marquês (que depois da morte de seu progenitor se casou com Anna em 24 de fevereiro de 1921) em 1937. Em 1933, ele se fez adotar  – em troca de uma renda vitalícia -pelo marquês Francesco Maria Gagliardi, que lhe transmitiu seus títulos de nobreza.

Após ter frequentado a escola primária, Totó ingressou no colégio Cimino, onde um professor, numa luta de boxe, lhe causou aquele desvio de septo nasal que, com o tempo, tornar-se-ia um traço característico de sua máscara teatral e cinematográfica.

Aos 14 anos de idade, ele abandona os estudos e começa a fazer imitações do artista do teatro de variedades Gustavo De Marco, sendo sempre delirantemente aplaudido.

Em 1915, Totó se alista como voluntário para lutar na Primeira Guerra Mundial, mas evita a frente de batalha, fingindo um ataque epilético. Em 1918, no final do conflito, retorna a Nápoles e arranja emprego numa companhia teatral de segunda classe, onde apresenta imitações das caricaturas de De Marco; porém  suas exibições são recebidas com vaias e assovios.

O primeiro sucesso de Totó ocorre quando, mudando o repertório, ele resolveu trilhar o caminho da paródia. Em 1919, o encontramos na Sala Napoli parodiando Vipera (Serpente), a célebre canção celebrizada pela cantora Anna Fougez. Reescrita por Totó, Vipera conta, em chave autobiográfica, a história de um jovem que, tendo frequentado uma prostituta, pega uma doença venérea. Totó cantou-a erguendo um ferrolho na braguilha de sua calça. A caricatura grosseira divertiu o público, mas não podia ser repetida indefinidamente. Assim, o jovem ator reescreveu-a, chamando-a Biscia (Cobra) e, para interpretá-la, começou a mover o corpo e sobretudo o  pescoço, com aquele movimento de contorcionista que se tornaria uma de suas caraterísticas.

No ano seguinte, Totó retoma seu repertório de imitações de De Marco e de novo o público decreta seu insucesso. Depois de receber uma saraivada de vaias no Teatro Valle di Aversa, ele se transfere para Roma com seus pais e arranja emprego na empresa de Francesco De Marco, que se exibia no Teatro Diocleziano. Infelizmente, dentro de poucas semanas Totó foi dispensado por inveja de um ator que via com maus olhos  a sua popularidade.

Novamente desempregado, ele frequenta o Caffè Canavera e o Caffè Vesuvio, onde costumavam se reunir os atores, sobretudo os desocupados. Totó se sente no seu ambiente porém, exasperado pela inatividade e desanimado com o seu futuro, tenta o suicídio com éter. Salvo a tempo por sua mãe, ele decide experimentar o teatro de variedades.

Numa manhã, Totó se apresenta a Giuseppe Jovinelli, proprietário do teatro homônimo na praça Guglielmo Pepe. Totó se diz disposto a fazer de tudo, porém refaz uma imitação de De Marco que diverte muito Jovinelli. Ele é contratado por uma semana e, bem acolhido pelo público (bem diferente daquele que ele havia enfrentado até então), obriga o empresário a lhe renovar o contrato por mais alguns meses e a colocar o seu nome com destaque nos cartazes de promoção do espetáculo.

Terminado o compromisso com Jovinelli, Totó assina contrato com Salvatore Cataldi e Wolfango Cavaniglia, proprietários do Teatro Sala Umberti I. Já na primeira noite na Sala, Totó conquista a platéia, rodopiando o corpo, contorcendo o rosto numa mímica irresistível, fazendo trejeitos de duplo sentido e caretas surreais, que suscitam muitos aplausos e pedidos de bis. É a consagração.

De 1923 a 1927, ele se exibiu em vários teatros e afirmou a sua figura de marionete desarticulada, de chapéu de côco, fraque fora da medida, sapato baixo e meia colorida, que começa a ser conhecida como “o homem de borracha”(l’uomo gomma).

Em 1927, Totó é contratado por Achille Maresca, titular de duas companhias de revista e de opereta. Nas numerosas temporadas nos anos 1928 e 1929 o primeiro cômico-grotesco da história contemporânea – assim ele começou a ser definido pelos críticos – afirmou-se ainda mais como um grande ator dos palcos italianos.

Em 1929, Totó inicia uma relação amorosa com a cantora de café-concerto Liliana Castagnola. Em 1930, ele aceita o convite da soubrette Cabiria e parte numa turnê. Sentindo-se abandonada pelo amante, Liliana, dotada de um temperamento mórbido e doentio, suicida-se. Em sua homenagem, o ator dará o nome de Liliana à sua filha, que nascerá do seu matrimônio com Diana Rogliani. Após a turnê com Cabiria, no final de junho de 1930, Totó está de novo em Roma, na Sala Umberto I, apresentando uma nova criação: num esquete intitulado “Totó Carlitos por amor”, ele imita com perfeição o célebre personagem de Charles Chaplin.

Durante uma excursão teatral em Florença, Totó conhece uma jovem de 17 anos, Diana Bandini Rogliani, corteja-a, e finalmente os dois se casam – somente no civil – na primavera de 1932.

Entrementes, na Itália, desde o início dos anos 30, começou a ser difundido o avanspettacolo, ou seja, aquele espetáculo ao vivo no estilo do teatro de revista ou do vaudeville, apresentado nos cinemas antes da projeção, que foi inventado pelo empresário americano Sid Grauman com o nome de Prologue e difundido, como um complemento cinematográfico, em outros países como a França (avant-cinéma) e o Brasil (prólogo). Totó participa desses espetáculos de abertura com sua irrefreável comicidade, conquista plenamente a simpatia do público e afirma, de uma vez por todas, a  sua personalidade artística.

Sua filha Liliana nasce em 10 de maio de 1933. O pai está no teatro Eliseo de Roma na revista Al Pappagallo. Quando lhe avisam do acontecimento, ele sai do palco desculpando-se com o público e anunciando que vai conhecer sua filha, mas que retornará dentro de poucos minutos.

Em 1934, Totó realiza finalmente seu desejo de possuir uma casa em Roma, onde poderá se refugiar depois dos espetáculos cansativos ao lado da família. Entretanto, o ciúme obsessivo e imotivado que ele tem de sua jovem esposa começa a abalar seu casamento. Apesar disso, em abril de 1935, o ator esposa Diana numa cerimônia religiosa e continua com êxito o seu trabalho na companhia de avanspettacolo, tirando o melhor proveito de sua capacidade cômica, das invenções linguísticas e da mímica grotesca.

No ano de 1937, Totó estreou no cinema com o filme Fermo con le Mani, dirigido por Gero Zambuto. Não foi a primeira vez que propuseram a Totó sua transferência para o cinema. Já no final de 1930, Stefano Pitaluga, que havia produzido para a Cines La Canzone dell’amore, o primeiro filme sonoro italiano, pensara em convidar Totó para trabalhar num filme intitulado Il Ladro Disgraziato; porém quando o diretor lhe disse que ele teria que imitar Buster Keaton, o cômico lhe respondeu que ele era Totó e não Buster Keaton, e abandonou a produção. Alguns anos depois, Totó poderia ter sido Blim, o mendigo suicida que, no início de Darò un Milione de Mario Camerini, salvava o milionário Gold (Vittorio De Sica). Mas enquanto Cesare Zavattini, autor do argumento e do roteiro, torcia por ele, o diretor não quis utilizar um ator ainda desconhecido do público cinematográfico.

O convite para participar de Fermo con le Mani foi feito por Gustavo Lombardo, o dono da Titanus, destinada a ser uma das companhias produtoras mais importantes da Europa. O filme deu a Totó a oportunidade de se tornar conhecido de um público diferente do avanspettacolo.

A crise conjugal entre Totó e Diana aumenta e o casal concorda em anular seu matrimonio. Porém, como na Itália ainda não tinha sido instituído o divórcio, eles só conseguiram requerer a dissolução de seu vínculo em Bruenn, na Hungria. Em 27 dezembro de 1939, a anulação seria declarada válida também na Itália, pela Corte de Apelação de Perugia.

Apesar de não ter ficado satisfeito com o resultado de seu primeiro filme, que foi uma tentativa frustrada de se criar um “Carlitos italiano”, Totó se achava pronto para fazer uma nova tentativa. Lombardo ainda acreditava nele e o confiou ao humorista Achille Campanile que, juntamente com o diretor Carlo Ludovico Bragaglia, se encarregou de dar vida a Animali Pazzi / 1939; porém o resultado não foi satisfatório. Por causa da pobreza financeira da produção e da banalidade do argumento, Bragaglia realizou uma direção medíocre e Totó foi o primeiro a sofrer as consequências.

Pouco depois, Cesare Zavattini escreveu para ele o argumento Totó il buono, que afinal não se tornou um filme de Totó, mas foi a inspiração para Milagre em Milão / Miracolo a Milano, realizado anos mais tarde (1951), em pleno neorrealismo, pela dupla De Sica-Zavattini.

A idéia de um terceiro filme de Totó concretizou-se em San Giovanni Decollato / 1940,  dirigido por Amleto Palermi com base numa comédia de Nino Martoglio e roteiro escrito por A. Palermi, Cesare Zavattini e Aldo Vergano.  Como observou Ennio Bíspuri – no seu extraordinário livro Totó Attore (Gremese, 2010), no qual o autor comenta exaustivamente todos os filmes do grande cômico – o personagem de Totó, graças ao texto sólido de Martoglio, ao trabalho severo dos roteiristas e à direção comedida de Palermi, deixa entrever pela primeira vez os grandes recursos cinematográficos  do  ator.

Poucos dias depois do lançamento do filme, Totó estreou ao lado de Anna Magnani no Teatro Quattro Fontane de Roma na revista Quando meno te l’aspetti de Michele Galdieri. Anna já era famosa como Totó, tanto por suas interpretações teatrais como cinematográficas. A cena pela qual a revista se tornou famosa na história do teatro ligeiro foi aquela em que Totó e Anna faziam a caricatura dos jovens frequentadores dos bares da Via Veneto, imitando o seu linguajar contraído, no qual “bici” quer dizer bicicleta, “tele”, telefone, “occu”, ocupado, etc.

Antes de estrear na revista de Galdieri, Totó interpretou no cinema Alegre Fantasma L’Allegro Fantasma / 1941, novamente sob a direção de Amleto Palermi, no qual fez o papel de três personagens, três gêmeos envolvidos na disputa de uma herança. No comentário do crítico Osvaldo Scaccia, “em L‘Allegro Fantasma a gente rí só por causa de Totó, um Totó mais do teatro revista do que do cinema … é uma velha cena cômica baseada essencialmente nas caretas de Totó e em algumas idéias que, na verdade, não são novinhas em folha.

Em fevereiro de 1942, o ator atuou no Teatro Lírico de Milão numa outra revista que Galdieri escreveu para ele e Anna Magnani: Volumineide. Neste espetáculo Totó fez uma de suas caracterizações mais célebres como Pinocchio além de parodiar o Conde Wromsky de Anna Karenina e o lobo mau de Chapeuzinho Vermelho, Anna, por sua vez, parodiava a heroína de Malombra (o filme de Mario Soldati), Anna Karenina e Chapeuzinho Vermelho. Orio Caldiron, no seu excelente livro Il principe Totò (Gremese, 2001), de onde extraímos a maior parte das informações para este artigo, entra em mais detalhes sobre este e outros trabalhos de Totó no teatro – inclusive reproduzindo trechos muito engraçados dos textos das revistas.

Prosseguindo na sua carreira cinematográfica, Totó assinou contrato com a Bassoli Film para interpretar um novo filme, Due Cuori fra le Belve que, após a guerra, foi distribuído como Totò nella fossa dei Leoni / 1943, dirigido por Giorgio Simonelli. No enredo, Totó, enamorado de uma moça, filha de um cientista desaparecido na selva, metia-se numa expedição em busca do sábio e quase servia de refeição para os canibais. De acordo com Bíspuri, o filme demonstrava de modo evidente que os diretores e produtores continuavam a perceber, a enquadrar e a limitar a comicidade do ator napolitano no âmbito do exagêro, em detrimento do realismo.

Após mais algumas revistas contracenando com a Magnani, Totó voltou às telas com Il Ratto delle Sabine / 1945, dirigido por Mario Bonnard. Neste filme, Totó personificou um diretor de companhia teatral que encena uma comédia, na qual ele faz o papel de rei. Depois da morte do pai biológico, o ator, ajudado por especialistas em heráldica, quís indagar a fundo sobre sua origem nobre. Descobriu assim que era descendente direto dos imperadores de Bisâncio com uma nobreza que remontava ao 362 anos A.C. Em abril de 1946, a Corte de Apelação de Nápoles confirmou Totó como o último descendente da estirpe imperial bizantina. Conforme Bìspuri, Il Ratto delle Sabine, que pode ser considerado o primeiro filme realista de Totó, permitiu que críticos e o público descobrissem um personagem inédito, destinado a evoluir ulteriormente  após a série imediatamente sucessiva dos primeiros quatro filmes  dirigidos por Mario Mattoli: I Due Orfanelli / 1947, Pegando Touro a Unha Fifa e Arena /1948, Totò al giro d’Italia / 1948 e I Pompieri di Viggiù / 1949, que ocuparam boas posições entre os filmes de maior renda na Itália

Dos diretores que mais trabalharam com Totó, (Mattoli (16 filmes), Camilo Mastrocinque (11 filmes), Steno (10 filmes sozinho e mais 4 em dupla com Monicelli),  Sergio Corbucci (7 filmes), Carlo Ludovico Bragaglia (6 filmes),  Mario Monicelli (3 filmes sozinho e mais 4 em dupla com Steno), Mattoli foi o primeiro  a intuir as grandes possibilidades do ator. Ele percebeu que não se tratava de sobrepor a Totó um personagem definido, mas sim de criar em torno  do ator as condições mais adequadas para que ele pudesse expor todo o tesouro de gracejos e de gestos que vinha sedimentando no curso de uma longa experiência teatral no contato cotidiano com o público.

O êxito financeiro dos filmes de Totó continuou com Totò Cerca Casa/ 1949, Totò le Moko / 1949, L’Imperatore di Capri / 1950, Nápoles Milionária / Napoli Milionaria / 1950, Barbeiro em Sevilha / Figaro Quà, Figaro Là / 1950, Totò Tarzan / Totò Tarzan / 1950, O Filho do Xeque / Totò Sceicco / 1950, O Homem da Caixinha / 47 , Morto que Parla / 1950, etc. e sua popularidade – que era mais nítida  entre os espectadores da periferia e da província – não diminuiu.

Entre os filmes dos anos 50 sobressaíram por sua qualidade artística superior: Onde Está a Liberdade? / Dov’è  la Libertà …? / 1952 de Roberto Rosselini (Federico Fellini dirigiu a cena em que Totó morde a orelha de seu advogado); Ouro de Nápoles / L’oro di Napoli / 1954 de Vittorio De Sica e Os Eternos Desconhecidos / Il Soliti Ignoti / 1958 de Mario Monicelli.

O primeiro filme, “fábula insólita, amarga e paradoxal, opondo a crueldade impiedosa da vida em sociedade com a doce tranquilidade da vida na prisão”, (Jacques Lourcelles), permitiu a Totó, clown surrealista, demonstrar a extensão de seu talento. O segundo, uma reunião de crônicas deliciosas, que fazem reviver uma Nápoles triste e alegre, permite a Totó demonstrar a sua capacidade dramática como o chefe da família dominada pelo mafioso; o terceiro filme, por seu êxito internacional, faz o cinema italiano passar definitivamente do realismo do pós-guerra para a comédia e nele Totó desempenha, de uma forma precisa, o papel do velho ladrão que dá aula de assalto para os quatro colegas novatos.

No palco de filmagem de Onde Está a Liberdade? foi delineado um projeto, contemplado treze anos atrás por Rosselini, de um filme que, tendo como tema uma reflexão sobre a máscara da comédia-de-arte, deveria concentrar-se sobre Totó, considerado como o ator-máscara típico, a verdadeira, moderna personificação do Polichinelo. Porém o projeto não foi avante.

Nos anos sessenta, o nome mágico de Totó ainda garantia a atração de um vasto público popular. Ele havia se tornado o personagem mais famoso e amado de um vincêndio do cinema italiano, durante o qual exibiu suas qualidades singulares em uma série de filmes realizados para o consumo exclusivo das platéias menos exigentes, das quais soube colher as aspirações e as frustrações.

No palco de filmagem de 47 Morto che Parla Totó contracenou com Silvana Pampanini, exuberante atriz de vinte e cinco anos e começou a cortejá-la. Diante dos mexericos sobre o flerte entre Totó e Silvana, a ex-mulher do ator, Diana (que ainda continuava a viver com ele, embora  o casamento não existisse mais legalmente) resolveu sair de cena. Entrevistada pela imprensa, a Pampanini declarou que gostava muito de Totó mas … como um pai. Em 1 de agosto de 1951, Diana casou-se com o advogado Michele Tufaroli, do qual se separou três anos mais tarde.

Em fevereiro de 1952, Totó ficou encantado com a foto de Franca Faldini, que viu na capa do semanário “Oggi”. A bela jovem de cabelos negros e olhos azuis tinha apenas vinte e um anos e já filmara nos Estados Unidos, onde, contratada pela Paramount, participara (sem ser creditada) do filme  O Marujo foi na Onda /  Sailor Beware ao lado de Dean Martin e Jerry Lewis. Em 15 de março, Totó anunciou o seu noivado com Franca. A sua história de amor durou quinze anos até a morte do ator, porém eles nunca se casaram, talvez pela diferença de idade (Totó tinha cinquenta e quatro anos, trinta a mais do que Franca) ou talvez porque não acharam que havia necessidade disso. Nessa ocasião, Totó colabora na sua biografia, “Siamo Uomini o Caporali? (depois título de um de seus filmes), organizada por Alessandro Ferraú e Eduardo Passarelli para a editora Capriotti, na qual ele recorda os anos de seu longo aprendizado.

Na galeria de personagens interpretados pelo grande ator,  um lugar especial foi ocupado pelo gatuno de Guardas e Ladrões / Guardi e Ladri / 1951, Ferdinando Esposito, que vivia de expedientes e de pequenos furtos, um trabalho que valeu a Totó o prêmio Nastro d’argento como melhor ator protagonista do ano, concedido pelo Sindicato Nacional de Jornalistas Cinematográficos.

Na comicidade de Totó sempre se alternaram os registros surreal e realista. Steno e Monicelli, os realizadores de Guardi e Ladri, usaram ambos os registros neste filme e nos outros que fizeram com o cômico napolitano. Basta lembrar Totò e il Re de Roma/1952, que aborda com humor mordaz o ambiente do funcionalismo público: a frustração, a obtusidade da burocracia, a arte de “arranjar-se”; ou ainda Totò e le Donne / 1952 que, tratando o tema da misoginia, procurava conjugar a realidade social com a comédia.

Quando a dupla se separou, Steno e Monicelli realizaram, cada qual por conta própria, outros filmes com Totó acentuando uma ou outra das constantes do cômico. Steno, concentrando-se sobretudo sobre a componente surreal, aparentada com as origens teatrais; Monicelli, prosseguindo na humanização do personagem, mais ligada à idéia de atualidade e verossimilhança das situações.

Em 1957, Totò teve que interromper uma turnê teatral, porque não estava enxergando nada, tendo sido diagnosticada uma coriorretinite hemorrágica aguda no olho direito, o único com o qual via, porque o outro sofrera, há vinte anos, um deslocamento de retina traumático, operado sem êxito, Totò permaneceu um ano completamente cego e nunca conseguiu recobrar integralmente a vista do olho direito.

O encontro com Pier Paolo Pasolini foi o mais inesperado e surpreendente de toda a biografia artística do grande ator, além de ser um dos mais produtivos no plano criativo. Dele resultaram o longa-metragem Gaviões e Passarinhos / Uccellaci e Uccelini / 1966 e dois curtas-metragens La Terra vista dalla Luna / 1967 e Che cosa sono le Nuvole? / 1967. No longa-metragem, Totó interpreta um monge de São Francisco de Assis no século XII com a missão de evangelizar todos os pássaros. Pasolini expõe, num tom burlesco, os ideais marxistas e cristãos, que poderiam conduzir os homens a viver melhor. Ele viu este filme como “o mais livre e o mais puro de sua obra.

Foi por ocasião desta colaboração frutuosa que Antonio De Curtis, conhecido artísticamente como Totó, faleceu numa manhã de 15 de abril de 1967, vítima de um ataque cardíaco. Poucos dias antes, numa entrevista, ele havia declarado: “Depois que eu morrer, ninguém se lembrará de mim”. Nenhuma profecia foi tão falsa.

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes de Totó exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português, que é a informação que o imdb não dá. Totó fez 102 filmes de longa-metragem dos quais ví apenas 23, alguns não exibidos no Brasil. Desses 23, gostei mais de Pegando Touro a Unha, O Imperador de Capri, O Filho do Xeque, Guardas e Ladrões, Onde Está a Liberdade?, Ouro de Nápoles, Os Eternos Desconhecidos, Totó e a Doce Vida.

1941 – ALEGRE FANTASMA / Allegro Fantasma; 1947 – ORFÃOZINHOS DO BARULHO / Il Due Orfanelli; 1948 – PEGANDO TOURO A UNHA / Fifa e Arena; 1949 – MESSALINA E O BOMBEIRO / I Pompieri di Viggiù; 1950 – O IMPERADOR DE CAPRI / L’Imperatore di Capri, NÁPOLES MILIONÁRIA / Napoli Milionaria; TOTÓ TARZAN / Totò Tarzan; O FILHO DO XEQUE / Totò Sceicco; TOTÓ BARBEIRO EM SEVILHA / Figaro Quà, Figaro Là; O HOMEM DA CAIXINHA / 47 Morto Qui Parla. 1951 – GUARDAS E LADRÕES / Guardi e Ladri. 1952 – ONDE ESTÁ A LIBERDADE? / Dov’è la Libertà?. 1953 – UMA DAQUELAS MULHERES / Una di Quelle; O HOMEM, A BÊSTA E A VIRTUDE / L’Uomo, la Bestia e la Virtù; UM TURCO DAS ARÁBIAS / Un Turco Napoletano; UMA COMÉDIA EM CADA VIDA / Questa è la Vita. 1954 – NOSSOS TEMPOS / Tempi Nostri; MISÉRIA E NOBREZA / Miseria e Nobiltà: OURO DE NÁPOLES / L‘Oro di Napoli. 1955 – TOTÓ NO INFERNO / Totò all ‘Inferno; SOMOS HOMENS OU …? / Siamo Uomini o Caporalli?; A CORAGEM / Il Coraggio; ACONTECEU EM ROMA / Raconti Romani; TOTÓ , CHEFE DE ESTAÇÃO / Destinazione Povarolo.  1956 – VENCE O AMOR / Totò, Peppino e … la Malafemmina. 1957 – TOTÓ FORA DA LEI / Totò, Peppino e i Fuorileggi. 1958 – CASEI-ME COM UMA DOUTORA / Totò, Vittorio e la Dottoressa. CONTRABANDISTA A MUQUE / La Legge è la Legge; OS ETERNOS DESCONHECIDOS / I Soliti Ignoti; TOTÓ E MARCELINO / Totò e Marcelino; TOTÓ NA LUA / Totò nella Luna; TOTÓ EM PARIS / Totò a Parigi. 1959 – A CASA INTOLERANTE / Arrangiatevi! 1960 – LADRÃO APAIXONADO / Risate di Gioia; TOTÓ E AS VEDETAS / Signore si Nasce: SINUCA EM FAMÍLIA / Totò, Fabrizi e i Giovani d’Oggi. 1961 – TOTÓ E A DOCE VIDA / Totò, Peppino e la Dolce Vita; TOTÓ VIGARISTA 62/ Tototruffa’62. 1963 – A VIDA ÍNTIMA DE SUAS EXCELÊNCIAS / Gli Onorevoli. 1965 – A MANDRÁGORA / La Mandragola. 1966 – GAVIÕES E PASSARINHOS / Uccelacci e Uccelini.