Arquivo mensais:março 2011

ALBERT LEWIN

Cineasta estranho e singular, de sólida formação cultural e artística, Albert Lewin realizou apenas seis filmes entre 1942 e 1957, mas a sua importância não se limita a esta obra porque, de 1922 a 1939, ele esteve sempre relacionado com o cinema, primeiramente como leitor a serviço de Samuel Goldwyn, depois como roteirista na Metro-Goldwyn-Mayer e finalmente como produtor e braço direito de Irving Thalberg no mesmo estúdio. Nesta última função, o papel de Lewin foi considerável, influenciando em certas escolhas de Thalberg tanto no que se refere aos assuntos levados à tela como no que concerne a diretores e roteiristas.

Atuando sempre na sombra, Lewin foi um daqueles  homens de cinema cujo gosto e inteligência foram preponderantes na produção da MGM. Quando assumiu as funções de diretor, não foi por acaso que seus três primeiros filmes tivessem sido adaptações de Somerset Maugham, Oscar Wilde e Guy de Maupassant.

Albert Parsons Lewin nasceu em 23 de setembro de 1894 no Brooklyn, Nova York, Estados Unidos. Seu pai, Marcus Lewin e sua mãe Yetta Mindlin, pertenciam a uma família de emigrantes russos de origem judaica.

Em 1903, quando Albert tinha nove anos de idade, a família deixou o Brooklyn  e foi para Newark em New Jersey. Ele estudou na Barrister High School de Newark e, em 1915, se diplomou em literatura britânica na Universidade de Harvard, tornando-se membro da Harvard Poetry Society, fundada no mesmo ano. Convidado para cursar o doutorado em Harvard, Lewin preferiu aceitar  o cargo de professor do Departamento de Literatura Inglêsa na Universidade do Missouri.

Em Nova York, Lewin fez amizade com o poeta objetivista Charles Reznikoff, que seria um dos seus maiores amigos. Os laços artísticos que ligaram Lewin a Reznikoff, a mesma paixão pela poesia e a vontade de fugir às convenções intelectuais da época, esclarecem a formação e a personalidade do cineasta.

Foi igualmente nessa ocasião que Lewin conheceu o assistente social e filantropo Jacob Billikopf, com o qual trocaria em seguida uma importante correspondência até a morte deste em 1950.

Integrado cada vez mais na inteligentsia judaica americana, Lewin assina na Jewish Tribune críticas teatrais e cinematográficas em 1921 e 1922 e, nesta condição, se apaixona pelas pesquisas estéticas do expressionismo alemão. Graças a Billikopf, Lewin chegou à presença de Samuel Goldwyn. Foi o ponto de partida de sua carreira cinematográfica, apesar de Abraham Lehr, o executivo que o acolheu no estúdio, lhe ter dito: “Você nunca fará carreira no cinema. É muito culto para isso”.

Lewin começou trabalhando para Goldwyn em Nova York e depois em Hollywood e aproveitou a sua posição ao lado do famoso produtor, não somente para aconselhar este último nos seus diversos projetos, mas também para se iniciar nas diferentes engrenagens da máquina de produção de um grande estúdio.

Dalí em diante, Lewin se associou – em variadas funções – à realização de vários filmes. Ele foi inicialmente,  leitor  na produção de Os Três Solteirões / Three Wise Fools / 1923 de King Vidor e, nesta mesma época, participou da criação da Little Theater Films, uma fundação preocupada com a melhoria da qualidade artística dos filmes (os outros membros eram Curtis Melnitz, Paul Bern e os realizadores Ernest Lubitsch, Rex Ingram e Maurice Tourneur).

Em 1923, Lewin foi contratado por Louis B. Mayer. Ele trabalhou  – ainda como leitor – em Juiz e Réu / Name the Man / 1924 de Victor Seastrom e em seguida desenvolveu uma atividade de roteirista. Seu nome apareceu nos créditos de O Pão Nosso de Cada Dia / Bread / 1924 de Victor Schertzinger, produzido por Mayer; O Destino de um Flirt / The Fate of a Flirt / 1925 de Frank R. Strayer, produzido por Harry Cohn; Moças Ociosas / Ladies of Leisure / 1926 de Thomas Buckingham, produção da Columbia. Lewin foi inclusive o autor da história na qual se baseou este último filme. Sua cultura e originalidade eram muito apreciadas e lhe permitiram trabalhar para diferentes produtores.

O Pão Nosso de cada Dia marcou também o encontro de Lewin com Irving Thalberg, encontro que não começou sob os melhores auspícios. Deste primeiro – e ligeiro – antagonismo nasceriam entretanto uma profunda confiança, uma admiração verdadeira e uma grande amizade.

A Samuel Goldwyn Pictures acabaria sendo absorvida, juntamente com a Metro Pictures e  a Louis B. Mayer Pictures, pela Loew’s Inc. de Marcus Loew e Nicholas Schenck. Seria o nascimento da Metro-Goldwyn-Mayer em 17 de abril de 1924.

Albert Lewin entrou para a jovem MGM graças a dois amigos seus, Arthur M. Loew e David L. Loew, filhos de Marcus Loew, para ler romances, peças teatrais ou roteiros originais com vistas a uma possível adaptação para a tela. A cultura de Lewin lhe proporcionou um lugar privilegiado como assessor de Irving Thalberg, de quem ele se tornaria um dos colaboradores mais preciosos, juntamente com Paul Bern, que em pouco tempo passou a ocupar a chefia do Departamento de Roteiros.

Lewin foi assim levado a assistir as nove horas de projeção de Ouro e Maldição / Greed / 1923 de Erich von Stroheim, antes que o filme fosse remontado para poder ser exibido, experiência ao mesmo tempo apaixonante e frustrante como ele contou em 1967 a Patrick Brion – autor da biografia Albert Lewin – Un esthète à Hollywood (Bifi / Durante, 1997). Lewin viu logo que o filme de Stroheim não poderia ser exibido na sua versão integral, mas acrescentou que Stroheim deu um jeito de contar praticamente duas vezes situações idênticas, o que poderia ter permitido cortar o filme sem mutilá-lo.

O gôsto que Lewin manifestou pela literatura, fez com que ele participasse na elaboração de outros roteiros como Fraqueza de Hércules / Blarney / 1926, dirigido Marcel de Sano; Capacetes de Aço / Tin Hats / 1926 de Edward Sedgwick; Uma Viagem Acidentada / A Little Journey / 1927 de Robert Z. Leonard; Prestígio Social / Spring Fever / 1927 de Edward Sedgwick; Beleza Moral / Quality Street e A Atriz / The Actress / 1928, ambos de Sidney Franklyn.

Sob a direção de Irving Thalberg, Lewin tornou-se supervisor da produção de  vários filmes sem que seu nome aparecesse nos créditos e depois produziu, para a MGM: Só Ela Sabe / The Guardsman / 1931 de Sidney Franklin; A Mulher de Cabelos de Fogo / Read-Headed Woman / 1932 de Jack Conway ; Mares da China / China Seas / 1935 de Tay Garnett; O Grande Motim / Mutiny on the Bounty / 1935 de Frank Lloyd; Terra dos Deuses / The Good Earth / 1937 de Sidney Franklin.

Em 14 de setembro de 1936 Irving Thalberg morreu com a idade de 37 anos. Muito apegado a Thalberg para continuar na MGM, Lewin deixou o estúdio e foi para a Paramount, onde produziu: Confissão de Mulher / True Confession / 1937 de Wesley Ruggles; Lobos do Norte / Spawn of the North / 1938 de Henry Hathaway; Zaza / Zaza / 1939 de George Cukor.

Em 1940, Lewin se associou a David L. Loew e formou a Loew-Lewin Inc., que tinha David Loew como presidente, Lewin como vice-presidente e David Tannembaum como secretário geral e tesoureiro. O primeiro filme produzido pela Loew-Lewin foi  Náufragos / So Ends Our Night / 1941, dirigido por John Cromwell e baseado no romance Flotsam de Erich Maria Remarque. Infelizmente, após o ataque a Pearl Harbour, os numerosos projetos imaginados por Lewin entre eles Don Quixote, Moby Dick e  A Iliada – ficaram na gaveta.

Lewin aproveitou sua companhia produtora para passar à direção. Ele realizou seis filmes, em quinze anos, quatro dos quais eu reví recentemente e é sobre eles que vou falar (os outros dois, Saadia / Saadia / 1953 e O Ídolo Vivo /The Living Idol / 1957, são obras de menor importância na filmografia do diretor).

Os filmes de Lewin – com roteiros escritos por ele mesmo –  são notáveis por sua fascinação pelo estético e pelo esotérico bem como pelos seus protagonistas fora do comum – artistas e homens decadentes cujas obsessões sombrias os coloca em desacôrdo com o mundo convencional. Como lembraram Jean-Pierre Coursodon e Betrand Tavernier (50 Ans de Cinéma Américain, Nathan, 1991) seu tema essencial é a dificuldade de viver e de se realizar para um ser requintado  e ávido do absoluto enfrentando o universo materialista do qual é prisioneiro. Sua  maneira de filmar conjuga o estilo clássico de Hollywood com uma paixão pelos cenários exóticos e obras de arte extravagantes.

Um Gosto e Seis Vinténs / The Moon and Six Pence / 1942 é uma  adaptação do romance de Somerset Maugham (ele próprio livremente baseado na vida de Gauguin). Na sua estréia atrás das câmeras, Lewin aborda alguns temas que estarão presentes em todos os seus filmes como a oposição entre liberdade individual e preconceito social, a obstinação de um indivíduo que tenta se encontrar para alcançar a sua verdade e a procura de uma paz espiritual.

Charles Strickland (George Sanders) é um corretor da Bolsa de Valores bem instalado na vida, casado e pai de dois filhos, até que, subitamente, larga a família e parte para Paris, a fim de se tornar um pintor. Sua arte não é imediatamente reconhecida, mas nada o impede de continuar. Ele tem uma necessidade imperiosa de pintar. “Já lhe disse que tenho de pintar. É qualquer coisa mais forte do que eu. Quando um homem cai na água, tem de nadar, bem ou mal, não importa: precisa é salvar-se”.  Juntamente com essa inquietude artística e vital  Strikland se caracteriza por suas manifestações ferinas e incisivas, quase escandalosas para a mentalidade da época.

Tudo isto nos é relatado no filme por um personagem, Geoffrey Wolfe (Herbert Marshall), que vai acompanhando intermitentemente o percurso de Strikland, mesmo quando este sai de Paris e parte para o Taití (mostrado em sépia), onde finalmente encontra a tranquilidade para trabalhar, casa-se com uma nativa e morre vitimado pela lepra. Quando atingiu a genialidade na pintura, Strickland não procurou a posteridade, antes incumbiu a sua mulher nativa de incendiar as telas, privando a humanidade da contemplação e desfrute de seus quadros. Bastava-lhe a sua própria certeza. Pintara para atingir uma meta interior.

O filme de Lewin é um tanto verboso, mas tem excelentes desempenhos de George Sanders e Herbert Marshall, muita destreza no uso do retrospecto, inspirada partitura musical de Dmitri Tiomkin, esplêndida fotografia em preto-e-branco (de John F. Seitz) com uma iluminação que por vezes chega à beira do expressionismo e do surrealismo e apresenta uma curiosidade: nunca mostra as obras de Strickland até a derradeira sequência do incêndio, na qual vê-se em cores os quadros que as labaredas consomem.

O Retrato de Dorian Gray / The Picture of Dorian Gray / 1945 é uma adaptação do romance de Oscar Wilde passado na Inglaterra no final do século XIX.  Basil Hallward (Lowell Gilmore) pinta o retrato de um rapaz atraente e sedutor, Dorian Gray (Hurd Hatfield). Este fica encantado com o quadro, mas é alertado pelo amigo de Basil, Lord Henry (George Sanders) – um dândi amoral e cínico que se gaba de viver somente para o prazer – de que sua beleza não irá durar para sempre. Aterrorizado pela idéia da velhice e da feiúra, Dorian deseja pesarosamente em voz alta, que ele permaneça sempre jovem e a pintura é que envelheça no seu lugar. Dorian não percebe que seu desejo foi misteriosamente concedido e que sua vida mudaria para sempre. Ele adota as teorias hedonísticas de Lord Henry e continua eternamente jovem enquanto a sua imagem no quadro, a cada ato de depravação que comete, vai se modificando, até ficar com uma expressão de pura maldade.

Trata-se de uma variação hábil do tema exposto no Fausto de Goethe e do personagem mitológico Narciso. Lord Henry representa a figura diabólica e Dorian Gray é Fausto e também um reflexo do amor próprio.  O retrato simboliza a alma de Dorian. Lord Henry instiga Dorian a ter indulgência com um estilo de vida imoral, indiferente aos sentimentos das pessoas que seduz e depois rejeita.  O elemento sobrenatural se desenvolve em torno da misteriosa escultura do gato egípcio, diante da qual Dorian exprime seu desejo e nas transformações do quadro, que vai se tornando cada vez mais repulsivo.

Nota-se ainda nesta fábula moral o ingrediente extra da sexualidade. Entretanto, com exceção do episódio de Sybil Vane (a jovem cantora – interpretada por Angela Lansbury – que Dorian seduz e abandona, levando-a ao suicídio), nós não ficamos sabendo exatamente o que Dorian faz que é tão “imoral”. A cena mais aterrorizante ocorre no final, quando o retrato medonho revela a verdadeira natureza de Dorian e a elegante fotografia em preto-e-branco (Harry Stradling laureado com o Oscar) muda repentinamente para Technicolor, provocando um efeito assustador.

Lewin soube reconstituir magistralmente o clima da Inglaterra vitoriana, bloqueada pelos tabus morais e pela hipocrisia e preservar os epigramas irônicos e espirituosos de Oscar Wilde, como aquele que abre o filme e diz que Lord Henry “aperfeiçoou a arte aristocrática de não fazer absolutamente nada”. George Sanders está perfeito como Lord Henry, dizendo os diálogos com um sorriso afetado e malicioso, lendo Les Fleurs du Mal e asfixiando as borboletas.  Aliás, a literatura está presente ao longo de todo o filme. Tal como Pandora, O Retrato de Dorian Gray começa com  a citação de versos dos Rubayat de Omar Khayam.

Outra grande atuação é a de Angela Lansbury (reconhecida como uma indicação ao Oscar) como a ingênua Sybil Vane. Ela está especialmente boa na cena em que Dorian tenta convencê-la a passar a noite com ele. Com apenas um pequeno franzimento das sobrancelhas e uma única lágrima, Angela mostra como a felicidade, que Sybil pensou que tivesse encontrado, se despedaçou. Alguns críticos lamentaram a passividade com a qual Hurd Hatfield compôs o seu personagem. Outros acharam inesquecível aquela figura marmórea, quase inexpressiva. Porém, de fato, é difícil acreditar que ele estivesse sofrendo um tumulto interior. Nem quando a cena é reforçada emocionalmente pelo expressivo score de Herbert Stothart, que incorpora peças musicais de Chopin e outros compositores clássicos.

O Homem sem Coração / The Private Affairs of Bel Ami / 1947 é uma adaptação  do romance de Guy de Maupassant, cuja ação transcorre em Paris no século XIX.  O filme descreve, sem o menor compromisso, a personalidade de Georges Duroy (George Sanders), apelidado de Bel-Ami. Ele encontra na rua seu antigo camarada no serviço militar, Charles Forestier (John Carradine), que lhe arruma um emprego como jornalista num jornal de propriedade de Monsieur Walter (Hugo Haas). Apresentado à sociedade pela bela mulher de Forestier, Madeleine (Ann Dvorak), Duroy conhece a melhor amiga desta, Clotilde de Marelle (Angela Lansbury), viúva e mãe de uma menina chamada Laurine. Ele conhece também Norbert de Varenne (David Bond), um organista cego que toca na catedral de Notre Dame e sua esposa Marie, que é violinista. Com a ajuda de Madeleine, Duroy começa a escrever uma coluna intitulada “Echoes”, através da qual espera manipular os pilares sociais e financeiros de Paris. Ao mesmo tempo, Duroy e Clotilde se apaixonam. Uma noite porém, Clotilde fica sabendo que Duroy se envolveu com uma jovem dançarina do Folies Bergère, Rachel (Marie Wilson) e compreende que ele nunca lhe será fiel. Charles morre de tuberculose e Duroy casa-se com Madeleine. Ele diz a Clotilde que se trata de um casamento de conveniência e que sempre a amará. Mas Duroy logo acha vantajoso seduzir a esposa (Katherine Emery) de Monsieur Walter, que se apaixonara desesperadamente por ele e assedia Marie de Varenne (Frances Dee), que o rejeita. Duroy forja uma relação amorosa entre Madeleine e seu adversário mais feroz, Laroche-Mathieu (Warren William), para surpreendê-los em um falso adultério e pedir o divórcio dela, com o fim de cortejar Suzanne (Susan Douglas), a filha de Monsieur Walter, herdeira de uma fortuna. Para se casar com Suzanne, Duroy compra um título de nobreza e se torna doravante Georges Duroy de Cantel. Enfurecida, ao saber da noticia das bodas, Madame Walter avisa Philippe, o autêntico herdeiro dos Cantel. Este chama Duroy de ladrão e o desafia para um duelo. Duroy morre pronunciando o nome de Clotilde (O Código Hays impôs uma morte sem glória para o herói. No livro de Maupassant, Bel Ami casa-se com Suzanne e Madame Walter morre de desgosto).

Georges Duroy é um arrivista, que se vale de sua condição de conquistador de corações femininos, para ir subindo rapidamente os degraus da alta sociedade parisiense, a fim de se integrar num contexto, do qual só quer obter riqueza  e poder. Seus objetivos serão cumpridos com uma frieza e uma precisão quase matemática, pois Duroy é no fundo um profundo analista e crítico do meio em que vive.

O filme é uma sucessão de diferentes etapas da ascenção social de Bel Ami. George Sanders está particularmente notável neste papel de um indivíduo ambicioso e sem escrúpulos e o ator o interpreta com elegância e cinismo. Patrick Brion descreve assim o personagem: “Duroy lê Mademoiselle de Maupin; enxuga sua navalha cheia de espuma na carta de amor de uma de suas conquistas, Clotilde de Marelle; cantarola Auprès de ma blonde; vê uma de suas amantes – Madame Walter – prender seus cabelos num dos botões de sua jaqueta e morre apertando em sua mãos duas pequenas bonecas, verdadeiros símbolos desta “comédia humana” da qual ele foi o ator e a vítima”.

Os diálogos maravilhosos; a fotografia de Russel Metty (e John Mescall) o cuidado dedicado aos cenários; a reconstituição estilizada da Paris de 1880; a música assinada por Darius Milhaud; a idéia de comparar aquela sociedade, onde circulam sedutores, jornalistas, homens de negócios e políticos à imagem do “Petit Gignol”, que encerra o filme; a utilização do quadro La Tentation de Saint Antoine em Technicolor; e uma surpresa como aquela cena no qual Madeleine, ao saber do pedido de divórcio, coloca soberbamente sua aliança no copo de cerveja de Georges Duroy, também enriquecem artisticamente este drama naturalista belo e cruel.

A fim de provocar um movimento de curiosidade em torno do filme, Lewin organizou um concurso entre artistas contemporâneos de renome, destinado a encontrar a melhor representação de La tentation de saint Antoine (Flaubert). O tema do quadro no livro de Maupassant era Le Christ Marchant sur les Eaux, mas as autoridades do Código de Censura informaram-lhe que este tema seria inaceitável. A censura não permitia a representação do Cristo na tela. Ainda mais porque Maupassant usara a imagem do Cristo de uma maneira irônica, fazendo Jesus se parecer com Bel Ami. Quem ganhou o certame foi Max Ernst e é sua tela que aparece no filme; porém a pintura que Salvador Dali criou para o concurso, tornou-se célebre.

Em Pandora / Pandora and the Flying Dutchman / 1951, no pequeno porto de Esperanza na costa espanhola, em 1930, os pescadores trazem em suas redes dois cadáveres enlaçados. O arqueólogo britânico Geoffrey Fielding (Harold Warrender), que reconheceu o casal, conta a sua história, lembrando a frase de um escritor da Grécia antiga: “ A medida do amor é o que estamos dispostos a sacrificar por ele”. A jovem e linda cantora americana Pandora Reynolds (Ava Gardner) tem em torno dela uma pequena côrte de admiradores e de apaixonados, que fazem parte da população anglo-saxã e ociosa do porto. Um deles, Reggie Demarest (Marius Goring) pede Pandora em casamento. Após ser rejeitado, ele se envenena e morre declamando um de seus poemas. O corredor automobilista Stephen Cameron (Nigel Patrick) também quer se casar com Pandora. Querendo testar a profundidade de seu amor, Pandora lhe pergunta se ele sacrificaria seu bem mais precioso, a saber o seu carro de corrida, cuja construção lhe havia tomado dois anos.  Logo Stephen joga o precioso carro no mar. Pandora promete então esposá-lo no terceiro dia do nono mês do ano. Muito intrigada pela visão de um iate solitário ancorado na baía, Pandora interroga Geoffrey, que lhe conta a lenda do Holandês Errante, um capitão de navio do século XVII condenado a vagar sem destino sobre os mares até o fim dos tempos. De sete em sete anos ele era autorizado a ir à terra durante seis meses. Se numa dessas estadias descobrisse uma mulher disposta a sacrificar sua vida por amor a ele, a maldição terminaria e ele poderia morrer como qualquer outro ser humano. Pandora nada nua em direção ao iate. Ele parece vazio. Somente um homem se encontra a bordo, o holandês  Hendrick Van der Zee (James Mason), que está ocupado pintando uma tela representando uma alegoria do mito de Pandora. A Pandora do quadro se parece espantosamente com Pandora Reynolds.

Aí começa o drama fantástico e romântico, que combina inteligentemente o mito grego, a lenda do holandês errante (que inspirou Richard Wagner para compor o seu “Navio Fantasma”) e o ambiente da “Geração Perdida”.  Da conjunção desses três elementos resultou uma obra magnificada pela beleza perfeita da protagonista e pela fotografia deslumbrante em Technicolor de Jack Cardiff. Estes são o ponto alto do espetáculo. Como verdadeiro esteta, conhecido por sua extravagância, Lewin nos oferece um espetáculo visualmente suntuoso – misturando o barroco e o surreal – à altura de sua intriga.

Como Lewin declarou, “Era natural, para mim, tentar fazer um filme deliberadamente surrealista. Este desejo tomou forma para Pandora. O hábito que tinham os surrealistas de justapor imagens antigas e modernas, que é particularmente notável na obra de De Chirico e Paul Delvaux, sempre me perturbou. Encontrei no personagem do holandês errante, que havia sido condenado à viver durante vários séculos, um símbolo desta justaposição de épocas. Já falei do episódio no qual ele pinta um retrato de mulher que, nós descobrimos mais tarde, havia sido sua mulher, há centenas de anos”.

Entre outros episódios surrealistas do filme, podemos discernir a cena da corrida automobilística na praia: um bólido que passa a toda velocidade diante da estátua de uma deusa grega, erguida na areia. E o baile na praia, no curso da qual os homens de casaca dançam com as mulheres de maiô sob o som da música “You’re driving me crazy”, executada por um conjunto de jazz colocado, de uma maneira erótica, entre os fragmentos de estátuas antigas, tendo o mar como pano de fundo.

Infelizmente tenho que apontar alguns tropeços da direção: o andamento da narrativa é um pouco lento, faltando a movimentação febril que o enredo pedia; o filme perde muito tempo com certos incidentes (por exemplo, uma sequência prolongada na qual Stephen bate o recorde de velocidade) e com o longo retrospecto explicando a maldição de Hendrick; os vestidos e os penteados das mulheres não são de 1930, mas totalmente contemporâneos; o relacionamento entre os dois amantes é um tanto tépido. Entretanto, a originalidade do argumento sobre um amor que transcende a vida, a morte e o tempo, a cinematografia plasticamente requintada e a presença de Ava Gardner compensam essas deficiências.

Nos anos cinquenta, Lewin realizou seus dois últimos filmes e planejou múltiplos projetos, que não conseguiu concretizar. Em 1959, ele foi vítima de um ataque cardíaco, que o obrigou a renunciar à produção e à realização. Lewin mudou-se da Califórnia para Nova York, instalando-se nas imediações do Central Park, no meio de seus quadros (essencialmente surrealistas) e de seus objetos pré-colombianos.

No dia 9 de maio de 1968, Albert Lewin faleceu em virtude de uma pneumonia. Foi seu fiel amigo, Charles Reznikoff que pronunciou o elogio fúnebre.

TOTÓ

Filho ilegítimo do Marquês Giuseppe De Curtis e de Anna Clemente, Totó (Antonio Vincenzo Stefano Clemente) nasceu em Nápoles no dia 15 de fevereiro de 1898 no segundo andar de um prédio da Via Santa Maria Antesaecula no bairro Stella apelidado de Sanitá (Saúde) por causa do seu ar, naquele tempo, particularmente salubre. Registrado no Cartório do Registro Civil com o sobrenome materno, Totó seria reconhecido legalmente como filho do marquês (que depois da morte de seu progenitor se casou com Anna em 24 de fevereiro de 1921) em 1937. Em 1933, ele se fez adotar  – em troca de uma renda vitalícia -pelo marquês Francesco Maria Gagliardi, que lhe transmitiu seus títulos de nobreza.

Após ter frequentado a escola primária, Totó ingressou no colégio Cimino, onde um professor, numa luta de boxe, lhe causou aquele desvio de septo nasal que, com o tempo, tornar-se-ia um traço característico de sua máscara teatral e cinematográfica.

Aos 14 anos de idade, ele abandona os estudos e começa a fazer imitações do artista do teatro de variedades Gustavo De Marco, sendo sempre delirantemente aplaudido.

Em 1915, Totó se alista como voluntário para lutar na Primeira Guerra Mundial, mas evita a frente de batalha, fingindo um ataque epilético. Em 1918, no final do conflito, retorna a Nápoles e arranja emprego numa companhia teatral de segunda classe, onde apresenta imitações das caricaturas de De Marco; porém  suas exibições são recebidas com vaias e assovios.

O primeiro sucesso de Totó ocorre quando, mudando o repertório, ele resolveu trilhar o caminho da paródia. Em 1919, o encontramos na Sala Napoli parodiando Vipera (Serpente), a célebre canção celebrizada pela cantora Anna Fougez. Reescrita por Totó, Vipera conta, em chave autobiográfica, a história de um jovem que, tendo frequentado uma prostituta, pega uma doença venérea. Totó cantou-a erguendo um ferrolho na braguilha de sua calça. A caricatura grosseira divertiu o público, mas não podia ser repetida indefinidamente. Assim, o jovem ator reescreveu-a, chamando-a Biscia (Cobra) e, para interpretá-la, começou a mover o corpo e sobretudo o  pescoço, com aquele movimento de contorcionista que se tornaria uma de suas caraterísticas.

No ano seguinte, Totó retoma seu repertório de imitações de De Marco e de novo o público decreta seu insucesso. Depois de receber uma saraivada de vaias no Teatro Valle di Aversa, ele se transfere para Roma com seus pais e arranja emprego na empresa de Francesco De Marco, que se exibia no Teatro Diocleziano. Infelizmente, dentro de poucas semanas Totó foi dispensado por inveja de um ator que via com maus olhos  a sua popularidade.

Novamente desempregado, ele frequenta o Caffè Canavera e o Caffè Vesuvio, onde costumavam se reunir os atores, sobretudo os desocupados. Totó se sente no seu ambiente porém, exasperado pela inatividade e desanimado com o seu futuro, tenta o suicídio com éter. Salvo a tempo por sua mãe, ele decide experimentar o teatro de variedades.

Numa manhã, Totó se apresenta a Giuseppe Jovinelli, proprietário do teatro homônimo na praça Guglielmo Pepe. Totó se diz disposto a fazer de tudo, porém refaz uma imitação de De Marco que diverte muito Jovinelli. Ele é contratado por uma semana e, bem acolhido pelo público (bem diferente daquele que ele havia enfrentado até então), obriga o empresário a lhe renovar o contrato por mais alguns meses e a colocar o seu nome com destaque nos cartazes de promoção do espetáculo.

Terminado o compromisso com Jovinelli, Totó assina contrato com Salvatore Cataldi e Wolfango Cavaniglia, proprietários do Teatro Sala Umberti I. Já na primeira noite na Sala, Totó conquista a platéia, rodopiando o corpo, contorcendo o rosto numa mímica irresistível, fazendo trejeitos de duplo sentido e caretas surreais, que suscitam muitos aplausos e pedidos de bis. É a consagração.

De 1923 a 1927, ele se exibiu em vários teatros e afirmou a sua figura de marionete desarticulada, de chapéu de côco, fraque fora da medida, sapato baixo e meia colorida, que começa a ser conhecida como “o homem de borracha”(l’uomo gomma).

Em 1927, Totó é contratado por Achille Maresca, titular de duas companhias de revista e de opereta. Nas numerosas temporadas nos anos 1928 e 1929 o primeiro cômico-grotesco da história contemporânea – assim ele começou a ser definido pelos críticos – afirmou-se ainda mais como um grande ator dos palcos italianos.

Em 1929, Totó inicia uma relação amorosa com a cantora de café-concerto Liliana Castagnola. Em 1930, ele aceita o convite da soubrette Cabiria e parte numa turnê. Sentindo-se abandonada pelo amante, Liliana, dotada de um temperamento mórbido e doentio, suicida-se. Em sua homenagem, o ator dará o nome de Liliana à sua filha, que nascerá do seu matrimônio com Diana Rogliani. Após a turnê com Cabiria, no final de junho de 1930, Totó está de novo em Roma, na Sala Umberto I, apresentando uma nova criação: num esquete intitulado “Totó Carlitos por amor”, ele imita com perfeição o célebre personagem de Charles Chaplin.

Durante uma excursão teatral em Florença, Totó conhece uma jovem de 17 anos, Diana Bandini Rogliani, corteja-a, e finalmente os dois se casam – somente no civil – na primavera de 1932.

Entrementes, na Itália, desde o início dos anos 30, começou a ser difundido o avanspettacolo, ou seja, aquele espetáculo ao vivo no estilo do teatro de revista ou do vaudeville, apresentado nos cinemas antes da projeção, que foi inventado pelo empresário americano Sid Grauman com o nome de Prologue e difundido, como um complemento cinematográfico, em outros países como a França (avant-cinéma) e o Brasil (prólogo). Totó participa desses espetáculos de abertura com sua irrefreável comicidade, conquista plenamente a simpatia do público e afirma, de uma vez por todas, a  sua personalidade artística.

Sua filha Liliana nasce em 10 de maio de 1933. O pai está no teatro Eliseo de Roma na revista Al Pappagallo. Quando lhe avisam do acontecimento, ele sai do palco desculpando-se com o público e anunciando que vai conhecer sua filha, mas que retornará dentro de poucos minutos.

Em 1934, Totó realiza finalmente seu desejo de possuir uma casa em Roma, onde poderá se refugiar depois dos espetáculos cansativos ao lado da família. Entretanto, o ciúme obsessivo e imotivado que ele tem de sua jovem esposa começa a abalar seu casamento. Apesar disso, em abril de 1935, o ator esposa Diana numa cerimônia religiosa e continua com êxito o seu trabalho na companhia de avanspettacolo, tirando o melhor proveito de sua capacidade cômica, das invenções linguísticas e da mímica grotesca.

No ano de 1937, Totó estreou no cinema com o filme Fermo con le Mani, dirigido por Gero Zambuto. Não foi a primeira vez que propuseram a Totó sua transferência para o cinema. Já no final de 1930, Stefano Pitaluga, que havia produzido para a Cines La Canzone dell’amore, o primeiro filme sonoro italiano, pensara em convidar Totó para trabalhar num filme intitulado Il Ladro Disgraziato; porém quando o diretor lhe disse que ele teria que imitar Buster Keaton, o cômico lhe respondeu que ele era Totó e não Buster Keaton, e abandonou a produção. Alguns anos depois, Totó poderia ter sido Blim, o mendigo suicida que, no início de Darò un Milione de Mario Camerini, salvava o milionário Gold (Vittorio De Sica). Mas enquanto Cesare Zavattini, autor do argumento e do roteiro, torcia por ele, o diretor não quis utilizar um ator ainda desconhecido do público cinematográfico.

O convite para participar de Fermo con le Mani foi feito por Gustavo Lombardo, o dono da Titanus, destinada a ser uma das companhias produtoras mais importantes da Europa. O filme deu a Totó a oportunidade de se tornar conhecido de um público diferente do avanspettacolo.

A crise conjugal entre Totó e Diana aumenta e o casal concorda em anular seu matrimonio. Porém, como na Itália ainda não tinha sido instituído o divórcio, eles só conseguiram requerer a dissolução de seu vínculo em Bruenn, na Hungria. Em 27 dezembro de 1939, a anulação seria declarada válida também na Itália, pela Corte de Apelação de Perugia.

Apesar de não ter ficado satisfeito com o resultado de seu primeiro filme, que foi uma tentativa frustrada de se criar um “Carlitos italiano”, Totó se achava pronto para fazer uma nova tentativa. Lombardo ainda acreditava nele e o confiou ao humorista Achille Campanile que, juntamente com o diretor Carlo Ludovico Bragaglia, se encarregou de dar vida a Animali Pazzi / 1939; porém o resultado não foi satisfatório. Por causa da pobreza financeira da produção e da banalidade do argumento, Bragaglia realizou uma direção medíocre e Totó foi o primeiro a sofrer as consequências.

Pouco depois, Cesare Zavattini escreveu para ele o argumento Totó il buono, que afinal não se tornou um filme de Totó, mas foi a inspiração para Milagre em Milão / Miracolo a Milano, realizado anos mais tarde (1951), em pleno neorrealismo, pela dupla De Sica-Zavattini.

A idéia de um terceiro filme de Totó concretizou-se em San Giovanni Decollato / 1940,  dirigido por Amleto Palermi com base numa comédia de Nino Martoglio e roteiro escrito por A. Palermi, Cesare Zavattini e Aldo Vergano.  Como observou Ennio Bíspuri – no seu extraordinário livro Totó Attore (Gremese, 2010), no qual o autor comenta exaustivamente todos os filmes do grande cômico – o personagem de Totó, graças ao texto sólido de Martoglio, ao trabalho severo dos roteiristas e à direção comedida de Palermi, deixa entrever pela primeira vez os grandes recursos cinematográficos  do  ator.

Poucos dias depois do lançamento do filme, Totó estreou ao lado de Anna Magnani no Teatro Quattro Fontane de Roma na revista Quando meno te l’aspetti de Michele Galdieri. Anna já era famosa como Totó, tanto por suas interpretações teatrais como cinematográficas. A cena pela qual a revista se tornou famosa na história do teatro ligeiro foi aquela em que Totó e Anna faziam a caricatura dos jovens frequentadores dos bares da Via Veneto, imitando o seu linguajar contraído, no qual “bici” quer dizer bicicleta, “tele”, telefone, “occu”, ocupado, etc.

Antes de estrear na revista de Galdieri, Totó interpretou no cinema Alegre Fantasma L’Allegro Fantasma / 1941, novamente sob a direção de Amleto Palermi, no qual fez o papel de três personagens, três gêmeos envolvidos na disputa de uma herança. No comentário do crítico Osvaldo Scaccia, “em L‘Allegro Fantasma a gente rí só por causa de Totó, um Totó mais do teatro revista do que do cinema … é uma velha cena cômica baseada essencialmente nas caretas de Totó e em algumas idéias que, na verdade, não são novinhas em folha.

Em fevereiro de 1942, o ator atuou no Teatro Lírico de Milão numa outra revista que Galdieri escreveu para ele e Anna Magnani: Volumineide. Neste espetáculo Totó fez uma de suas caracterizações mais célebres como Pinocchio além de parodiar o Conde Wromsky de Anna Karenina e o lobo mau de Chapeuzinho Vermelho, Anna, por sua vez, parodiava a heroína de Malombra (o filme de Mario Soldati), Anna Karenina e Chapeuzinho Vermelho. Orio Caldiron, no seu excelente livro Il principe Totò (Gremese, 2001), de onde extraímos a maior parte das informações para este artigo, entra em mais detalhes sobre este e outros trabalhos de Totó no teatro – inclusive reproduzindo trechos muito engraçados dos textos das revistas.

Prosseguindo na sua carreira cinematográfica, Totó assinou contrato com a Bassoli Film para interpretar um novo filme, Due Cuori fra le Belve que, após a guerra, foi distribuído como Totò nella fossa dei Leoni / 1943, dirigido por Giorgio Simonelli. No enredo, Totó, enamorado de uma moça, filha de um cientista desaparecido na selva, metia-se numa expedição em busca do sábio e quase servia de refeição para os canibais. De acordo com Bíspuri, o filme demonstrava de modo evidente que os diretores e produtores continuavam a perceber, a enquadrar e a limitar a comicidade do ator napolitano no âmbito do exagêro, em detrimento do realismo.

Após mais algumas revistas contracenando com a Magnani, Totó voltou às telas com Il Ratto delle Sabine / 1945, dirigido por Mario Bonnard. Neste filme, Totó personificou um diretor de companhia teatral que encena uma comédia, na qual ele faz o papel de rei. Depois da morte do pai biológico, o ator, ajudado por especialistas em heráldica, quís indagar a fundo sobre sua origem nobre. Descobriu assim que era descendente direto dos imperadores de Bisâncio com uma nobreza que remontava ao 362 anos A.C. Em abril de 1946, a Corte de Apelação de Nápoles confirmou Totó como o último descendente da estirpe imperial bizantina. Conforme Bìspuri, Il Ratto delle Sabine, que pode ser considerado o primeiro filme realista de Totó, permitiu que críticos e o público descobrissem um personagem inédito, destinado a evoluir ulteriormente  após a série imediatamente sucessiva dos primeiros quatro filmes  dirigidos por Mario Mattoli: I Due Orfanelli / 1947, Pegando Touro a Unha Fifa e Arena /1948, Totò al giro d’Italia / 1948 e I Pompieri di Viggiù / 1949, que ocuparam boas posições entre os filmes de maior renda na Itália

Dos diretores que mais trabalharam com Totó, (Mattoli (16 filmes), Camilo Mastrocinque (11 filmes), Steno (10 filmes sozinho e mais 4 em dupla com Monicelli),  Sergio Corbucci (7 filmes), Carlo Ludovico Bragaglia (6 filmes),  Mario Monicelli (3 filmes sozinho e mais 4 em dupla com Steno), Mattoli foi o primeiro  a intuir as grandes possibilidades do ator. Ele percebeu que não se tratava de sobrepor a Totó um personagem definido, mas sim de criar em torno  do ator as condições mais adequadas para que ele pudesse expor todo o tesouro de gracejos e de gestos que vinha sedimentando no curso de uma longa experiência teatral no contato cotidiano com o público.

O êxito financeiro dos filmes de Totó continuou com Totò Cerca Casa/ 1949, Totò le Moko / 1949, L’Imperatore di Capri / 1950, Nápoles Milionária / Napoli Milionaria / 1950, Barbeiro em Sevilha / Figaro Quà, Figaro Là / 1950, Totò Tarzan / Totò Tarzan / 1950, O Filho do Xeque / Totò Sceicco / 1950, O Homem da Caixinha / 47 , Morto que Parla / 1950, etc. e sua popularidade – que era mais nítida  entre os espectadores da periferia e da província – não diminuiu.

Entre os filmes dos anos 50 sobressaíram por sua qualidade artística superior: Onde Está a Liberdade? / Dov’è  la Libertà …? / 1952 de Roberto Rosselini (Federico Fellini dirigiu a cena em que Totó morde a orelha de seu advogado); Ouro de Nápoles / L’oro di Napoli / 1954 de Vittorio De Sica e Os Eternos Desconhecidos / Il Soliti Ignoti / 1958 de Mario Monicelli.

O primeiro filme, “fábula insólita, amarga e paradoxal, opondo a crueldade impiedosa da vida em sociedade com a doce tranquilidade da vida na prisão”, (Jacques Lourcelles), permitiu a Totó, clown surrealista, demonstrar a extensão de seu talento. O segundo, uma reunião de crônicas deliciosas, que fazem reviver uma Nápoles triste e alegre, permite a Totó demonstrar a sua capacidade dramática como o chefe da família dominada pelo mafioso; o terceiro filme, por seu êxito internacional, faz o cinema italiano passar definitivamente do realismo do pós-guerra para a comédia e nele Totó desempenha, de uma forma precisa, o papel do velho ladrão que dá aula de assalto para os quatro colegas novatos.

No palco de filmagem de Onde Está a Liberdade? foi delineado um projeto, contemplado treze anos atrás por Rosselini, de um filme que, tendo como tema uma reflexão sobre a máscara da comédia-de-arte, deveria concentrar-se sobre Totó, considerado como o ator-máscara típico, a verdadeira, moderna personificação do Polichinelo. Porém o projeto não foi avante.

Nos anos sessenta, o nome mágico de Totó ainda garantia a atração de um vasto público popular. Ele havia se tornado o personagem mais famoso e amado de um vincêndio do cinema italiano, durante o qual exibiu suas qualidades singulares em uma série de filmes realizados para o consumo exclusivo das platéias menos exigentes, das quais soube colher as aspirações e as frustrações.

No palco de filmagem de 47 Morto che Parla Totó contracenou com Silvana Pampanini, exuberante atriz de vinte e cinco anos e começou a cortejá-la. Diante dos mexericos sobre o flerte entre Totó e Silvana, a ex-mulher do ator, Diana (que ainda continuava a viver com ele, embora  o casamento não existisse mais legalmente) resolveu sair de cena. Entrevistada pela imprensa, a Pampanini declarou que gostava muito de Totó mas … como um pai. Em 1 de agosto de 1951, Diana casou-se com o advogado Michele Tufaroli, do qual se separou três anos mais tarde.

Em fevereiro de 1952, Totó ficou encantado com a foto de Franca Faldini, que viu na capa do semanário “Oggi”. A bela jovem de cabelos negros e olhos azuis tinha apenas vinte e um anos e já filmara nos Estados Unidos, onde, contratada pela Paramount, participara (sem ser creditada) do filme  O Marujo foi na Onda /  Sailor Beware ao lado de Dean Martin e Jerry Lewis. Em 15 de março, Totó anunciou o seu noivado com Franca. A sua história de amor durou quinze anos até a morte do ator, porém eles nunca se casaram, talvez pela diferença de idade (Totó tinha cinquenta e quatro anos, trinta a mais do que Franca) ou talvez porque não acharam que havia necessidade disso. Nessa ocasião, Totó colabora na sua biografia, “Siamo Uomini o Caporali? (depois título de um de seus filmes), organizada por Alessandro Ferraú e Eduardo Passarelli para a editora Capriotti, na qual ele recorda os anos de seu longo aprendizado.

Na galeria de personagens interpretados pelo grande ator,  um lugar especial foi ocupado pelo gatuno de Guardas e Ladrões / Guardi e Ladri / 1951, Ferdinando Esposito, que vivia de expedientes e de pequenos furtos, um trabalho que valeu a Totó o prêmio Nastro d’argento como melhor ator protagonista do ano, concedido pelo Sindicato Nacional de Jornalistas Cinematográficos.

Na comicidade de Totó sempre se alternaram os registros surreal e realista. Steno e Monicelli, os realizadores de Guardi e Ladri, usaram ambos os registros neste filme e nos outros que fizeram com o cômico napolitano. Basta lembrar Totò e il Re de Roma/1952, que aborda com humor mordaz o ambiente do funcionalismo público: a frustração, a obtusidade da burocracia, a arte de “arranjar-se”; ou ainda Totò e le Donne / 1952 que, tratando o tema da misoginia, procurava conjugar a realidade social com a comédia.

Quando a dupla se separou, Steno e Monicelli realizaram, cada qual por conta própria, outros filmes com Totó acentuando uma ou outra das constantes do cômico. Steno, concentrando-se sobretudo sobre a componente surreal, aparentada com as origens teatrais; Monicelli, prosseguindo na humanização do personagem, mais ligada à idéia de atualidade e verossimilhança das situações.

Em 1957, Totò teve que interromper uma turnê teatral, porque não estava enxergando nada, tendo sido diagnosticada uma coriorretinite hemorrágica aguda no olho direito, o único com o qual via, porque o outro sofrera, há vinte anos, um deslocamento de retina traumático, operado sem êxito, Totò permaneceu um ano completamente cego e nunca conseguiu recobrar integralmente a vista do olho direito.

O encontro com Pier Paolo Pasolini foi o mais inesperado e surpreendente de toda a biografia artística do grande ator, além de ser um dos mais produtivos no plano criativo. Dele resultaram o longa-metragem Gaviões e Passarinhos / Uccellaci e Uccelini / 1966 e dois curtas-metragens La Terra vista dalla Luna / 1967 e Che cosa sono le Nuvole? / 1967. No longa-metragem, Totó interpreta um monge de São Francisco de Assis no século XII com a missão de evangelizar todos os pássaros. Pasolini expõe, num tom burlesco, os ideais marxistas e cristãos, que poderiam conduzir os homens a viver melhor. Ele viu este filme como “o mais livre e o mais puro de sua obra.

Foi por ocasião desta colaboração frutuosa que Antonio De Curtis, conhecido artísticamente como Totó, faleceu numa manhã de 15 de abril de 1967, vítima de um ataque cardíaco. Poucos dias antes, numa entrevista, ele havia declarado: “Depois que eu morrer, ninguém se lembrará de mim”. Nenhuma profecia foi tão falsa.

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes de Totó exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português, que é a informação que o imdb não dá. Totó fez 102 filmes de longa-metragem dos quais ví apenas 23, alguns não exibidos no Brasil. Desses 23, gostei mais de Pegando Touro a Unha, O Imperador de Capri, O Filho do Xeque, Guardas e Ladrões, Onde Está a Liberdade?, Ouro de Nápoles, Os Eternos Desconhecidos, Totó e a Doce Vida.

1941 – ALEGRE FANTASMA / Allegro Fantasma; 1947 – ORFÃOZINHOS DO BARULHO / Il Due Orfanelli; 1948 – PEGANDO TOURO A UNHA / Fifa e Arena; 1949 – MESSALINA E O BOMBEIRO / I Pompieri di Viggiù; 1950 – O IMPERADOR DE CAPRI / L’Imperatore di Capri, NÁPOLES MILIONÁRIA / Napoli Milionaria; TOTÓ TARZAN / Totò Tarzan; O FILHO DO XEQUE / Totò Sceicco; TOTÓ BARBEIRO EM SEVILHA / Figaro Quà, Figaro Là; O HOMEM DA CAIXINHA / 47 Morto Qui Parla. 1951 – GUARDAS E LADRÕES / Guardi e Ladri. 1952 – ONDE ESTÁ A LIBERDADE? / Dov’è la Libertà?. 1953 – UMA DAQUELAS MULHERES / Una di Quelle; O HOMEM, A BÊSTA E A VIRTUDE / L’Uomo, la Bestia e la Virtù; UM TURCO DAS ARÁBIAS / Un Turco Napoletano; UMA COMÉDIA EM CADA VIDA / Questa è la Vita. 1954 – NOSSOS TEMPOS / Tempi Nostri; MISÉRIA E NOBREZA / Miseria e Nobiltà: OURO DE NÁPOLES / L‘Oro di Napoli. 1955 – TOTÓ NO INFERNO / Totò all ‘Inferno; SOMOS HOMENS OU …? / Siamo Uomini o Caporalli?; A CORAGEM / Il Coraggio; ACONTECEU EM ROMA / Raconti Romani; TOTÓ , CHEFE DE ESTAÇÃO / Destinazione Povarolo.  1956 – VENCE O AMOR / Totò, Peppino e … la Malafemmina. 1957 – TOTÓ FORA DA LEI / Totò, Peppino e i Fuorileggi. 1958 – CASEI-ME COM UMA DOUTORA / Totò, Vittorio e la Dottoressa. CONTRABANDISTA A MUQUE / La Legge è la Legge; OS ETERNOS DESCONHECIDOS / I Soliti Ignoti; TOTÓ E MARCELINO / Totò e Marcelino; TOTÓ NA LUA / Totò nella Luna; TOTÓ EM PARIS / Totò a Parigi. 1959 – A CASA INTOLERANTE / Arrangiatevi! 1960 – LADRÃO APAIXONADO / Risate di Gioia; TOTÓ E AS VEDETAS / Signore si Nasce: SINUCA EM FAMÍLIA / Totò, Fabrizi e i Giovani d’Oggi. 1961 – TOTÓ E A DOCE VIDA / Totò, Peppino e la Dolce Vita; TOTÓ VIGARISTA 62/ Tototruffa’62. 1963 – A VIDA ÍNTIMA DE SUAS EXCELÊNCIAS / Gli Onorevoli. 1965 – A MANDRÁGORA / La Mandragola. 1966 – GAVIÕES E PASSARINHOS / Uccelacci e Uccelini.

PROCÓPIO FERREIRA NO CINEMA

Procópio Ferreira foi uma das mais fulgurantes personalidades dos palcos brasileiros, formando com João Caetano, Correa Vasques, Brandão, Leopoldo Fróes e Jaime Costa o sexteto máximo de um ciclo áureo do nosso Teatro. Fez de tudo na ribalta, resplandecendo como trágico e como cômico, arrancando lágrimas e sorrisos, com sua invulgar presença cênica  e o domínio absoluto dos gestos, das pausas e da inflexões, sempre aplaudido com muito carinho pelo público.

João Alvaro de Jesus Quental Ferreira nasceu no Rio de Janeiro a 8 de julho de 1898, filho dos portugueses Francisco Firmino Ferreira e Maria de Jesus Quental Ferreira. Na infância  – segundo uma tia – parecia “o diabo em figura de gente” de tão levado, estudando na Escola Modelo Afonso Pena e depois no Mosteiro de São Bento, onde tomou juízo e se revelou aluno aplicado.

Concluído o curso secundário, entrou para a Faculdade de Direito, mas seu destino já estava traçado. No decorrer do primeiro ano, abandonou o estudo das leis e, seguindo sua irresistível vocação, matriculou-se na Escola Dramática Municipal. Numa solenidade da Escola, um fotógrafo apanhou um flagrante da aula de Coelho Neto, onde estava o aluno João Alvaro, e publicou-o em O Imparcial, jornal que era lido pelo pai deste: Seu Francisco ficou furioso ao verificar que o filho havia ingressado na Escola sem lhe dar satisfação e o expulsou de casa, obrigando-o a procurar emprego, para se sustentar. Através de um anúncio no Jornal do Brasil, o rapaz conseguiu lugar no escritório do advogado Virgilio de Mattos, ganhando ordenado de 36 mil-réis mensais, para varrer as salas e fazer alguns serviços externos no Forum.

Terminado o curso da Escola Dramática, João Alvaro foi um dos alunos escolhidos para integrar a Companhia de Lucilia Peres no Teatro Carlos Gomes, estreando em 22 de março de 1917 na peça Amigo, Mulher e Marido, adaptação de L’Ange du Foyer de Flers e Caillavet.

Em fins de 1917, vamos encontrá-lo no Teatro Politeama, no Méier, especializado em operetas e revistas e, em 1918, estava na Companhia Itália Fausta, participando em todo o repertório, de Antígona a Ré Misteriosa. Neste tempo, Gomes Cardim vaticinou: ”Esse menino será um dos grandes atores cômicos do Brasil”.

Como seu nome era muito comprido para figurar nos cartazes, João Alvaro mudou-o para Procópio, por sugestão de Paulo Magalhães, inspirado no famoso Café Procope de Paris e também em São Procópio.

João Alvaro conquistou então seu primeiro grande êxito, o que realmente chamaria a atenção para a sua pessoa, fazendo o papel do Zé Fogueteiro, na opereta A Juriti de Viriato Corrêa, encenada em 1919 no Teatro São Pedro (atualmente João Caetano), com Abigail Maia a frente do elenco. R. Magalhães Júnior, no livro As Mil e Uma Vidas de Leopoldo Fróes, assim descreve o acontecimento: “Era uma ponta. Mas o atorzinho pequeno, feio, narigudo, parecia endiabrado. Dir-se-ia que tinha apostado com os colegas que haveria de suplantá-los a todos por mais escassas que fossem as linhas que tivesse de recitar”.

Em 1920, convidado por Alexandre de Azevedo e Antônio Serra, que estavam organizando uma companhia para o Teatro Trianon, Procópio deu mais um passo à frente, tornando grandes os pequenos papéis, tirando deles um rendimento artístico e cômico, que muitas vezes  ultrapassava a expectativa dos autores.

Um ano depois Procópio volta a fazer parte da Companhia Abigail Maia. São desta fase de sua carreira as peças Demônio Familiar, Levada da Breca, Manhãs de Sol, Ministro do Supremo, A Vida é um Sonho, Onde Canta o Sabiá e outras, nas quais o trabalho do jovem ator foi muito elogiado.

No ano seguinte, Oduvaldo Viana, Viriato Corrêa e Niccolino Viggiani organizam uma nova companhia no Trianon, mas Procópio nela ficou por pouco tempo. Com a saída de Oduvaldo Viana, os outros dois sócios preferiram recorrer ao talento de Leopoldo Fróes.

Com a experiência adquirida até então, Procópio organiza, em 1924, a sua própria empresa, decorrendo, a partir daí, uma fileira enorme de sucessos – Cala a Boca Etelvina, O Amigo Carvalhal, O Maluco da Avenida, O Bobo do Rei, Maria Cachucha, Anastácio, Deus lhe Pague, TopazeEscola de Maridos, O Avarento, O Burguês Fidalgo, O Amigo da OnçaEsta Noite Choveu Prata – para citar apenas alguns espetáculos, entre as mais de quatrocentas peças que fez ao longo dos anos, até falecer em 18 de junho de 1979.

Captura de Tela 2015-08-03 às 14.11.21Em Deus lhe Pague, texto escrito especialmente para ele por Joraci Camargo, traduzido e representado em vários idiomas (além de ter sido objeto de uma versão cinematográfica em 1948 na Argentina com Arturo de Córdova e Zully Moreno), teve uma de suas grandes criações como o mendigo filósofo. A peça estreou a 30 de dezembro de 1932 no Teatro Boa Vista de São Paulo, tendo ao lado de Procópio, Elza Gomes, Eurico Silva, Abel Pêra, Luiza Nazareth, Albertina Pereira e Restier Junior.

Em 1942, Louis Jouvet veio numa turnê ao nosso país e assistiu ao colega brasileiro interpretando O Médico à Força de Molière. Ficou tão entusiasmado, que lhe escreveu uma carta, expressando a sua admiração e convidando-o para ir trabalhar na França.

“Para mim” – escreveu Procópio – “a Vida é a miniatura do Teatro. Ele a aumenta e embeleza, a sublima … A Vida está cheia de Cyranos, Hamletos e Otelos, mas só depois da Arte os haver mostrado é que o mundo começou a reparar neles”.

Noutra oportunidade, Procópio disse que o Teatro só lhe havia deixado uma frustração: queria representar Cyrano de Bergerac de Edmond Rostand por achar que tinha o físico ideal. Só em parte conseguiu realizar este sonho, contracenando com Dulcina numa cena memorável da peça em uma festa teatral realizada no Rio de Janeiro.  O “Cirano Brasileiro” foi o título que Brício de Abreu escolheu para sua excelente reportagem na revista O Cruzeiro, da qual extraímos boa parte das informações sobre o percurso teatral do ator inesquecível.

Em 1957, Procópio estreou Esta Noite Choveu Prata de Pedro Bloch, que lotou o Teatro Serrador durante várias semanas. Porém a revista A Cigarra publicou uma matéria  com o título, “Procópio 1957 – Mudou o Teatro ou Mudou Ele?”, porque os tempos eram outros e o notável intérprete continuava sempre com a convicção de que bastava um grande ator, isolado, para garantir um êxito, tal como sucedia no período de 1920 a 1930 em nossos palcos.

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A resposta de Procópio foi esta: “Teatro de equipe como falam hoje, não existe. Teatro de equipe é slogan inventado pelos medíocres, que se querem comparar aos maiores. Quem vai a qualquer teatro quer ver o ator que está anunciado. Isto acontece em todos os tempos. E é sempre para os mais bem dotados que os autores escrevem … (apud Procópio Ferreira: O Mágico da Expressão, Jalussa Barcelos, Funarte, 1999).

Além da atividade do tablado, Procópio se distinguiu também como autor teatral (Presente do Céu, A Grande Patomima, Família do Antunes, Não Casarás,  Convidado de Honra, Arte de ser Marido, Briga em Família, Banho de Civilização, Boca do Inferno); conferencista (Como se Ria Antigamente; Antonio José, o Judeu; Joraci Camargo e sua Obra), escreveu alguns livros (O Ator Vasques, A Arte de Fazer Graça; Como se Faz Rir; História e Efemérides do Teatro Brasileiro), trabalhou na televisão (O Caminho das Estrelas, A Grande Viagem, Minas de Prata, O Tempo e o Vento, Divinas e Maravilhosas).

E também fez Cinema.

OS FILMES

1917

A QUADRILHA DO ESQUELETO

Cia. Prod: Veritas. Prod: Irineu Marinho. Dir: Guido Panella. Arg: Mauro Carmo. Foto: J. Sampaio. El: Nella Berti, Anthero Vieira, Alvaro Fonseca, Eduardo Arouca, Albino Maia, Carlos Comelli, Edmundo Maia, Antenor de Andrade, Domingos Braga, a menina Iracema.

Por ocasião da estréia, em 25 de outubro de 1917, nos Cines Avenida e Ideal do Rio, o jornal A Noite, do qual Irineu Marinho era diretor, anunciou-o como “Aventuras policiais descrevendo tipos da nossa malandragem”. Ao dar o elenco, o jornal não cita Procópio, mas em 70 Anos de Cinema Brasileiro, de Adhemar Gonzaga  e Paulo Emilio Salles Gomes, colhemos a informação de que ele aparece como um repórter, de barba e chapéu de palha, quase como uma citação do jornalista Castellar de A Noite. Jurandyr Noronha, no seu Dicionário de Cinema Brasileiro (1896 a 1936), não inclui Procópio no elenco.

OS MISTÉRIOS DO RIO DE JANEIRO

Cia.Prod: Rio Film / Marques da Silva. Dir. Prod: Irineu Marinho. Dir / Arg: Henrique Maximiliano Netto. Operador de Câmera: Alfredo Musso. El: João Barbosa, Procópio Ferreira, Carlos Machado, Basilio Viana.

Segundo nos informa Jurandyr Noronha no seu Dicionário, esta produção foi patrocinada pelo capitalista Marques da Silva e pelo jornal A Noite, de propriedade de Irineu Marinho. O filme deveria ter sido um seriado de 10 capítulos, mas somente o primeiro, com 6 partes, foi terminado e exibido com o título de Os Vikings ou O Tesouro do Viking. Resultou, no entanto, em uma história com começo, meio e fim. Ainda conforme Jurandyr, o espetáculo foi lançado no Cine Palais no Rio de Janeiro em 25 de outubro de 1917. Alex Viany no seu livro Introdução ao Cinema Brasileiro confirma que somente o primeiro episódio foi feito, mas diz que Coelho Neto escreveu o argumento e “também mexeu na direção”. Viany não diz nada a respeito do elenco.

UM SENHOR DE POSIÇÃO

Cia. Prod: Veritas. Prod: Irineu Marinho. El: Belmira de Almeida, Guy de Monreal, Virginia Lazzaro, Margarida Ramos, Alberto Ferreira, Delfina de Araujo, Marietta Santos, Elvira Roque.

Araken Campos Pereira Junior em Cinema Brasileiro (1908-1979) relaciona o filme em 1925, cita Medeiros e Albuquerque como argumentista, Fausto Muniz como fotógrafo e inclui Procópio no elenco. De acordo com A Noite, a estréia dessa comédia de costumes ocorreu em 13 de dezembro de 1917 no Cinema Parisiense do Rio em programa duplo com outra produção da Véritas, o drama Ambição Castigada, tendo como autor do argumento Medeiros e Albuquerque. Quanto a Procópio, o mencionado jornal não o aponta no elenco, embora seja possível  que ele, tendo feito breve aparição pouco meses antes num filme da mesma firma produtora, voltasse a aparecer em Um Senhor de Posição. Jurandyr Noronha no verbete de seu Dicionário referente a Procópio Ferreira, diz que a estréia de Procópio no cinema deu-se em Um Senhor de Posição (2ª versão), 1925, concordando com Araken. Por outro lado, Noronha redigiu um verbete sobre o filme Um Senhor de Posição de 1917, mas não fez outro sobre a suposta 2ª versão de 1925. Na revista Cinearte que, embora inaugurada em 3 de março de 1926, nos seus primeiros números ainda dava lançamentos de filmes de 1924 e 1925, não encontrei nenhum registro sobre uma possível 2a versão de Um Senhor de Posição.

1929

O MEU NARIZ

Prod: Byingtone Cia. El: Procópio Ferreira.

De acôrdo com a informação de Jurandyr Noronha, no seu Dicionário, trata-se de uma curta-metragem, apresentando um monólogo de Paulo Magalhães com a interpretação do ator Procópio Ferreira. Realizado no mesmo ano de Acabaram-se os Otários (primeiro longa-metragem brasileiro sonoro), esse pequeno filme foi uma consequência do alerta da Synchrocinex para a possibilidade de uma improvisação de filmes sonoros desde que se dispusesse de um equipamento para a gravação e prensagem de discos comerciais. E Byngton e Cia. possuia o equipamento  com que eram feitos os discos Columbia. Somente dois anos mais tarde a empresa apresentaria o seu longa-metragem Cousas Nossas. E ia evoluir para a Sonofilme.

1931

COISAS NOSSAS

Cia. Prod: Byington Prod: Alberto Byington. Dir / Arg: Wallace Doeney. Foto: Adalberto Kemeny. Câmera: Rodolfo (Rex) Lustig. Técnico de Som: Moacyr Fenelon. El: Procópio Ferreira, Stefania de Macedo, Zezé Lara, Corita Cunha, Helena Pinto de Carvalho, Nenê Biolo, Batista Junior, Arnaldo Pescuma, Francisco Alves, Dircinha Batista, Alzirinha Camargo, Jaime Redondo, Guilherme de Almeida, José Paraguaçu, Maestro Gaó, Sebastião Arruda, José Oliveira, Príncipe maluco, Jararaca e Ratinho, Napoleão Tavares e orquestra.

Segundo filme sonoro brasileiro de longa-metragem, ainda pelo sistema Vitafone, gravação com a aparelhagem da Columbia, editora e distribuidora de discos.

É uma revista musical imitando as realizadas em Hollywood no começo dos anos 30 com elenco de astros do teatro e do rádio. Procópio diz um monólogo e o poeta Guilherme de Almeida serve de mestre-de-cerimônias como era então moda nas produções norte-americanas do gênero.

1935

PROCOPIADAS

Prod:  Sonofilme. El: Procópio Ferreira.

No seu Dicionário, Jurandyr Noronha registra este curta-metragem com dois monólogos interpretados por Procópio Ferreira e exibido como complemento de Allô, Allô, Brasil nos cinemas Odeon (sala vermelha) do Rio e São Bento, em São Paulo, em 11 de fevereiro de 1935.

Neste mesmo ano, Procópio aparece falando num Cinédia-Jornal, que focalizava aspectos de sua chegada e desembarque no Rio de Janeiro. Foi a primeira vez que se fez num cine-jornal brasileiro a gravação da voz humana ao vivo. Esta informação preciosa nos foi dada por Hernani Heffner e consta no livro de Alice Gonzaga, 50 Anos de Cinédia.

1936

O TREVO DE QUATRO FOLHAS

Cia. Prod: Sonoarte. Dir: Chianca de Garcia. Arg: Chianca de Garcia, Tomás Ribeiro Colaço. Diálogos: Chianca de Garcia. Foto: Aquilino Mendes, Salazar Diniz, Joseph Barth, Dino Lamberti, Karl Weiss, Hameister. Mont: Antônio Lopes Ribeiro. Decoração: Antônio Soares. Mús: Pedro de Freitas Branco. El: Nascimento Fernandes (José Maria), Beatriz Costa (Manuela, Rosita), Procópio Ferreira (Juca), Mafalda Evandauns (Lola), Maria Castelar (Lúcia), Augusto Costa / Costinha (Cantor de Jazz), Antônio Sacramento (Empresário), Rafael Marques (Gerente de Fábrica), Alfredo Ruas (Pintor).

No enredo, José Maria faz-se passar por um célebre bailarino perante Rosita, uma aventureira, sósia de sua namorada Manuela, caixeira do quiosque “O Trevo de Quatro Folhas” que, afinal, é conquistada por Juca.

A filmagem em interiores deu-se no estúdio da Tobis Portuguesa e os exteriores em Lisboa, Porto, Estoril, Sintra- Monserrate, Braga e Leixões.

Esta super-produção, hoje considerada perdida, estreou em Lisboa, no cinema Tivoli em 6 de junho de 1937. No Rio de Janeiro, foi exibida no cinema Odeon, trazida pela Distribuidora Aliança.

A revista Cinearte, na sua seção A Tela em Revista, deu uma cotação regular ao filme. O comentarista manifestou-se assim sobre Procópio: “Procópio Ferreira, o maior ator brasileiro no gênero cômico, precisa encontrar muita benevolência por parte do público, para que se acredite que ele inspire paixões. Procópio, apesar de surgir muito bem fotografado, é incrível como galã amoroso. A Manuela devia ter algum desvio ótico …. Não obstante a teatralidade que perpassa nesta película, quer nas situações quer nos desempenhos, Procópio é o mais natural. A fita oferece uma novidade – o nosso galã cômico trabalhando ao lado de dois grandes nomes do teatro. Fato que não se dá há anos”.

1940

PUREZA

Cia. Prod: Cinédia. Prod: Adhemar Gonzaga. Dir / Cenog: Chianca de Garcia. Ass. Dir / Maq : Fernando de Barros. Adapt: Milton Rodrigues, Chianca de Garcia bas. romance José Lins do Rego. Diálogos: J. L. do Rego. Foto: Aquilino Mendes. Ass. Câmera: Ruy Santos. Câmera: Rui Santos. Som: Hélio Barrozo Netto. Músicas: Dorival Caymmi. Orq: Radamés Gnatalli. Mont: Hippolito Collomb. Corte: Adhemar Gonzaga. El: Procópio Ferreira (Cavalcanti), Sônia Oiticica (Maria Paula), Nilza Magrassi, (Margarida) Sarah Nobre (Francisquinha) Conchita de Moraes (Felismina), Roberto Acácio (Chico Bem -Bem), Sérgio Serrano, cujo verdadeiro nome era Emídio Caiado, que se tornou senador e pai de Ronaldo Caiado (Dr. Jorge), Sadi Cabral (Cego Ladislau), Manoel Rocha (Coronel Juçara), Mendonça Balsemão, Reginaldo Calmon Elias Celeste, Roberto Lupo, Pedro Dias, Zizinha Macedo, Bandeira de Melo, Arthur Leitão, Jayme Pedro Silva (Joca), colaboração da Escola de Samba Paz e Amor.

Esta adaptação do romance de José Lins do Rego, recebeu o prêmio de Melhor Filme Nacional de 1941, conferido pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). É um relato da degenerescência moral progressiva de uma família pobre de um pequeno lugarejo paraibano pelo contato com um perseguido político dissoluto. Este desperta o amor de duas irmãs, Maria Paula e Margarida, humilha o pai das moças, e abusa da ignorância e subserviência dos trabalhadores agrícolas da região. Procópio é Antonio Cavalcanti, acovardado e relapso chefe da estação Pureza, casado com D. Francisquinha e pai de Maria Paula e Margarida. O diretor Chianca de Garcia  veio especialmente de Portugal, contratado pela Cinédia, e trouxe alguns técnicos com ele, como o fotógrafo Aquilino Mendes. As tomadas externas foram realizadas em Suruí, Mangaratiba e Cachoeira de Marimbondos (SP). Comentário de Salvyano Cavalcanti de Paiva, em História Ilustrada dos Filmes Brasileiros (1928-1988): “Embora o recitativo do filme seja teatral, há uma sequência admirável – a da morte de Joca, um negrinho de recados que, em um bote desgovernando, precipita-se numa cachoeira”.

1944

BERLIM NA BATUCADA

Cia. Prod: Cinédia. Prod / Rot: Adhemar Gonzaga. Dir: Luiz de Barros. Ass. Dir: Jurandyr Noronha. Arg: Herivelto Martins. Rot / Cenografia: Luiz de Barros, Adhemar Gonzaga e Herivelto Martins. Foto: Ludovico Berendt. Maq: Reginaldo Calon. Mús: Benedito Lacerda. Mont: W.A.Costa. Som: A.P. Castro. El: Procópio Ferreira (Zé Carioca), Delorges Caminha (Turista americano), Francisco Alves (Chico) Solange França (Odete), Alfredo Vivianne (Pacheco), Lyson Caster (Sra. Pacheco), Chocolate (Secretário do turista), Léo Albano (Compositor de sambas), Luizinha Carvalho (Namorada do compositor), Carlos Barbosa (Dono do bar), Jararaca e Ratinho (Garções desastrados), Manoel Rocha (Dono da pensão Carvalhaes), Matilde Costa (Dona da pensão), Pery Martins (Menino), Pedro Dias (O que empurra sempre no narigudo), Octávio de França (Motorista), Jupira Brasil, Nair Santos, Claudionor dos Santos, Lila e margarida de Oliveira (irmãs de Dalva de Oliveira).

Trata-se de um musical revista alusivo, somente no título e um pouco no repertório sonoro, à Segunda Guerra Mundial, tendo como ponto de partida um turista americano, que chega ao Brasil, para conhecer o carnaval carioca. Procópio é Zé Carioca, malandro típico, que quer enganar o gringo, encantado pela nossa música e nossas mulatas. Entre as canções, marchinhas, sambas e batucadas: A Lavadeira de Herivelto Martins; A Miserável … a mulher que me deixou de Alvarenga e Ranchinho – com o esquete diálogo de Hitler: Ivo de Freitas (como Hans von Chucruts) e  Chocolate;  A Tristeza de H. Martins e Heitor dos Prazeres com Leo Albano e Laurinha de Carvalho; Verão No Havaí de Benedito Lacerda e Haroldo Lobo com Fada Santoro cantando com a voz de Dalva de Oliveira e Margareth Lanthos (uma das havaianas); Silenciar a Mangueira, Não! De H. Martins e Grande Otelo com  Francisco Alves;  pot pourri de adaptações de músicas clássica com Edu e sua gaita; A Marcha do Boi de Pedro Camargo com os Trigêmeos Vocalistas; Bom Dia Avenida; Quem viu a Praça 11 Acabar de Herivelto Martins com o Trio de Ouro; Desafio de piadas, Príncipe Maluco; Não me nego, sou do samba de Heitor dos Prazeres com Chocolate  e Flora Mattos; Graças a Deus de Grande Otelo com os Índios Tabajaras; Odette de H. Martins e Dunga: Quem Vem Descendo de H. Martins e Principe Valente com o Trio de Ouro, Francisco Alves e girls do Cassino da Urca;: A Voz do Violão de Horácio Campos (letra) e Francisco Alve (música) com Francisco Alves.Arranjos e orquestrações de Morpheu Belluomini; gravações com as orquestras de Napoleão Tavares e Benedito Lacerda. Obs. Pela primeira vez no cinema brasileiro, aparecia a trucagem de diálogo com o mesmo artista na mesma cena –  Silvino Neto falava com Silvino Neto (o Pimpinela, num esquete onde fazia quatro papéis diferentes.

1951

O COMPRADOR DE FAZENDAS

Cia. Prod: Maristela. Prod: Mario Civelli. Dir: Alberto Pieralisi. Ass. Dir: Sérgio Britto, Marcos Mergulies. Rot: A. Pieralisi, Guilherme Figueiredo, Mário del Rio, Gino De Santis bas. conto Monteiro Lobato. Cenários : Rafael de Oliveira, Luciano Gregory. Dir. Arte: Franco Ceni, Alexandre Korowaiszik. Vest: Francisco Balduino. Mús: Enrico Simonetti. Foto: Aldo Tonti. Ass. Câmera: Adolfo Paz Gonzalez. Mont: José Canizares. El: Procópio Ferreira (Moreira), Henriette Morineau (Isaura), Hélio Souto (Pedro Trancoso), Margot Bittencourt  com a voz de Lia de Aguiar (Gilda), Jaime Barcelos, Jackson de Souza, Elísio de Albuquerque, Paulo Matozinho, Vitalina Gomes, Carlos Ortiz, Marilu Vasconcellos, Marcos Lyra, José Mercaldi, Garibaldini Ono, Ermínio Spalla, Vicente Troise, Paulo Vitalino,  Luiz Gonzaga e sua sanfona.

Henriette Morineau e Procópio Ferreira em O Comprador de Fazendas

Henriette Morineau e Procópio Ferreira em O Comprador de Fazendas

Esta adaptação livre do conto de Monteiro Lobato fez muito sucesso principalmente devido às situações cômicas  provocadas pelas artimanhas  do fazendeiro arruinado Moreira, vivido por Procópio. Moreira é um fazendeiro arruinado que quer vender sua fazenda Espigão, para pagar os credores. Um pintor de paredes lê o anúncio e se apresenta como um interessado em comprar a fazenda. Na verdade ele pensa apenas em se aproveitar da situação para passar um bom fim de semana no campo. Moreira, por sua vez, de cumplicidade com seus credores, faz de tudo para disfarçar o estado precário de sua propriedade. O desempenho dos dois grandes artistas veteranos do palco, Procópio e Henriette Morineau, é o ponto alto do filme, arrancando boas gargalhadas do público. A música “Festa no Arraiá”, executada por Luiz Gonzaga, foi composta especialmente para o filme.

1953

O HOMEM DOS PAPAGAIOS

Cia. Prod: Multifilmes. Prod: Mario Civelli. Dir: Armando Couto. Ass. Dir: Roberto Santos. Argumento: Procópio Ferreira. Rot: Glauco Mirko Laurelli. Diálogos: Sérgio Britto. Foto: Giulio de Luca. Mús: Guerra Peixe. Câmera: Adolfo Paz Gonzalez. Cenografia: Franco Ceni. Mont: Gino Tálamo. El: Procópio Ferreira (Epaminondas), Ludy Veloso, Hélio Souto, Eva Wilma, Elísio de Albuquerque, Herval Rossano, Arrelia (Waldemar Seyssel), Hamilta Rodrigues, Ítalo Rossi, José Rubens, Mário Benvenutti, João Alberto.

Em São Paulo, o sorveteiro Epaminondas vende fiado para crianças pobres e acaba perdendo o emprego. Ele deve oito meses de aluguel e tem muitas dívidas no armazém das redondezas. Um velho amigo, dono de uma grande imobiliária, o convida para trabalhar como zelador de uma mansão que está desocupada. Quando Epaminondas chega no local e aparece na janela com pose de ricaço, os vizinhos pensam que ele é o proprietário. Com esta mesma impressão, os comerciantes correm para lá e oferecem seus produtos e serviços. Epaminondas compra do bom e do melhor e paga tudo com notas promissórias. Quando os “papagaios” vencem, os credores descobrem que o Doutor Epaminondas não tem um tostão para pagar.

Nesta divertida comédia de costumes satírica, Procópio, sem abdicar de seus maneirismos, compõe perfeitamente o tipo do golpista simpático e domina o espetáculo, concentrando todas as atenções sobre sua pessoa. A moral do  personagem é a seguinte: quanto mais você deve, mais  os credores vão lhe ajudar, porque não têm opção. Com a filosofia de dever muito para ser respeitado, Epaminondas gasta cada vez mais, contratando um mordomo (que nunca recebe seu ordenado), adquirindo todos os quadros de uma galeria de arte, comprando uma nova mobília para a mansão, etc. e o resultado, a gente vê no final.

1954

A SOGRA

Cia. Prod: Multifilmes. Prod: Mário Civelli. Dir: Armando Couto. Ass. Dir: Sergio Britto. Arg: Alberto Dines. Rot: Renato Tignoni, Glauco Mirko Laurelli. Foto: Rui Santos. Cenografia: Franco Ceni. Mont: Gino Tálamo. Mús: Guerra Peixe. Regente: Cláudio Santoro. El: Procópio Ferreira (Arquimedes), Maria Vidal (a sogra), Ludy Veloso, Arrelia (Waldemar Seyssel), Eva Wilma, Elísio de Albuquerque, Riva Nimitz, Herval Rossano, Sérgio Britto, Jayme Barcelos, Armando Couto, Caetano Gerardi, Ítalo Rossi, Sérgio de Oliveira, Alberto Dines, Eduardo Tanon.

Comédia de costumes com Procópio dando vida a Arquimedes, o chefe de uma estação ferroviária, que recebe a inesperada visita da sogra rabugenta. Para seu desespero, ele logo descobre que, na verdade, ela veio morar com a família. Surgem aí os contratempos.

O filme foi rodado inteiramente em logradouros públicos de Mairiporã, SP (onde se localizava o estúdio da Maristela), com cenas no interior da antiga igreja matriz, coreto da praça das Bandeiras, interiores do Cine Maria Luiza e entrada da cidade.

1956

QUEM MATOU ANABELA?

Cia. Prod: Maristela. Prod: Alfredo Palácios. Prod. Assoc: Mario Audrá Junior. Dir: D.A. Hamza. Arg: Orígenes Lessa bas. idéia de Salomão Scliar. Rot / Diálogos / Adapt: Miroel Silveira. Foto: Rudolph Iczey. Câmera: Adolfo Paz Gonzalez, Cenografia: Carlos Jachert. Mús: Gabvriel Migliori. Mont: José Canizares. El: Procópio Ferreira (Comissário Ramos), Ana Esmeralda (Anabela), Jayme Costa, Carlos Cotrim, Ruth de Souza, Aurélio Teixeira, Nydia Lícia, Olga Navarro, Carlos Zara, Carlos Araujo, Stela Gomes, Américo Taricano, Marina Prata, Lourdes Freire, Ary Fernandes, Jorge Pisani, João Franco, Francisco Camargo.

A bailarina Anabela, estrela do cinema e da televisão, é assassinada e seu corpo encontrado a beira de uma represa em São Paulo. Encarregado do caso, o Comissário Ramos interroga os principais suspeitos. De cada um deles obtém uma confissão de assassinato e uma descrição completamente diferente da personalidade da vítima. O mistério aumenta até o final surpreendente.

Primeiro e único filme em que Procópio Ferreira e Jaime Costa, dois monstros sagrados do teatro brasileiro trabalharam juntos. Ana Esmeralda, estrela e dançarina espanhola, que havia vindo ao Brasil para o Festival de Cinema do Quarto Centenário da Cidade de São Paulo, acabou se envolvendo com o produtor Mario Audrá Junior, com quem se casou. Audrá convidou os húngaros  Didier (Dezso) Akos de Hamza e Rudolph Iczey para assumir respectivamente a direção e a fotografia deste drama policial com um desfecho inusitado.

1960

TITIO NÃO É SOPA

Cia. Prod: Cinedistri. Prod: Oswaldo Massaini. Prod. Ass: Eurides Ramos, Alipio Ramos. Dir: Eurides Ramos. Rot: Eurides Ramos, Victor Lima. Foto: Hélio Barrozo Netto. Mús: Radamés Gnatalli, Vicente Paiva. Câmera: Antônio Gonçalves. Des. Prod: Wilsom Monteiro, Benedito Macedo. Mont: Hélio Barrozo Netto. Coreografia: Helba Nogueira. El: Procópio Ferreira (Gregório), Eliana Macedo (Verinha), Ronaldo Lupo (Luiz), Herval Rossano (Paulo de Almeida Rios), Nancy Montez (Julie), Afonso Stuart (Amaro), José Policena (Engenheiro), Grace Moema (Emengarda), Zélia Guimarães (Isaltina), Sônia Morais (Aurora), Rafael de Carvalho (Azevedo), Paulo de Carvalho (Gaspar), Grijó Sobrinho (Vizinho), Angelito Mello (Paranhos), Delfim Gomes (pedreiro), Azelita Ivantes (Beatriz), Luiz Mazzei (Garçom), Chiquinho (Garçom), Wilson Grey.

Comédia de costumes baseada numa peça teatral. A trama diz respeito a um milionário, tio Gregório, que chega ao Rio de Janeiro para fiscalizar as obras de um asilo de velhos, cuja construção vinha patrocinando. Ele descobre que seu sobrinho desviava o dinheiro para aplicá-lo na instalação de uma buate.

No transcorrer do filme surgem estes números musicais: “Quero beijar-te as mãos” de Arcênio de Carvalho e Lourival Faissal, com Anísio Silva; “Mamãe eu quero” de Jararaca (arranjo de Vicente Paiva e José Calazans  e orquestração de Pachequinho) com Eliana Macedo; “Baiano burro nasce morto” de Waldeck Artur de Macedo com Gordurinha e Mário Tupinambás.

1965

CRÔNICA DA CIDADE AMADA

Prod: Paulo Serrano, C. H. Christensen. Dir: Carlos Hugo Christensen. Rot: Millôr Fernandes, C. H. Christensen. Foto (Eastmancolor): Ozen Sermet. Narração: Paulo Autran. El: Procópio Ferreira, Magalhães Graça, Jardel Filho, Ziembinski, Thais Portinho, Milton Carneiro, Marivalda, Márcia de Windsor, Leilany Fernandes, Fernando Pereira, Grande Otelo, Eliezer Gomes, Pepa Ruiz, Sérgio de Oliveira, Oscarito, Liana Duval, Ismália Pena, Armando Nascimento, Osvaldo Louzada, Hamilton Ferreira, Ana Di Pardo, José C. Correa, Germano Filho, Lúcia Pereira, Lita Palácios, Ricardo de Luca, Mário de Lucena, Vagareza, Fregolente, Cecil Thiré, Manoel Vieira, Jaime Costa, Moacir Deriquém, Duarte Moraes, Siwa Castro, Otavio Cardoso, Adalberto Silva, Janira Santiago, Deborah Rubinstein, Luiz Viana, Jota Barroso.

Filme de episódios baseados em histórias de vários autores: 1 – O Índio (Carlos Drummond de Andrade); 2 – Iniciada a Peleja (Fernando Sabino); 3 – O Homem que se Evadiu (Dinah Silveira de Queiroz); 4 – Um Pobre Morreu (Paulo Rodrigues; 5 – Receita de Domingo (Paulo Mendes Campos); 6 – A Morena e o Louro (Dinah Silveira de Queiroz); 7 – Aparição (Paulo Mendes Campos); 8 – O Mal-Entendido (Orígenes Lessa): 9 – O Pombo Enigmático (Paulo Mendes Campos); 10 – Aventura Carioca (Paulo Mendes Campos); 11 – Luiza (Carlos Drummond de Andrade). Procópio intervém ao lado de Magalhães Graça no segmento O Índio, uma discussão imprevista e curiosa num bar do centro da cidade.

1971

COMO GANHAR NA LOTERIA SEM PERDER A ESPORTIVA

Cia. Prod: Herbert Richers. Prod: H. Richers, J. B. Tanko. Dir: J. B. Tanko.  Ass. Dir: Rubens Azevedo. Rot: J. B. Tanko, Flávio Migliaccio, Gilvan Pereira, Nelson Rodrigues. Foto (Eastmancolor):  Antônio Gonçalves. Mús: Edino Kruger. Mont: Waldemar Noya. El: Flávio Migliaccio (Anadi), Costinha (Jasmim), Agildo Ribeiro (Sacristão), Procópio Ferreira (Coronel Felício), Otelo Zeloni (Felisberto), Paulo Porto (Afrânio), Maria Della Costa (Amália), Fregolente (Jorge), Renata Fronzi (Guiomar), Afonso Stuart (Ananias), Labanca (Padre), Milton Villar (Mendigo), Celeste Aida (Mimi) Rodolfo Arena (F;elix), Mário Benvenutti (Vendedor), Wilson Grey (Bicheiro), Silva Filho (Ademir), Jorge Cherques (Delegado), Maria Anders (Marta), Lygia Diniz (Marilu),  Zeny Pereira (Severina), Edgar Martorelli, (Clovina) Maria Pompeu (Neuza), Helena Velasco (Suely), Carvalhinho (Manolo), Ilva Niño (Zefa), Francisco Dantas (Médico), Tony Jr., (Freguês), Fernando Repsold (Betinho), Teresa Mitota (Ana Rosa), Luiz Mendonça (João), Waldir Fiori, Antônio Miranda, Milton Luiz, Fernando José, Angelo Antônio, Noêmia Barros, Iracy Benvenuti, Wandick Wandré, Yara Vitória, Danton Jardim.

Procópio comparece nesta comédia tendo por motivo um teste da Loteria Esportiva. Ele é vencido por milhares de pessoas mas, antes da divulgação do resultado, muitas delas supõem que foram as únicas a fazer os 13 pontos, que lhes garantiriam uma vida bilionária. O filme mistura futebol, loteria esportiva e crônica de costumes. Para o diretor, seria “um drama disfarçado de comédia, mostrando o jôgo como uma válvula de escape do homem urbano, fazendo às vêzes crítica social”; porém, infelizmente, não passa de uma chanchada, arrastada e cansativa.

EM FAMÍLA

Cia. Prod: Produções cinematográficas R. F. Farias. Prod: Roberto Farias, Paulo Pôrto.. Ger. Prod: Saul Lachtermacher. Dir: Paulo Pôrto. Ass. Dir: Emiliano Ribeiro, André José Adler. Rot: Oduvaldo Viana Filho, Ferreira Gullar, Paulo Pôrto bas. Veresão brasileira da peça de Helen e Nolan leary. Foto (Eastmancolor): José mederos. Cen / Fig: Cláudio Tovar. Mont: Rafael Justo Valverde. Mús: Egberto Gismonti. Som: Juarez Dagoberto da Costa. El: Iracema Alencar (Dona Lu), Rodolfo Arena (Seu Souza), Paulo Pôrto (Jorge), Odete Lara (Neli), Anecy Rocha (Corinha), Procópio Ferreira (Afonsinho), Antero de Oliveira (Roberto),  Fernanda Montenegro (Anita), Elisa Fernandes (Suzana), Alvaro Aguiar (Arlindo), Norah Fontes (Aparecida), Pedro Camargo (Wilson), Fernando José(Comissário), Moacir Derinquem (Médico), Francisco Dantas (Honório).

Ameaçados de despejo da casa onde moram em Patí dos Alferes, Seu Souza e Dona Lu chamam os cinco filhos para resolver o problema. A solução inicial é separar os velhos. Mas eles criam problemas para os filhos que os abrigaram. Afinal, Dona Lu vai para o asilo e Seu Souza, adoentado, para a casa de uma das filhas. Os dois velhos passam juntos o último dia antes da separação. Seu Souza não sabe que sua mulher vai para o asilo e promete arranjar um emprego para mandar buscá-la. Os filhos  – que Seu Souza não quer ver – observam a cena de longe.

Esta história comovente e universal sobre a tragédia da velhice, tem como fonte básica o romance The Years Are So Long de Josephine Lawrence. Posteriormente virou peça teatral de Helen e Nolan Leary e finalmente chegou ao cinema em 1937 no filme A Cruz dos Anos / Make Way for Tomorrow de Leo McCarey. Adaptada à televisão brasileira por Walter George Durst como Pais e Filhos, passou para o palco brasileiro em peça de Oduvaldo Viana Filho, Ferreira Gullar e Paulo Pôrto, que a transportaram para a tela.

Por causa de seu tema sentimental – o que fazer com um casal de velhinhos que não tem onde morar? – o espetáculo dirigido por Paulo Pôrto teve forte comunicabilidade com o público. Como observou muito bem o crítico Pedro Variano (in Província do Pará, 9.6.71, reproduzida no Guia de Filmes do INC, nº 32): “A linguagem de Pôrto é econômica, precisa, inclusive na porção de comédia que ele joga para temperar de risos o drama dos personagens. Não há exagero (…) nem rendição incondicional ao melodrama. O diretor passa perto das melosidades radiofônicas – ou telenovelescas – sem se contaminar pela pieguice”.

Procópio é Afonsinho, o amigo que Seu Souza cismou de levar para dentro da casa de seu filho.

FERNANDEL

Dotado de um físico pouco comum, com um rosto comprido e longos dentes à mostra, Fernandel se tornou um dos gigantes do cinema francês. Ele divertiu o público por quatro décadas e até hoje é muito estimado na França. Seu sorriso alegre e brincalhão e seu sotaque tipicamente provençal  faziam rir as multidões, mas o grande artista também era capaz de cobrir sua máscara cômica com a sombra da tragédia humana.

Fernand Joseph Désiré Contandin nasceu a 8 de maio de 1903 em Marselha, França. Desde criança, Fernand teve um desejo imperioso e precoce de fazer “a mesma coisa que papai”.  Seu progenitor, Denis Contandin,  dispunha de uma dupla e fascinante personalidade. Durante toda a semana ele se consumia num modesto emprego de escritório mas, no domingo e feriados, o funcionário consciencioso e discreto se tranformava em um cantor de café-concerto sob o nome artístico de Sined.

Aos cinco anos de idade, apresentado por seu pai, Fernand estréia no palco. Ele interpreta uma pequeno soldado do tempo da Revolução  Francesa em Marceau ou les enfants de la Republique no Teatro Chave. Orgulhoso de si mesmo, o menino avança corajosamente na direção do público, tropeça no seu grande sabre e cai estendido no chão sob os aplausos da platéia.

Entretanto, esta experiência desagradável de um gag involuntário não desanima o pequeno ator. Aos sete anos, seu progenitor o conduz ao Palais de Cristal, para ver o grande Polin, a vedeta mais famosa do music-hall e da canção francesa, que se especializara como comique-troupier, isto é, um comediante-cantor, que se vestia de recruta.  Fernand ficou maravilhado e pediu ao seu pai uma farda igual a de Polin.

M. Contandin concordou, desde que ele aprendesse a cantar duas canções extraídas do repertório de Polin, “Mademoiselle Rose” e “Ah! je t’aime tant”.   Quando o pai viu que seu filho estava pronto, que ele havia assimilado as letras, as músicas, os gestos e as mímicas apropriadas, levou-o para enfrentar mais uma vez o público. De repente, ao contemplar o auditório, Fernand fica aterrorizado e se refugia nos braços de Sined. Impulsionado para diante dos espectadores por um pontapé  bem colocado, Fernand esquece suas angústias e exclama a plenos pulmões: “Ah! Mademoiselle Rose / J’ai un petit objet, un petit objet à vous offrir / Ce n’est pas grand-chose / Mais cela vous fera plaisir…”

A partir desse dia, M. Contandin dará a seu filho uma participação cada ver maior no seu próprio número. Fernand estuda novas canções e aprende uma profissão mais séria do que ele pensava. Porque Sined é um perfeccionista, que não deixa nenhum lugar para a improvisação.

Mas, em 1915, M.Contandin foi convocado para servir a pátria e Fernand teve que procurar outra ocupação. Nesta fase de sua vida, o jovem marselhês trabalha em diversos empregos: no Banque Nationale de Crédit, na fábrica de sabão Bellon, na papelaria Grangey, na Societé Marseillaise de Crédit, na Compagnie d’Electricité, na loja do pai (que, após ter retornado da guerra, foi convidado para dirigir uma sucursal de importante casa de comestíveis), nas docas, e em outros bancos e fábricas de sabão; porém não pára de cantar à noite e nos finais de semana.

No primeiro emprego, ele se torna colega de um companheiro inseparável, Jean Manse, cuja amizade preservará durante toda a sua existência. Fernand se apaixona pela irmã de Jean, Henriette, e quando vai visitar a noiva, Mme. Manse o anuncia assim: “Voilà le Fernand d’Elle!”. Sim, ele agora seria Fernandel! Fernand já usa este nome artístico, ao aparecer em cena no Eldorado, pois continua dividindo seu tempo entre espetáculos e trabalhos burocráticos. Ele se casa com Henriette em 4 de abril de 1925 e, na primavera deste mesmo ano, vai fazer seu serviço militar. Sua filha mais velha, Josette, nasce em 19 de abril de 1926, três semanas antes de Fernand ser liberado de suas obrigações militares.

E eis que surge uma grande chance no meio teatral. Fernand é contratado por Louis Valette, diretor do Cinema Odéon de Marselha, para substituir um artista parisiense. Este cinema fazia parte  do circuito Paramount, que apresentava ao mesmo tempo filmes e números de variedades. A representação de Fernandel é um triunfo, ao qual assiste, por acaso, o diretor francês da Paramount, Jean Faraud. Este lhe propõe um contrato para atuar nas salas da Paramount em diversas cidades.

Posteriormente, Fernand recebe uma proposta da agência Lutetia, para se apresentar nos cinemas da cadeia Pathé em Paris. Em março de 1930, a família Contandin se instala na Cidade-Luz, e aumenta em 18 de abril, com o nascimento de sua segunda filha, Janine. Em novembro, Fernand é convidado por Henri Varna para ser uma das atrações de sua revista Nu Sonore …. Seins pour Seins parlant. Este espetáculo no Concert Mayol consagrou Fernandel definitivamente.

Um noite, Marc Allégret bate na porta de seu camarim, a fim de lhe propor um pequeno papel em Le Blanc et le Noir / 1930. Este filme, co-dirigido por Robert Florey e Marc, lhe permite encontrar dois personagens, que se tornarão seus amigos: Sacha Guitry, o autor da peça da qual foi extraído o argumento, e Raimu, ator principal.

Fernandel recordaria: “Foi para mim uma formidável revelação. Porque eu nunca tinha me visto. Quando me ví na tela, este tipo desengonçado, com esta cara inverossímel, compreendí porque, no Concert Mayol, as pessoas riam … Meus dentes, só se via os meus dentes, uma mandíbula gigantesca! … Não era assim que eu me imaginava. Eu era feio …  Felizmente não era feio para causar medo, eu era feio para fazer rir! E foi isto que me salvou … Decidí usar minha feiura, para fazer as pessoas rirem, para torná-las mais felizes … Modifiquei meu modo de andar, acentuei o lado caricatural de meus traços. Mas, também me tornei mais simples, mais sóbrio nos meus gestos”.

No dia 10 de dezembro de 1935, nasceu Franck Gérard Ignace, que se tornaria um cantor e ator, conhecido como Franck Fernandel. O neto de Fernandel, Vincent Fernandel, filho de Franck, seguiu a carreira de cineasta.

Ao longo de sua extensa carreira, Fernandel fez 125 longas-metragens. Extraordinariamente prolífico, foi prejudicado por esta mesma fecundidade. Assim, sua filmografia tem realizações excelentes e medíocres.                                                                                                                                                                                                                                                                                                           Das 125 produções, ví apenas 40 e, para este artigo, selecionei  as minhas doze preferidas: Angèle / 1934, Valente a Muque / François 1er / 1937, Regain / 1937, Le Schpountz / 1938, A Volta ao Mundo com 80 Centavos / Les Cinq Sous de Lavarède / 1939, La Fille du Puisatier / 1940, A Estalagem Vermelha / L’Auberge Rouge / 1951, Cabelereiro das Arábias / Coiffeur pour Dames / 1952, O Pequeno Mundo de Don Camillo / Le Petit Monde de Don Camillo / 1952, Fruto Proibido / Le Fruit Défendu / 1952, O Carneiro de Cinco Patas / Le Mouton à Cinq Pattes / 1954, A Vaca e o Prisioneiro / La Vache et le Prisonnier / 1959.

ANGÈLE (Dir: Marcel Pagnol): Angèle (Orane Demazis), filha única de Clarius Barbaroux (Henri Poupon), fazendeiro na Provença, vive com o pai, a mãe, Philomène (Annie Toinon) e Saturnin (Fernandel), órfão recolhido outrora por caridade e que tem pelos donos da casa uma afeição inquebrantável. Albin (Jean Servais), um montanhês vindo de Baumugnes se interessa por Angèle, mas não ousa abordá-la. Menos tímido, Louis (Andrex), um malandro marselhês,  seduz a bela inocente e foge com ela. Clarius renega sua filha e proíbe que pronunciem seu nome. Saturnin, apaixonadamente devotado a sua donzela, fica sabendo, no curso de uma viagem a Marselha, que Angèle se prostituiu e está grávida. Graças a Saturnin, Angèle volta para a sua cidade, porém seu pai a rejeita e a esconde num porão. Felizmente, ela encontrará o amor com Albin, que quer esposá-la, dando um nome à criança que ela traz dentro de si, e salvando sua dignidade.

Este estudo de costumes – baseado no romance de Jean Giono, “Un de Baumugnes”, esta história de família, com o pai ferido na sua honra, é um melodrama magnífico, tendo por pano de fundo a paisagem da Haute-Provence. Os atores interpretam com uma naturalidade perfeita e Fernandel, até então dedicado ao gênero comique-troupier, se revela como um grande ator. Orane Demazis tem um de seus melhores papéis. Rodado em cenários reais (ou instalados na natureza) e com som direto, Angèle, como Toni de Jean Renoir, realizado na mesma época, precedeu o neorrealismo italiano.

VALENTE A MUQUE (Dir: Christian-Jaque): Honorin (Fernandel) trabalha na pequena companhia teatral Cascaroni, que encena a peça “François 1er ou les amours de la belle Ferronière”. Certo dia, ele é chamado para substituir um ator que ficou doente. A fim de conhecer melhor seu papel, Honorin se deixa hipnotizar por seu amigo Cagliostro (Alexandre Mihalesco), que prediz o futuro no parque de diversões, onde o espetáculo se apresenta. O mago o transporta para o passado e ele se encontra, com um dicionário, na corte de François 1er, onde viverá aventuras espantosas.

Comédia burlesca mais popular do cinema francês de antes da guerra. Um dos motivos do seu sucesso foi a originalidade do relato onírico-fantástico com a utilização satírica do anacronismo. As cenas nas quais Fernandel folheia o Petit Larousse e fascina a corte renascentista com seus conhecimentos maravilhosos e a sequência  do “Suplício da Cabra”, quando seus gritos de terror são, de fato, risos incontroláveis provocados pelas cócegas que o animal lhe faz lambendo seus pés, são hilariantes. Em outros momentos divertidos, Honorin ensina as “palissadas” para M. De La Palisse e o foxtrote para o rei e seus súditos. Quando desperta de seu sonho hipnótico, o ator já está curado. Sem ter mais o que fazer, Honorin pede a Cagliostro que lhe envie  de novo para o passado e reaparece na corte, sob aplausos.

REGAIN (Dir: Marcel Pagnol): Aubignane é uma aldeia perdida na montanha, que está morrendo. Seus últimos habitantes são Panturle, o caçador (Gabriel Gabrio), e La Maméche (Marguerite Moreno), uma velha italiana meio louca. Esta sugere a Panturle que procure uma mulher, a fim de dar vida às ruínas. Chegam Arsule (Orane Demazis), uma jovem miserável, e Gédemus (Fernandel), um amolador de facas ambulante sórdido e egoísta. Arsule abandona Gédémus e vai morar com Panturle. E enquanto La Maméche morre despedaçada pelas aves de rapina, Panturle e Arsule, unidos pelo amor e ardor pelo trabalho, vão enfim regenerar aquele solo árido.

É a história de uma aldeia abandonada por seus habitantes que vai reviver graças ao amor, à coragem e à esperança de um casal de deserdados. Os símbolos são simples e diretos: o sulco nos campos, o nascimento de uma criança, o azul do céu, a fecundidade do solo … a vida ganhando da morte. Panturle e Arsule são personagens de coração puro que vivem no ritmo das estações em comunhão com uma Provença bucólica e profundamente verdadeira. Fernandel, faz um papel antipático, contra seu tipo. Ele compõe um personagem inesquecível de mascate dissimulado, covarde e corrupto, que explora uma mulher, trata-a mal e vem friamente discutir seu “preço de venda”.

LE SCHPOUNTZ (Dir: Marcel Pagnol): Iréné (Fernandel) e Casimir (Jean Castan), são dois modestos empregados no armazém de seu tio Baptiste (Charpin), que os educou. Casimir  gosta do que faz, mas Iréné  só pensa em se tornar um grande astro de cinema. Uma equipe de cineastas parisienses, que veio rodar um filme em exteriores no Midi, diverte-se com as pretensões do pobre “schpountz” (um ingênuo que se acredita dotado para o cinema”). No primeiro teste, Iréné provoca um riso geral. Os cineastas fingem que gostaram de sua apresentação e celebram com ele um falso contrato fabuloso de super-astro. Quando mostra seu contrato ao diretor do estúdio em Paris, o diretor expulsa-o de sua sala; porém, pouco a pouco, seu dom para a comédia, que é inato, acaba por se impor.

Uma meditação sobre a profissão de ator, sobre sua vocação e sobre a importância social do riso, o filme é um testemunho do gênio de Fernandel, cuja interpretação é de uma precisão e de uma eficácia extremas tanto no cômico como no dramático. Ele é um ator que vive e diz admiravelmente o texto, servindo como exemplo, a cena do teste, na qual Iréné repete, nos mais variados tons, a frase “todo condenado à morte terá a cabeça cortada”. É um grande momento de cinema.

A VOLTA AO MUNDO COM 😯 CENTAVOS (Dir: Maurice Cammage): Convocado pelo seu tabelião, Armand Lavarède (Fernandel) é informado de que herdará trinta milhões de seu primo, mas só receberá o dinheiro, se conseguir dar a volta ao mundo com vinte e cinco cêntimos. A prova será fiscalizada por dois árbitros: um inglês, Sir Murlington (Jean Dax), cuja filha Aurett (Josette Day) não parece insensível ao charme particular de Lavarède, e o locador deste, Mr. Bouvreuil (Marcel Vallée), ambicioso e intransigente. No caso de fracasso do legatário, a fortuna será dividida entre os dois árbitros. Lavarède dá um jeito de ir de um país para outro, envolvendo-se sempre em confusões, mas acaba finalmente recebendo a herança e se casando com Miss Aurett.

O argumento é delirante, misturando aventura e burlesco, saturado de situações amalucadas, narradas num ritmo “desenfreado” do começo ao fim. Foi um grande sucesso, graças em parte à interpretação de Fernandel, que se entrega a um grande número de metamorfoses físicas e canta algumas canções inspiradas, como a surrealista  “Par Brahma.”

LA FILLE DU PUISATIER (Dir: Marcel Pagnol): Acompanhado de seu assistente Felipe (Fernandel), Pascal Amoretti (Raimu), cava poços de água no campo provençal. Pascal é viúvo e tem seis filhas. Patricia (Josette Day), a mais velha, é seduzida por um aviador, Jacques Mazel (Georges Grey), filho dos ricos proprietários de um bazar (Charpin e Line Noro). Por sua vez, Felipe é apaixonado por Patricia, mas não tem coragem de declarar sua paixão. Jacques tem que partir com urgência para as manobras militares. Sua mãe esconde uma carta de amor, que ele deixou para Patricia. A jovem, grávida, sente-se abandonada. Felipe se declara pronto para esposá-la, apesar de tudo.; porém ela não quer aceitar sua dedicação. A guerra irrompe e Felipe também deve partir. Ao saber da verdade, Pascal procura os Mazel e lhes conta tudo. Mme. Mazel o acusa de chantagem. Ele se retira indignado e, “para evitar o escândalo”, manda Patricia para a casa de sua tia (Milly Mathis). Felipe retorna de licença e Jacques é dado como desaparecido. Felipe vai visitar Patricia e o retrato que ele faz do bebê, comove Pascal, e este acolhe sua filha e o netinho. Os Mazel, desesperados, vêm lhe pedir perdão: eles querem adotar a criança. No final, tudo se resolve: Jacques estava apenas ferido e prisioneiro. Ele se casará com Patricia. O bom Felipe se consolará com Amanda (Claire Oddera), a segunda filha de Pascal.

Não há nada de muito original nesta história de mãe solteira abandonada, que lembra um pouco a de Angèle; porém o pitoresco provençal admiravelmente reconstituído como sempre por Pagnol e o trabalho de Raimu e Fernandel, enriquecem o drama humano e comovente. Embora seu personagem seja um pouco sacrificado e mesmo à margem da ação, Fernandel lhe dá uma tal densidade, que ele se torna um verdadeiro deus ex machina da trama. O filme assumiu um valor histórico, por causa dos acontecimentos que marcaram a sua realização. Iniciado na primavera de 1940, a filmagem foi interrompida em junho. Foi retomada em 13 de agosto, com um roteiro modificado pelas circunstâncias trágicas da época. As famílias dilaceradas por um conflito de classes e de moral, se reconciliavam diante do desastre nacional, após o discurso de 17 de junho, pronunciado no rádio pelo Marechal Pétain (este discurso foi retirado das cópias em circulação após a guerra).

CABELEREIRO DAS ARÁBIAS (Dir: Jean Boyer): Marius (Fernandel) é tosquiador de carneiros na Provença. Sua dextreza o conduz a Marselha, onde passa a cuidar do penteado de cachorros de luxo e depois da peruca de bonecas. Ele pensa que é em Paris que a glória o espera e parte para a capital com Aline (Blanchette Bronoy), com quem se casou. Na cidade-luz, ele se torna cabelereiro de senhoras  e, sob o nome de Mario, fica logo muito apreciado por todas as mulheres elegantes. Uma delas, Mme. Geneviève Brochant (Renée Devillers), à qual ele restituiu graças à sua arte juventude e beleza, o instala nos Champs Elysées. Porém a celebridade lhe vira a cabeça e Mario quer deixar Aline, para se casar com a filha de Mme. Brochant (Françoise Soulie), uma jovem esnobe.  Ele compreende a tempo sua loucura e retorna com Aline para a sua Provença natal.

Esta sátira ligeira do arrivismo e do esnobismo tem uma narrativa ágil, repleta de situações divertidas e subentendidos marotos, mas também deveu muito de sua graça ao inimitável Fernandel, no papel de um sedutor meridional arrebatado pelo turbilhão da vida parisiense. Segundo testemunho de Robert Chazal (France-Soir), Fernandel fez uma improvisação sensacional no palco da filmagem. Quando o diretor, Jean Boyer, hesitou sobre o tom que iria dar a uma determinada cena, Fernandel disse: “Eu posso interpretar esta cena de várias  maneiras”. Ele então a interpretou quinze vezes seguidas e cada vez de uma maneira diferente. Somente ele podia demonstrar tanto virtuosismo, concluiu Chazal.

A ESTALAGEM VERMELHA (Dir: Claude Autant-Lara): Em 1883, uma diligência e depois um monge (Fernandel) e um noviço, Jeannou (Didier D’Yd), chegam a uma hospedaria em Peyrebelle no planalto de Ardèche. O hospedeiros, Pierre Martin (Julien Carette), sua esposa Maria (Françoise Rosay) e um criado negro, Fétiche (Lud Germain), por cupidez, matam todos os viajantes que ali costumam pedir abrigo. A filha  dos Martin, Mathilde (Marie-Claire Olivia), parece saber de tudo. Os escrúpulos atormentam a hospedeira e ela exige que o monge ouça a sua confissão. Este, impedido pelo segredo da confissão de revelar aos viajantes o perigo que eles correm, tenta desesperadamente salvá-los por outros meios.

É uma farsa macabra, satirizando com espírito voltairiano e de maneira burlesca o sentimento melodramático e o religioso através, respectivamente, do comportamento dos assassinos e do monge.  Nota-se, também, uma crítica da estupidez burguesa (representada pela conduta dos viajantes)  e da candura da adolescência (a heróina pura tradicional é cúmplice dos pais). Autant-Lara consegue equilibrar o elemento trágico e o cômico, extraindo de uma cena aparentemente trágica uma força cômica ou de uma cena aparentemente cômica uma fatalidade trágica. No final da farsa, os celerados são presos, e os viajantes – os hipócritas, os inúteis, os ridículos – encontram a morte logo em seguida.

O PEQUENO MUNDO DE DON CAMILLO (Dir: Julien Duviviver): Na aldeia italiana de Bassa, o prefeito Peppone (Gino Cervi), comunista, acaba de triunfar nas eleições e seu sucesso desagrada a Don Camillo (Fernandel), padre simpático que, nas sombras do presbitério, se entende amigavelmente com Nosso Senhor. Entretanto, uma espécie de amizade, fundada em uma estima recíproca, une Peppone a Don Camillo nos casos graves, e eles agem então de comum acordo para o bem da comunidade e da paróquia.

Nos tempos da guerra fria, o público apreciou esta farsa provinciana, animada pelas saborosas disputas opondo um prefeito comunista e um padre combativo. Humor, emoção, paixões políticas ou sentimentais fizeram desse filme, que podemos chamar de rabelaisiano, um grande sucesso de bilheteria dos anos 1950. Fernandel é um Don Camillo astucioso e truculento, mas de bom coração. Suas conversas  e sua “delicadezas” com Jesus são de uma comicidade irresistível, assim como os seus debates com Peppone, papel que Gino Cervi desempenha com humildade, conformando-se em servir de escada para o seu famoso colega.

FRUTO PROIBIDO (Dir: Henri Verneuil):  O Dr. Charles Pellegrin (Fernandel) se instala em Arles com sua mãe (Sylvie) e suas duas filhas. Viúvo, ele se casa pouco depois com Armande (Claude Nollier), continuando a viver uma existência tranquila, dedicada ao trabalho. O acaso de uma viagem à Marselha, o faz encontrar Martine Englebert (Françoise Arnoul), por quem se apaixona. Ela se torna ao mesmo tempo sua amante e sua secretaria. Armande surpreende Martine nos braços  de seu marido, mas guarda o silêncio. Porém a vida monótona de Arles entedia Martine rapidamente que, seguindo o conselho de Boquet (Jacques Castelot), dono de um bar, decide romper com Pellegrin. Para não perdê-la, Pellegrin decide deixar tudo para seguí-la. Porém Martine parte sem ele. Pellegrin voltará para a companhia de Armande que, mais compreensiva, saberá perdoá-lo.

Sólida adaptação do romance “Lettre à mon juge” de Georges Simenon, reunindo a pin-up dos anos cinquenta e o comediante número um da época. No papel do quarentão, dominado pelo “demônio do meio-dia”, Fernandel demonstra, de uma vez por todas, que seu talento lhe permite ser tão pungente no drama quanto é insuperável na comédia. Esta história banal de um adultério de província termina com a vitória tranquila da mulher legítima. É um filme “de qualidade”, que os rapazes da Nouvelle Vague fustigavam.

O CARNEIRO DE CINCO PATAS (Dir: Henri Verneuil): A municipalidade de Trézignan decide organizar uma festa para os quíntuplos, filhos de Edouard Saint-Forget. Eles deixaram a cidade há quarenta anos e o prefeito encarrega o padrinho deles, o Dr. Bollène (Édouard Delmont), de encontrá-los. Alain dirige um luxuoso instituto de beleza; Désiré vive de expedientes para sustentar sua mulher Solange (Paulette Dubost) e seus quatro filhos; Etienne é capitão de um navio cargueiro; Bernard, responsável pelo consultório sentimental de uma revista,  salva a jovem Marianne (Françoise Arnoul) de um casamento imposto pelos pais: Charles tornou-se um padre atormentado, por ser sósia do famoso Don Camillo.

Esta comédia sem pretensões obteve um êxito estrondoso. Fernandel, no auge de sua fama, encarna seis personagens distintos (Edouard Saint-Forget, Alain, Bernard, Désiré, Étienne Charles), com uma veracidade e maestria perfeitas. A cada um ele assegura uma personalidade própria, um temperamento diferente, um rosto dessemelhante. Se o “jogo da mosca e do açúcar” ganha longe a palma da originalidade, o episódio do falso Don Camillo desenvolve em meia-tinta uma idéia encantadora. Esses dois esquetes e mais aquele reunindo Fernandel e Louis de Funès, então um mero coadjuvante, são os mais engraçados.

A VACA E O PRISIONEIRO (Dir: Henri Verneuil): Em 1943, no interior da Alemanha, Charles Bailly (Fernandel), prisioneiro de guerra francês, trabalha com três companheiros na fazenda de Josefa (Ellen Schwiers), cujo marido partiu para a frente russa. Charles decide fugir de uma maneira original: ele atravessará a Alemanha até a fronteira, acompanhado de Marguerite, uma vaca do rebanho da fazendeira. Depois de muitos contratempos, Charles chega perto da fronteira onde, com o coração partido, se separa de sua companheira. Finalmente na França, para escapar do controle aduaneiro, ele se esconde no vagão de um trem, mas o comboio parte … em direção de Stuttgart. Charles será libertado como todo mundo em 1945!

A ação se desenrola preguiçosamente, mostrando as aventuras sucessivas, comoventes ou divertidas, que acontecem com o prisioneiro fugitivo e sua vaca. Quase sempre sozinho em cena, Fernandel, carrega, com sua eficiência habitual, todo o peso do filme. Sua simplicidade, sua humanidade, dão a essa história  a sua dimensão. E podemos perceber, mais uma vez, a qualidade de seu bom humor, de sua emoção, de sua dicção e o seu despojamento, que faz um grande comediante.

No dia 14 de março de 1968, Fernandel aceitou participar da grande homenagem que Guy Lux lhe prestou no seu famoso programa de televisão, ”Le Palmarès de la Chanson” e levou o público ao delírio, quando cantou, entre outras canções, “Les Gens riaient”, “Félicie aussi “e “Il en est” (ver no You Tube).

No dia 3 de maio, o grande ator foi convidado pelo Presidente Charles de Gaulle para jantar no Palais de l’Élysée. Apertando sua mão, o general se voltou para os outros convidados e disse: “Não preciso apresentar M. Fernandel: ele é o único francês mais célebre do que eu no mundo!”.

Vitimado pelo câncer, Fernandel faleceu em 28 de fevereiro de 1971, de um ataque cardíaco, no seu apartamento na Avenue Foch em Paris. Ele foi enterrado no cemitério de Passy.