Arquivo mensais:fevereiro 2011

UM CERTO CINEMA

Sempre gostei de ver fotos de artistas e diretores de cinema. Hoje em dia, na Internet, existem vários sites especializados em tais fotos e eu gostaria de recomendar aquele que, para mim, é o melhor de todos. Chama-se acertaincinema.com de autoria de Sergio Leemann.

As minhas galerias preferidas são: Directors in Action e When Directors Meet. Vejam alguns exemplos:

O site é escrito em inglês e, portanto, visitado por gente de todo o mundo. Além das fotos raras e de qualidade exemplar, com inúmeros tags, ele oferece notícias, reportagens (inclusive sobre o Festival de Cinema Mudo realizado anualmente em Podernone), lançamentos de livros, dvds e cds bem como artigos sucintos, mas substanciosos, sobre variados assuntos relacionados com a sétima arte.

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Sinto-me à vontade para indicar o site de um amigo, porque ele é, de fato, muito bom. O Sergio tem uma cultura cinematográfica impressionante e exerceu as funções de editor da revista Cinemin; produtor de laser discs nos Estados Unidos; programador dos canais a cabo Telecine da Globosat e Lusomundo em Portugal; autor de Robert Wise on His Films e co-autor de Huston-Lubitsch-Zinnemann.

Mais fotos:

Ele agora está finalizando seu próximo livro, Diretores do Cinema Clássico Americano, cujo original eu já lí e posso afirmar que é um instrumento de pesquisa único no Brasil, além de oferecer aos leitores verbetes com informações preciosas.

Obs. Veja as legendas das fotos no site a certaincinema.com

OS CINEJORNAIS AMERICANOS

O  cine-jornal americano (newsreel) era um pot-pourri  de cenas com duração de cinco a dez minutos, cobrindo notícias  filmadas, que costumava ser exibido duas vezes por semana nos cinemas.

Por  mais de meio século, de 1911 a 1967, ele sobreviveu intacto e, durante este tempo, fez parte da programação de praticamente todas as salas de exibição dos Estados Unidos.

Antes de 1900, as “atualidades” (vg. L’Arrivée d’un train a La Ciotat, 1895)  e seus sucessores, os filmes de notícias (vg. Couronnement du Czar, 1895), tinham sido uma novidade suficiente para satisfazer o público. Entretanto, na medida em que o filme de ficção foi ganhando popularidade, o atrativo desse tipo de filmes declinou proporcionalmente.

Durante os primeiros anos da História do Cinema, o filme de “atualidades” e o de notícias foi mais promovido na Europa do que nos Estados Unidos por um imperativo tecnológico: o Cinematógrafo dos irmãos Lumière era uma máquina  portátil (relativamente leve e acionada manualmente, não dependendo de eletricidade) e mais versátil (usada como câmera, projetor e copiadora) do que o Vitascópio de Edison e os aparelhos patenteados por outras firmas americanas.

Com a câmera/projetor/copiadora, os cinegrafistas dos Lumière podiam filmar instantâneos nos próprios lugares onde estivessem, tirar cópia dos filmes e exibí-los no mesmo dia, à noite. Por outro lado, a facilidade de deslocamento do Cinematógrafo permitia a filmagem de cenas de eventos e personagens importantes do mundo todo, inclusive em regiões distantes.

Esses filmes de “atualidades” e de “notícias” deram à firma francesa uma evidente vantagem em termos de competição.

Os Cine-Jornais Mudos

Significativamente, foi uma firma francesa – Pathé Frères – que introduziu um rolo de filmes de notícias (isto é, um “newsreel”), regularmente distribuído sob a sua marca registrada, o galo dourado. Segundo consta, Leon Franconi, um empregado de Charles Pathé, que trabalhava na sucursal americana, convenceu seu patrão a lançar uma “revista” semanal de notícias. Assim, em 1909, surgiu o primeiro cine-jornal, intitulado inicialmente Pathé Fait Divers e depois Pathé Journal.

O primeiro cine-jornal da Pathé produzido na América, intitulado Pathé’s Weekly, estreou em 8 de agosto de 1911. Ele se tornaria o cine-jornal americano de maior longevidade.

O Pathé’s-Weekly foi anunciado como uma revista ilustrada num filme, “as notícias do mundo em imagens”. O programa inaugural misturava eventos estrangeiros e domésticos. Os eventos estrangeiros consistiam em cenas de um desfile militar e da inauguração do monumento em homenagem à Rainha Vitória em Londres; cenas da apresentação dos estandartes de um regimento de zouavos franceses no Hôtel des Invalides, em Paris; cenas da visita do príncipe herdeiro alemão e sua esposa em São Petersburgo; cenas de um  torneio aquático em Nice, França e cenas de uma inspeção das tropas germânicas em Postdam. Os eventos americanos mais notáveis eram o navio de guerra “North Dakota” atracado no estaleiro da Marinha no Brooklyn para reparos; o concurso hípico anual em Long Beach e as regatas no Lago Saratoga.

Durante o primeiro ano de sua distribuição, o Pathé’s Weekly continha uma média de sessenta por cento de assuntos americanos. A princípio, a cobertura americana centralizava-se em torno de eventos ocorridos em Nova York, porém, gradualmente, a companhia começou a cobrir eventos em outras partes do país.

Em 1911, foi contratado o primeiro cameraman ou cinegrafista em tempo integral, J. A. Dubray. Em 1913, a equipe de cinegrafistas incluía ainda Victor Milner, Faxon Dean, Eddie Snyder, Berton Steene, Bill Harison e Ben Strutman enquanto que, além do editor geral P.D. Hogan, havia mais dois editores, Emanuel (“Jack”) Cohen e Al Richard. Em 1914, o Pathé’s Weekly estava empregando 37 cinegrafistas através do continente norte- americano.

Logo depois que o Pathé’s Weekly foi introduzido nos Estados Unidos, cine-jornais concorrentes começaram a aparecer: The Vitagraph Monthly of Current Events, Gaumont Animated Weekly, Mutual Weekly, Kinograms, Hearst-Selig News Pictorial e,  mais tarde, Universal Animated Weekly e Fox Newsreel.

O Vitagraph Monthly of Current Events surgiu em 18 de agosto de 1911, mas teve vida curta, sendo absorvido, depois de um ano de existência, pelo cine-jornal de William Randolph Hearst. O Gaumont Animated Weekly estreou em 1912 e encerrou suas atividades em cinco meses, porém a sua versão internacional, Gaumont Weekly, continuou a ser distribuída nos Estados Unidos, fundindo-se posteriormente com o Kinograms. O Mutual Weekly deu seus primeiros passos em 1912 com Pell Mitchel como editor e Larry Darmour e Al Gold como cinegrafistas, que continuaram desempenhando um papel importante na produção de cine-jornais,  depois que o Mutual desapareceu. O Kinograms, fundado por George Baynes e editado por Terry Ramsaye, estreou em 1919, sendo distribuído originariamente pela World Film Corporation, de propriedade de Lewis J. Selznick. A certa altura, o Kinograms foi controlado pela Associated Screen News que, durante o início dos anos 20, distribuiu um cine-jornal chamado Selznick News, de pouca duração. A partir de 30 de janeiro de 1921, o material filmado do Kinograms e do Gaumont Weekly foi combinado e distribuído pela Educational Film Exchanges, Inc. Esta firma expandiu as operações do Kinogram a ponto dele ter sido selecionado pelo Capitol de Nova York, o maior cinema do mundo na época, como o seu cine-jornal exclusivo. O Kinogram fechou as portas  em 1931.

O exame dos primeiros trade papers e as memórias e reminiscências de pioneiros do cinema, revelam ainda os nomes de outros cine-jornais, que apareceram brevemente nas telas e então sumiram para sempre. Entre esses, incluíam-se o New York Weekly, um cine-jornal local exibido por Marcus Loew  na cidade de Nova York por volta de 1914; o Celebrated Players Screen News, distribuido em Chicago em 1921; o Item Animated Weekly, produzido por John W. Boyle em New Orleans em 1913; o Argus Weekly (“The Argus Sees All”) produzido em Hollywood em 1912 por Enrique Vallejo, Harry Revere, Dal Clawson e Bert Longnecker; e o Golden Gate Weekly, distribuído pela Golden Gate Film Exchange de Sol Lesser em 1914. De interesse também foi um cine-jornal intitulado Newspictures, introduzido entre 1915 e 1916 pela Paramount. Ele fracassou imediatamente e, somente em 1927 a companhia iria se se aventurar novamente no mesmo negócio, com o seu cine-jornal sonoro.

Durante o mesmo período, entretanto,  despontou um competidor mais tenaz, para rivalizar a liderança do Pathé’s Weekly; e, o que foi mais importante, ele trouxe um dos nomes mais celebrados do jornalismo – o de William Randolph Hearst – para a indústria cinematográfica como produtor de cine-jornal. No início de 1914, foi celebrado um acordo entre a Selig Poliscope Company e o grupo Hearst, para a produção mútua de um cine-jornal chamado Hearst-Selig News Pictorial. A primeira edição foi distribuída em 28 de fevereiro de 1914. Com o lançamento dessa série, a organização Hearst iniciou uma associação com o negócio de cine-jornais, que sobreviveria até o encerramento das operações do Hearst Metrotone em 1967. Por alguma razão, a primitiva aliança com Selig teve breve duração, tendo sido concluída em dezembro de 1915.

No mês seguinte, Hearst ajustou um novo acordo, desta vez com a Vitagraph Company, pelo qual o Vitagraph Monthly of Current Events seria descontinuado e substituído por um novo cine-jornal, intitulado Hearst-Vitagraph Weekly News. Entretanto, o Hearst-Vitagraph Weekly News naufragou dentro de poucos meses e foi abandonado. Por um curto período de tempo, em 1916 e começo de 1917, o grupo Hearst distribuiu seus filmes sob o titulo International Weekly.

Em 1 de janeiro de 1917, Hearst acertou uma nova aliança para produção e distribuição, desta vez com o seu rival, Pathé.  O novo produto tomou o nome de Hearst-Pathé  News e foi distribuído com este título a partir de 10 de janeiro de 1917. Todavia, a nova associação durou pouco mais de um ano, no fim do qual ambas as companhias seguiram caminhos separados.

O nome Hearst foi retirado do cine-jornal (provavelmente por causa da controvérsia sobre os seus sentimentos pro-germânicos), que passou a se chamar International Newsreel Ele passou  a ser distribuído, durante os anos 20, pela Universal e, após a introdução do som, pela Metro-Goldwyn-Mayer.

Subsequentemente à ruptura com Hearst em dezembro de 1915, a Selig Polyscope Company se uniu ao jornal Chicago Tribune e produziu um cine-jornal sob o título Selig-Tribune , anunciado vistosamente como “O Maior Cine-Jornal do Mundo”. Apesar de sua rápida expansão, o Selig-Tribune não sobreviveu por muito tempo e em 1917 não estava mais disponível.

Outros cine-jornais, melhor financiados e distribuídos, apareceram no mercado e foram prosperando. Em 1913, a Universal apresentou o Universal Animated Weekly tendo Joseph T. Rucker, U.K. Whipple e Frank Dart como seus principais cinegrafistas. Um dos vários furos jornalísticos obtidos pela companhia foi a filmagem em 1914 da tripulação e oficiais a bordo do cruzador britânico Caronia, que havia ancorado secretamente em Sandy Hook, Nova York, durante os primeiros dias da Primeira Guerra Mundial, tentando aprisionar os navios alemães que saíam do porto.

Numa indústria na qual a taxa de mortalidade das companhias produtoras de cine-jornais era muito alta, o produto distribuído pela Universal foi o mais duradouro de todos; ele somente se extinguiu em 1967, quando era o mais antigo do país.

O último dos cine-jornais mais bem sucedidos nasceu em 11 de outubro de 1919, produzido pela Fox, e sobreviveu até 1963. O Fox News foi o primeiro cine-jornal afiliado a um serviço telegráfico – no caso, a United Press. Conforme os termos desta associação, a UP cedeu seu serviço telegráfico com exclusividade para a Fox e colocou à sua disposição a assistência de seus próprios repórteres e fotógrafos.

O Fox News recebeu um impulso sem precedente, quando veio a público uma carta do Presidente Wilson elogiando o seu lançamento. Em 1922, a Fox afirmava que tinha 1.008 cinegrafistas, a maioria dos quais, é claro, correspondentes. Seu departamento de cine-jornais, chefiado por Pell Mitchell (outrora encarregado do Gaumont Weekly), tinha uma agenda agressiva, assegurando matérias exclusivas dos principais acontecimentos e levando-as para os cinemas antes de seus competidores. Apenas em 1921, ele deu nada menos do que 17 furos de reportagem, entre os quais se incluíam: cenas do bandido mexicano Pancho Villa no seu rancho; o príncipe herdeiro da Alemanha no exílio; imagens do interior do  dirigível americano Roma: as primeiras fotos  oficiais” da Ku Klux Kan; fotos aéreas da inundação do rio Arkansas em Pueblo, no Colorado; a primeira filmagem de aeroplano do Grand Canyon e cenas do primeiro vôo de Nova York a Chicago.

Material extraordinário do Monte Vesúvio em erupção também foi obtido pelo cinegrafista Russell Muth, que vôou diretamente sobre o vulcão e quase morreu no desastre do seu avião. Menos espetacular, porém mais importante, foi uma edição especial, exibida pela Fox em 1922,  sobre a política expansionista do Japão. Esta série, em capítulos, intitulada Face to Face with Japan, tentava responder a pergunta: Existe ameaça de guerra entre os Estados Unidos e o Japão?

Nos anos seguintes, a Fox consolidou e manteve sua posição. Sob a direção de Truman Tulley e depois Edmund Reek, ela introduziu na indústria o primeiro cine-jornal sonoro em 1929, após o que aumentou sua equipe, ampliou sua cobertura e elaborou novas técnicas de produção.

Em 1918, quatro nomes da História do Cine-Jornal Americano haviam introduzido as suas séries: Pathé, Hearst, Universal e Fox. A Paramount, só faria isso com sucesso em 1927, quando os editores pioneiros, Emanuel Cohen e Al Richard pediram demissão da Pathé para chefiarem o seu próprio departamento de cine-jornais, levando com eles excelentes cinegrafistas. Apresentado primeiramente ao público como um cine-jornal mudo (“Os Olhos do Mundo”), o Paramount News adquiriu uma voz logo após a introdução do som e se tornou “Os Olhos e Ouvidos do Mundo”. Quanto à Metro-Goldwyn-Mayer, ela começou, naquele mesmo ano, a distribuir o cine-jornal de Hearst.

De 1918 em diante, embora muitos outros cine-jornais tivessem aparecido brevemente nas telas dos cinemas, a História do Cine-Jornal Americano se concentraria nas operações dessas cinco grandes firmas.

Talvez o episódio mais curioso dessa História na sua fase silenciosa, tenha sido o contrato celebrado entre a Mutual Film Corporation e o líder mais conhecido da Revolução Mexicana, Pancho Villa. De acordo com os termos do contrato, a Mutual pagaria 25 mil dólares ao famoso rebelde na data da assinatura do documento e mais 50 por cento de percentagem sobre a renda do filme. Villa se comprometeria a não deixar que nenhuma outra companhia filmasse as suas batalhas. Nos termos deste ajuste extraordinário, o general mexicano e a Mutual produziram cenas de combate artisticamente elaboradas, especificando que, sempre que possível, os combates se dariam durante o dia e nas horas que fossem convenientes para os cinegrafistas. Villa chegou a atrasar um ataque à cidade de Ojinaga, até que a Mutual pudesse trazer seus cinegrafistas para o local. Charles Rosher, que depois se tornaria um grande fotografo do filme de ficção, era um dos técnicos convocados pela Mutual para filmar a guerra. Outros cinegrafista que atuaram durante a Primeira Guerra Mundial e que se tornaram grandes fotógrafos e / ou diretores no futuro foram: Josef von Sternberg, Hal Mohr, Victor Fleming, Ernest Schoedsack, Farciot Edouart, Wesley Ruggles, George Hill, etc

Os Cine-Jornais Sonoros

Depois da Warner, outra companhia que apressou a conversão para o som foi a Fox Film Corporation; porém William Fox preferiu usar o sistema Movietone em jornais cinematográficos. Com o acréscimo do som, o produto da Fox obteria uma vantagem, pois o outro único estúdio com capacidade para utilizar o som, a Warner, não tinha um jornal cinematográfico. Nos primeiros meses de 1927, a Fox lançou seu cine-jornal sonoro, Fox-Movietone News com duas reportagens de grande sucesso: a partida do vôo transatlântico de Charles A. Lindbergh e a recepção calorosa que A Águia Solitária teve em Washington e Nova York. Elas foram aplaudidas de pé por uma platéia de 6.200 pessoas. Essas duas reportagens sobre Lindbergh foram na verdade edições especiais do Fox-Movietone News. Somente em 28 de outubro de 1927, o primeiro cine-jornal sonoro da Fox estreou no Cinema Roxy, contendo os seguintes tópicos: Cataratas do Niagara: Romance do Cavalo de Ferro: Jogo de Futebol  no Estádio de Yale: Rodeio em Nova York. Seis semanas depois, em 3 de dezembro de 1927, o Fox Movietone News passou a ser exibido regularmente nos cinemas de todo o país.

O cine-jornal da recepção de Lindbergh em Washington havia sido encenado e produzido por Jack Connolly, ex-editor de jornal, que aderiu ao cine-jornalismo. Depois de captar a voz de Lindbergh e do Presidente Coolidge, Connolly empenhou-se em fotografar outras celebridades internacionais para o Fox-Movietone News. Juntamente como os cinegrafistas Ben Miggins e os técnicos de som Harry Squires, D.F. Whitting e Eddie Kaw, Connolly partiu para a Europa  a fim de registrar o rosto e a voz de toda personalidade importante da época.

Um dos primeiros líderes políticos estrangeiros a ser fotografado foi o ditador italiano Benito Mussolini. Após a gravação, Mussolini teria dito: “Seu cine-jornal falado tem possibilidades políticas extraordinárias … Deixe-me falar através dele em vinte cidades da Itália uma vez por semana e eu não vou precisar de mais nenhum outro poder”.

Provavelmente a entrevista mais popular foi a de George Bernard Shaw que, a princípio, foi um dos que mais relutaram em aparecer diante das câmeras  do Fox-Movietone News. Um dia, inesperadamente, Shaw convocou Connolly e disse que consentiria em falar, desde que lhe fosse permitido dirigir a produção. Connoly concordou e o resultado foi um das aparições mais encantadoras em cine-jornais.

Em 1927, o International Newsreel de Hearst, que durante anos distribuiu suas séries através da Universal, assinou um contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer para produzir outro cine-jornal mudo inteiramente diferente para esta companhia. Dois anos depois, em 1929, Hearst firmou novo pacto com a MGM, comprometendo-se a produzir duas versões do seu cine-jornal: uma versão silenciosa intitulada MGM International Newsreel e outra sonora, intitulada Hearst Metrotone News. O novo contrato entre Hearst e a MGM fez com que a Universal, decidisse introduzir o seu próprio cine-jornal.

Vários cine-jornais tentaram penetrar num mercado dominado pelos grandes estúdios. Mudos ou sonoros, de âmbito nacional ou regional, no final das contas, todos fracassaram. Entre esses: Selznick News, (Henry) Ford Animated Weekly, American Newsreel (editado e produzido por Lowell Thomas), Junior Newsreel (para crianças), Eve’s Film Pictorial (para mulheres), Iwoa News Flashes, Chicago Daily News Newsreel e All American News, estes três últimos expressamente para comunidades negras.

Apenas um cine-jornal independente, introduzido nos anos 30, sobreviveu. Não era, estritamente falando, um cine-jornal; não era distribuído para o mercado cinematográfico e não competia com as cinco grandes companhias. Em junho de 1937, Eugene Castle, produtor de curtas-metragens industriais e publicitários, lançou o Castle News Parade, oferecendo para venda direta aos espectadores.  o material dos cine-jornais das majors, reduzido para 16mm e 8mmm. A primeira edição do Castle News Parade mostrava o desastre com o Hindenburg;  a segunda, a coroação de George VI; e a terceira, a história da vida do Duque de Windsor. A Castle Films prosperou por muitos anos na sua produção de cine-jornais e curtas-metragens para os entusiastas do cinema-em-casa.

Porém, nos cinemas comerciais somente os cinco grandes cine-jornais conseguiram sobreviver: Fox-Movietone News, Hearst Metrotone News (depois reintitulado News of the Day), Paramount News (“The Eyes and Ears of the World”), Pathé News (depois RKO-Pathé News e Warner-Pathé News) e Universal News (também conhecido como Universal Newsreel e Universal intenational News). Seus títulos no Brasil eram, pela ordem: 20th Century-Fox Atualidades; Metrotom Atualidades (depois Notícias do Dia); A Voz do Mundo; Atualidades RKO-Pathé (depois Warner-Pathé); Noticiário Universal.

O Fox Movietone News era o cine-jornal mais importante, empregando um grande número de cinegrafistas e mantendo o maior número de escritórios regionais em todo o mundo. Ele caracterizava-se pela divisão das notícias por categorias, cada qual com seu próprio título e narrador. Lowell Thomas, por exemplo, atuou como narrador principal durante muitos anos enquanto Ed Thorgensen descrevia o material filmado sobre esportes.

No Pathé News, editado por Courtland Smith, a partir de 1935, o locutor de rádio Harry Von Zell atuava regularmente como a ˜”Voz do Pathé News” e Clem McCarthy, narrava os acontecimentos esportivos. Durante o período  silencioso, a Pathé servia aos cinemas independentes. Em 1933, houve uma fusão entre a organização Pathé e a RKO Pictures, promovida pelo financista Joseph P. Kennedy. A fusão forneceu à RKO um cine-jornal (RKO-Pathé News) com o qual ela podia preencher a sua programação na competição com os outros grandes estúdios. A associação durou até agosto de 1947, quando a Pathé deixou a RKO e começou a distribuir  seus cine-jornais através da Warner Brothers. Em agosto de 1947 a Warner Bros. comprou o Pathé News e começou a distribuir o Warner Pathé News nos seus próprios cinemas.

O sucesso dos cine-jornais sonoros foi tanto que, em 2 de novembro de 1929, a Fox inaugurou o cinema Embassy na Broadway com a Rua 46 em Nova York e o devotou exclusivamente para a exibição de cine-jornais. Em março de 1931, outro cinema de cine-jornais, o Trans-Lux, abriu também em Nova York, gerenciado por dois ex-membros da equipe do Fox Movietone, Courtland Smith e Jack Connolly. Um terceiro cinema de cine-jornais, surgiu em 1939, quando um grupo  de negocistas de Nova York liderado por Alfred A. Burger e Herbert L. Sheftel fundaram o Telenews Theater em San Francisco. Ele abriu suas portas em 1 de setembro de 1939 e, no primeiro programa, o assunto era a invasão germânica da Polonia. Durante as próximas duas décadas, o Telenews abriria uma cadeia de treze cinemas similares através do país e também a sua própria produtora de cine-jornais.

Depois do advento do som, alguns fatores começaram a contribuir para o declínio da qualidade dos cine-jornais e o eventual malogro das organizações, que os produziam nos anos 50 e 60. Um desses fatores foi o fim da rivalidade selvagem, que havia sido a característica da produção de cine-jornais durante a era do cinema silencioso.

Enquanto o cinegrafista dos anos 20 fazia de tudo para conseguir um furo jornalístico, exibir seu material filmado antes dos outros e até sabotar seus competidores, os cinegrafistas dos anos 30 cooperavam entre si e participavam  de um sistema de cobertura, no qual um único cinegrafista ou um número limitado de cinegrafistas  filmava um determinado evento e o material filmado era compartilhado por todos os produtores de cine-jornais interessados.

Com a deflagração da Segunda Guerra Mundial, o governo dos Estados Unidos teve necessidade de estabelecer esse sistema, para  proporcionar uma cobertura civil da guerra satisfatória. Havia operações militares demais em andamento para que um único cine-jornal pudesse cobrir todas elas. O dito sistema terminou oficialmente em 1945, mas a sua prática continuou na cobertura de muitos cine-jornais de prestígio.

Em acréscimo aos cine-jornais comerciais domésticos que operavam durante a guerra, o governo dos Estados Unidos financiou o seu próprio cine-jornal para espectadores de além mar, intitulado United Newsreel.  A produtora era uma empresa privada (United Newsreel Corporation), de fins não lucrativos, criada em 1942 pelas cinco maiores companhias produtoras de cine-jornais – Paramount, Pathé, Fox, Universal e MGM – em associação com o Office of War Information. O United Newsreel foi planejado como um meio de contra-propaganda e era exibido em dezesseis idiomas, não somente nos países amigáveis, neutros ou em dúvida como também  jogados atrás das linhas inimigas numa versão em alemão. O contrato do governo com a United Newsreel Corporation findou-se em 15 de dezembro de 1945.

O cine-jornal americano beneficiou-se de suas experiências do tempo de guerra na medida em que atingiu uma nova maturidade. Entretanto, ele passou por outras mudanças, que iriam agir em seu detrimento. Primeiro, a falta de competição entre cinegrafistas e estúdios, como vimos algumas linhas atrás. Segundo, a uniformidade na cobertura, que ocorreu na medida em que cada cine-jornal oferecia tópicos quase idênticos aos seus espectadores. Os cinemas sobreviveram apenas por causa do grande interesse pelas notícias de guerra assim como pelos esquemas de promoções tais como aquele que fornecia gratuitamente ampliações de fotogramas de cenas de combate  aos espectadores que reconheciam parentes  ou entes amados nos filmes. Terceiro, o material filmado que chegava aos cinemas era severamente censurado, particularmente na primeira fase da guerra. O cine-jornal sobre o ataque a Pearl Harbor só foi liberado um ano depois do acontecimento. Tal censura estendia-se à apresentação de cenas de soldados americanos feridos ou mortos. Algumas vezes os próprios gerentes dos cinemas extirpavam cenas dos cine-jornais de guerra que eles achavam demasiadamente repulsivas. O Radio City Music Hall recusou exibir cine-jornais dos campos de concentração de Dachau e Buchenwald. Quarto, a duração padrão de um rolo do cine-jornal americano que nunca havia sido suficiente, para permitir uma exposição satisfatória em tempos normais, foi abreviada ainda mais por ordem do governo no período de 1942-1945. Quinto, assuntos controversos, especialmente os de natureza política, virtualmente desapareceram das telas. Esta ausência  produziu efeitos que duraram até muito depois da guerra e tornaram o cine-jornal mais inócuo. A Marcha do Tempo / The March of Time, por exemplo, que era anteriormente uma das revistas cinematográficas mais polêmicas do mundo nunca mais conseguiu retomar o seu estilo impudente e iconoclástico de antes da guerra.

A Marcha do Tempo, lançada em 1935 pela Time Inc., produzida por Louis de Rochemont, distribuída pela 20th Century-Fox e narrada pela voz inconfundível de Westbrook Van Voorhis (“Time…marches on!”), revolucionou os conceitos existentes de jornalismo e fílmico e durante dezesseis anos causou um grande impacto sobre o público americano e internacional. A partir de outubro de 1942, a RKO lançou uma revista concorrente, Assim é a América / This is America, na qual muitos episódios foram dirigidos por Richard Fleischer e por Slavo Vorkapich, o mestre de sequências de montagem.

Em 1949, a indústria da televisão comercial estava bem estabelecida e seus serviços de notícias iniciaram uma concorrência real aos produtores de cine-jornais cinematográficos. Com o passar do tempo,  a cobertura de notícias pela televisão do pós-guerra melhorou rapidamente assim como a qualidade de sua imagem.

A partir de 1950, os cinemas especializados e as grandes companhias produtoras de cine-jornais começaram a fechar. No outono de 1951, A Marcha do Tempo cessou suas operações. O mesmo aconteceu com o Warner Pathé News em agosto de 1956; com o Paramount News em fevereiro de 1957; com o Fox- Movietone News em setembro de 1963; com o Hearst Metrotone (News of the Day) em novembro de 1967; com o Universal Newsreel em dezembro de 1967.

Neste artigo, que teve como fonte inestimável de consulta, o magnífico livro de Raymond Fielding, The American Newsreel (University of Oklahoma, 1972), fizemos apenas um resumo da História do Cine-Jornal Americano. Quem quiser conhecer melhor esta matéria, encontrará informações mais detalhadas na obra de Fielding, que recomendamos entusiasticamente.

CHARLES CHAPLIN – GÊNIO UNIVERSAL DO CINEMA

Charles Chaplin foi o gênio mais universal do Cinema. Carlitos seduziu simultaneamente as massas e os intelectuais, fez rir e chorar as platéias de todo o mundo e, na linha do humanismo poético, o solitário tragi-cômico nos estimulou  ao desejo das coisas que nunca perecem: a beleza, o sonho, a ternura,  o sentimento de liberdade, a esperança.

Charles Spencer Chaplin nasceu a 16 de abril de 1889 em Londres, Inglaterra, filho de Charles Chaplin e Hannah Hill. Hannah era filha de um fabricante de sapatos de origem cigana. Ela fugiu de casa aos 16 anos e foi trabalhar no music-hall, adotando o nome artístico de Lily Harley. Hannah logo se apaixonou por Charles Chaplin, o filho de um açougueiro, que se tornara ator. Porém, três anos depois, ela o abandonou e foi para a África do Sul com outro amante, Sydney Hawkes.  Segundo apurou o Dr. Stephen Weissman, autor de Chaplin, A Life (Arcade, 2008), Hawkes, um vigarista que se fazia passar por aristocrata rico, mas era de fato um cafetão, levou Hannah para Witwatersrand, cidade de crescimento rápido em virtude da corrida para as jazidas de ouro, e a explorou como prostituta nos salões de baile frequentados pelos garimpeiros.

Por volta de 1884, Hannah estava farta daquilo e, embora tivesse sido engravidada por Hawkes, decidiu retornar à Inglaterra e procurar o seu antigo namorado, Charles Chaplin. O filho de Hawkes, também chamado Sydney, nasceu no ano seguinte. Hannah e Charles recomeçaram o seu relacionamento romântico e trabalharam juntos nos palcos londrinos. Em 1886, eles se casaram e, no devido tempo, tiveram o seu próprio filho, o futuro criador de Carlitos. Porém logo Hannah  abandonou Charles de novo, desta vez atraída por um ator mais famoso, Leo Dryden, de quem teve seu terceiro filho, Wheeler. Sydney e Wheeler trabalhariam para Chaplin no futuro.

Depois que Dryden se separou, levando o seu bebê com ele, Hannah foi obrigada a aceitar compromissos em teatros de terceira classe, para alimentar os seus outros dois filhos. Sua carreira vacilante finalmente se interrompeu numa noite, quando perdeu a voz no meio de uma representação.

Chaplin recordou o incidente na sua autobiografia: “Foi devido às falhas de voz de mamãe que, na idade de cinco anos, aparecí pela primeira vez num palco. A peça era A Cantina, apresentada no Aldershot, um teatrinho poeira frequentado principalmente por soldados. Lembro-me de que estava de pé nos bastidores, quando a voz de mamãe falhou, reduzindo-se a um mero sussurro. O público começou a rir, a cantar em falsete e a miar como gato. O barulho aumentou tanto, que ela se viu obrigada a sair de cena. Chegou aos bastidores agitadíssima, pôs-se a discutir com o empresário e o homem, que me vira representar para os amigos de mamãe, sugeriu que eu me pusesse em cena no lugar dela. No meio da cançoneta, uma chuva de moedas desabou sobre o palco. Imediatamente parei e disse que primeiro iria apanhar o dinheiro e cantava o restante da cantiga depois. Grandes gargalhadas. O empresário reapareceu com um lenço e me ajudou a apanhar as moedas. Desconfiei que ele fosse ficar com elas. Essa desconfiança foi transmitida à platéia e redobraram as gargalhadas, especialmente quando o empresário saiu do palco com o dinheiro e eu o seguí ansiosamente. Só depois que ele entregou o dinheiro a mamãe, foi que voltei ao palco e continuei a cantar”.

Nos meses seguintes, o menino teve que encarar um problema maior. Sua mãe começou a ter fortes enxaquecas, acompanhadas de alucinações horripilantes. As dores de cabeça, que duraram um mês, impediram-na de cuidar de seus filhos e eles foram levados para um abrigo de pobres. Quando Chaplin tinha sete anos de idade, ele e o irmão foram removidos para a Hanwell School for Orphan and Destitute Children.

Passado algum tempo, Hannah recuperou-se suficientemente para tomar conta dos filhos. Obcecada com sua  saúde debilitada, ela se aproximou da religião. Agora, em vez de subir no palco, Hannah passava as suas tardes interpretando cenas da Bíblia para seus filhos em casa.

Em 1898, ela foi diagnosticada como sifilítica – de acordo com relatórios médicos recentemente descobertos pelo Dr. Weissman- , sofrendo de episódios psicóticos violentos caraterísticos do estado terciário da doença. Hannah foi internada no asilo de alienados de Cane Hill, nos arredores de Londres e Sydney e Chaplin passaram à custodia do pai e da madrasta, Louise.

Finalmente, Hannah foi liberada de Cane Hall e mãe e filhos se reuniram num quarto modesto perto de um matadouro no bairro de Kennington, onde ela voltou a costurar com uma máquina de costura emprestada. Nesse tempo, sua renda foi complementada por uma pensão do pai de Chaplin, que começara a assumir mais seriamente as suas responsabilidades paternas.

O progenitor de Chaplin, alcóolatra, morreu em 1901 de cirrose hepática com apenas 37 anos de idade. A mãe de Chaplin teve outras crises nervosas e internações, mas sobreviveu até 1928, quando veio a falecer, aos 65 anos, numa clínica da Califórnia.

Renomado psiquiatra, o Dr. Weissman oferece no seu livro um retrato analítico fascinante do homem que, de 1915 aos meados dos anos 30, foi a pessoa mais famosa do mundo. Segundo Waissman, Chaplin recriou sua infância dolorosa repetidas vezes nos seus filmes, especialmente através das aventuras de sua persona fílmica, o Pequeno Vagabundo, o cômico e amável Homem Comum, que nunca desanima diante da adversidade.

Aos quatorze anos, estimulado por Sydney, o jovem Chaplin foi bater nas portas dos agentes teatrais. Numa das investidas às agências, ele obteve finalmente o papel infantil na peça Jim, the Romance of a Cockney e, em seguida, interpretou o empregadinho de Sherlock Holmes, primeiro ao lado de H. A. Santsbury e depois do ator americano William Gilette, que excursionava pela Inglaterra.

Posteriormente, atuou numa companhia de variedades, o Casey’s Circus, parodiando o célebre bandoleiro Dick Turpin e o “Dr.” Walford Bodie, um sujeito  metido a erudito, que se dizia doutor, além de se apresentar uma semana no Foresters Music Hall, como galã juvenil, num esquete intitulado The Merry Major.

Sydney, a essa altura, estava na empresa de Fred Karno.

Certo dia, Sydney me anunciou que o Sr. Karno queria falar comigo. Quando cheguei, ele me acolheu carinhosamente:

“- Sydney vive me dizendo quanto você é bom. Acha que é capaz de contracenar com Harry Weldon em The Football Match?

“- Só preciso que me dêem uma oportunidade – disse-lhe com confiança.

“Karno sorriu:

“-Dezessete anos é muito pouca idade e você parece ainda mais moço.

“Encolhí os ombros sem hesitar:

“- Isto é uma questão de maquilagem.

“Karno riu; e mais tarde disse a Sydney que fora aquele encolher de ombros que me deu o emprego”.

A empresa de Karno compreendia várias companhias. Em 1910 e, de novo, em 1912, Chaplin foi com uma delas sob a gerência de Alf Reeves, para os Estados Unidos.

Lá, Mack Sennett viu-o interpretando um bêbado em A Night in a London Music-Hall e o indicou a Adam Kessel, um dos donos da Keystone Company. “Ao entrar nos estúdios da Keystone, em Edendale, fiquei extasiado. Uma luz suave   banhava todo o palco de filmagem … Depois de ter sido apresentado a dois ou três atores, comecei a me interessar pelo que ali se fazia. Havia três montagens, lado a lado uma das outras e três companhias de comédia trabalhavam nesses cenários. Era como estar vendo alguma coisa na Feira Mundial. Numa das montagens Mabel Normand batia furiosamente numa porta gritando: “Deixe-me entrar”. Depois a câmera parava de trabalhar. Era só isso o que se filmava na ocasião. Foi uma revelação para mim, que ainda não tinha a menor idéia de que o Cinema fosse feito aos pedacinhos, como num jogo de armar”.

No primeiro filme, Carlitos Repórter / Making a Living, Chaplin fez o papel de vilão, vestindo fraque, chapéu alto, monóculo e um bigode de pontas viradas para baixo. No segundo filme, Corridas de Automóveis para Meninos / Kid Auto Races at Venice, começou a nascer o personagem de Carlitos.

“Não tinha a menor idéia sobre a caracterização que iria usar. A do repórter não me agradara. Contudo, a caminho do guarda-roupa, pensei em usar calças bem largas, estilo balão, sapatos enormes, casaquinho bem apertado, chapéu-côco pequenino e uma bengalinha. Queria que tudo estivesse em contradição: as calças fofas com o casaco justo, os sapatões com o chapeuzinho. Estava indeciso sobre se devia parecer velho ou moço. Lembrei-me de que Sennett esperava que eu fosse mais idoso e, por isso, adicionei ao tipo um pequeno bigode que, pensei, aumentaria a idade, sem prejudicar a mobilidade da minha expressão fisionômica. Não tinha nenhuma idéia igualmente da psicologia do personagem. Mas, no momento em que assim me vestí, as roupas e a caracterização me fizeram compreender a espécie de pessoa que eu era. Comecei a conhecer o personagem e, no momento em que entrei no palco de filmagem, ele já havia nascido. Estava totalmente definido”.

Vários imitadores de Chaplin – Billy West, Billie Ritchie, Bobbie Dunn, Ray Hughes, Charles Amador, etc. – usaram indumentária parecida mas, é claro, nenhum o igualou.

Os diretores das comédias da Keystone  seguiam à risca o modelo Sennett, baseado somente na destruição e na correria enquanto Chaplin procurava sempre introduzir algumas improvisações de natureza pessoal.  “Prevalecí-me de todas as oportunidades, para aprender o máximo sobre o meu novo ofício. Entrava e saía do laboratório de copiagem e da sala de cortes, observando o modo pelo qual eram cortados os filmes e ligadas as diversas cenas umas com as outras. Estava ansioso por escrever e dirigir minhas próprias comédias”.

Ainda na Keystone, Chaplin conseguiu concretizar este desejo. Fez 35 filmes, muitos dos quais com direção e argumento de sua autoria. Foi uma fase de experimentação e descoberta, na qual aprendeu a adaptar ao Cinema tudo o que havia aprendido no music-hall.

Em 1915, Chaplin era um cômico tão popular, que pediu à Essanay, administrada por G.M. “Broncho Billy” Anderson e George K. Spoor, um salário de 1.250 dólares semanais e luvas no valor de dez mil dólares, soma muito superior aos 175 dólares semanais que ganhava na Keystone.

Na Essanay, Chaplin concebeu e dirigiu 14 filmes, dos quais o mais importante foi O Vagabundo / The Tramp, onde aparecem, de forma embrionária, os temas futuros e o patético. Como anotou Carlos Heitor Cony, pela primeira vez o espectador, habituado a rir de Carlitos, de repente tem vontade de chorar.

Em meados de 1916, Chaplin transferiu-se para a Mutual, recebendo um salario sem precedentes – 670 mil dólares anuais, para fazer apenas 12 filmes por ano no Lone Star Studio, em Lillian Way, Los Angeles.

O período Mutual foi muito criativo, sobressaindo-se os clássicos A Casa de Penhores / The Pawn Shop e Rua da Paz / Easy Street.

Em 1918,  Chaplin assinou contrato com a First National, embolsando um milhão e 200 mil dólares, pela obrigação de dirigir somente oito filmes, que realizou em um novo estúdio em Hollywood, situado na Avenida La Brea.

˜Nos tempos da Keystone, o vagabundo tinha maior liberdade e não estava tão adstrito ao enredo. Seu cérebro raramente funcionava – apenas funcionavam os instintos, que se voltavam para as necessidades essenciais: comida, aquecimento, abrigo. À medida que as comédias se sucediam, o vagabundo ia se tornando mais complexo. O sentimento começava a se infiltrar no seu caráter … A solução veio quando comecei a pensar no vagabundo como uma espécie de Pierrô. Com essa concepção, eu tinha liberdade de expressão e o direito de embelezar as comédias com um toque de sentimento. Até a filmagem de O Garoto / The Kid, farsa crua misturada com sentimento era uma coisa inexistente. E, portanto, foi uma inovação”.

Inspirado na infância dickseniana de Chaplin, O Garoto é o primeiro longa-metragem do cineasta e, na época, bateu todos os recordes de bilheteria. Constitui  sem dúvida uma das obras-primas na First National, juntamente com Pastor de Almas / The Pilgrim, este, com menos apelo emocional, mais satírico.

Em 1919, Chaplin formou a United Artists Corporation com Mary Pickford, Douglas Fairbanks, D.W. Griffith, William S. Hart e William MacAdoo, genro do Presidente Wilson e ex-Ministro das Finanças, apoiados primeiramente pela Dupont de Nemours e, depois, pelo grupo Morgan.

Após uma viagem triunfante à Europa, quando pôde verificar sua enorme popularidade no exterior, Chaplin realizou, como disse Cony, o filme que foi feito para provar que ele, Chaplin, sabia inventar Cinema. “Alguns  críticos afirmavam que a cena muda não poderia refletir estados de alma … Casamento ou Luxo / A Woman of Paris (protagonizado por Edna Purviance e Adolphe Menjou), foi um verdadeiro desafio a esse juízo … Em sutilezas de ação, procurei comunicar nuanças de sentimento … O filme causou grande emoção nas platéias mais finas. Era o primeiro filme silencioso em que se combinavam ironia e psicologia”.

A estrela Edna Purviance, a mais assídua parceira de Carlitos, teve ainda outra chance de firmar-se como atriz dramática. Chaplin contratou Josef von Sternberg para dirigí-la  em The Sea Gull também denominado The Woman of the Sea; porém não gostou do resultado e mandou arquivar  o filme.

Depois disso, veio a fase mais fértil da carreira de Charles Chaplin, que inclui: Em Busca do Ouro / The Gold Rush, O Circo / The Circus, Luzes da Cidade / City Lights, Tempos Modernos / Modern Times, O Grande Ditador  / The Great Dictator, Monsieur Verdoux / Monsieur Verdoux e Luzes da Ribalta / Limelight.

Nos três primeiros filmes estão alguns dos momentos mais humanos e poéticos da História do Cinema como a dança dos pãozinhos na solidão da noite de Ano Novo em Em Busca do Ouro; o final de O Circo, quando o vagabundo, rejeitado pela equilibrista, dobra a estrela de papel e a chuta com o calcanhar; e, em Luzes da Cidade, o inesquecível close do seu sorriso amargurado com a rosa nos lábios, que marca o ápice da arte chapliniana.

Tempos Modernos, O Grande Ditador e Monsieur Verdoux podem ser vistos em conjunto como uma crítica à sociedade desumanizada.

Luzes da Ribalta, para aproveitar a frase de André Bazin, “é uma meditação shakespereana sobre a velhice e a juventude, o teatro e a vida”.

A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, na cerimônia do Oscar de 1927-28, outorgou à Chaplin uma estatueta “pela versatilidade e gênio ao escrever, produzir, dirigir e estrelar O Circo”.

Embora internacionalmente aclamado, o cineasta sofreu críticas de ordem moral e política. Houve muita indignação a respeito de sua atração por garotas mais jovens. A primeira esposa, Mildred Harris, era uma figurante de 16 anos quando ele a desposou em 1918; divorciaram-se dois anos depois. A segunda mulher, Lita Grey, tinha também 16 anos, quando ele se casou com ela, aos 35 anos, em 1924; a união durou três anos. Em 1933, Chaplin contraiu núpcias secretamente com Paulette Goddard, que tinha então 19 anos e ele, 44 anos; divorciaram-se em 1948. Pouco depois, ocorreu a rumorosa ação de investigação de paternidade, promovida por Joan Barry, que tinha então 22 anos. Em 1943, Chaplin se casou com Oona O’Neill, apesar da desaprovação do pai dela, o escritor Eugene O’Neill. Oona tinha 18 anos e Chaplin, 54 anos.

Os rumores acerca da simpatia de Chaplin pelo comunismo cresceram durante a Guerra, quando ele se manifestou a favor da abertura de uma segunda frente na Rússia.

Havia outrossim certo ressentimento da opinião pública pelo fato de o cineasta , residente no país há 42 anos, nunca ter se naturalizado americano.

Várias organizações começaram a atacá-lo e hoje se sabe que não apenas o FBI estava investigando suas ligações com políticos da esquerda e sua vida particular, como também a CIA, o Departamento de Estado e os de imigração, Rendas Internas e Serviço Postal.

Em 1952, Chaplin foi com a família a Londres, para a estréia de Luzes da Ribalta e, ao saber que só poderia obter visto de reingresso nos Estados Unidos, após ser interrogado por funcionários da imigração, preferiu ficar na Europa, instalando-se em Corsier-sur-Vevey, na Suíça.

No novo filme, Um Rei em Nova York / A King in New York, magoado, desancou com o American Way of Life e o macarthismo e retomou a crítica aos tempos modernos, às vezes, com o gênio de outrora.

Esperou alguns anos para rodar a obra derradeira, A Condessa de Hong Kong / The Countess of Hong Kong, comédia romântica anacrônica, mas fiel ao espírito do realizador.

Os anos passam, os ânimos se acalmam. Em 1972, Chaplin voltou à América para receber a homenagem da Academia e o público ovacionou-o calorosamente.

Três anos depois, sagrou-se Sir do Império Britânico, comovendo-se.

Numa das páginas da autobiografia, explicaria sua maneira de fazer filmes: “A maneira mais simples de abordar o assunto é sempre a melhor. Odeio os efeitos rebuscados e os truques como o de fotografar uma lareira do ponto de vista do carvão ou de acompanhar com a câmera um ator através do saguão de um hotel, como se estivesse sendo perseguido por uma bicicleta. Para mim, tudo isso é muito fácil e muito óbvio”.

Simplicidade e sentimento são, de fato, as vigas mestras da obra altamente especial do grande cineasta, cuja chama artística extinguiu-se no Natal de 1977.

Carlitos partira, desta vez para sempre, “pela estrada de pó e esperança” (Carlos Drummond de Andrade), porém seus filmes viverão eternamente.

FILMOGRAFIA  (Títulos em português que puderam ser identificados com os títulos originais):

1914 – CARLITO REPÓRTER / Making a  Living, CORRIDA DE AUTOMÓVEIS PARA  MENINOS / Kid Auto Races at Venice, CARLITO NO HOTEL / Mabel’s Strange Predicament, DIA CHUVOSO ou CARLITO e OS GUARDA-CHUVAS ou CARLITO NA ADVERSIDADE / Between Showers, JOÃOZINHO NA PELÍCULA ou DIA DE ESTRÉIA / A Film Johnnie, CARLITO DANÇARINO / Tango Tangles, CARLITO ENTRE O BAR E O AMOR / His Favorite Pastime, CARLITO MARQUÊS ou O MARQUÊS LOUCO DE AMOR ou UM AMOR CRUEL / Cruel Cruel Love, CARLITO E A PATROA ou CARLITO AMA A PATROA / The Star Boarder, CARLITO BANCA O TIRANO / Mabel at the Wheel, VINTE MINUTOS DE AMOR ou CARLITO CONTRA O RELÓGIO / Twenty Minutes of Love, BOBOTA EM APUROS / Caught in a Cabaret, CARLITO E A SONÂMBULA ou CARLITOS NA CHUVA / Caught in the Rain, CARLITOS CIUMENTO / A Busy Day, A MALETA FATAL ou O MOLHO DE CARLITOS / The Fatal Mallet, CARLITO LADRÃO ELEGANTE / Her Friend the Bandit, DOIS HERÓIS ou DOIS HERÓIS ENCRENCADOS / The Knockout, CARLITO E AS SALSICHAS / Mabel’s Busy Day,  DOIS CASAIS ENCANTADOS ou CARLITO E MABEL SE CASAM / Mabel’s Married Life, GÁS HILARIANTE ou CARLITO DENTISTA / Laughing Gas, CARLITOS NA CONTRA-REGRA ou SUCESSOS DO PASSADO /  The Property Man, SOBRADO MAL ASSOMBRADO  ou PINTOR APAIXONADO ou ARTISTA DESASTRADO / The Face on the Barroom Floor, DIVERTIMENTO / Recreation, CARLITO COQUETE / The Masquerader, NOVA COLOCAÇÃO DE CARLITO / His New Profession, CARLITOS NA FARRA ou QUE FARRA! / The Rounders,  CARLITO PORTEIRO / The New Janitor, CARLITOS RIVAL NO AMOR / Those Love Pangs, DINAMITE E PASTEL ou CARLITO NA ROSCA / Dough and Dynamite, CARLITO E MABEL ASSISTEM ÀS CORRIDAS / Gentleman of Nerve, MÚSICOS VAGABUNDOS ou CARREGADORES DE PIANO / His Musical Career, O ENGANO / His Trysting Place, IDÍLIO DESFEITO ou CASAMENTO DE CARLITOS ou CARLITO CASANOVA / Tillie’s Punctured Romance, CARLITO E MABEL EM PASSEIO / Getting Acquainted, O PASSADO PRE-HISTÓRICO / His Prehistoric Past. 1915 – SEU NOVO EMPREGO / His New Job, UMA NOITE FORA ou CARLITO SE DIVERTE/ A Night Out, CAMPEÃO DE BOXE ou CARLITO É UM BICHO NO MUQUE / The Champion, CARLITOS NO PARQUE / In the Park, CARLITO QUER CASAR ou CARLITO IMPOSTOR / A Jitney Elopement, O VAGABUNDO / The Tramp, CARLITO À BEIRA-MAR ou CARLITO NA PRAIA / By the Sea, CARLITOS NA ATIVIDADE ou CARLITO LIMPADOR DE VIDRAÇAS ou CARLITOS TRABALHA ou CARLITO CARREGADOR / Work, SENHORITA CARLITOS ou UMA RAPARIGA À LA MODE / A Woman, O BANCO ou ORDENANÇA DE BANCO / The Bank, CARLITO MARINHEIRO ou O MARINHEIRO CARLITO ou O HERÓI CAPATAZ / Shanghaied, CARLITOS NO TEATRO ou UMA NOITE NO MUSIC-HALL / A Night in the Show, CARMEN ÀS AVESSAS ou OS AMORES DE CARMEN / Charlie Chaplin’s Burlesque ou Carmen. ROUBO FRUSTRADO ou CARLITO POLÍCIA / Police. 1916 – O FALSO GERENTE ou CARLITO NO ARMAZÉM  ou VIDA DE CAIXEIRO ou CAIXEIRO EXEMPLAR / The Floorwalker, CARLITO BOMBEIRO / The Firemen, O VAGABUNDO / The Vagabond, A UMA DA MADRUGADA ou CARLITO NOCTÂMBULO ou CARLITO NOTÍVAGO ou CARLITO BOÊMIO / One A.M.,  O CONDE ou O FALSO CONDE / The Count, A CASA DE PENHORES / The Pawnshop, CARLITO NO ESTÚDIO ou ENTRE BASTIDORES / Behind the Screen, SOBRE RODAS ou CARLITO PATINADOR ou CARLITOS PATINA ou CAMPEÃO DE PATINS / The Rink. 1917 – RUA DA PAZ ou CARLITOS GUARDA-NOTURNO ou RUA DOS MILAGRES / Easy Street, O BALNEÁRIO ou ÁGUAS MEDICINAIS  ou CARLITO NUMA ESTAÇÃO DE ÁGUAS ou CARLITO NAS TERMAS / The Cure, O EMIGRANTE / The Immigrant, O AVENTUREIRO ou O FUGITIVO ou CARLITO SAI DO XADREZ ou CARLITOS PRESIDIÁRIO ou O EVADIDO / The Adventurer. 1918 – VIDA DE CACHORRO ou UMA VIDA DE CÃO / A Dog’s Life, OMBRO ARMAS ou CARLITO NAS TRINCHEIRAS ou ARMAS AO OMBRO / Shoulder Arms. 1919 -IDÍLIO CAMPESTRE ou UM IDÍLIO NOS CAMPOS / Sunnyside, UM DIA DE PRAZER  ou UM DIA BEM PASSADO / A Day’s Pleasure. 1921 – O GAROTO / The Kid, OS CLÁSSICOS VADIOS  ou OS OCIOSOS  ou CARLITO E A MÁSCARA DE FERRO / The Idle Class. 1922 – DIA DE PAGAMENTO / Pay Day. 1923 – PASTOR DE ALMAS ou O PEREGRINO / The Pilgrim, CASAMENTO OU LUXO ou A OPINIÃO PÚBLICA  / A Woman of Paris. 1925 – EM BUSCA DO OURO / The Gold Rush.1928 – O CIRCO / The Circus. 1931 / LUZES DA CIDADE / City Lights. 1936 – TEMPOS MODERNOS / Modern Times. 1940 – O GRANDE DITADOR / The Great Dictator. 1947 – MONSIEUR VERDOUX / Monsieur Verdoux. 1952 – LUZES DA RIBALTA / Limelight. 1957 – UM REI EM NOVA YORK / A King in New York. 1966 – A CONDESSA DE HONG KONG / The Countess of Hong Kong.

O CINEMA DE JOSEF VON STERNBERG

Dotado de extraordinário senso plástico e de um estilo que subordina o tema e a caracterização dos personagens às experiências com a sombra, a luz e a composição, Josef von Sternberg criou um Cinema de ilusão e sensualidade, no qual a poesia e a pintura se unem para expressar a beleza.

Ele nasceu, com o prenome de Jonas e sem o aristocrático “von”,  a 29 de maio de 1894, em Viena, Áustria, numa família judia pobre. O  “von” foi acrescentado em 1924, pelo ator-diretor Elliot Dexter, para os créditos de Por Direito Divino / By Divine Right, filme dirigido por Roy William Neill, no qual Sternberg trabalhou como co-roteirista e assistente de direção.

Aos sete anos de idade, o menino austríaco chegou aos Estados Unidos, para onde o pai emigrara em busca de fortuna. Decorrido algum tempo, a família retornou à terra natal; mas, em 1908, estava de novo na América. Em 1914, Sternberg empregou-se na World Film Corporation, nos estúdios de Fort Lee, New Jersey, onde começou exercendo a função de remendão de filmes, depois passou a montador, roteirista e assistente de direção, e chegou a ser consultor do patrão, William A. Brady.

Em 1917, alistou-se no Exército e fez filmes de treinamento para o Corpo de Sinaleiros. Após o armistício, trabalhou como assistente de direção de Emile Chautard em O Mistério do Quarto Amarelo / The Mystery of the Yellow Room / 1921, aprendendo com ele os rudimentos da composição fílmica. Em 1922, foi para a Inglaterra, prestando serviços à Alliance  Productions. No ano seguinte, voltou a Hollywood e, como assistente de Roy William Neill em O Preço da Vaidade / Vanity’s Price / 1924, teve oportunidade de dirigir uma cena, muito elogiada pelos críticos.

Nesta ocasião, travou conhecimento como o ator inglês George K. Arthur, que desejava investir num filme modesto. Sternberg convenceu-o a utilizar um roteiro de sua autoria, The Salvation Hunters, cuja trama transcorria nas redondezas do porto de San Pedro, Califórnia. Ali viviam três seres desamparados – um rapaz (George K. Arthur), uma moça (Georgia Hale) e uma criança (Bruce Guerin) – a bordo de uma draga a vapor, molestados pelo cruel proprietário. Fugindo desta situação e das condições miseráveis do lugar, eles vão para a cidade, onde um rufião tenta prostituir a moça e o rapaz encontra a coragem para defendê-la. Nesta primeira realização, abordando de maneira simples a eterna luta entre o Bem e o Mal, já se evidenciam algumas características do estilo do diretor: a ênfase dada à atmosfera, personagens em poses pictóricas e referencias simbólicas – restos de um naufrágio na praia, a sombra da draga, sempre presente.

Charlie Chaplin viu o filme antes da estréia, recomendou-o aos sócios Mary Pickford, Douglas Fairbanks e Joseph Schenck, e eles resolveram distribuí-lo pela United Artists. Entusiasmada, Mary convidou  Sternberg para dirigir seu próximo filme; porém depois desistiu do projeto.

A Metro-Goldwyn-Mayer então ofereceu a Sternberg um contrato de oito anos, logo dissolvido por acordo, depois de duas produções desastrosas: O Rapaz e a Cigana ou Ele e a Cigana / The Exquisite Sinner / 1925 e Amor, Vício e Virtude / The Masked Bride / 1925. Como as exigências artísticas  e o método de trabalho do cineasta não se compatibilizaram com os desígnios da companhia, ambas as produções foram respectivamente refilmadas e completadas por outros diretores.

Posteriormente às desventuras  de Sternberg na Metro, Chaplin procurou-o para orientar Edna Purviance, na sua “volta às telas”, em The Sea Gull, depois reintitulado A Woman of the Sea, para não ser confundido com a peça de Tchekov. Chaplin apreciava o humanismo sentimental de Charles Dickens e contratou Sternberg, porque pensara ter encontrado algo parecido em The Salvation Hunters. Todavia, ao perceber que ele substituira os valores humanos do roteiro original por valores eminentemente visuais – o motivo do mar é empregado como contraponto de uma história ocorrida entre pescadores – , Chaplin resolveu arquivar  o filme.

Ao retornar de uma viagem ao exterior, Sternberg aceitou a incumbência de ser assistente do diretor Arthur Rosson na Paramount. Neste tempo, o chefe de produção B.P. Schulberg pediu-lhe para refilmar algumas cenas de Filhos do Divórcio / Children of Divorce / 1927 (Dir: Frank Lloyd) e o trabalho de “salvamento” ensejou-lhe a chance de dirigir Paixão e Sangue / Underworld / 1927.

Baseado num argumento de Ben Hetch, o filme conta a história de um gângster sentimental, “Bull” Weed (George Bancroft), que se sacrifica pela amizade a um advogado, conhecido como “Rolls Royce” (Clive Brook) e pelo amor da namorada “Feathers” (Evelyn Brent), os dois últimos apaixonados um pelo outro, mas reprimindo seus sentimentos por lealdade a Weed.

Embora marcas da vivência jornalística de Hetch tenham ficado em diversos incidentes, na construção dos personagens, na decoração do baile dos gângsteres e nos vestidos cheios de plumas de “Feathers”- prefigurando o tipo que o diretor faria desabrochar com Marlene Dietrich – sente-se a total criação de Sternberg, cuja mise-en-scène caracteriza-se pela economia de meios (que é marcante no assalto à joalheria, mostrado impressionisticamente: o relógio quebrado por tiros de revólveres, o empregado que se vira, a mão que recolhe os diamantes, a multidão se aglomerando), originalidade e disciplina.

O êxito de Paixão e Sangue fez com que os executivos da Paramount mantivessem Sternberg ocupado. Ele escreveu o argumento de Rua do Pecado / The Street of Sin / 1927 (iniciado por Mauritz Stiller e terminado por outros), concordou em remontar  A Marcha Nupcial / The Wedding March de Erich von Stroheim, que tanto o influenciou, e, finalmente, se encarregou de dirigir Emil Jannings em A Última Ordem / The Last Command / 1928 que, juntamente com Paixão e Sangue e As Docas de Nova York, são as obras-primas do cineasta no período silencioso.

Em A Última Ordem, Jannings faz o papel de Sergius Alexander, visto primeiro como um figurante de Hollywood, lutando contra a velhice e um tique nervoso de balançar a cabeça incessantemente. Por acaso, o diretor Leo Andreyev (William Powell), ao escolher o elenco para um drama de guerra, vê a fotografia de Sergius e o reconhece como o ex-Comandante Geral do Exército Russo, que o havia prendido em 1917 como agitador revolucionário e causado indiretamente a morte de sua companheira Natascha (Evelyn Brent) – fatos apresentados em retrospecto. Para humilhar o antigo adversário ou também pela inspiração de que ele seria o ator ideal, Andreyev coloca Sergius como general no filme. No decorrer de uma cena, na qual enfrenta um soldado insubordinado, o velho, confundindo fantasia e realidade, pensa que está de novo nos dias de glória, excita-se, e morre dando a sua última ordem de comando.

O relato contém boas observações cáusticas sobre aspectos da capital do Cinema – o presunçoso assistente do diretor, “a fila do pão” dos extras – e da aristocracia militar – o desfile da tropa só para impressionar o Czar, o jantar dos oficiais, etc. O filme vale sobretudo pela virtuosidade interpretativa de Jannings, realmente notável, ao mostrar as duas vidas de Sergius e as duas personalidades – a do arrogante general czarista e a do decrépito e obscuro figurante – que elas produzem no mesmo homem.  Sob o prisma visual, não se vêem muitos requintes decorativos, porém manifestam-se longos movimentos de câmera e lentas fusões muito inspirados  e o interesse crescente pelo tratamento fotográfico sensual da mulher, representada pela presença fascinante de Evelyn Brent.

Tentando repetir o sucesso de Paixão e Sangue, O Super Homem / The Dragnet / 1928 é outra história de gângsteres, tendo como personagem principal um detetive durão, “Two Gun” Nolan (George Bancroft), no encalço dos chefes de quadrilha de Nova York, entre eles, “Dapper” Frank Trent (William Powell), que tem uma protegida, The Magpie” (Evelyn Brent). No decorrer da ação, Nolan, pensando ter sido responsável pela morte do amigo “Shakespeare” Donovan (Leslie Fenton) durante um tiroteio com os bandidos, pede demissão da polícia e se entrega à bebida. Entretanto, “The Magpie” descobre que fôra Trent o verdadeiro culpado e conta tudo ao detetive, sobrevindo o acêrto de contas.

A maioria dos historiadores  considera o filme como uma continuação pouco feliz de Paixão e Sangue e, até que apareça uma cópia do mesmo, temos que acatar tal veredicto.

Em seguida, Sternberg realizou Docas de Nova York / Docks of New York / 1929, cujo enredo melodramático tem como figura central Bill Roberts(George Bancroft), robusto foguista de um navio a vapor que, no dia de folga em terra, salva uma prostituta (Betty Compson) de suicídio por afogamento. Após uma bebedeira, ele se casa com ela numa cerimônia grotesca, celebrada na taverna do cais; porém, na manhã seguinte, resolve partir, deixando-a iludida pelo sonho de uma nova vida. Quando o navio está saindo do porto, Bill percebe que a ama  e nada até a praia, chegando a tempo de livrá-la da acusação de furto do vestido, que ele próprio retirara indevidamente de uma loja de penhores.

Graças à construção clássica de tempo, lugar e ação, o filme ganha muita concentração dramática e os personagens, embora simples, tornam-se atraentes, pela revelação do amor que os transfigura e leva Bill à responsabilidade. Tal como em The Salvation Hunters,  o diretor mostra que não está preocupado com as condições sociais das docas, mas sim com a transição emocional do protagonista. Os ambientes da sala de máquinas do navio, do porto e da taverna são evocados pela admirável fotografia e disposição de elementos fotogênicos: cordas, redes, fumaça, neblina, reflexos da luz dos lampiões sobre as águas, clarões no interior das caldeiras, âncora jogada no mar, um grande leme de madeira.

O último filme mudo de Sternberg, O Romance de Lena Smith / The Case of Lena Smith / 1929, tem como local de ação Viena por volta de 1894 e relata os sofrimentos de uma pobre campesina (Esther Ralston). Ela se casa com um oficial devasso (James Hall) e, depois do nascimento do filho, vai trabalhar na casa do marido como empregada, escondendo a verdade do sogro (Gustaf von Seiffertitz) enquanto o rapaz volta para a vida desregrada. Os que puderam ver o filme (dado como perdido), louvaram a ˜forte qualidade atmosférica” e a reconstituição acurada da época, certamente facilitada pelas reminiscências da infância do diretor.

Sternberg aderiu ao cinema falado com  O Homem de Mármore / Thunderbolt / 1929, pondo em evidência o triângulo amoroso formado pelo gângster “Thunderbolt” Jim Lang (George Bancroft) , sua garota “Ritzy” (Fay Wray) e Bob Morgan (Richard Arlen), um bancário apaixonado por ela, ocorrendo no desenlace a compreensão do gângster com relação ao amor dos dois jovens.

Neste filme, Sternberg faz uma experiência com o som assincrônico, que Eisenstein e Pudovkin propugnaram em vários manifestos na época. Nas cenas da prisão, ele usa a música – representada pelo cantor e o coro nas celas da morte – para criar um clima. Uma indicação do que realmente interessava ao diretor, é dada numa cena, na qual ele emprega o som contrapontualmente. Quando George Bancroft foge de uma batida da polícia e se esconde num bar do Harlem, ouvem-se os tiros fora do quadro, porém a câmera permanece focalizada em Fay Wray, sentada sozinha na mesa, apertando seu casaco de peles. Para Sternberg é a mulher que interessa mesmo durante uma perseguição crucial num filme de gângster.

Em 1930, aproveitando a primeira parte do romance de Heinrich Mann, Professor Unrat e influenciado pelo Kammerspiel e pelo Expressionismo, Sternberg realiza na Alemanha, O Anjo Azul/ Der Blaue Angel, obra decisiva na sua carreira. Trata-se de um estudo psicológico sádico e sentimental, sobre a degradação lenta e sistemática de um professor, Immanuel Raht (Emil Jannings), seduzido pelo charme perverso de uma cantora do music-hall, Lola-Lola (Marlene Dietrich), tipo de caracterização com a qual o grande ator  germânico já estava familiarizado (A Última Gargalhada / Der Letzte Mann / 1924, Variété / Varieté / 1925).

O filme tem notáveis composições, cenários repletos de detalhes, luminosa fotografia em claro-escuro, simbolismos – o palhaço que observa  constantemente o colega temporário, o enorme relógio com a procissão de figuras alegóricas -, música e canções integradas na marcha dos acontecimentos e uma atmosfera envolvente e perturbadora. O andamento da narrativa é um tanto vagaroso, devido em parte ao método de interpretação de Jannings do cinema mudo, mas este anacronismo é compensado pela grandeza trágica que ele confere ao personagem.

O Anjo Azul registra o início da colaboração entre Sternberg e Marlene Dietrich, uma das mais artisticamente produtivas da História do Cinema, “contada pela câmera” em sete filmes, que constituem a fase áurea do cineasta no cinema sonoro.

O primeiro filme de Marlene Dietrich nos Estados Unidos, Marrocos / Morocco / 1932, revela novamente a capacidade do diretor de combinar o som e a imagem, extraindo o máximo de efeitos. É uma aventura romântica com incidentes absurdamente implausíveis, na qual uma cantora de cabaré, Amy Joly (Marlene Dietrich), renuncia a uma vida de luxo ao lado de um rico admirador, La Bessière (Adolph Menjou) pelo amor de um legionário chamado Tom  Brown (Gary Cooper).

Acionando o tema da intensidade da paixão, Sternberg cria – em torno da personalidade andrógina de Marlene e lacônica de Cooper – um clima exótico e lascivo, que evidencia o seu refinamento estético. O filme inteiro é uma série de encontros e desencontros, ficando na lembrança algumas cenas antológicas:  a do cabaré, quando Marlene , vestida de casaca e cartola, beija na boca outra mulher e recebe uma flor, que depois atira para Cooper; o frêmito da personagem ao ouvir os tambores do regimento e as mãos nervosas quebrando o colar de pérolas; o final falso mas sublime, no qual ela tira os sapatos e, com os pés na areia, segue o amante, tal como as mulheres árabes, resignadamente, acompanham os homens no deserto.

Após a imensa repercussão de O Anjo Azul e Marrocos, os produtores concederam maior liberdade a Sternberg, e ele pôde escrever um drama de espionagem na Primeira Guerra Mundial, Desonrada / Dishonored /  1931. A heroína, Magda (Marlene Dietrich), prostituta recrutada pelo Serviço de Inteligência austríaco, para desmascarar um espião russo, Tenente Kranau (Victor MacLaglen), tem todas a aparência de uma Mata-Hari. Entre esses dois seres nasce um amor impossível, bloqueado pelo dever: e ela trai a pátria, permanecendo fiel à paixão.

Pictoricamente, o filme é uma extensão dos trabalhos anteriores de Sternberg, notando-se os cenários atravancados de objetos e um baile à fantasia enfeitado de serpentinas, antecipando as cenas de carnaval em Mulher Satânica. O único gesto que quebra o distanciamento emotivo, vem de um personagem secundário, o jovem oficial (Barry Norton), que deve comandar o pelotão de fuzilamento. Magda lhe pede um espelho, e ele lhe estende a lâmina brilhante de seu sabre. No momento da execução, o jovem se rebela  e pronuncia um inflamado discurso  pacifista  enquanto a condenada aproveita o incidente, para retocar a maquilagem e ajustar as meias de náilon, num toque de humor sardônico.

Depois que a Paramount rejeitou a adaptação feita por Serguei Eisenstein do romance An American Tragedy de Theodore Dreiser, Sternberg foi convidado, para salvar o investimento de cerca de meio milhão de dólares. Ele resolveu elaborar um novo roteiro com Samuel Hoffenstein, dando mais importância aos fatores pessoais que levam o jovem arrivista à cadeira elétrica do que aos aspectos sociológicos e condensando os acontecimentos do livro por meio de cenas curtas e elipses, pelo menos até o julgamento, quando se fratura a fluência rítmica.

Além das belas imagens recorrentes da água batida pela brisa, que servem como determinantes estilísticas do destino de  Clyde Griffith (Phillips Holmes) e da sequência silenciosa na fábrica, na qual Roberta Alden (Sylvia Sidney), aceitando a sedução, passa furtivamente o bilhete para o rapaz e a gente vê o sorriso de triunfo nos lábios dele, não há outros instantes de brilho cinematográfico em Uma Tragédia Americana / An American Tragedy / 1931, a não ser um ou outro primeiro plano de Sylvia Sidney e Frances Dee (Sondra Finchley, a moça da alta sociedade com quem Clyde pretendia viver, depois de deixar a esposa proletária morrer afogada no lago).

O Expresso de Xangai / Shanghai Express/ 1932 foi o filme mais popular de Sternberg, no qual ele usa ornamentos exóticos para falar da necessidade de se colocar o amor acima das convenções sociais. Num trem que atravessa a China conturbada pela guerra civil, Madeline (Marlene Dietrich) encontra o oficial britânico, Donald Harvey (Clive Brook) com quem – antes de mais de um homem lhe mudar o nome para Shanghai Lily – mantivera um romance, infelizmente desfeito, por falta de confiança dele. Ela ainda o ama e, para lhe salvar a vida, consente em entregar-se a Henry Chang (Warner Oland), líder dos rebeldes chineses. Sem saber por que fora solto, Harvey despreza Lily; porém depois volta para buscá-la, aceitando-a incondicionalmente.

Sternberg retrata o ambiente com o máximo de estilização e entrosa mais do que nunca o cenário com a ação e os personagens, pondo em prática a sua teoria da emocionalização” dos espaços vazios nos três planos de profundidade de campo, como ocorre, por exemplo, no momento em que o trem passa por uma rua estreita da cidade ou nas cenas do interior da casa, onde Chang detém os passageiros. A iluminação – principalmente no close-up das mãos de Shanghai Lily unidas para uma oração, nos fuzilamentos noturnos e na morte de Chang, apunhalado no quarto cheio de redes – é primorosa, graças à colaboração de Lee Garmes que deu grande apoio ao cineasta também em Marrocos, Desonrada e Uma Tragédia Americana, e desta vez recompensado com  o Oscar.

O filme seguinte, A Vênus Loura / Blonde Venus / 1932, é um canto de amor materno. Helen (Marlene Dietrich), ex-cantora alemã, esposa de um químico americano, Edward Faraday (Herbert Marshall), torna-se mãe devotada, dedicada às tarefas do lar. Quando o marido fica contaminado pelo rádio, ela volta aos palcos, para poder custear o tratamento dele na Europa. Durante a ausência de Edward, Nick Towsend (Gary Grant), um jovem político, oferece amparo a Helen. Ao retornar, Edward , ciente da infidelidade da esposa, toma providências para obter a guarda do filho. Helen foge com o menino, atravessando o Sul dos Estados Unidos, cai na prostituição, e depois causa sensação nos teatros de Paris. No final, o próprio Towsend reaproxima-a do marido que, após certa hesitação, resolve perdoá-la.

Sternberg transcende o enredo de folhetim lacrimogêneo com sua técnica decorativa, líricas fusões e a criação de dois números musicais inesquecíveis: num deles, Marlene entra em cena vestida de gorila, acompanhada por um coro de falsas africanas e, a certa altura, começa a tirar a fantasia, colocando uma peruca loura para cantar “Hot Voodo” com a voz rouca e os trejeitos que a notabilizaram; no outro número, de cartola e casaca brancas, Marlene passa em revista com ares de lésbica um grupo de beldades, transitando por arcos góticos e esculturas de  monstros.

Em 1934, Sternberg realiza a sua obra-prima no cinema sonoro, A Imperatriz Galante / The Scarlet Empress, na qual recria, à sua maneira, a subida de Sofia Frederica de Anhalt-Zerbst (Marlene Dietrich) ao trono da Rússia, metamorfoseando-se, após o matrimônio com Pedro, o Grão-Duque demente (Sam Jaffe) e outra desilusão sentimental com o másculo Conde Alexei (John Lodge), na grande imperatriz Catarina II.

Numa explosão de energia criativa, o diretor concebe um esplendor bárbaro e barroco, em cenários entupidos de estátuas torturadas, ícones bizantinos, colunas espiraladas, móveis retorcidos, portas de ferro monumentais e uma quantidade enorme de velas, todo este frenesí estéticofocalizado por uma câmera esperta. O audacioso e sensual exercício de estilo atinge o auge no ritual do casamento de Catarina e Pedro na cátedral de Kazan, soberbamente iluminado por Bert Glennon (fotografo de Paixão e Sangue e A Vênus Loura), um trecho maravilhoso de cinema puro. Complementando o deslumbramento formal, Marlene e Jaffe revelam com a maior eficiência  os contrastes entre a inocência  e a perversão, a beleza e o terror; ela demonstrando que nunca foi uma atriz absorvida pelo seu mito mas consciente das possibilidades de expressão, que lhe oferecia o exigente mentor.

Apoteose suntuosa da parceria Sternberg-Marlene, Mulher Satânica / The Devil is a Woman / 1935, baseia-se no romance de Pierre Louys – La Femme et le Pantin – sobre o relacionamento sadomasoquista entre Concha Perez (Marlene Dietrich) e Don Pasqual (Lionel Atwill), a cortesã sedutora e o velho amante, completamente dominado e humilhado. Através de cinco retrospectos, segue-se  o itinerário da perdição de Don Pasqual, que se desenrola numa Espanha imaginária, onde Concha desfila com trajes extravagantes e apetrechos – xales, véus, flores e enormes pentes nos cabelos –, frequentemente enquadrada em formosos close-ups. Nas cenas do trem abarrotado de gente, quando vemos Concha encapuzada como freira e segurando uma cesta com um ganso, impassível no meio da balbúrdia e nas cenas do esfuziante carnaval, quando aparece Antonio (Cesar Romero) – rival no amor e depois num duelo, de Don Pasqual – Sternberg como de hábito, tridimensionaliza o espaço, obtendo grande vigor atmosférico.

Quando B.P. Schulberg transferiu-se para a Columbia, Sternberg acompanhou-o, comprometendo-se a realizar dois filmes para o estúdio. O primeiro foi Crime e Castigo / Crime and Punishment / 1935, honrada adaptação do romance de Fiodor Dostoievski, concentrada no jogo de gato e rato  psicológico entre o Inspetor Porfírio (Edward Arnold) e o estudante Raskolnikov (Peter Lorre), suprimindo personagens importantes (Marmeladov) e tratando outros (Sonia, Avdotya, Luzhin, Sidrigailov) sumariamente.

Aceitando-se a opção pela intriga policial com a ausência da dimensão filosófica da obra literária, o espetáculo é bastante razoável, tendo a seu favor os desempenhos de Lorre e Arnold e a qualidade da iluminação de Lucien Ballard, o discípulo que auxiliara Sternberg, quando este assumiu a direção de fotografia de Mulher Satânica.

O outro filme para a Columbia, O Rei se Diverte / The King Steps Out / 1936, também fotografado por Ballard, é uma opereta sobre o namoro do jovem imperador Franz Josef (Franchot Tone) com Cissy (Grace Moore), prejudicada pelas condições modestas do estúdio. Sternberg até que se esforçou para dar leveza às cenas, fazendo com que permanecessem pouco tempo na tela e acompanhando-as com fundo musical constante; porém sente-se a falta do lustro, do brilho, que somente a Paramount ou a Metro-Goldwyn-Mayer poderiam proporcionar à produção.

Subsequentemente ao arquivamento de I Claudius, após oito semanas de filmagem (maiores detalhes no documentário da BBC, The Epic That Never Was / 1966), Sternberg assinou contrato com a Metro-Goldwyn-Mayer, onde rodou cenas adicionais para A Grande Valsa / The Great Waltz / 1938 (Dir: Julien Duviviver) e se incumbiu de dirigir Hedy Lamarr, num filme inicialmente intitulado New York Cinderella – mas este só seria realizado como Esta Mulher é Minha / I Take This Woman / 1940, sob a responsabilidade de W.S. Van Dyke.

Ainda na Metro, Sternberg fez Sargento Madden / Sergeant Madden / 1939, melodrama criminal cheio de clichês e sentimentalismo, sobre um sargento da polícia de Nova York, Shaun Madden (Wallace Beery), e seus dois filhos, o verdadeiro, Dennis (Alan Curtis) e o  adotivo, Albert (Tom Brown). Shaun sonha em ver os dois como seus colegas. Ambos os filhos entram para a Academia de Polícia, porém Dennis, por causa de seus métodos brutais, tem um fim trágico. Sem ter completo controle sobre a realização, Sternberg pelo menos extraiu de Wallace Beery, uma interpretação introspectiva, diferente daquelas atuações exageradas que ele costumava apresentar.

Sternberg conseguiu certa independência em Tensão em Xangai / The Shanghai Gesture / 1941. Este é um filme de desespero pungente, que traz de volta todas as obsessões do cineasta – a mulher, o desejo, a paixão e a degradação –  e o seu universo estranhamente ambíguo. Extirpando as situações mais chocantes da peça de John Colton, ele envolve a história numa atmosfera extraordinariamente densa de mistério exótico, erotismo e degeneração, tratando o assunto com uma espécie de altivez moral e um toque de ironia.

A ação nos reconduz a uma China romanesca como a de O Expresso de Xangai, recriada pelo esplêndido talento decorativo do diretor, que explode no jantar do Ano-Novo chinês, no qual a grande mesa de banquete, as jovens suspensas nas gaiolas de vime, os candelabros e os assombrosos murais pintados por Keye Luke  – conhecido como o filho mais velho do Charlie Chan – servem de pano de fundo opulento para a climática aparição de “Poppy” Smith (Gene Tierney), o ser inocente destruído pela diabólica e implacável vingança de Mother Gin Sling (Ona Munson) contra seu ex-amante Sir Guy Charteris (Walter Huston).

Jamais Sternberg desenvolveu um personagem masculino de maneira tão voluptuosa como o Dr. Omar (Victor Mature), “doutor em nada, poeta de Sodoma e Gomorra”, tanto este como “Poppy”, exemplarmente fotografados por Paul Ivano. E para sugerir a descida ao antro de intriga e luxúria, ele usa o constante retorno à mesa da roleta no centro da sala circular do cassino, como um leitmotif pictórico semelhante às imagens da draga em The Salvation Hunters.

No decorrer dos anos quarenta, Sternberg fez ainda The Town / 1943, documentário para o esforço de guerra; prestou serviços à série The American Scene; foi “consultor visual” de Duelo ao Sol / Duel in the Sun / 1945 e, no final da década, contratado por Howard Hughes, realizou Estradas do Inferno / Jet Pilot / 1951 e Macau / Macao / 1952.

Estradas do Inferno é uma farsa sentimental, com argumento ridículo, sobre a Guerra Fria, protagonizada por John Wayne e Janet Leigh e Macau um melodrama noir rotineiro e confuso, tendo como intérpretes Robert Mitchum e Jane Russell. Ambos os filmes foram mutilados pelos produtores, verificando-se a fertilidade criativa do diretor apenas nas metáforas subrepticiamente introduzidas no primeiro filme (vg. o ruído do avião a jato no momento do beijo)  e no gosto precioso de alguns enquadramentos no segundo. O nome de Nicholas Ray não aparece nos créditos de Estradas do Inferno, mas sua participação nas últimas etapas da produção foi confirmada tanto por Sternberg como pelo produtor Alex Gottlieb.

A derradeira realização de Josef von Sternberg – que viria a falecer dezesseis anos depois, a 22 de dezembro de 1969 -, The Saga of Anathan / 1953, inspira-se num fato real – sobreviventes de um avião de guerra japonês recusaram-se a acreditar na capitulação de seu país e passaram sete anos numa ilha deserta, até serem recolhidos por um avião americano – acrescentando um casal, cuja mulher (Akemi Negishi), apesar da vigilância do marido (Tadashi Suganuma), desperta o desejo dos homens, levando-os à luta pelo poder, à deterioração moral e à morte.

A ação transcorre numa selva fantástica, constituída de gigantescas raízes de cedros, musgos e trepadeiras entrelaçados, formando sombras intrincadas, no meio das quais aparece e desaparece a jovem sensual – consagrada como “Rainha das Abelhas” por um dos que queriam possuí-la – atiçando os instintos de vida e morte. Neste cenário, propositadamente irreal, que serve como microcosmo da sociedade, o diretor, tal como explicou na autobiografia Fun in a Chinese Laundry (Mercury House, 1965), faz uma experiência de psicologia indireta de massa, alertando-nos para a necessidade de  “reinvestigarmos nossas emoções e a confiabilidade de nossos controles sob circunstâncias desfavoráveis”.

Escrevendo e narrando um comentário em tom de pseudo-reportagem e se encarregando também da fotografia, Sternberg revela-se, mais uma vez, um autor completo, último “gesto de arrogância” de um cineasta que tem lugar garantido entre os grandes artistas do Cinema.