Arquivo diários:janeiro 2, 2011

MARIO SOLDATI

Escritor prolífico e poliédrico (poeta, romancista, contista, dramaturgo, ensaísta, roteirista, jornalista) e diretor eclético (adaptação de obras literárias, comédia, drama, policial, aventura, documentário), Mario Soldati demorou a ser reconhecido plenamente como cineasta. Primeiro, por ter trabalhado em tendência contrária no que diz respeito à linha dominante do cinema e à expectativa da crítica italiana nos anos 40; segundo, por ter se aproximado perigosamente dos espetáculos comerciais nos anos 50.

Posteriormente, a obra de Soldati foi examinada com uma reflexão serena e os historiadores chegaram à conclusão de que ele merece um lugar mais privilegiado no âmbito do cinema italiano.

Eu não conhecia alguns dos filmes mais significativos de Soldati, que foram as adaptações das obras literárias Piccolo mondo antico, Tragica notte, Malombra, Le miserie di signor Travet, Eugenia Grandet e La provinciale, mas numa viagem a Roma em outubro do ano passado, pude preencher esta lacuna na minha cultura cinematográfica, adquirindo cópias em dvd de todos eles. Neste artigo falarei apenas sobre esses filmes, que pude ver recentemente.

Mario Soldati (1906-1999) nasceu em Turim, Itália, de uma família de negociantes de sedas. Ele estudou em um colégio de jesuítas, diplomou-se em letras na cidade natal com uma tese sobre história da arte e aperfeiçoou seus conhecimentos no Instituto Superior di Storia dell’arte em Roma. Iniciou sua carreira de escritor com a peça Pilato (1924), porém só chamou a atenção dos críticos com a coletânea de contos Salmace (1929). No mesmo ano da publicação de seus contos, partiu para Nova York, onde ficou até 1931, primeiramente estudando e depois lecionando na Universidade de Columbia, experiência que contou num diário romanceado, America Primo Amore (1935), muito apreciado.

De volta à Itália, Soldati começou a se aproximar do Cinema, colaborando como roteirista em filmes de Alessandro Blasetti (vg. Contessa di Parma), Renato Castellani (vg. Duelo / Un colpo di pistola) e de outros diretores, mas principalmente nos de Mario Camerini (de Gli uomini, che mascalzoni a Il signor Max).

O seu primeiro filme como diretor, Due milioni per um sorriso / 1939, não era totalmente dele, pois dividia a direção com Carlo Borghesio. Nos dois filmes seguintes, Dora Nelson / 1939 e Tutti per la donna / 1940, o jovem turinense teve a liberdade de fazer o que queria e foi então que começou de fato a sua carreira cinematográfica.

No início dos anos 40, Soldati, integrou um grupo de diretores, entre os quais se incluíam Alberto Lattuada, Renato Castellani, Luigi Chiarini, Ferdinando Maria Poggioli e Luigi Zampa, que foram denominados pejorativamente pelos críticos de “calligrafici” (beletristas). Recusando os temas do cotidiano em prol de assuntos extraídos de textos literários, na sua maioria histórias que se desenrolam no século XIX, eles davam primazia aos valores formais e figurativos.

O movimento dos caligrafistas, nascido durante os anos do fascismo, exprimia uma secreta hostilidade à realidade social e política circundante, contra a qual eles tentaram uma espécie de revanche estética. Não podendo manifestar a menor crítica com relação ao presente, aqueles cineastas se refugiaram na evocação do passado.

Por sua perfeição técnica e artística, as realizações desses cineastas intelectuais podiam competir com o cinema estrangeiro contemporâneo e se inspiravam não somente em diretores franceses como Renoir, Carné, Feyder ou Duvivier, mas também no cinema alemão e americano.

No período 1941-1942, Soldati manifestou seu estilo caligráfico em três adaptações de obras literárias: Pequeno Mundo Antigo, Tragica Notte e Malombra.

Pequeno Mundo Antigo / Piccolo mondo antico / 1941 é uma transposição em imagens fiel do popular romance (1895) de Antonio Fogazzaro. Ambientado nos anos que precederam a segunda guerra de independência e tendo como pano de fundo o lago de Lugano, é a história do nobre Franco Maironi (Massimo Serato), católico e liberal e da burguesa Luisa Rigey (Alida Valli), que se casam contra  a vontade da avó do jovem, a condessa Orsola (Ada Dondini), autoritária e simpatizante dos austríacos. A marquesa persegue o par “rebelde” de todas as formas, deserdando o neto e fazendo-o perder o emprego; todavia o matrimônio é alegrado com o nascimento de Ombretta (Mariú Pascoli). A Lombardia está ainda sob o domínio austríaco e Franco é preso por suas idéias políticas. Durante sua ausência da casa, Ombretta cai no lago e se afoga; a jovem mãe fica num estado de profunda depressão e põe a culpa do acidente no marido, que se dedica à política neglicenciando a família. Enquanto a condessa toma consciência da angústia provocada a Franco e à sua família e restitui o patrimônio ao jovem, Luisa consegue superar a profunda crise, que quase a levara a perder o marido, e se reconcilia com ele.

O estilo de Soldati é meticuloso, elegante, valorizando a cenografia dos interiores, a sugestiva paisagem lacustre e a fotografia contrastada. É uma escritura bela e solene, de feição melodramática, capaz de evocar um universo distante com propriedade e verosimilhança.

As seqüências mais expressivas do filme são, na primeira parte, o baile no campo, e na segunda parte, a morte de Ombretta, o reencontro de Luisa com a marquesa sob chuva e a corrida pelas escadas da cidade das mulheres que vêm trazer a Luisa a noticia da desgraça.  Esta segunda seqüência fica na nossa memória graças sobretudo à atmosfera de tempestade que varre as pessoas e as coisas na margem do lago e ao uso incisivo da montagem, alternando a caminhada endemoniada de Luisa até se deparar com a liteira da condessa com  o jogo solitário e fatal  da criança com o seu barquinho no pequeno porto da casa e também com a chegada das mulheres  esbaforidas, anunciando a tragédia.

O filme tem uma beleza formal impressionante e isso se deve muito aos seus operadores de câmera e especialmente ao fotógrafo Arturo Gallea, que realizou as tomadas em exteriores mais belas de todo o cinema italiano. A utilização dramática da paisagem – ou seja, não como mera ilustração, mas como elemento emotivo e indicador dos sentimentos dos personagens –  e  o encanto do rosto de uma Alida Valli ainda bem jovem e sua interpretação (premiada no Festival de Veneza) sóbria, quase seca, vibrante, com uma compreensão constante de seu papel nada fácil, enriquecem ainda mais o espetáculo.

Tragica notte / 1942 foi baseado livremente no romance La trappola (1928) de Delfino Cinelli. Libertado da prisão, o taberneiro Nanni (Andréa Checchi), ajudado por alguns companheiros, dá uma surra no guarda Stefano, que o havia denunciado como invasor de uma reserva de caça. Dois anos depois, ainda pensando em se vingar, Stefano faz crer a Nanni que, enquanto ele estava preso, sua mulher, Armida (Doris Duranti), o traiu com o conde Paolo Martorelli (Adriano Rimoldi), proprietário das terras reservadas à caça. Cego pelo ciúme e instigado por Stefano, Nanni decide matar o conde durante uma emboscada à noite; porém, Nanni percebe que caiu numa armadilha e mata Stefano, que atirara nele. O conde, que era amigo de Nanni desde a infância e já tinha conhecimento de tudo, declara à polícia ter matado o próprio empregado num acidente de caça, assumindo toda a responsabilidade.

O filme é um melodrama tenso e soturno, abordando o tema da vingança. Achei as cenas com pouca vibração – talvez por causa da lentidão dos gestos e das falas dos atores ou pela inexpressividade da atriz principal. Porém apesar dessa frieza, a narrativa tem boa continuidade e prende a atenção do começo ao fim. O que o espetáculo tem de melhor, são as cenas filmadas em ambientes naturais, na cidade de Florença e nas montanhas de Maremma na Toscana. Tanto a paisagem citadina quanto a rural é captada com evidente preocupação quanto à beleza formal, surgindo algumas passagens cinematograficamente virtuosas como a punição de Stefano logo no início, a debulha do trigo e o confronto final entre Nanni e Stefano. Outro ponto positivo da realização são os interiores, escuros e claustrofóbicos, projeções ideais do tormento psicológico dos protagonistas, servindo como exemplo, as escadas em espiral da torre, onde ocorre a conversa entre Armida e o conde enquanto a mãe dela e Stefano continuam subindo até o topo do edifício.

Malombra / 1942, transcrição fílmica do primeiro romance (1881) de Fogazzaro (já levado à tela por Carmine Gallone com Lyda Borelli em 1916), repete a mesma ambientação lacustre de Pequeno Mundo Antigo, desta vez direcionada para uma tonalidade turbulenta e gótica. Em um castelo italiano situado na margem do lago de Como, o conde Cesare d’Ormengo (Gualtiero Tumati), cuida severamente de sua bela sobrinha Marina di Malombra (Isa Miranda). Ela vive confinada ali desde a morte de seus progenitores e o tio só a deixará partir, quando se casar. No seu quarto, Marina descobre, escondida numa velha espineta, uma mecha de cabelos, uma luva e um manuscrito pertencente a Cecília Varrega, ancestral de Marina, que foi seqüestrada e mantida prisioneira pelo marido ciumento, por ter cometido adultério com um certo Renato. A descoberta do manuscrito e a leitura de “Fantômes du Passé”, um romance sobre reincarnação, perturbam Marina, a ponto de se convencer de que Cecília reencarnou-se nela e lhe pede para vingá-la. Ela crê reconhecer no seu tio a reencarnação do marido de Cecília e, quando um jovem escritor, Corrado Silla (Andréa Checchi), autor anônimo de “Fantômes du Passé”, chega ao castelo, convidado pelo conde para ser seu secretário, Marina acha que ele é, por sua vez, uma reencarnação de Renato. Entre Corrado e Marina nasce uma atração, mas os dois, orgulhosos, acabam se rechaçando. Corrado parte para Milão, onde conhece Edith (Irasema Dilian), a filha adorada do secretário húngaro do conde Cesare, Andréa Steinegge (Giacinto Molteni). Os dois se apaixonam. Chamado por um telegrama, Corrado volta ao palácio e encontra o conde agonizante. Dominada pelo delírio, Marina confessa ter se revelado ao conde como Cecília e de haver perpetrado sua vingança, provocando-lhe uma intensa emoção. O conde morre. Corrado toma a resolução de se afastar do palácio. Marina-Cecilia, sentindo-se traída por aquele que considera seu amante, mata-o com um tiro de pistola e depois se suicida nas águas do lago. Sabendo da morte de Corrado, Edith, se desespera, mas a fé em Deus a salvará.

Malombra é uma imersão no fantástico absolutamente inédita no cinema italiano, crônica de uma melancolia clínica impressionante por sua beleza e seu mistério. O diretor utilizou com muita habilidade a paisagem e os cenários – maravilhosamente iluminados em claro-escuro por Massimo Terzano -, o vento e a música, para criar a atmosfera romântica, mórbida, sensual e sinistra, a infinita tristeza e a loucura demoníaca de Marina. A evocação do século dezenove aristocrático no seu esplendor decadente é visual e dramaticamente impecável – um modelo que seria seguido por Luchino Visconti.

Para o papel de Marina, Soldati queria Alida Valli, a protagonista de Pequeno Mundo Antigo; mas, apesar de seus esforços, disseram-lhe que a Valli não estava disponível. Entretanto, Isa Miranda impôs sua presença e expressou perfeitamente a ambigüidade da personagem, às vezes  fascinante, em outras vezes, nada simpática.  Só que não há mistério. Desde a sua primeira aparição em cena, já é uma jovem neurótica em busca da morte.

A melhor cena do filme começa durante o banquete fúnebre ordenado por Marina em honra do defunto, sob a luz de velas (com véus negros enrolados nos candelabros) e o som da ventania. Logo após, Marina se depara com Corrado, que vai partir e lhe diz: “Boa viagem”; atira com a pistola e o mata. Em seguida, sai de barco sob a tempestade, e desaparece no meio do lago.

Le miserie di signor Travet / 1945 baseia-se numa peça de Vittorio Berzesio, um escritor socialista; por isso, o filme só pôde ser realizado após a queda do fascismo. A ação se desenvolve em 1863 na cidade de Turim, que se tornara a capital do reino da Itália. Trata-se de uma sátira ao governo, da burocracia, que abrange a corrupção, os funcionários que recebem propina, as intrigas de toda espécie, o peso da hierarquia.

Ignazio Travet (Carlo Campanini) trabalha com afinco na mesma repartição há 33 anos, sem nunca ter conseguido uma promoção. Ele é um homem pacífico e indulgente e não ousa rebelar-se quando sua esposa, Rosa (Vera Carmi), uma mulher enérgica e bela, o trata mal e o faz saber das suas ambições. O poderoso diretor da repartição, Comendador Francesco Battilocchio (Gino Cervi), não tarda a assediar Rosa. Battilocchio convida Travet e sua mulher para o teatro e passa a freqüentar a casa deles. O chefe da seção (Luigi Pavese) e os colegas de Travet o caluniam e ridicularizam, até que o modesto escriturário explode e perde o emprego. O comendador acaba admirando o caráter de Travet e anula a despedida. Porém Travet, que se tornou um homem diferente e mais seguro de si mesmo, não aceita voltar para a sua repartição, e vai trabalhar como contador na padaria do futuro genro.

O acurado estudo psicológico dos personagens, a perfeita ambientação de uma Turim do século dezenove (recriada num estúdio em Roma), a música caricatural de Nino Rotta, e a excelência do elenco – do sofredor Carlo Campanini, à irritável Vera Carmi, do confiante Gino Cervi ao vaidoso Luigi Pavese, sem falar no leviano e irritante Alberto Sordi num papel pequeno, mas que chamou a atenção para a sua exuberância, ideal para a “commedia all’italiana” – muito contribuíram para o brilho da encenação.

Com Eugenia Grandet / Eugenia Grandet / 1946 Mario Soldati prossegue, na contramão do movimento neo-realista, seu ciclo de adaptações literárias iniciado em 1941. Felix Grandet (Gualtiero Tumiati), antigo tanoeiro, enriqueceu durante a Revolução. Como é avarento, ele vive uma existência mesquinha em Saumur, numa casa sombria, tiranizando sua mulher (Giuditta Rissone), a criada Nanon (Pina Gallini) e a filha Eugénie (Alida Valli). Modesta e submissa ao despotismo de seu pai, Eugénie é a herdeira mais rica do país e os pretendentes de duas famílias locais, a dos Cruchot e a dos Des Grassins, disputam sua mão; porém a jovem, indiferente a tudo, vive reclusa e se enfraquece como uma flor privada de luz. O senhor Grandet recebe em sua casa um sobrinho, cujo pai pedira falência e se suicidara. Eugénie se sente atraída pelo primo Carlo (Giorgio De Lullo), elegante dândi parisiense; e o amor, misturado com piedade, a leva ao sacrifício: ela oferece ao primo todas as suas economias, uma dezena de moedas de ouro, que seu pai lhe dava, uma a uma, no dia de seu aniversário. Assim, Carlo poderá partir para as Índias, a fim de fazer fortuna. Eugénie perde a mãe e, logo depois, o pai. Quando, depois de sete anos, Carlo finalmente reaparece, ele diz a Eugénie que vai se casar com uma jovem aristocrática. Mas o contrato de matrimônio corre o risco de ser rompido, porque Carlo é filho de um falido. Eugénie compra os créditos em nome de Carlo. A cerimônia do casamento de Carlo tem lugar no mesmo dia do que a de Nanon. Eugénie ficará sozinha na casa triste que viu desabrochar e murchar o único amor de sua vida.

O romance de Balzac foi ligeiramente modificado, mas a adaptação, de um modo geral, tem grandes méritos, apoiando-se na construção dos cenários – conseguindo marcar com exatidão, por exemplo, a sordidez da casa de Grandet e a sua atmosfera sufocante -, nos enquadramentos e movimentos de câmera judiciosos, na fotografia e, principalmente, nos dois personagens centrais, o velho usurário e sua filha.

A excelente atuação de Gualtiero Tumiati, que interpreta o usurário Grandet com um admirável e sóbrio realismo (se esquecermos o exagero interpretativo de alguns momentos decisivos como a descoberta da “doação” de Eugénie ao primo e o de sua morte) e a de Alida Valli, perfeita como a filha devotada ao pai apesar de sua tirania e como  mulher abandonada, valorizando no silêncio de sua dignidade a figura criada por Balzac são, sem dúvida, o ponto alto da realização. Por seu desepenho, Alida ganhou o Nastro d’Argento, prêmio conferido anualmente pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas Cinematográficos Italianos.

Não consigo me esquecer da cena na qual, após a última partida de Carlo, vemos Eugenia de pé, bem diante da câmera. Nanon se aproxima por trás dela e pergunta, com a sua imagem meio desfocada: “Quando é que ele volta?”. Eugenia, com lágrimas nos olhos, responde: “Nunca mais”.

A Insatisfeita / La provinciale / 1953, adaptação do romance de Alberto Moravia, é um drama envolvente e amargo, muito corajoso (para a época), que mantém quase intacto na tela o retrato burguês traçado na obra de Moravia. De um lado o mundo provinciano hipócrita e intolerante e de outro a figura da protagonista feminina, lentamente induzida à prostituição.

Num acesso de furor, Gemma (Gina Lollobrigida) fere com uma faca sua amiga Elvira Coceanu (Alda Mangini), e desmaia. Quando recobra a consciência, Gemma conta seu passado para o marido, o professor Franco Vagnuzzi (Gabriele Ferzetti). Ainda bem jovem, ela se apaixonou por seu amigo de infância, Paolo Sertori (Franco Interlenghi). Apesar da diferença de suas condições sociais, o casamento parecia que ia se realizar, quando a mãe de Gemma (Nanda Primavera) lhe revela que Paul era seu meio-irmão. Foi então que Gemma se casou com o professor, inquilino de um dos quartos alugados por sua mãe. Absorvido pelos seus estudos, Franco descuida-se das exigências sentimentais de Gemma. Insatisfeita, ela faz amizade com a condessa Elvira, mulher venal, que induz a jovem a se tornar amante de Luciano Vittori (Renato Bladini). A relação com Vittori é apenas um breve parêntesis, após o qual Gemma se reaproxima do marido e, durante uma viagem, fica conhecendo-o melhor. No retorno, Gemma encontra a condessa instalada na sua casa, ameaçando-a de chantagem. Quando Franco obtém sua transferência para Roma, Gemma Vê uma oportunidade de libertação; mas a condessa lhe assegura que a seguirá até a capital. Exasperada, Gemma ataca-a com a faca, ferindo-a. Depois desta crise, Franco mostra-se compreensivo e esquece tudo o que aconteceu.

O filme é um estudo interessante do caráter de uma mulher decepcionada nas suas aspirações amorosas, cuja solidão moral, deixa-a a mercê de uma amiga sem escrúpulos, que a impele, por interesse, para o lenocínio. Gemma, jovem de origem modesta, faz de tudo para se evadir de uma vida que lhe parece monótona e sem emoções, para buscar o “sonho” cintilante da alta sociedade, até chegar à inevitável desilusão e depois descobrir os verdadeiros valores.

Num papel delicado, exigindo por parte da artista uma grande variedade de atitudes e de expressões, Gina Lollobrigida se impõe pela diversidade de seus dons, passando do entusiasmo da juventude à resignação e depois à revolta com uma intensidade sempre adequada e um charme sensual bastante acentuado.

Gabriele Ferzetti, frio e distante, como seu personagem o exigia, na primeira parte do filme traduz com sinceridade o egoísmo de um sábio, para o qual a mulher não passa de um brinquedo, que ele encontra todo dia com prazer.

Alda Mangini faz uma criação teatral de um cinismo impressionante.

Nas palavras do próprio Soldati, “La provinciale é um filme que eu subscrevo inteiramente. Sustenta-se bem como o passar do tempo. Considerando-se tudo, creio que é o meu melhor filme”.

Mario Soldati compartilhou uma intensa atividade de roteirista, e depois de diretor, paralelamente a uma igualmente intensa, e mais duradoura, atividade literária. Ele funcionou sempre dentro da estrututura da indústria sem nunca rejeitá-la, às vezes submetendo-se quase masoquisticamente a ela, como no período 1950-1952, quando realizou seus filmes “alimentares” (vg. Quel bandito sono io, Botta e risposta, È l’amor che mi rovina, Il sogno di Zorro, I tre corsari, A Filha do Corsário Negro / La figlia del Corsaro Nero), segundo ele mesmo explicou, “porque tinha família; era preciso trabalhar”.

Em 1959, Soldati abandona a direção e se dedica com continuidade à sua carreira de escritor, produzindo, entre outros, Le due città (1964) e La sposa americana (1978) que, ao lado de La verità sul caso Motta (1941), Fuga in Italia (1947), La giacca verde (Le lettere da Capri (1953), La confessione (1955), que estão  entre os seus livros mais celebrados.

Na televisão, ele fez uma pesquisa para a RAI, Viaggio nella valle del Po alla ricerca dei cibi genuini (1957) e a reportagem Chi legge? Viaggio lungo il Tirreno(1960) dedicando-se ainda à crítica cinematográfica.

Em 2006, ano do seu centenário, a grande surpresa foi a descoberta do interesse pelo seu cinema e, em geral, de todo o cinema italiano dos anos 1941-1945.

A partir de então, o número de simpatizantes de Mario Soldati só vem crescendo.

FILMOGRAFIA

1939 – Due millioni per um sorriso, Dora Nelson. 1940 – Tutto per la donna. 1941 – PEQUENO MUNDO ANTIGO / Piccolo mondo antico. 1942 – Trágica Notte, Malombra. 1945 – Chi è Dio? (curta-metragem), Quartieri alti, Le miserie del signor Travet. 1946 – EUGENIA GRANDET / Eugenia Grandet. 1947 -À BEIRA DA PERDIÇÃO / Daniele Cortis. 1948 – Fuga in Francia. 1950 – Quel bandito sono io, Botta e risposta. 1951 – Donne e briganti, È l’amor che mi rovina, O.K.NERO / O.K. Nerone. 1952 – Il signo di Zorro, Le avventure di Mandrin, Il tre corsari, YOLANDA, A FILHA DO CORSÁRIO NEGRO / Jolanda, la figlia del Corsaro Nero. 1953 – A INSATISFEITA / La provinciale. 1954 – Il ventaglino (episódio de Questa è la vita), La mano dello straniero, A MULHER DO RIO / La donna del fiume. 1956 – MARIDO SOB PROTESTO / Era di venerdi 17. 1957 – Italia picola. 1959 – Policarpo, “ufficiale di scrittura”, Orta mia (curta-metragem). Obs. Em 1956, Soldati foi diretor de 2ª Unidade de Guerra e Paz / War and Peace (Dir: King Vidor) e, em 1990, dirigiu um curta-metragem de oito minutos, Torino para o Istituto Luce e.o Ministero Del Turismo e dello Spetacolo.