Arquivo mensais:dezembro 2010

O GORDO E O MAGRO

Eis uma coisa de que ninguém pode duvidar: Stan Laurel e Oliver Hardy formaram a maior dupla cômica do Cinema de todos os tempos. Seus filmes, conhecidos universalmente, continuam sendo vistos com agrado por sucessivas gerações de espectadores, e assim será eternamente.

O Gordo era impaciente e pomposo: o Magro, paciente e humilde. Ambos, incrivelmente estouvados, exasperavam as pessoas a quem estavam servindo. Eram verdadeiras crianças grandes, ingênuos, imaturos, embora não se considerassem assim, principalmente o Gordo. Oliver se achava muito esperto, como demonstravam os gestos floreados que fazia quando se preparava para desempenhar uma tarefa; entretanto, ao executá-la, positivava-se a sua estupidez.

Stan era maltratado por Oliver, mas nunca deixava de ajudá-lo quando ele pedia. E apesar da irritação contínua de Oliver com Stan, sempre que seu parceiro era ameaçado, Oliver vinha em seu auxílio. Apesar das aparências, havia uma amizade constante entre eles.

As trapalhadas nasciam sempre de um ato desmiolado praticado por um deles e, à medida que tentavam se desembaraçar do transtorno inicial, os dois iam se enredando cada vez mais na confusão. Outras vezes, as trapalhadas originavam-se de confrontações relativamente brandas que aos poucos chegavam a atos de verdadeira orgia destrutiva. No meio desta, quando o Gordo revidava uma agressão de terceiro, a câmera se voltava para o rosto do Magro, que acenava a cabeça, dando plena aquiescência com uma careta irresistivelmente cômica.

Um dos aspectos que distinguia Laurel e Hardy dos seus contemporâneos era a cortesia de seus personagens. Oliver tomava sempre a iniciativa em assuntos sociais, apresentando a si mesmo e a Stan para os estranhos com o seu costumeiro “Eu sou Mr. Hardy e este é meu amigo Mr. Laurel”, enquanto lembrava a Stan para tirar o seu chapéu. As mulheres, particularmente, recebiam as melhores gentilezas de Mr. Hardy.

Stan ajudava a desenvolver as histórias e inventou pelo menos dois maneirismos memoráveis: fazer beicinho de choro, soluçando profusamente ao primeiro sinal de encrenca e coçar os cabelos arrepiados, piscando os olhos como se estivesse compreendendo lentamente o que acabara de acontecer.

Oliver não fazia questão de dar sugestões na realização do filme, deixando tudo ao encargo do parceiro, mas criou também alguns maneirismos célebres, como, por exemplo, balançar a gravata tentando parecer amistoso ou a mania de fazer as coisas em primeiro lugar, com conseqüências desastrosas. Entretanto, o mais genial era o famoso camera-look. O Magro fazia uma tolice, o Gordo ficava irritado e fazia uma tolice ainda maior. Após a catástrofe, ele encarava fixamente a câmera, transmitindo todo o seu desespero à platéia por meio de um longo olhar de mártir.

Tais achados se incorporaram aos personagens que, apesar de seu óbvio contraste físico e psicológico, se completavam admiravelmente e eram interpretados pelos dois comediantes num perfeito entrosamento em cena.

Stan e Oliver começaram separadamente suas carreiras.

Stan Laurel (Arthur Stanley Jefferson) nasceu no dia 16 de junho de 1890 em Ulverston, Lancashire, Inglaterra, filho de Arthur Jefferson, conhecido como A.J., um proeminente autor, ator e empresário teatral e de Margaret (“Madge”) Metcalfe, também atriz. Stan sabia o que queria ser desde criança. Ainda menino, passava boa parte do seu tempo, memorizando as piadas e imitando os maneirismos dos comediantes, que representavam nos teatros de seu pai. Aos 16 anos – com o nome de Stan Jefferson – ele estreou num palco, sendo anunciado como “He of the Funny Ways”, e depois percorreu o país com a peça Sleeping Beauty, na qual fazia o papel de uma boneca.

Em 1910, Stan foi para os Estados Unidos pela primeira vez com a trupe de Fred Karno, na qual funcionava como substituto de Charles Chaplin. Sem terem obtido aumento de salário, Stan e um outro cômico retornaram à Inglaterra e interpretaram, como “The Barton Brothers”, um esquete intitulado The Rum’uns From Rome. Depois, Stan voltou para a companhia de Karno, numa segunda temporada na América. Agora, Chaplin havia se firmado como a grande sensação do espetáculo; quando Chaplin deixou a trupe, em novembro de 1913, para ingressar na Keystone Film Company, o grupo de Karno teve seus alicerces seriamente abalados e acabou se dissolvendo.

De 1914 a 1922, Stan trabalhou no vaudeville americano, em uma variedade de esquetes e com diversos parceiros. Mae Charlotte Dahlberg Cuthbert, uma dançarina australiana, tornou-se sua companheira no palco e na vida real, numa tempestuosa união que durou até 1925. Embora Mae não tivesse adotado legalmente o sobrenome de Stan, ela lhe deu um novo, quando encontrou uma ilustração de um general romano vestindo uma coroa de louros.

Em 1917, o recém-renomeado Stan Laurel fez seu primeiro filme, Nuts in May, para o produtor independente Adolph Ramish, dono do Hippodrome de Los Angeles. Ramish disse para Stan, “Na minha opinião você é mais engraçado do que Chaplin”, e ofereceu 75 dólares por semana para o jovem atuar em comédias de dois rolos. Embora somente um filme tivesse sido produzido, sua estréia no Hippodrome chamou a atenção de Carl Laemmle, que o levou para a Universal, onde criou o personagem Hickory Hiram; ao terminar o compromisso, voltou para os palcos.

No ano seguinte, retornou aos filmes, trabalhando como freelance para vários estúdios. Neste período, contracenou com Larry Semon na Vitagraph e fez uma série de comédias para o produtor e ex-cowboy Gilbert “Broncho Billy” Anderson, entre elas, The Lucky Dog / 1919 (na qual, por mera coincidência, aparecia Oliver Hardy no papel de um ladrão) e uma paródia do filme Sangue e Areia / Blood and Sand intitulada Lama e Areia / Blood and Sand (na qual Stan era Rhubarb Vaselino réplica cômica de Rudolph Valentino). Stan faria outras paródias muito engraçadas tais como Sem Luvas Brancas / The Soilers, Legião Estrangeira / Under Two Jags, A Bela e o Bicho / Dr. Prycle and Mr. Pride, Rupert of Hee How, etc.

Antes disso, em maio de 1918, Stan e Mae Laurel estavam se apresentando num teatro em Los Angeles, quando casal chamou a atenção de Alf Goulding, ex-ator do vaudeville australiano, que dirigia filmes para Hal Roach. O produtor estava desesperado à procura de um novo cômico e, atendendo à sugestão de Goulding, passou um telegrama para Stan, convidando-o para fazer um teste em seu estúdio. Stan fez cinco comédias de um rolo para Roach, mas só viria a trabalhar novamente para ele cinco anos mais tarde, quando assinou contrato de dois anos para uma nova série de comédias. Findo o prazo do contrato, Roach liberou-o e ele se comprometeu com o produtor independente Joe Rock a realizar comédias de dois rolos pelo prazo de cinco anos.

Foi Rock quem ajudou Stan a se livrar de Mae e o apresentou à sua primeira esposa legítima, Lois Neilson. Stan e Lois se casaram em 13 de agosto de 1926. Eles tiveram uma filha, Lois, e se divorciaram em 1934. O próximo amor de Stan foi uma viúva de Los Angeles, Virginia Ruth Rogers. O casamento acabou em 1938. Stan casou-se pela terceira vez com Vera Ivanova Shuvalova, conhecida como “Illiana”, uma cantora russa, cuja extravagância e temperamento volátil causaram muita encrenca no lar e com a polícia. Eles se divorciaram em 1940. Um ano depois, Stan casou-se novamente com Virginia Ruth, até que a curta reconciliação terminou em 1946. No mesmo ano, Stan contraiu matrimônio com Ida Kitaeva, cantora de ópera nascida na China com ascendência russa. O amor e a dedicação de Ida, trouxeram felicidade para Stan nas suas duas últimas décadas de vida.

Stan começou a trabalhar de novo no estúdio de Hal Roach em maio de 1925 como roteirista e diretor. Oliver Hardy trabalhou como ator em alguns filmes dirigidos por Stan Laurel e, certo dia, cruzaria novamente o seu caminho.

Oliver Hardy (Oliver Norvell Hardy) nasceu no dia 18 de janeiro de 1892 em Harlem, Geórgia, Estados Unidos, filho de um ferroviário, Oliver Hardy, e de Emily Norvell Tant.  O pai de Oliver morreu poucos meses depois do seu nascimento. Nesta ocasião, Mr. e Mrs. Hardy administravam o Turnell Butler Hotel em Madison. O jovem Norvell depois adotou o nome de Oliver como um tributo ao pai.

Oliver possuía uma bela voz e, aos oito anos de idade, chegou a figurar em espetáculos de menestréis. Percebendo que o interesse do filho pela música continuava, sua mãe permitiu que ele fosse freqüentar lições de canto no Conservatório de Música em Atlanta. Alguns meses depois, a mãe chegou em Atlanta e descobriu que o filho não comparecia às aulas. Ele havia arrumado um emprego para cantar em slides ilustrados num cinema, ganhando 50 centavos por dia. Sua mãe tentou lhe incutir alguma noção de disciplina, matriculando-o no Georgia Military College.

Oliver só pensou em se tornar ator por volta de 1910, quando, aos dezoito anos, ele abriu o primeiro cinema em Milledgeville, no interior da Geórgia. Espantado com a interpretação nas comédias que exibia, decidiu que não poderia ser pior do que aqueles camaradas. Então, em 1913, rumou para o florescente centro de produção de filmes em Jacksonville, Florida.

Neste mesmo ano, Olivier casou-se com Madelyn Saloshin, uma pianista alguns anos mais velha do que ele, que o ajudou a conseguir seu primeiro emprego na indústria do cinema. Eles se divorciaram em novembro de 1920 e, no ano seguinte, Oliver se casou com Myrtle Lee Reeves, atriz de cinema que, segundo consta, ele conhecia desde a infância. O matrimônio foi muito turbulento, perturbado pelo alcoolismo de Myrtle, sua internação em sanatórios e fugas freqüentes destas instituições. Eles quase se divorciaram em 1929 e de novo em 1932, mas Oliver continuou esperando uma reconciliação permanente, até que não agüentou mais e obteve a separação definitiva em 1937. Durante alguns anos ele esteve sempre acompanhado por uma atraente divorciada, Viola Morse, que tinha um filho; quando Oliver terminou seu relacionamento, ela tomou algumas pílulas para dormir e sofreu um desastre de automóvel. Viola se recuperou, mas o fato foi muito explorado pela imprensa. Oliver encontrou sua felicidade derradeira, quando se casou com Virginia Lucille Jones, uma continuista que ele conheceu na filmagem de Paixonite Aguda / The Flying Deuces / 1939. Os anos que passou na companhia de Lucille, foram os melhores de sua vida.

Oliver começou sua carreira cinematográfica na firma Lubin no filme Outwitting Dad / 1914, fazendo em seguida inúmeras comédias na Vim Company e em outros estúdios com May Hotely, Bobbie Burns / Walter Stull (série Pokes and Jabbs), Billy Ruge (série Plump and Runt), Billy West, Bobby Ray, Billy Armstrong, Jimmy Aubrey e Larry Semon. Nessa época, era conhecido como “Babe” Hardy e, em fevereiro de 1926, acabou membro da equipe fixa de Hal Roach, onde atuou com Charlie Chase, Buck Jones, Theda Bara, Pola Negri, Mabel Normand, Glenn Tryon, Our Gang, etc.

Em julho do mesmo ano, um capricho do destino ajudou a reunir Laurel e Hardy. Quem contou esta história foi Stan Laurel, numa entrevista concedia à revista Films in Review alguns anos depois. “Tudo começou quando eu estava dirigindo um filme (obs. Get’em Young) no qual Hardy ia aparecer. Numa sexta-feira, três dias antes de começar a filmagem, Hardy estava cozinhando uma perna de carneiro na sua casa. Quando foi tirar a perna de carneiro do forno ela escapou da sua mão e a banha caiu sobre o seu braço, causando-lhe uma queimadura em terceiro grau. Ele teve que ser hospitalizado e não pôde aparecer no filme. Tentamos encontrar um substituto, mas ninguém estava disponível. Mr. Roach então me pediu para interpretar o papel previsto para Hardy. Roach gostou muito do espetáculo e  pediu para eu me incluir como ator no seu próximo filme. A esta altura, Hardy já estava curado e eu atuei com ele neste filme. Foi a primeira vez em que aparecemos juntos. Fizemos várias outras comédias, não como uma dupla, mas estavamos nos mesmos filmes. Finalmente, Roach achou que deveria chamá-las de Laurel e Hardy Comedies, pois estávamos começando a ficar conhecidos como uma dupla. De modo que nossa parceria foi devido a uma perna de carneiro”.

Sete anos depois de The Lucky Dog, Laurel e Hardy finalmente voltaram a aparecer num mesmo filme, 45 Minutes from Hollywood / 1926 – porém os dois não são vistos juntos em nenhuma cena.

Em Duck Soup / 1927, eles surgem como uma dupla durante todo o filme e já se esboçam alguns traços básicos dos personagens “Stan e Ollie”. Entretanto, parece que tudo não passou de um mero acidente, porque, nos filmes seguintes, Laurel e Hardy voltaram a ser apenas dois cômicos em vez de uma dupla.

Detetives Pensam? / Do Detectives Think? /1927 apresentou os dois comediantes usando pela primeira vez as roupas amarrotadas-mas-dignas e os chapéus-coco, que se tornariam o traje padrão da dupla, a sua marca registrada.

Os filmes de Laurel e Hardy foram produzidos assim: Stan e Oliver costumavam se desviar do script; Stan orientava os atores, técnicos e o diretor; eles normalmente faziam apenas uma tomada e filmavam em seqüência sempre que possível, porque nunca sabiam como as improvisações iriam mudar a história.

Stan e Hal Roach achavam que a história tinha uma importância fundamental. “Você tem que começar com uma história na qual todos acreditam”, esta era a crença de Stan na construção de uma comédia. Oliver declarou: “Fizemos muitas coisas malucas, mas nos nossos filmes, mas éramos sempre verdadeiros”. Stan e Ollie eram personagens humanos e reais e tinham que ser colocados em situações plausíveis.

Stan ajudava a desenvolver a história desde a concepção do filme. Ele havia sido contratado como roteirista no começo de 1925 e continuou exercendo esta função até mesmo depois que Roach lhe pediu para atuar em frente às câmeras novamente. Por volta de 1929, Stan era basicamente o roteirista-chefe; ele aproveitava as sugestões dos gagmen, adicionava algumas idéias próprias e as introduzia no script final.

No estúdio de Roach as pessoas tinham talento e um maravilhoso senso de humor. Por isso ele foi apelidado de “The Lot of Fun”, porque além de ser um estúdio de comédia, era muito divertido trabalhar ali. Não havia pressão para que os filmes fossem feitos às pressas e cada um podia falar o que lhe vinha na mente. Era um estúdio individual e informal.

Stan e Oliver usavam uma maquilagem leve, que lhes dava uma aparência inocente; Stan fazia com que seus olhos parecessem menores, delineando o interior de suas pálpebras. Os dois usavam colarinhos engomados, para dar aos personagens um aspecto de dignidade e Stan um chapéu-coco diferente daquele usado por Oliver.  O  chapéu coco de Stan era igual ao usado pelas crianças irlandesas, apropriado para o seu personagem infantil. Seus sapatos não tinham salto, o que fazia com que ele parecesse mais baixo e mais vulnerável. Stan e Oliver tinham dublês para as cenas de maior esforço físico ou perigosas. Na década de 30, o dublê de Stan, era Hamilton Kinsey e o dublê de Olivier, Cy Slocum. Mais tarde, os dois foram dublados respectivamente por Chet Brandenburg e Charlie Philips.

Richard F. Jones, supervisor da produção do estúdio de Hal Roach em meados dos anos 20, responsabilizou-se pelo treinamento de Stan Laurel como diretor. Jones deixou o estúdio em 1927, sendo substituído por Leo Mc Carey. McCarey foi quem primeiro notou o contraste engraçado que havia entre o homem gordo e o magro e decidiu que Stan e Oliver deviam atuar juntos; porém o conceito principal dos dois personagens – estupidez combinada com uma inocência invencível – partiu de Stan. McCarey e os gagmen adotaram este conceito e inventaram infinitas variações em cima dele.

Outra contribuição importante de McCarey foi a de reduzir a velocidade do ritmo dos filmes, decisão adequada para a lentidão do pensamento dos personagens da dupla. O ritmo é muito lento comparado com o das outras comédias curtas da época (inclusive outras comédias produzidas por Roach); isto permite que o espectador conheça a fundo os personagens. Há uma preponderância de planos afastados, que nos permite ver a pantomima dos dois cômicos na sua totalidade As tomadas são longas, para que a performance da dupla não seja interrompida. Os close-ups são limitados quase que aos planos de reação após um gag, para que o público tenha tempo de rir antes do próximo lance de comicidade.

Uma das mais brilhantes criações de McCarey foi o tit-for-tat, ou seja, “o processo de destruição recíproca”, cuidadosamente construído em Navegando em Seco / Two Tars / 1928 e levado às últimas conseqüências em Negócio de Arromba / Big Business / 1929, que estão entre as melhores comédias da dupla na fase silenciosa. Em Navegando em Seco, Laurel e Hardy, como marujos, saem para passear com as namoradas. No trânsito engarrafado, entram em choque com o motorista que vinha em sua retaguarda, iniciando-se um verdadeiro redemoinho de furor, com a fantástica destruição de toda uma fileira de carros na estrada. Em Negócio de Arromba, eles vão vender uma árvore de Natal para o irritadiço James Finlayson. Este bate a porta furiosamente e a árvore fica presa. Stan e Ollie tocam a campainha de novo. Stan puxa a árvore. Fin bate a porta, prendendo desta vez o casaco de Stan. Stan liberta o casaco e tenta ainda convencer o nervoso freguês a comprar a árvore. Fin bate a porta e prende a árvore novamente. A campainha toca e Fin joga a árvore longe. Stan tem uma grande idéia: talvez Finlayson queira comprá-la para o próximo ano. A resposta de Fin é violenta: ele pega uma tesoura de grama e corta a árvore em pedaços. Indignado, Ollie corta alguns fios dos ralos cabelos de Fin. Este quebra o relógio de Ollie. Ollie arranca a campainha da casa. Fin rasga a camisa de Ollie. Em seguida, Fin sai para a rua e destrói a mercadoria dos vendedores. A orgia se intensifica e enquanto Stan e Ollie começam a demolir a casa de Fin, este faz o mesmo com o carro dos dois. Esta escalada de vinganças, soberbamente orquestrada, é o momento supremo de uma verdadeira retaliação coletiva.

Quando McCarey deixou o estúdio de Roach em dezembro de 1928, Stan ficou encarregado de supervisionar os diretores. Pelo que tudo indica, a maioria deles – Clyde Bruckman, Lewis R. Foster, James W. Horne, George Marshall, James Parrott, Charles Rogers, etc. – foram escolhidos por sua maleabilidade. Nenhum tinha uma presença especialmente dominante. Stan era o verdadeiro diretor dos filmes. McCarey parece que exerceu maior controle do que os outros, mas ele só dirigiu oficialmente três comédias da dupla e filmou retakes, sem receber crédito, em algumas outras. Mesmo assim, seu trabalho parece ter sido sempre uma colaboração com Stan.

Nos meados de 1927, livre de suas obrigações para com a Pathé Exchange, sua antiga distribuidora, Hal Roach fez uma parceria com a MGM. O acordo funcionou bem para ambas as partes. A MGM precisava de curtas-metragens para todos os seus cinemas e Roach obteve alguns cinemas de que tanto necessitava para todos os seus curtas-metragens. O estúdio de Roach manteve a sua autonomia, continuando a fazer comédias sem pressa, dando primazia à qualidade. A única diferença agora era que os filmes de Roach seriam distribuídos e divulgados mais efetivamente e Roach obteria mais dinheiro de seus novos parceiros para as suas produções.

O cinema falado estava chegando e, sempre alerta para a mudança, Roach acertou com a Victor Talking Machine a sincronização de certos filmes e instalação de equipamento de som no estúdio. Um desses foi Amor de Cabra ou Cabra Farrista / Angora Love / 1929, o último filme silencioso da dupla. Em 25 de março de 1929, Stan e Oliver entraram no estúdio recém-renovado para o som e começaram a rodar seu primeiro filme falado, Vizinhas Camaradas / Unaccustomed as we Are. Suas vozes foram gravadas com perfeição e pareceram mais engraçadas do que se imaginava. O sotaque inglês de Stan dava um toque de hilaridade adicional às suas palavras. Stan e Oliver planejavam fazer seus filmes falados da mesma maneira que faziam os mudos, ou seja, dando primazia à pantomima, falando somente o necessário para motivar o que estavam fazendo; mas, com o correr do tempo, eles foram se acostumando a falar mais do que haviam pretendido.

No período sonoro, entre os curtas-metragens, há vários  filmes dignos de destaque, mas Delicias de um Automobilista / Perfect Day / 1929, Ajudante Desastrado / Helpmates / 1932 e Caixa de Música / The Music Box / 1932, devem ser obrigatoriamente lembrados pela extraordinária simplicidade e concisão de seu argumento e mise-en-scène e pelo rigor e perfeição dos gags.

Em Delícias de um Automobilista, Stan e Ollie saem para um piquenique com as esposas e o tio, que tem o pé enfaixado. Sempre que tudo parece pronto para a partida, ocorre um incidente – inclusive com o pé do tio, é lógico. Depois de várias frustrações e no meio de reiterados acenos e “adeuses” dos vizinhos, o carro finalmente se movimenta para, logo adiante, submergir na lama.

Em Ajudante Desastrado, Ollie recebe um telegrama informando-lhe de que a esposa vai chegar de viagem, e pede a Stan para ajudá-lo a limpar a casa, que estava na maior bagunça depois de uma farra. Na limpeza, sucedem-se as trapalhadas e, no desenlace, após a explosão, só fica uma cadeira, onde o Gordo, sentado, acata pacientemente a tragédia.

Em Caixa de Música, clássico premiado com o Oscar da Academia, os dois vão entregar uma pianola e se deparam com uma enorme escadaria. O filme descreve a aventura sisifiana dos dois até alcançarem o destinatário, magnificamente interpretado por Billy Gilbert com sotaque alemão e o nome de personagem de comédia mais saboroso de todos os tempos: professor Theodore Von Schwarzenhoffen, M.D., A.D., D.D.S., F.L.D., F.F.F. und F.

Por volta de 1930, Laurel e Hardy eram mais populares do que muitos astros dos filmes de longa-metragem. Os títulos de seus filmes curtos apareciam nas marquises dos cinemas antes do título do filme de longa-metragem. Hal Roach sem dúvida sentiu que a dupla tinha poder de atração para fazer sucesso nesse tipo de produção, que daria mais renda para o estúdio do que os curtas-metragens. Entretanto, foi com relutância que ele finalmente colocou Stan e Olivier no seu primeiro filme de longa-metragem. Nem Stan nem Oliver estavam particularmente ansiosos para entrar no campo dos features. Quando Dorothy Spensley entrevistou a dupla para revista Photoplay, ela escreveu: “Eles não desejam fazer filmes de longa-metragem a não ser que encontrem uma história infalível. Eles viram muitas duplas cômicas fracassarem nos filmes especiais de sete rolos”. Porém, quando o artigo foi publicado, Laurel e Hardy já estavam fazendo o seu primeiro longa-metragem, Perdão para Dois / Pardon Us / 1931.

O fato foi o seguinte: Perdão para Dois havia sido planejado como uma comédia de dois rolos. Roach pediu aos executivos da MGM para usar os cenários da prisão de O Presídio / The Big House, um drama recente com Wallace Beery, e eles concordaram. Quando a história do filme estava sendo escrita, a MGM subitamente revogou a permissão. Roach resolveu construir os cenários por conta própria, e eles ficaram tão caros, que a solução foi fazer um filme de longa-metragem, para recuperar as despesas.

Em novembro de 1931, Henry Ginsberg, foi nomeado o novo gerente geral do estúdio para controlar os custos da empresa, pois os credores de Roach, principalmente o Bank of America, estavam sem saber se o produtor teria condições de pagar vários empréstimos recentes. Para Stan a chegada de Ginsberg significou o primeiro constrangimento sério do seu controle sobre os filmes.

Apesar disso, Roach continuou fazendo filmes de grande sucesso e Fra Diavolo / The Devil’s Brother / 1933 e Filhos do Deserto / Sons of the Desert / 1933 se impuzeram entre os favoritos do público. No primeiro, Olivero Hardy e Stanlio Laurelio, assaltados por bandidos, decidem assumir a identidade do famoso salteador de estradas Fra Diavolo e tentam esvaziar os bolsos do próprio, que depois os utiliza para roubar uma rica aristocrata. No desfecho, os três são presos e condenados à morte; mas, no momento de execução, Stanlio assoa o nariz com um lenço vermelho e atrai dois touros bravios, instaurando-se o pânico. Fra Diavolo foge, e os dois desastrados caem em cima de um touro, que sai em disparada. O segundo filme, retomando o tema das dificuldades conjugais usado em muitas comédias, e aliando-o com a sátira às irmandades secretas, sobressai pelo retorno às telas de Charlie Chase e por ter emprestado o título ao fã-clube internacional, fundado para perpetuar a memória de Laurel e Hardy.

Roach sempre discutiu com Stan com relação às histórias que deveriam filmar, mas a partir de Era Uma Vez Dois Valentes / Babes in Toyland / 1934 e nos próximos anos, a associação entre os dois foi conturbada por divergências cada vez maiores. A velha atmosfera descontraida que reinava no estúdio estava mudando dramaticamente, na medida em que Roach concentrava sua energia na produção de filmes de prestígio. Era muito natural aquele clima de despreocupação, quando estavam fazendo filmes de 60 mil dólares, mas os filmes de 150 a 200 mil dólares deviam ser tratados com mais seriedade.

Em 5 de abril de 1940, o contrato da dupla expirou e Stan e Oliver terminaram sua associação com Hal Roach. Imediatamente, Stan, Oliver e o advogado Benjamin William Shipman fundaram a Laurel and Hardy Feature Productions, e em 23 de abril de 1941, a 20thCentury-Fox celebrou um contrato com a nova produtora.  Stan e Oliver fariam um longa-metragem para a Fox; posteriormente, a dupla teria uma opção para fazer mais nove filmes nos nove anos seguintes. Eles teriam liberdade de trabalhar para outras companhias e a se apresentar no teatro ou no rádio.

Stan ficou animado como o contrato da Fox. Ele pensou que desfrutaria de todos os recursos de um grande estúdio sob seu comando. Entretanto, não havia na Fox espaço para os métodos criativos, que tinham sido possíveis numa pequena unidade independente do estúdio de Roach. Na equipe de Roach havia um punhado de técnicos que conheciam todos as sutilezas e segredos da comédia cinematográfica; o que não havia na Fox.  Stan se sentiu algemado; contratado apenas como ator, ele não podia influenciar a direção nem era consultado sobre os scripts. O resultado foi decepcionante, salvando-se apenas o charme natural da dupla.

Após terem feito seis filmes na Fox entre 1941 e 1944 e dois outros para a MGM, Laurel e Hardy, resolveram se afastar das telas. Na década restante de sua carreira, Hardy participou como coadjuvante em Estranha Caravana / The Fighting Kentuckyan / 1949 ao lado de John Wayne e Nada Além de um Desejo / Riding High / 1950 com Bing Crosby  (em face de problemas contratuais na época, Hardy já tinha feito sozinho Zenobia / Zenobia / 1939 com Harry Langdon).  Finalmente, como dupla, eles abriram uma exceção infeliz, aceitando o convite para filmar uma comédia na França, A Ilha da Bagunça / Atoll K / 1950, sobre a qual é melhor não comentar.

A última aparição  pública de Laurel e Hardy ocorreu inesperadamente em 1 de dezembro de 1954, quando foram homenageados no programa de televisão ao vivo da NBC, This is Your Life. Stan e Oliver estavam entre as personalidades mais populares na TV no começo dos anos 50, por causa da exibição de seus filmes na tela pequena. No início de 1955, eles concordaram em fazer uma série de “especiais” de uma hora em cores (intitulada provisoriamente Laurel and Hardy’s Fabulous Fables) para Hal Roach Jr. ; mas, em virtude de problemas de saúde dos dois comediantes, o projeto foi abandonado.

Em 14 de setembro de 1956, Oliver sofreu um ataque do coração. Seu corpo ficou completamente paralisado; ele não conseguia falar e mal podia comer. Após um mês internado no St. Joseph’s Hospital em Burbank, Hardy voltou para casa. Porém em agosto, ele sofreu mais dois ataques e entrou em coma. As 7:25 da manhã, do dia 7 de agosto de 1957, seu coração parou de bater.

Stan havia tido um enfarte em 25 de abril de 1955, mas se recuperou e viveu até 1965, quando faleceu também de um ataque do coração, às 1:45 da tarde do dia 23 de fevereiro, tendo recebido, em 1960, um Oscar especial da Academia por seu “pioneirismo criativo no campo da comédia cinemtográfica”.

Muito antes disso, porém, Mr. Laurel e Mr. Hardy já haviam conquistado a imortalidade.

FILMOGRAFIA

A filmografia de Laurel e Hardy é das mais complexas por causa de fontes errôneas, contraditórias ou incompletas. Não existe relação completa de todos os filmes nos quais trabalharam separados, em geral como coadjuvantes de outros comediantes de maior renome na época. Há também muita dificuldade de se identificar os títulos em português com os originais, encontrando-se um título do lançamento e outros de reprises, sem falar nos das versões estrangeiras,  cópias em 16mm, reuniões de duas comédias e os da televisão. Vou relacionar apenas os títulos dos filmes da dupla (os quais pesquisei juntamente com Gil de Azevedo Araújo), mas sem as fichas técnicas, que poderão ser encontradas no importante livro de Randy Skretvedt, Laurel and Hardy – The Magic Between the Movies (Past Times, 1996), do qual extraímos muitas informações. Outra fonte que recomendamos, é The Laurel and Hardy Encyclopedia de Glenn Mitchell (Reynolds & Hearn, 2008). 1926 – 45 Minutes to Hollywood. 1927 – Duck Soup; Slipping Wives; O NAMORADO / Love’em and Weep; Why Girls Love Sailors; OS RESERVISTAS / With Love and Hisses; VELHOS E VELHACOS / Suggar Daddies; CUIDADO COM OS MARUJOS / Sailors, Beware! ; DETETIVES PENSAM? / Do Detectives Think? ; The Second Hundred Years; Now I’ll Tell One. Call of The Cuckoos; Hats Off; The Battle of the Century. 1928 – Leave’em Laughing; NA IDADE DA PEDRA ou OS ELEFANTES VOADORES ou UM AMOR NA PRÉ-HISTÓRIA / Flying Elephants; The Finishing Touch; DA SOPA Á SOBREMESA ou UMA SITUAÇÃO EMBARAÇOSA / From Soup to Nuts; You’re Darn Tootin’; Their Purple Moment; Should Married Men Go Home; Early to Bed; NAVEGANDO EM SECO ou DOIS MARUJOS / Two Tars; HABEAS CORPUS / Habeas Corpus; We Faw Down. 1929 – LIBERDADE / Liberty; NOVAMENTE ERRADO / Wrong Again; That’s My Wife; NEGÓCIO DE ARROMBA / Big Business; VIZINHAS CAMARADAS / Unaccustomed As We Are; LEITO RESERVADO / Berth Marks; SURURU NO PARQUE ou A CANOA VIROU / Men O’War; DELÍCIAS DE UM AUTOMOBILISTA / A Perfect Day; COMPANHEIROS DE QUARTO / They Go Boom; O CALOTEIRO / Bacon Grabbers; XADRÊS PARA DOIS / Hoosegow; HOLLYWOOD REVIEW / Hollywood Review of 1929; AMOR DE CABRA ou CABRA FARRISTA / Angora Love. 1930 – GATOS ESCALDADOS / Night Owls; NOITES DE FARRA / Blotto; TAIS PAIS, TAIS FILHOS ou GAROTOS DA FUZARCA / Brats; FRIO SIBERIANO / Below Zero; AMOR DE ZÍNGARO / The Rogue Song; A ARTE DE INSTALAR ANTENAS / Hog Wild; AVENTURAS DE LAUREL E HARDY / The Laurel-Hardy Murder Case; OUTRA ENCRENCA ou PROPRIETÁRIO À FORÇA / Another Fine Mess. 1931 – TIRA-BOTA / Be Big; PREFEITO IMPERFEITO / Chickens Come Home; The Stolen Jools; EM ESTADO GRAVE ou HÓSPEDES INDESEJÁVEIS ou INQUILINOS INDESEJÁVEIS ou INQUILINOS DO BARULHO / Laughing Gravy; RAPTO À MEIA-NOITE ou NOSSA ESPOSA / Our Wife; XADRÊS PARA DOIS / PERDÃO PARA DOIS  numa reprise / Pardon Us; FALE A VERDADE / Come Clean; SEJAMOS CAMARADAS / Save the Ladies; FORMAÇÃO DE CULPA ou CORPO DE DELITO / One Good Turn; BEAU GÊNIO ou DOIS RECRUTAS NO DESERTO / Beau Hunks; A FARRA DE PRAXE / On the Loose. 1932 – AJUDANTE DESASTRADO / Helpmates; LUTANDO PELA VIDA ou MARUJO NÃO LEVA DESAFORO / Any Old Port; CAIXA DE MÚSICA ou ENTREGA A DOMICÍLIO / The Music Box; SOMOS DE CIRCO ou RIFA-SE UM CHIMPANZÉ / The Chimp; ESTADO GRAVE  ou  TRÂNSITO ATÔMICO / County Hospital; SUMAM-SE ou PASSA FORA / Scram; PROCURA-SE UM AVÔ ou ACABARAM-SE AS ENCRENCAS / Pack up Your Troubles; O PRIMEIRO ENGANO ou  SUA PRIMEIRA FALTA / Their First Mistake;  BARQUEIRO DE VOGA  ou  PEIXE FRESCO  ou  PESCANDO EM SECO / Towed in a Hole. 1933 – DOIS A DOIS ou LAR E DOCE / Twice Two; EU E COMPANHIA ou DOIS AMIGALHÕES / Me and My Pal; FRA DIAVOLO / Fra Diavolo; A PATRULHA DA MEIA-NOITE / The Midnight Patrol; BICHO CARPINTEIRO ou ATERRISAGEM FORÇADA / Busy Bodies; QUE POSE! / Wild Poses; TRABALHO SUJO / Dirty Work; FILHOS DO DESERTO / Sons of the Desert. 1934 – O XODÓ DE OLIVIO VIII ou O NOIVO MISTERIOSO / Oliver the Eighth; FESTA DE HOLLYWOOD / Hollywood Party; VOCÊS ME PAGAM ou A MALA E O LOUCO / Going Bye-Bye; O POÇO DE PIFÃO ou  ÁGUAS MEDICINAIS  / Them Thar Hills; ERA UMA VEZ DOIS VALENTES / Babes in Toyland; O MORTO-VIVO / The Live Ghost. 1935 -.DENTE POR DENTE / Tit for Tat; The Fixer Uppers; DE PURO SANGUE / Thicker Than Water; MOSQUETEIROS DA ÍNDIA / Bonnie Scotland. 1936 – A PRINCESA BOÊMIA / The Bohemian Girl; CAMINHO ERRADO / On The Wrong Trek; SOSSEGA LEÃO ou FAMÍLIA COMPLICADA / Our Relations. 1937 -DOIS CAIPIRAS LADINOS / Way Out West; MANIA DE HOLLYWOOD / Pick a Star. 1938 – QUEIJO SUIÇO / Swiss Miss; A CEIA DOS VETERANOS / Blockheads. 1939 – PAIXONITE AGUDA / The Flying Deuces. 1940 – DOIS PALERMAS EM OXFORD / A Chump at Oxford; MARUJOS IMPROVISADOS / Saps at Sea. 1941 – BUCHA PARA CANHÃO / Great Guns. 1942 – DOIS FANTASMAS VIVOS / A Haunting We Will Go. 1943 – SALVE-SE QUEM PUDER / Air Raid Wardens: Three On a Test Tube; LADRÃO QUE ROUBA LADRÃO / Jitterbugs; MESTRES DE BAILE / The Dancing Masters. 1944 – A BOMBA / The Big Noise. 1945 – COZINHEIROS DO REI / Nothing But Treouble; TOUREIROS / The Bullfighters. 1952 – A ILHA DA BAGUNÇA / Atoll K.

Títulos em português não identificados com os originais: Milionários de Alto Bordo; Maridos Caseiros; Domingo de Sol, Maridos Bilontras, A Eterna Quebradeira, Dois Gelados, Maridos em Apuros, Fora de Perigo, Leitos Reservados.

Versões identificadas com títulos em português: POLITIQUICES / Politiquerias (versão espanhola de Chickens Come Home); OS CAVEIRINHAS / Los Calaveras (versão espanhola da reunião de Be Big e Laughing Gravy); CANTANDO NA CHUVA / La Vida Nocturna (versão espanhola de Blotto); RADIOMANIA / Radio-Mania (versão espanhola de Hog Wild); PIRATAS DE MEIA CARA / Ladrones (versão espanhola de Night Owls); PERDÃO PARA DOIS / Presidiarios (versão espanhola de Pardon Us).

Versões identificadas sem títulos em português: Tiembla y Titubea (versão espanhola de Below Zero), Noche de Duendes (versão espanhola da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks), De Bote en Bote (versão espanhola de Another Fine Mess); Une Nuit Extravagante (versão francesa de Blotto); Les Bons Petis Diables (versão francesa de Brats); La Maison de la Peur ou Feu Mon Oncle (versão francesa da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks), Sous le Verrous (versão francesa de Pardon Us); Les Carottiers (versão francesa da reunião de Be Big e Laughing Gravy), Les Deux Legionnaires (versão francesa da reunião de Beau Hunks e Helpmates), Glückliche Kindheit (versão alemã de Brats); Der Spuk um Mitternacht (versão alemã da reunião de The Laurel-Hardy Murder Case e Berth Marks); Hinter Schloss und Riegel (versão alemã de Pardon Us); Ladroni (versão de Night Owls); Muraglie (versão italiana de Pardon Us).

Na televisão, num pacote de comédias distribuído pela “DIF” – Distribuidora Internacional de Filmes Ltda., aparecem novos títulos em português da dupla: ÁGUA QUE PASSARINHO NÃO BEBE / Them Thar Hills; APENAS UM LIGEIRO ENGANO / Wrong Again; APRESENTO-LHE MINHA ESPOSA / That’s My Wife; BI DOIS / Twice Two; BOLA DE NEVEB / Below Zero; O CAPITÃO E SEU MARUJO / Towed in a Hole: CHAVE DO PROBLEMA B/ Scram; A CIGANA ME ENGANOU / Alpine Antics (condensação de Swiss Miss); CONFUSÃO EM PROFUSÃO / Another Fine Mess; DE PERNAS PRO AR / Going Bye-Bye; DESCANSO ATRIBULADO / They Go Boom; DESTRUIDFOR DE LAR / Unaccustomed As We Are; NOITE DE PAZ / The Laurel-Hardy Murder Case; NO TEMPO EM QUE ATÉ ELEFANTES VOAVAM / Flying Elephants; OLHO POR OLHO / Tit for Tat; ORQUESTRA MALUCA / You’re Darn Tootin’; PATRULHEIROS EM ALERTA / The Midnight Patrol; PROCURA-SE UM MARIDO / Oliver the Eighth; RIFIFI ÀS AVESSAS / The Night Owls; SILÊNCIO HOSPITAL / County Hospital; TREM DO BARULHO / Bert marks; TRIÂNGULO AMOROSO / Sugar daddies; UMA BOA AÇÃO NEM SEMPRE DÁ BOM RESULTADO / One Good Turn; UMA LUTA SEM IGUAL / Any Old Port; UMA MACACA EM MUITOS GALHOS / The Chimp; DOIS BIRUTAS NA LEGIÃO ESTRANGEIRA / Beau Hunks; DOIS BOÊMIOS DO BARULHO / Blotto; DOIS CANÁRIOS NA GAIOLA / Hoose-Gow; DOIS CUCOS PARA UM RELÓGIO / Thicker Than Water; DOIS DETETIVES DA PESADA / Do Detectives Think?; DOIS INQUILINOS DO BARULHO / Laughing Gravy; DOIS MARCENEIROS FORA DO ESQUADRO / Busy Bodies; DOIS MÚSICOS DESAFINADOS / The Music Box; DUAS BABÁS PARA UM BEBÊ / Their First Mistake; FILHO DE PEIXE PEIXINHO É / Brats; O GORDO HERDEIRO / Early to Bed; LIBERDADE E SEUS PERIGOS / Liberty; O LIMPA-CHAMINÉS / Dirty Worj; MARINHEIRO DE ÁGUA DOCE / Men O’ War; MARUJOS TRAPALHÕES / Two Tars; UM CASAMENTO SEM CONSENTIMENTO / Our Wife;  UM DIA PERFEITO / Perfect Day; UM DUELO DE AMOR / The Fixer Uppers; UM FANTASMA MUITO VIVO / Live Ghost; UM MARIDO DISTRAIDO / Hog Wild; UM MOMENTO DE GLÓRIA / Their Purple Moment; UM PAR DESIGUAL / Be Big; UM PREFEITO PERFEITO / Chickens Come Home; UM QUEBRA-CABEÇA PARA UM CABEÇA-DURA / Me and My Pal; A VIDA MILITAR É BOA / With Love and Hisses; DOIS TRAPALHÕES BEM INTENCIONADOS / Pack Up Your Troubles; REBELIÃO DO RISO / Pardon Us. Encontrei ainda um anúncio no Diário de Notícias de 4 de fevereiro de 1951, pg.7, anunciando comédias da dupla em 16mm, com alguns outros títulos em português, que reproduzo abaixo.

Captura de Tela 2014-10-10 às 21.33.08

MICHAEL POWELL

Notável contador de histórias e estilista visual, com tendência para o cinema fantasista e sempre voltado para a experimentação de novas técnicas ou temas inusitados, que fecunda com prodigiosa imaginação, virtuosismo profissional e um senso apurado de espetáculo, Michael Powell realizou filmes bastante pessoais e impossíveis de serem esquecidos.

Neste tributo ao grande cineasta vou abordar apenas a fase mais expressiva de sua carreira, lembrando os filmes produzidos entre The Edge of the World e A Tortura do Medo / Peeping Tom, destacando, obviamente, a sua colaboração com o roteirista Emeric Pressburger.

Michael Latham Powell (1905 – 1990) nasceu em Bekesbourne, perto de Canterbury, no Condado de Kent, Inglaterra, estudou no Dulwich College em Londres e, desde cedo, manifestou entusiasmo pelo Cinema.

Em 1921, seu pai – nessa ocasião hoteleiro em Chantilly, no Norte da França – conheceu o diretor francês Léonce Perret e lhe pediu que testasse o filho como ator. “Eu era muito tímido. Naturalmente, não sou ator, nunca fui. Não sabia nada. O estúdio, as iluminações, tudo me assombrava. Meu pai, percebendo isso, entrou em cena e representou ao meu lado. Ao terminarmos, Perret disse: ‘udo bem, cortem! Monsieur Powell pai obteve o contrato’. Meu pai caiu na gargalhada e convidou todo mundo para almoçar. Este foi o fim de minha carreira como ator”.

Em 1925, por intermédio de dois amigos de seu pai, Fred Bacos e John Daumery, produtores de Mare Nostrum / Mare Nostrum, o filme que o diretor americano Rex Ingram, estava fazendo no estúdios de La Victorine em Nice, Powell acabou conhecendo outros membros da equipe, entre eles, Harry Lachman, responsável pela fotografia de cena. Lachman contratou-o como seu assistente. Nos três anos seguintes, o jovem experimentou a maioria das funções existentes no estúdio de Ingram e aprendeu muito sobre o processo de filmagem. Entre 1927 e 1928, ele fêz o papel de um turista inglês, Cícero Baedecker Symp, em uma série de comédias curtas intitulada Riviera Ravels – Travelaughs.

De volta à Inglaterra em 1928, Powell conseguiu emprego como leitor do departamento de roteiros da British International Pictures nos estúdios de Elstree e subsequentemente o de fotógrafo de cena no filme Champagne (na TV) / Champagne de Alfred Hitchcock. Powell continuou como fotógrafo de cena de Hitchcock e colaborou no roteiro do primeiro filme falado do grande diretor, Chantagem e Confissão (na TV) / Blackmail / 1929 – Powell foi quem teve a idéia da perseguição final no Museu Britânico.

Depois de montar A Knight in London / 1928 (Dir: Lupu Pick) e escrever os scripts de Caste / 1930 (Dir: Campbell Gullan) e 77 Park Lane / 1930 (Dir: Albert de Courville), Powell finalmente teve a chance de dirigir Two Crowded Hours / 1931, o primeiro dos 23 filmes, entre quota-quickies e produções modestas, que ele realizou, principalmente em parceria com o produtor Jerome Jackson, até se unir a Joe Rock, americano oriundo do vaudeville, que se tornou produtor na Inglaterra. Powell dirigiu The Man Behind the Mask / 1936 para Joe Roc e este, em seguida, financiou um projeto do diretor: The Edge of the World.

Abro um parêntesis, para explicar que os quota quickies surgiram, quando o Cinematograph Act de 1927 impôs a produção e a distribuição de um número mínimo de filmes nacionais. As companhias americanas então abriram filiais na Inglaterra e produziram filmes de orçamento barato com artistas ingleses, mas a seu proveito. Assegurando uma quantidade de produção suficiente para o preenchimento da cota mínima, propiciavam a importação dos filmes americanos.

Edge of the World / 1937 foi o primeiro filme inteiramente pessoal de Michael Powell, inspirado no fato verídico da evacuação de St. Kilda em 1930. Um casal de turistas (Michael Powell e sua companheira na vida real, Frankie Reidy) chega de iate à ilha de Hirta ao largo da costa escocesa. Andrew Gray (Niall MacGinnis), originário do local, os acompanha e recorda o passado. No retrospecto, vemos como, sem meios de subsistência, alguns habitantes de uma família liderada por James Gray (Finlay Curie), pensam em partir enquanto outros, reunidos em torno de Peter Manson (John Laurie), permanecem ligados ao lugar e às suas tradições. Entre estes está Andrew, filho de Gray, que se opõe a Robbie (Eric Berry), filho de Manson, numa competição cujo resultado deveria determinar a escolha da população: a escalada de um penhasco durante a qual Robbie morre acidentalmente. No meio da trama, surge uma história de amor entre Andrew e Ruth (Belle Chrystall), a irmã de Robbie.

Influenciado por Man of Aran / 1934 de Robert Flaherty, o filme encanta antes de tudo pela sua beleza plástica e pelo seu frescor naturalista. Ví o filme recentemente na magnífica copia restaurada, lançada em dvd pelo BFI (British Film Institute), e fiquei encantado. A filmagem ocorreu na ilha de Foula, porque não foi permitida a filmagem em St. Kilda, mas a paisagem das duas ilhas é muito parecida: a costa inóspita, mar sempre agitado, vento constante, ausência de qualquer abrigo, rochedos íngremes, pouca vegetação, enfim, um ambiente muito fotogênico, esplendidamente fotografado por Ernest Palmer, Skeets Kelly e Monty Berman.

Todas as cenas do filme são belas, destacando-se: a morte de Robbie, quando a velha que aparece sempre impassível, se levanta; o enterro de Robbie, com a câmera baixa focalizando os enlutados que passam pelas flores sob o som de uma música encantadora, cantada por um coro feminino; a cena do pai abraçando a filha, compreendendo que ela ama Andrew e o corte para o bebê; a adoração do bebê pela mãe e pelas mulheres da ilha, com os close-ups da criança entrecortados com as velhas tricotando enquanto se ouve uma canção delicada; o baile comunitário, animado pelo instrumentos de corda, seguido da cena em que a câmera acompanha Finlay Curie segurando a lanterna e dando uns passinhos de dança; a cena que mostra os dois avós reconciliados e a silhueta de Ruth contemplando o crepúsculo; a seqüência da tempestade, na qual o mau tempo é refletido em majestosas imagens ameaçadoras da paisagem terrestre e marítima; aquele momento em que Lourie, que ficara sozinho na ilha, caminha pelas brumas com cordas na mão, seguido pelo cachorrinho, até que ele escala o rochedo e cai no mar, explicando a frase simbólica, “Gone Over”, que vemos no início do filme.

No meu julgamento, The Edge of the World é a obra-prima de Michael Powell, uma elegia pungente à morte de uma comunidade, caracterizada por uma história dramática muito bem narrada e uma contemplação mística da paisagem. Foi uma grande estréia de diretor que, em certas tomadas, nos lembra o cinema de John Ford.

Alexander Korda, dono da London Films, adorou o espetáculo e, numa primeira entrevista, disse ao jovem diretor: “Gostaria que você se juntasse a nós aqui em Denham. É um bom estúdio, um dos melhores do mundo, mas precisamos de diretores que saibam contar uma história com simplicidade e eficiência e também sejam capazes de realizar um filme dentro do orçamento previsto”. Powell respondeu que ele não havia feito outra coisa nos últimos sete anos. Korda ofereceu-lhe um contrato de um ano, estipulando o salário de 60 libras por semana.

O primeiro filme de Powell para a London Films foi O Espia Submarino / The Spy in Black / 1939, que recebeu no Brasil um outro título em português numa reprise, Submarino 29. Durante a Primeira Guerra Mundial, o comandante de um submarino alemão, Capitão Ernst Hardt (Conrad Veidt), infiltra-se na base naval inglesa em Scapa Flow, sem saber que seu contato havia sido descoberto e substituído por uma agente britânica, a professora de uma escola local (Valerie Hobson). Notabilizado por sua atmosfera sinistra e hábil combinação de humor e suspense, esse drama de espionagem, assinala o início da frutífera parceria de Michael Powell com Emeric Pressburger, roteirista húngaro refugiado da Alemanha nazista.

O Espia Submarino constituiu-se num êxito surpreendente e Korda apressou-se em reunir, não somente a dupla Powell-Pressburger como também os dois astros, Veidt e Robson, numa aventura de guerra mais atual, Nas Sombras da Noite / Contraband / 1940. O Capitão Andersen (Conrad Veidt), comandante de um navio mercante dinamarquês é acusado de contrabando. A atitude misteriosa de uma bela passageira, Mrs. Sorensen (Valerie Hobson), envolve-o numa trama, ao fim da qual eles conseguem desmantelar uma rede de espiões nazistas baseada em restaurantes e cabarés no coração de Londres.

O filme se compara aos thrillers de Hitchcock no período inglês, tanto no que diz respeito às relações cáusticas entre os dois protagonistas como no desencadeamento de achados cinematográficos como, por exemplo, a perseguição numa cidade às escuras durante o blecaute e o tiroteio final no escuro num depósito abarrotado de bustos de mármore branco de Neville Chamberlain, que são satiricamente espatifados pelas balas, ambas as seqüências iluminadas com muita competência por Freddie Young.

Ainda em 1939, Powell dividira a direção com Brian Desmond Hurst, Adrian Brunel e Alexander Korda no filme de propaganda semi-documentário e sentimental, O Leão tem Asas / The Lion has Wings, que Korda, num gesto patriótico, realizou com Merle Oberon e Ralph Richardson nos papéis principais. Por meio de tomadas de arquivo e algumas cenas filmadas com os artistas, o filme faz um paralelo entre a vida pacífica na Inglaterra e a agressividade da Alemanha nazista e o esforço da nação britânica para construir sua defesa.

Powell compartilhou novamente a direção (com Ludwig Berger, Tim Whelan) em O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad. Este conto das Mil e Uma Noites repleto de aventura e fantasia romântica, já fora levado à tela de maneira magistral em 1924 por Raoul Walsh com Douglas Fairbanks; mas a versão de Korda também é excelente, não só pelo cuidado técnico-plástico – Oscar para fotografia em cores (George Périnal), efeitos especiais (Lawrence Butler / Jack Whitney), direção de arte em cores (Vincent Korda) – como pela magnífica partitura de Miklos Rozsa e felicidade na escolha do elenco, em que se destacam John Justin (o rei destronado Ahmad), June Duprez (a Princesa), Sabu (Abu, o jovem ladrão), Conrad Veidt (o inesquecível Grão-Vizir Jaffar), Rex Ingram (o gênio negro) e Miles Maleson (o Sultão).

Devido à guerra, Korda teve que desistir da idéia de filmar exteriores no Egito e na Arábia, transportando sua equipe para os Estados Unidos, onde Zoltan Korda e William Cameron Menzies, creditados como produtores associados, dirigiram as cenas finais no Grand Canyon.

Os efeitos especiais, tais como o gênio enorme saindo de uma garrafa, a luta contra uma aranha gigantesca, o tapete voador e o cavalo alado, são tão cativantes e convincentes quanto qualquer trabalho digital contemporâneo. A atmosfera das histórias orientais é realçada pelo Technicolor, que sublinha o luxo dos figurinos, a suntuosidade dos castelos e o mundo mágico e exótico descoberto pelo ladrãozinho das ruas de Bagdad.

Todo esse esplendor visual, composto por cenários e cores incríveis, de uma beleza que pertence totalmente à estética de Michael Powell, pode ser apreciado no maravilhoso dvd da Criterion, um deleite para o público de qualquer idade.

Depois de dirigir um short de cinco minutos, An American’s Letter to His Mother / 1941 (nele se ouvia a voz de John Gieguld lendo a carta autêntica de um piloto morto em combate, publicada postumamente no jornal The Times), Powell continuou sua ligação com Pressburger em Invasão de Bárbaros / 49th Parallel / 1941, filme realizado sob os auspícios do Ministério da Informação, dentro do esquema de uma campanha diplomática para convencer os americanos a entrarem na guerra.

Um submarino alemão é afundado na costa do Canadá e a tripulação sobrevivente atravessa o país, tentando chegar na América ainda neutra. Eles se confrontam com indivíduos ou coletividades de diferentes etnias ou origens, mas todos resistentes aos argumentos nazistas propostos pelos alemães. O grupo pouco a pouco vai se desagregando e somente o fanático Tenente Hirth (Eric Portman) alcança a fronteira. Quando está chegando aos Estados Unidos, Hirth se defronta com um soldado canadense desertor (Raymond Massey), que o obriga a recuar para o território hostil à Alemanha.

Emeric Pressbuger ganhou o Oscar de Melhor Roteiro Original e o filme alcançou os seus objetivos, valorizado pela fotografia de Freddie Young (tomadas espetaculares em locação da paisagem canadense), a montagem de David Lean e a presença, nos diversos episódios, de um punhado de grandes atores como Leslie Howard, Laurence Olivier, Anton Wallbrook, Raymond Massey, Eric Portman.

No curso de uma conversa entre o nazista Hirth e o caçador franco-canadense (Laurence Olivier), na qual eles discutem suas diferentes ideologias, o caçador diz: “Eu conheço minha Bíblia. E isto é o bastante para mim”. Hirth responde, colocando sua mão sobre um exemplar de Mein Kampf de Hitler, que ele estava citando: “Esta é a Bíblia”. Como comentou Michael Powell na sua absorvente autobiografia, A Life in Movies (Faber and Faber, 2000), “a profunda sinceridade religiosa, tal como interpretada por Eric Portman nesta cena, é realmente assustadora”.

Numa outra cena, Hirth fala sobre Hitler para a comunidade pacífica dos huteritas (seita protestante de origem austríaca). Ele faz este apelo: “Irmãos! Alemães!” e no climax do seu discurso, levanta a voz para dizer ”Heil Hitler”. Seus quatro companheiros levantam-se e fazem a saudação nazista. Mas o líder da comunidade (Anton Wallbrook), começa a sua resposta, exclamando com grande emoção: “Não, nós não somos seus irmãos!”. A interpretação de Wollbrook é comovente pelo seu fervor, pela sua veemência.

Quando Hirth e seu único companheiro remanescente se encontram na floresta com o esteta e antropólogo Philip Armstrong Scott (Leslie Howard), em cuja tenda estão quadros de Picasso e Matisse, o inglês culto fala sobre a Montanha Mágica de Thomas Mann e a obra de Ernst Hemingway, mas os alemães chamam os ingleses de “completamente podres” e “degenerados”. Scott retruca, chamando os alemães de “gângsteres, arrogantes e estúpidos”. Os alemães retaliam, despedaçando os quadros de Scott. O projeto ideológico do filme é bem claro: nazismo contrastado repetidamente com democracia.

No ano seguinte, a dupla Powell / Pressburger fez outro filme de guerra, E Um Avião Não Regressou / … One of Our Aircraft is Missing. Seis aviadores britânicos caem de pára-quedas sobre o solo da Holanda e ali são socorridos pelos membros da Resistência, que os protegem dos ocupantes nazistas e os ajudam a retornar à Inglaterra. Realizado num estilo naturalista, sem nenhuma música, o filme é uma primorosa descrição da vida cotidiana sob o jugo alemão e do patriotismo do povo holandês.

Antes da história começar, a câmera apresenta cada membro da tripulação e a tarefa que lhes cabe, com o nome do ator que interpreta  tal e tal personagem, superimposto no filme: Hugh Burden, piloto e capitão da aeronave; Eric Portman, co-piloto; Hugh Williams, navegador, Emrys Jones, operador de rádio; Bernard Miles, Godfrey Tearle, artilheiros. No decorrer da trama, três mulheres corajosas têm uma participação decisiva na ajuda aos fugitivos: a professora da aldeia (Pamela Brown) que interroga impiedosamente os aviadores, desconfiada de que não são ingleses; a filha do prefeito local (Joyce Redman), que os guia na fuga; e a falsa simpatizante dos alemães (Googie Withers), que esconde os aviadores na sua casa no pequeno porto, até que possam escapar à noite.

O tema da integridade do grupo, do trabalho em conjunto, é enfatizado em várias cenas como, por exemplo, quando, quase no final do filme, o membro mais idoso da tripulação é alvejado e fica gravemente ferido. A essa altura da narrativa, deixá-lo para trás é simplesmente impensável: “Não podemos fazer isto”, diz um dos seus colegas, “Nós somos uma só equipe”.

A atenção de Powell para o detalhe contribui muito em termos de autenticidade. Os artilheiros se arrastando pela fuselagem para alcançar suas posições e a dificuldade dos homens para pular de pára-quedas no avião atingido, mostram o perigo e a excitação de voar em tempo de guerra.

Foi na ocasião da filmagem de E Um Avião Não Regressou, que Powell e Pressburger formaram sua própria companhia de produção, The Archers, e a sua “verdadeira parceria” começou, sucedendo-se 13 filmes. Neles, repartindo os encargos de direção e roteiro, os dois deram provas eloquentes de uma inventividade constante e poderosa expressão criadora.

The Archers e outras companhias produtoras independentes – Cineguild (David Lean, Anthony Havelock-Allan, Ronald Neame, John Bryan), Individual Pictures (Launder e Gilliat), Wessex Films (Ian Dalrymple) – eram financiadas pela Rank Organization, através de um consórcio, Independent Producer. A liberdade que J. Arthur Rank dava aos seus realizadores, foi responsável pelo enorme prestígio obtido pelo Cinema Inglês até a extinção do consórcio em 1948.

Em 1943, The Archers produziu The Silver Fleet (Dir: Vernon C. Sewell e Gordon Wellesley), mais uma celebração da resistência holandesa com Ralph Richardson, Goggie Withers e Esmond Knight nos papéis principais. Powell e Pressburger foram apenas produtores. Eles voltariam a atuar novamente juntos na direção e roteiro no filme The Life and Death of Colonel Blimp, inaugurando um período artisticamente fértil, que vai de 1943 a 1951.

Inspirado num personagem simbólico do caricaturista político David Low, o filme é uma sátira amável e sentimental, relatando a vida e a carreira de Clive Candy (Roger Livesey, depois de cogitado Laurence Olivier), protótipo do militar reacionário e ranzinza, sua cavalheiresca rivalidade com um oficial prussiano, Theo Kretschmar-Schuldorff (Anton Walbrook) e a sua procura do ideal feminino, ao longo dos anos, através de três mulheres – Edith / Barbara / “Johnny” (Deborah Kerr, em papel triplo em substituição a Wendy Hiller que ficou grávida e não pôde fazer o papel), estranhamente parecidas.

Certo de que o filme prejudicaria a moral do exército em tempo de guerra, pois além de ridicularizar um antiquado “soldado cavalheiro”, ele mostrava um alemão simpático, o Primeiro-Ministro Winston Churchill, tentou interromper a produção e, depois, impedir a sua exportação. No entanto, sua originalidade na estrutura narrativa; elegância formal (fotografia em Technicolor de Georges Périnal; direção de arte de Alfred Junge, iniciando proveitosa colaboração com Powell-Pressburger); e o brilhante desempenho do trio principal de atores, foram reconhecidos pelos críticos. Pressburger, sempre o considerou como o seu filme preferido.

Após The Volunteer / 1943, filme de recrutamento de 46 minutos, com Ralph Richardson no papel dele mesmo, contando como seu camareiro de teatro se tornou um bravo aviador, Powell e Pressburger ofereceram ao público um espetáculo curioso, A Canterbury Tale / 1944.

Três viajantes, o soldado americano Bob Johnson (John Sweet), que na vida civil era carpinteiro numa cidade dp Oregon; Alison Smith (Sheila Sim), a jovem mobilizada para assumir o trabalho de fazendeiros que foram convocados para a frente de batalha (Sheila Sim); e o soldado inglês Peter Gibbs (Dennis Price) que, antes de se alistar, exercia o emprego de organista de cinema, chegam à aldeia de Chillingbourne perto de Canterbury, efetivamente governada pelo magistrado local, Thomas Colpeper (Eric Portman).

Cada um dos jovens havia sofrido alguma espécie de perda. O noivo de Allison foi dado como desaparecido em combate, a namorada de Bob parou de escrever cartas para ele e Peter teve que abandonar as ambições musicais de sua juventude. Allison torna-se a vítima mais recente do “Homem da Cola”, que ataca moças jogando cola nos seus cabelos. Ao que tudo indica, Colpeper e o “Homem da Cola” são a mesma pessoa e ficamos sabendo porque ele pratica esses atos de agressão. Colpeper ensina história para os soldados estacionados nas imediações e tem receio de que as moças desviem a atenção dos rapazes, impedindo-os de apreciar suas aulas sobre o significado da Inglaterra rural, seus valores espirituais e as suas tradições, que devem ser defendidas.

Inspirado na obra de Chaucer do século quatorze, o filme é estruturado em torno da idéia da peregrinação dos três jovens a Canterbury para receber uma Graça divina. Através da intervenção sobrenatural de Colpeper, cada qual recebe a sua benção. Por exemplo, o organista realiza seu desejo de tocar música séria na Catedral de Canterbury. A cena em que Peter executa no grande órgão da catedral “Onward Christian Soldiers” na cerimônia de despedida de seu regimento e o som dos sinos abafa o hino, encerra a estranha narrativa.

Na época de seu lançamento, os críticos elogiaram a esplêndida fotografia da paisagem campestre, captada pelas lentes de Erwin Hiller, mas o espetáculo não foi bem compreendido. Somente 33 anos mais tarde, na retrospectiva Powell-Pressburger, organizada pelo British Film Institute em 1977, A Canterbury Tale foi reconhecido como um dos filmes mais originais, iconoclásticos e divertidos do Cinema Inglês.

Simples e lírico, I Know Where I’m Going / 1945 defende a tese, sempre válida, de que  amor  e paixão importam mais do que riqueza e status.

Joan Webster (Wendy Hilller), sabe para onde está indo. Ela sempre soube, desde que, ainda bebê, rastejava pelo assoalho. Agora, pensando na sua segurança, vai se casar com seu patrão, um rico industrial, viúvo, e com idade para ser seu pai. Joan parte para a remota  ilha de Kiloran, no norte da Escócia, onde o casamento vai se realizar. Durante a viagem, uma tempestade a impede de chegar ao seu destino e ela fica numa comunidade de pescadores nas proximidades. O ambiente, os costumes, os moradores do local e, sobretudo, o encontro com um jovem proprietário de terras arruinado Torquil MacNeil (Roger Livesey), sobre o qual pesa uma maldição de família, mudam os planos da jovem.

Mais importante do que os detalhes da intriga é a humanidade, os personagens cuidadosamente retratados, o amor pelo mar, pela terra e um modo de vida, e a grande beleza visual, mais uma vez providenciada por Erwin Hiller. Este talentosíssimo cinegrafista capta admiravelmente, com seu estilo Expressionista – que pode ser rastreado desde o seu começo de carreira na Alemanha – cada nuança da tormenta que se aproxima, da neblina matinal, da luz do sol batendo nas montanhas e as silhuetas rígidas dos homens contrastadas com a bruma ou as ondas agitadas do mar.

Com esse encantamento plástico e sua bela mensagem, I Know Where I’m Going é uma pérola preciosa na filmografia de Powell-Pressburger.

Feito sob encomenda do Ministério da Informação, para revitalizar as relações anglo-americanas, deterioradas no final da guerra, Neste Mundo e no Outro / A Matter of Life and Death / 1945 é outro filme estranho e invulgar da dupla Powell-Pressburger.]

O piloto da R.A.F., Peter David Carter (David Niven), num bombardeiro em chamas, grita pelo rádio suas últimas palavras de aflição e June (Kim Hunter), uma jovem americana do Corpo Militar Feminino, as ouve. Salvo miraculosamente, Peter encontra June, e os dois se apaixonam: mas, vítima de alucinações, ele tem que ser operado no cérebro. Entrementes, no Outro Mundo, as coisas se agitam. O piloto deveria ter morrido, não fosse uma falha do mensageiro encarregado de conduzi-lo ao Paraíso. Diante disso, o condutor n° 71 (Marius Goring), aristocrata francês guilhotinado no tempo da Revolução Francesa, é enviado à Terra para perto do ferido. Durante a cirurgia, Peter comparece diante de um tribunal celeste onde, por causa de seu amor por June, será acusado por Abraham Farlan (Raymond Massey) e defendido pelo seu médico Dr. Frank Reeves (Roger Livesey), que falecera. Na realidade, tudo se passa no espírito de Carter, que luta para sobreviver – uma visão subjetiva de um pesadelo.

Fantasia filosófica ou, como o descrevem seus autores, “brincadeira estratosférica”, com engenhosas invenções de mise-en-scène (os dois planos da ação, a Terra e o Céu, diferençados pela utilização da cor – as cenas terrestres em Technicolor e as celestes em camafeu azulado por um tratamento monocromático); câmera no lugar do olho do piloto na sala de operação e a mancha polimorfa para mostrar os efeitos da anestesia; congelamento da imagem no jogo de pingue-pongue; filme andando de trás para frente; fusões inesperadas; escadaria surrealista e espalhafatosa para o Paraíso; e alguns instantes pitorescos (o rádio trazendo o foxtrote para o ambiente), poéticos (a lágrima de June recolhida numa flor, para servir de prova diante do júri do Além; e satíricos (alusões à Inglaterra e aos Estados Unidos, aos seus costumes e à sua mentalidade), construídos com o auxílio de uma equipe homogênea, na qual se destacam Jack Cardiff (fotografia), Alfred Junge (direção de arte), Allan Gray (música) e Hein Heckroth (figurinos) – o filme fascina e diverte. Era o favorito de Michael Powell.

Com um argumento absorvente, baseado num romance de Rumer Godden, Narciso Negro / Black Narcisus / 1947 é a obra mais impressionante de Powell / Pressburger, sob o aspecto pictórico.

Um grupo de freiras, comandado pela irmã Clodagh (Deborah Kerr) é encarregado de instalar uma escola e um hospital no pico de uma montanha do Himalaia, no palácio Mopu – sede de um antigo harém – que lhes fôra doado pelo General local, Toda Raí (Esmond Knight). Apesar da ajuda do agente britânico local, Mr. Dean (David Farrar), logo surgem as dificuldades. O vento, a natureza, o ambiente exótico e sensual – a linda indiana Kanchi (Jean Simmons) cortejada pelo jovem Rai (Sabu), sobrinho do General – influem irresistivelmente sobre o comportamento das freiras. Após a morte de uma delas – a histérica irmã Ruth (Kathleen Byron), que manifestara um desejo obsessivo por Mr. Dean e, rejeitada, tentara matar, por ciúme, a madre superiora, as religiosas deixam o lugar, admitindo o fracasso da missão.

Disciplinando com segurança o trabalho dos técnicos – Oscar para Jack Cardiff (fotografia em cores) e Alfred Junge (direção de arte em cores) – Powell dotou esse drama psicológico sobre o velho conflito entre o sagrado e o profano de um esplendor visual empolgante e criou cenas de notável intuição cinematográfica. Assim é, por exemplo, o longo episódio do desvario da irmã Ruth, quase sem diálogos; a tentativa de matar a irmã Clodagh na torre do sino e a queda de seu corpo na folhagem, assustando os pássaros;  o desenlace, com os pingos de chuva caindo sobre as enormes folhas verdes e, pouco a pouco, aumentando de intensidade, enquanto a pequena caravana de religiosas desce a encosta, fugindo daquela atmosfera inadequada para seu objetivo.

O cenário indiano foi todo recriado nos jardins subtropicais de Leonardslee em Horsham, West Sussex e no estúdio de Pinewood. Powell achava que, neste filme, a atmosfera era tudo e ele e sua equipe técnica tinham que controlá-la inteiramente. Vento, altitude, a beleza do cenário – tudo tinha que estar sob rígido controle. Os cenários básicos – o templo / convento de Mopu e a aldeia nativa debaixo dele – foram construídos em tamanho natural, com o panorama dos vales e montanhas pintados em telas e depois fotografado por trás dos atores por meio de transparências.

Estrondoso sucesso de público e de crítica, Os Sapatinhos Vermelhos / The Red Shoes / 1948 havia sido planejado antes da guerra, quando Pressburger escreveu um roteiro a pedido de Alexander Korda com vistas ao aproveitamento de sua esposa, a atriz Merle Oberon. Arquivado o projeto, dez anos depois, Powell e Pressburger adquiriram os direitos de filmagem e resolveram reativar o projeto, usando o balé para criar uma alegoria sobre a incompatibilidade entre “vida” e “arte”.

Uma jovem bailarina ambiciosa, Victoria Page (Moira Shearer), entra para uma companhia de balé internacionalmente famosa, colocando-se sob as ordens do tirânico diretor artístico, Boris Lermontov (Anton Walbrook). Lermontov dá ao jovem compositor Julian Craster (Marius Goring) a chance de compor a música para um novo balé e oferece a Vicky o papel principal, a fim de impulsionar sua carreira. Mas quando Vicky e Julian se apaixonam e se casam, Lermontov despede Julian por deslealdade. Vicky tem que escolher entre o homem que ama e a dança – que é o seu sangue vital.

A vida imita a arte e os sapatinhos vermelhos, que não deixam a bailarina parar de dançar, espelham os conflitos interiores da bailarina e, finalmente, a sua morte. Livremente transposto de um conto de Hans Christian Andersen, o tema se renova e ganha formas insuspeitadas nesse filme revolucionário, que conjuga música, balé e cinema com alto poder de síntese e percepção fílmica.

Graças à coesão e brilhantismo de todos os setores técnicos – música, Brian Easdale; direção de arte em cores / decoração, Hein Heckroth / Arthur Lawson; fotografia, Jack Cardiff; coreografia, Robert Helpmann, as duas primeiras categorias premiadas com o Oscar -, o fantástico se une ao real num turbilhão de cores, simbolicamente aproveitadas e a paixão dos artistas por sua arte passa num clima mágico para os espectadores.

Pouco antes de Os Sapatinhos Vermelhos, Powell e Pressbuger, através de sua companhia The Archers, produziram O Fim do Rio / The End of the River / 1947, dirigido por Derek Twist com Sabu, Bibi Ferreira e Esmond Knight na frente do elenco. Era a clássica história da vida de um homem transcorrendo em sintonia com o curso do rio, no caso, o Amazonas. A nossa Bibi fazia o papel de Teresa, a mulher de Sabu no filme (em uma cena ela canta com muita graciosidade “Trepa no Coqueiro”) e Esmond Knight interpretava o vilão. Powell disse que Derek (que fôra seu montador em The Edge of the World), como diretor, fez um filme chato, embora fôsse difícil fazer um filme chato, tendo como pano de fundo o rio Amazonas.

Rodado inteiramente em preto e branco, The Small Back Room / 1949 gira em torno de Sammy Rice (David Farrar), cientista que trabalha num laboratório secreto em Londres durante a Segunda Guerra Mundial. Sammy está angustiado, porque acha que a pesquisa científica militar vem sendo mal conduzida. Seu arrogante patrão, R.B.Waring (Jack Hawkins) está mais interessado em vender uma nova arma ainda não testada do que na vida dos homens que terão de usá-las. Por outro lado, Sammy sofre dores intensas no seu pé artificial. Os remédios que lhe receitaram foram ineficazes, levando-o a recorrer ao álcool como analgésico. Sua namorada, Susan (Kathleen Byron) tenta libertá-lo de seu complexo de inferioridade e de seu comportamento auto-destrutivo, mas acaba rompendo com ele. Sammy é convocado pelo Capitão Stuart (Michael Gough) à Chesil Bank em Dorset, para desativar duas bombas, colocadas pelos nazistas como armadilhas, que não haviam explodido. Stuart tenta desativar a primeira bomba e é morto. Sammy consegue desativar a segunda. Após este ato de bravura, ele recobra a confiança em si mesmo e o amor de Susan.

Estudo psicológico de um homem em crise, narrado num estilo visual dominado por sombras e interiores claustrofóbicos, o filme tem um clima noir de pesadelo e paranóia, não faltando um delírio expressionista do herói, quando Sammy vê a garrafa de uísque aumentar de tamanho e, contorcido pelo medo, imagina que está sendo atacado por ela. O ambiente sombrio se alterna com cenários naturais desolados como aquela praia pedregosa onde Sammy, após alguns minutos de profundo suspense, consegue desativar a bomba, forjando um clímax primoroso.

The Small Back Room marcou o retorno de Powell e Pressburger para o seu antigo produtor, Alexander Korda, e o abandono do logo The Archers, que foi substituído pela frase “A Michael Powell and Emeric Pressburger Production”.

Entusiasmado com Narciso Negro e Os Sapatinhos Vermelhos, David O. Selznick quis que Powell e Pressburger trabalhassem para ele num filme com sua futura esposa, Jennifer Jones, e acertou com Korda a co-produção de Coração Indômito / Gone to Earth / 1950.   Entretanto, Selznick desentendeu-se com o diretor e emergiram em certo sentido, dois filmes: a versão original de Powell e a americana (intitulada The Wild Heart), parcialmente refilmada por Rouben Mamoulian e com uma introdução narrada por Joseph Cotten.

A jovem Hazel Woodus (Jennifer Jones) é uma “filha da natureza”, que vive em Shropshire no final do século dezenove, na companhia do pai (Esmond Knight), um cego tocador de harpa, e obcecada pelas superstições folclóricas de sua falecida mãe. Ela deixa-se seduzir por Jack Reddin (David Farrar), o dono das terras, após ter casado com o pastor, Edward Marston (Cyril Cusack). No desfecho, depois de ter sido difamada na aldeia, Hazel morre num acidente durante uma caçada, ao tentar salvar uma raposa de estimação.

Este melodrama, impregnado de um lirismo sereno, funciona bem com o apoio da magnífica fotografia em cores de Christopher Challis, doravante o colaborador mais assíduo de Powell. Challis capta com sensibilidade os vales e os ventos de Dropshire, verdadeiros personagens ao lado da heroína, interpretada por Jennifer Jones com muita convicção.

Powell classifica As Aventuras do Pimpinela Escarlate / The Elusive Pimpernel / 1950 como um “desastre”, provavelmente porque envolveu a interferência de Samuel Goldwyn, co-produtor junto com Korda. O diretor já não desejava fazer o filme por se tratar de uma refilmagem e, ao aceitar o encargo, pretendeu, em vão, transformar o romance da Baronesa D’Orczy num musical. Todavia, o resultado, data venia, não foi ruim. O filme tem mais dinamismo do que a versão de 1935 com Leslie Howard, boa utilização do Technicolor (numa cena, um personagem espirra numa caixinha de rapé aberta e a tela se enche de manchas coloridas), cenários quase sempre suntuosos (Hein Heckroth), contando ainda com um elenco irrepreensível: David Niven (Sir Percy Blakeney), Margaret Leighton (Lady Marguerite Blakeney), Cyril Cusack (Chauvelin), Jack Hawkins (Prince of Wales).

Baseado na ópera de Offenbach, Os Contos de Hoffmann / The Tales of Hoffmann / 1951 usa os mesmos bailarinos – Moira Shearer, Robert Helpmann, Ludmilla Tcherina, Leonide Massine – de Os Sapatinhos Vermelhos.

Numa taverna, Hoffmann (Robert Rousenville) narra aos estudantes três aventuras passadas, nas quais perdeu a mulher amada: a boneca Olympia (Moira Shearer), a cortesã Giuletta (Ludmilla Tcherina) e a tísica Antonia (Ann Ayars). A mesma desventura se repetirá com Stella (Moira Shearer), a bailarina por quem está atualmente apaixonado.

Para compor esses episódios (o de Antonia não veio na cópia exibida no Brasil), com as vozes dos bailarinos dubladas por verdadeiros cantores de ópera, Powell não teve tanta inspiração cinematográfica, mas imprimiu-lhes sofisticação e excentricidade, obtendo resultados assombrosos na direção de arte (Hein Heckroth) e na fotografia em cores (Christopher Challis). Numa reavaliação, alguém considerou o filme, “um casamento fantasmagórico entre o cinema e opera”.

O filme – que arrancou um elogio de Josef Von Sternberg (“É difícil esquecer o trabalho de câmera e os efeitos de Os Contos de Hoffmann”) – ganhou um prêmio no Festival de Cannes.

Depois de Os Contos de Hoffmann, Powell fez, sozinho, The Sorcerer’s Apprentice / 1955, um curta-metragem para a Fox, promovendo o CinemaScope  e, em seguida, ele e Pressburger realizaram mais três filmes convencionais, mas equilibrados: Oh … Rosalinda!! / 1955 (transposição da opereta Die Fledermaus de Johann Strauss para a Viena do após guerra com Anthony Quayle, Anton Walbrook, Dennis Price, Ludmilla Tcherina, Michael Redgrave, Mel Ferrer); A Batalha do Rio de Prata / The Battle of the River Plate / 1956 ( episódio do encouraçado alemão Graf Spee durante a Segunda Guerra Mundial com Peter Finch, Anthony Quayle, John Gregson, Ian Hunter, Bernad Lee); e Perigo nas Sombras / Ill Met by Moonlight / 1957 (seqüestro de um oficial alemão (Marius Goring) na Ilha de Creta por oficiais britânicos (Dirk Bogarde, David Oxley) e resistentes gregos)

Separado de Pressburger e sonhando talvez com o sucesso de Os Sapatinhos Vermelhos, Powell filmou, em co-produção com a Suevia Films-Cesário Gonsalez, Luna de Miel / Honeymoon / 1959, abordando um tema parecido. O filme não foi exibido no Brasil.

No curso de uma viagem de lua-de-mel na Espanha, uma célebre bailarina, Anna (Ludmilla Tcherina), sacrifica sua vocação, para salvar seu casamento com Kit (Anthony Steel), um professor australiano. Este fio condutor permite a apresentação de belas vistas turísticas e alguns balés, dois deles – El Amor Brujo de Manuel de Falla e Los Amantes de Teruel de Mikis Theodorakis – com muitos figurantes e impecáveis execuções por parte de Ludmilla e dos bailarinos espanhóis Antonio e Rosita Segovia. A produção recebeu um prêmio no Festival de Cannes.

Em 1960, quando nada mais se esperava dele, Powell surpreendeu com A Tortura do Medo / Peeping Tom, filme insólito e moderno, atacado na época do lançamento como revoltante e mórbido e hoje venerado como um culto.

No excelente roteiro freudiano de Leo Marks, um assistente de câmera que trabalha numa pequena produtora de filmes e também como fotógrafo de uma agência de notícias, Mark Lewis (Carl Bohm), traumatizado pelo pai (Michael Powel), que se servia dele quando menino para experiências psicológicas de resistência ao medo, torna-se um maníaco homicida e usa o próprio instrumento de trabalho, a câmera (ou, mais específicamente, a ponta afiada de uma das pernas do seu tripé), para assassinar mulheres, filmando ao mesmo tempo a expressão de terror estampada em seus rostos no momento do crime. Uma das mulheres assassinadas era uma figurante, Vivian (Moira Shearer), que ele atraiu à noite para o estúdio. Mark faz amizade com a inquilina de uma moradora de seu prédio, Helen (Anna Massey) e esta, colocando em funcionamento o projetor do psicopata, acaba descobrindo o seu segredo. A polícia chega a tempo de impedir mais uma morte e Mark se suicida, registrando a própria agonia, tal como fazia com as suas vítimas.

Powell reflete sobre as relações entre o voyeurismo, a perversão e o ato de fazer cinema, identificando-se com o protagonista e se compadecendo dele. Powell declarou: “Filme de horror? Não. Filme de compaixão…Um filme muito terno, quase romântico”. Mark é uma eterna vítima, cujos crimes são gritos de raiva contra seu pai e sua madrasta e, ao mesmo tempo, um ensaio patético para a sua morte.

A tensão é habilmente mantida em todo o desenvolvimento da intriga e por uma cor sombria de tonalidades que demonstram uma preocupação de originalidade. As cenas de terror são breves e a angústia latente provém mais do ambiente geral do filme, o que é, a nosso ver, uma qualidade. A fotografia esplêndida de Otto Haller, a expressiva partitura de Brian Easdale e o uso versátil do som dão uma força incontestável às elocubrações do cineasta.

Na era do vídeo, e depois do dvd, os filmes de Michael Powell continuam a serem vistos e apreciados, tendo passado pelo grande teste, que é o teste do tempo.