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A ÉPOCA CLÁSSICA DO DESENHO ANIMADO AMERICANO

Neste artigo vou recordar os principais desenhos animados americanos da época clássica, mas sem a pretensão de esgotar o assunto.

O primeiro desenho animado americano, Humorous Phases of Funny Faces, surgiu em 1906, apresentado pela Vitagraph e realizado por James Stuart Blackton, um dos co-fundadores desta companhia.

Pelos padrões atuais de animação, o desenho de Blackton era muito rudimentar.          Compunha-se de uma série de rostos, desenhados por uma mão “invisível”.Porém, tendo em vista a época em que foi feito, esse desenho simples de um rolo, foi um passo importante.

Winsor McCay demonstrou um nível técnico mais elevado e descobriu como dar personalidade às suas criações, idealizando aquele que muitos historiadores consideram como o primeiro astro genuíno do cartum americano, Gertie, the Dinosaur (1914). Antes de Gertie, porém, em 1911, McCay fez seu primeiro desenho animado, Little Nemo, baseado nos seus quadrinhos Nemo no País dos Sonhos / Little Nemo in Slumberland, no qual, numa introdução ao vivo, McCay mostrava seu talento, desenhando seus personagens rapidamente diante de um grupo de amigos, que incluia o comediante John Bunny, o desenhista de quadrinhos George MacManus e vários executivos da Vitagraph. McCay usou 4.000 desenhos para animar cinco minutos de filme. No seu segundo cartum, The Story of a Mosquito ou How a Mosquito Operates (relançado como His Jersey Skeeters) ele usou 6.000 desenhos.

Gertie, the Dinosaur começa, como Little Nemo, com uma introdução ao vivo. Desta vez, McCay e seus colegas vão ao Museu de História Natural em Nova York para ver a exibição de um dinosauro. McCay aposta que pode dar vida ao animal pré-histórico. A cena seguinte leva-nos para um outro cenário, onde McCay desenha Gertie num grande cavalete de pintor. Gertie então começa a andar sobre o papel. Ele é travesso e nem sempre obedece ao comando de McCay. Suas ações proporcionam boa parte do humor da animação. Gertie briga com um mamute e bebe toda a água de um lago. McCay utilizou mais de 10.000 desenhos, incluindo fundos, traçados com tinta preta num papel de arroz branco.

Algum tempo depois da realização de Gertie, McCay descobriu os benefícios do método de animação por célula – patenteado, como veremos adiante, por J. R. Bray e Earl Hudd -, na realização de The Sinking of The Lusitânia (1918), a primeira reencenação de um acontecimento histórico.

Em 1921, com a ajuda de seu filho, Robert McCay, ele produziu e animou uma série de desenhos animados, baseada na sua história em quadrinhos Dream of a Rarebit Fiend e mais seis cartuns (The Pet, The Flying, House Bug Vaudeville, The Centaurs, Flip’s Circus e Gertie on Tour, antes de realizar seu último trabalho, The Midsummer’s Nightmare (1922).

Um outro pioneiro responsável pelo melhoramento da animação foi John Randolph (J. R.) Bray. O desenho animado de Bray, The Artist’s Dream ou The Dacshund and the Sausage, lançado em 1913, foi o primeiro filme de animação distribuído comercialmente nos cinemas. Nele vemos um desenhista que interrompe seu trabalho deixando um cartum quase pronto no papel. Na sua ausência, o cachorro que ele estava desenhando, ganha vida e come seu prato de salsichas. O segundo cartum de Bray, Colonel Heeza Liar in Africa, inspirado nas aventuras do Barão de Munchausen, era, na realidade, uma sátira ao então presidente Teddy Roosevelt. O personagem fez grande sucesso e originou outras séries como Boppy Bumps (1915), Otto Luck (1915), Police Dog (1915) e Quacky Doodles (1917). Mais tarde, Bray produziu e dirigiu o primeiro cartum em cores, The Debut of Thomas the Cat, usando o processo bicolor Brewster.

Em 1914, Bray registrou a patente de um novo método de animação pelo qual o fundo permaneceria fixo e os objetos a serem animados seriam desenhados sobre folhas de celulóide transparente chamado célula (cel., abreviatura de celluloid), eliminando-se assim a necessidade de redesenhar o fundo de cada quadro. No ano seguinte, seu colega Earl Hudd aperfeiçoou o método de Bray. Em 1917, Bray e Hurd combinaram suas patentes e formaram a Bray-Hurd Process Company. Durante muitos anos, eles emitiram certificados de licença para quem quizesse fazer desenhos animados usando o método de animação por célula, que eles desenvolveram.

Bray organizou um estúdio capaz de produzir desenhos animados em grande quantidade e deu emprego a vários jovens artistas, que aprenderam ali as noções elementares da arte da animação: Max Fleischer, Paul Terry. Walter Lantz, etc.

Entretanto, durante os anos 10, Bray não foi o único produtor de desenhos animados. Havia mais dois estúdios: o Barré-Nolan e o Hearst International.

Antigos colegas no Edison Studios, Raoul Barré e Bill Nolan sentiram-se preparados para fundar seu próprio estúdio, dedicado cem por cento à animação. Concentrando suas energias, eles produziram a série de animação Animated Grouch Chasers (1915-1916), distribuida por Edison. O maior êxito de Barré foi com a série Mutt and Jeff (1918), baseada nos personagens dos quadrinhos muito populares de Bud Fisher. Fisher procurou o animador independente Charles Bowers para transformar seus quadrinhos em cartuns. Os dois formaram uma parceria e Mutt e Jeff tornou-se um grande êxito de bilheteria. Para garantir a qualidade da animação de seus filmes, Barré investiu em aulas de arte para seus animadores, em antecipação a Walt Disney nos anos 30.

Em 1915, o magnata da imprensa William Randolph Hearst percebeu o valor comercial da animação, abrindo seu próprio estúdio, International Film Service. Hearst conseguiu atrair animadores talentosos como Gregory La Cava (futuro cineasta), Frank Moser, Bill Nolan e Walter Lantz, com o propósito de transportar as histórias em quadrinhos de seus jornais para a tela, acrescentando os cartuns na parte final de seus newsreels. Rapidamente, a companhia de Hearst produziu versões animadas de quadrinhos favoritos do público como Phables (1915-1916), Krazy Kat (1916-1917), Bringing Up Father (1916-1917), Jerry on the Job (1916-1917), Katzenjammer Kids (1916-1918), Happy Hooligan (1916-1919), etc. Em 1938, a MGM produziu uma versão sonora dos Katzenjammer Kids com o título de Captain and the Kids, mantendo os mesmos personagens dos quadrinhos de Rudolf Dirks.

Paul Terry, que começou a trabalhar no J. R. Bray Studios, dirigindo e produzindo a série de cartuns Farmer Al Falfa, também se tornou uma figura importante no campo da animação cinematográfica. Em 1917, ele fundou seu próprio estúdio, Paul Terry Productions. Após lutar pela pátria na Primeira Guerra Mundial, Terry fez uma parceria com Amadee J. Van Beuren e montou um novo estúdio, Fables Studios.

Nesta ocasião, começou a produzir a série Aesops Fables assim como novos filmes com o fazendeiro Al Falfa. Em 1928, ele experimentou o processo sonoro num Fable Cartoon intitulado Dinner Time, alguns meses antes do Steamboat Billie de Walt Disney. A união entre Terry e Van Beuren durou até 1929, quando eles se desentenderam a respeito da adesão ao cinema sonoro. Terry e uma parte de sua equipe abriram o Terrytoons Studio na suburbana New Rochelle em Nova York. Van Beuren ficou com o Fables Studios e rebatizou-o como Van Beuren Studios. O Terrytoons Studios produziu inúmeros cartuns entre os quais Gandy Goose, Mighty Mouse, Heckle and Jeckle e outros menos conhecidos, que foram primeiramente distribuídos pela Educational Pictures e depois pela 20th Century Fox.

Combinando o poder do Superman e o corpo do Mickey Mouse, o Mighty Mouse foi o desenho animado mais popular de Paul Terry. Por mais de 15 anos, o personagem defendeu os direitos dos ratos, que precisavam de sua superforça para prevenir os seus transtornos e impor a ordem. Um escritor de histórias empregado de Terry, Isadore Klein, teve a idéia do personagem do Mighty Mouse por volta de 1940, mas esboçou-o sob a forma de uma “super mosca” com uma capa vermelha igual à do Superman. Terry mudou a mosca de Klein para um rato e batizou-o de “Super Mouse” em quatro cartuns, que foram apresentados em 1942 a partir do desenho The Mouse of Tomorrow. Depois, Terry mudou o nome do personagem para Mighty Mouse que, no Brasil, ganhou o nome de Possante. Se não me falha a memória, Heckel and Jeckle chamavam-se, nos cinemas, Cari e Oca e não Faísca e Fumaça, como comumente são designados, que são os nomes que receberam na TV.

Um personagem muito conhecido no desenho animado silencioso foi Felix the Cat, um gato preto de olhos azuis e sorriso largo, sempre metido em situações surrealistas. O cartunista australiano, Pat Sullivan, reivindicou durante toda a sua vida a criação desse personagem, porém muitos historiadores (entre eles Michael Barrier, autor de um livro admirável, Hollywood Cartoons: American Animation in its Golden Age (Oxford University, 1999), argumentam que o principal animador do estúdio de Sullivan, Otto Messmer, era o verdadeiro criador do Gato Felix. O certo é que, em novembro de 1919, Master Tom, um protótipo de Felix, estreou num cartum intitulado Feline Folllies, produzido pelo estúdio de Pat Sullivan. Sullivan era o dono do estúdio e tinha os direitos autorais de qualquer trabalho criativo de seus empregados.

Em 1927, após o advento do cinema sonoro, a Educational Picutres, que distribuía os desenhos de Felix na época, pediu a Sullivan que fizesse desenhos “falados”. Ele, de início, recusou a proposta e, depois, outras disputas levaram ao rompimento com a Educational. Posteriormente, Sullivan percebeu as possibilidades do som. Ele conseguiu assinar um contrato com a First National, para distribuir os seus desenhos falados, mas, por razões desconhecidas, a parceria se desfez e Sullivan então distribuiu seus cartuns silenciosos com uma trilha sonora através da Copley Pictures. Infelizmente, a transição de Sullivan para o cinema sonoro foi desastrosa e a Copley cancelou o contrato com Sullivan.

Outros artistas estabeleceram novos padrões para a indústria da animação como Max e Dave Fleischer, Walter Lantz e Walt Disney.

Max Fleischer produziu a série Out of the Inkwell – que tinha como personagem principal Koko, the Clown (depois Ko-Ko, com o hífen), um pequeno palhaço que saía de um tinteiro – para o estúdio de J. R. Bray até 1921, quando ele e seu irmão Dave formaram o Fleischer Studios. Outros dois irmãos, Lou e Joe Fleischer, trabalharam na firma e o companheiro de Koko na série era o cachorrinho branco Fitz.

A série Out of the Inkwell (denominada Inkwell Imps, a partir de 1927) foi uma das primeiras a conjugar ação ao vivo com animação, por meio de um processo chamado Rotoscope (Rotoscópio), que Max e Dave desenvolveram. Esta técnica consistia simplesmente numa prancha de desenho e um projetor de filmes combinados, possibilitando aos animadores, redesenharem quadro por quadro, imagens projetadas de figuras humanas. Koko (conhecido no Brasil como Tony Tinta) era, na realidade, Dave Fleischer vestido de palhaço. Ele dava cambalhotas e fazia outras acrobacias diante da câmera e depois exagerava-as na animação final. Primeiramente, os Fleischer distribuíram eles mesmos a série na base do state’s rights; depois, em algum momento de 1922, eles entregaram a distribuição para Margaret Winkler, uma ex-secretária da Warner Bros, que resolvera se tornar distribuidora por conta própria. Em 1923, Max Fleischer parou de animar a série e seu irmão Dave assumiu este encargo.

Os primeiros cinemas nos Estados Unidos costumavam mostrar no palco slides com letras de músicas populares para estimular o público a acompanhar o cantor que as interpretava no palco. Em 1924, os Fleischer tiveram a idéia usar cartuns, nos quais as letras das canções eram animadas numa tela e uma bolinha saltitante (bouncing ball), servia de guia para que os espectadores cantassem. Esses cartuns chamavam-se, de início, Song Car-Tunes e depois Koko Songs, pois os personagens de Koko e Fitz eram usados na animação. Alguns desses sing-a-long cartoons foram sincronizados pelo processo de som ótico Phonofilm de Lee De Forest.

Anunciada como “verdadeiros filmes falados”, a série Talkartoons representou a entrada do Fleischer Studios no cinema de animação sonoro. No sexto desenho da série, Dizzy Dishes, produzido em 1930, o estúdio introduziu a personagem Betty Boop, criada e desenhada por Grim Natwick. Betty parecia mais uma cadelinha e somente algum tempo depois adquiriu personalidade humana, transformando-se naquela boneca com um rosto redondo desproporcional ao seu corpinho, lindas bochechas, olhos grandes e cintilantes e voz de criança. Betty não tinha nome até sua aparição em Stopping the Show, realizado em 1932, que se tornou o primeiro desenho oficial de Betty Boop. No mesmo ano, a partir do desenho Minnie the Mocher, Betty tornou-se aquela figurinha sensual de saia curta, liga numa das pernas, vestida à moda flapper e dizendo aquele seu slogan atrevido, “Boop-Boop-a-Do!”. Natwick modelou Betty inspirando-se na cantora Helen Kane, por coincidência, atriz contratada da Paramount, que distribuía os desenhos animados da graciosa criatura. A similaridade vocal e visual com Helen Kane provocou um processo judicial de Helen contra a Paramount e o Fleischer Studios, mas ela perdeu a ação, principalmente porque a defesa demonstrou que a própria Helen havia se apropriado de alguns maneirismos de outras cantoras. Como coadjuvante de Betty Boop na série, além de Koko, havia um personagem identificado como Bimbo, que algumas vezes parecia o cachorrinho branco Fitz, companheiro do palhacinho na série Out of the Inkwell e, em outras vezes, aparecia como um cachorrinho preto com uma máscara branca.

A popularidade de Betty Boop foi irreparavelmente prejudicada pelo Código Hays de 1934. Sua sexualidade evidente foi atenuada, suas saias ficaram menos curtas e seu decote mais discreto, o conteúdo de suas histórias tornou-se mais juvenil. Em conseqüência, Betty perdeu muito da sua popularidade.

Os Fleischer, com exceção talvez de Betty Boop, nunca conseguiram criar personagens fortes e então eles foram buscar um em outro lugar. Em 1932, o Fleischer Studio celebrou contrato com o King Features Syndicate, para produzir os desenhos animados do Popeye. O personagem surgiu no mundo das histórias em quadrinhos em 1919, quando Elzie Crisler Segar concebeu o marinheiro musculoso, originalmente conhecido como Ham Gravy na tira clássica, Thimble Theatre. Gravy aparecia ao lado da sua namorada magricela, Olive Oyl (Olívia Palito). Em 1929, Segar, aproveitando a popularidade de Gravy, mudou seu nome para Popeye. Já nesta época o personagem exibia os mesmos traços que os espectadores se acostumariam a ver depois: um marujo brigão e piadista, cuja principal fonte de energia era a sua lata de espinafre.

A estréia de Popeye se deu num desenho da Betty Boop, Marinheiro Matamouro / Popeye, the Sailor (1933), porque os Fleischer queriam avaliar a reação do público, antes de colocá-lo como astro de um cartum. William Costello, cantor de boate, foi o primeiro a interpretar Popeye; porém foi despedido, depois que “o sucesso lhe subiu à cabeça”. Quando Dave estava andando pelo departamento de animação do estúdio ele ouviu Jack Mercer, um animador novato cantando a canção tema de Popeye e o contratou na hora. Mercer continuou fazendo a voz de Popeye por mais de 45 anos, incluindo os desenhos depois produzidos para a televisão. Mae Questel, que fazia também a voz de Betty Boop, interpretava Olive Oyl. Mae demonstrou sua versatilidade durante o decorrer da série, tendo inclusive feito a voz do Popeye em vários desenhos, quando Mercer foi mandado para além-mar na Segunda Guerra Mundial.

O Fleischer Studios funcionava em Nova York com o apoio financeiro da Paramount. Mas, como recipiente do dinheiro da Paramount, os Fleischer também estavam à mercê da administração desta grande companhia de Hollywood. Durante a Grande Depressão, a Paramount passou por várias mudanças e reorganizações, que afetaram os orçamentos para as produções e criaram obstáculos para o desenvolvimento do estúdio dos Fleischers.

Quando o processo Technicolor de três cores se tornou disponível, a Paramount vetou-o, preocupada com seu equilíbrio econômico, dando a Walt Disney a oportunidade de adquirir uma exclusividade para usar o processo por quatro anos. Dois anos depois, a Paramount aprovou a produção em cores para os Fleischer, porém apenas num processo inferior de duas cores. A série Color Classics foi introduzida em 1934 como uma resposta dos Fleischer para as Sinfonias Singulares / Silly Symphonies de Disney. Estes cartuns coloridos foram enriquecidos com um efeito de fundo tri-dimensional, chamado “Processo Estereótico”, um precursor da câmera multiplana de Disney. Esta técnica foi utilizada nos desenhos de Popeye de maior formato como, por exemplo, O Marinheiro Popeye contra Sinbad o Marujo / Popeye the Sailor Meets Sinbad the Sailor (1936) e Popeye o Marinheiro contra os 40 Ladrões de Ali Baba / Popeye the Sailor Meets Ali Baba’s Forty Thieves (1937). Esta série de cartuns de dois rolos expressava o desejo dos Fleischer de produzir desenhos animados de longa-metragem.

Em 1937, a produção no Fleischer Studios foi afetada por uma greve, que deixou seus cartuns fora das telas. Após cinco meses, a Paramount persuadiu os Fleischer a chegarem a um acordo com os grevistas. Então, em março de 1938, o Fleischer Studios mudou-se para Miami, Flórida, não só para se afastar da agitação sindicalista, mas também porque ele precisava de mais espaço para a produção de longas-metragens. Coincidentemente, com a mudança, o relacionamento entre os irmãos Dave e Max começou a se deteriorar, porque Dave iniciou um romance adulterino com a sua secretária e a situação foi agravada por outras disputas pessoais e profissionais.

Na onda do êxito indiscutível de Disney com Branca de Neve e os Sete Anões / Snow White and the Seven Dwarfs em 1937, os executivos da Paramount atenderam finalmente aos constantes pedidos dos Fleischer para produzir desenhos animados de longa-metragem.  A fim de financiar o novo projeto os Fleischer negociaram um empréstimo com a Paramount, dando como garantia os ativos do estúdio pelo prazo do empréstimo.

Embora As Aventuras de Gulliver / Gulliver’s Travels (1939) tivesse tido uma bilheteria razoável, ela não recuperou todos os custos da produção. O golpe final veio com o infortunado lançamento de seu segundo longa-metragem, No Mundo da Carochinha / Mr. Bug Comes to Town (1941), dois dias antes do ataque japonês a Pearl Harbor. Em maio de 1941 a Paramount iniciou a tomada de posse do Fleischer Studios. Max permaneceu nominalmente como diretor, mas sua briga com Dave complicava a situação. Logo depois da estréia de No Mundo da Carochinha, Dave partiu para a Califórnia, a fim de chefiar a unidade de produção de desenhos animados da Screen Gems, pertencente à Columbia Pictures. Este passo constituiu uma infração contratual de Dave, por ter aceitado uma posição num estúdio concorrente, enquanto ainda estava contratado pela Paramount. Esta ruptura de contrato, juntamente com o aumento substancial da dívida dos Fleischer para com a Paramount, permitiu que o estúdio maior assumisse o controle do estúdio menor, obrigando Max a pedir demissão. A Paramount nomeou novos administradores, entre eles o genro de Max, Seymour Kneitel. Em maio de 1942, o estúdio recebeu um novo nome, Famous Studios, e dentro de oito meses transferiu suas instalações de volta para Nova York.

Em 1941, os primeiros nove (de um total de 17) cartuns do Superman em Technicolor –  baseados nas histórias em quadrinhos de Jerry Siegel e Joe Shuster -, conhecidos como Fleischer Superman Cartoons, começaram a ser produzidos pelo Fleischer Studios. Os oito restantes foram feitos pelo Famous Studios, após a reorganização. Pelo seu aspecto Art Deco e técnica sofisticada, a série Superman é considerada hoje o triunfo final do Fleischer Studio.

Em 1944, Max Fleischer acrescentou a série Little Lulu, baseada na personagem dos quadrinhos de Marjorie H. Bell, ao elenco de astros do desenho animado do Famous Studio. Em 1948, o produtor Joseph Oriolo criou, com a ajuda do animador Seymour Wright, mais uma série de cartuns para o Famous Studio: Casper, The Friendly Ghost. Este último personagem, conhecido no Brasil como Gasparzinho, fazia muita criança chorar, quando dizia que desejava ter “alguém para brincar comigo”.

Walter Lantz aprendeu a arte da animação no J. R. Bray Studios e depois no Hearst International. Em 1924, Lantz começou a ganhar importância com sua primeira série de desenhos animados, Dinky Doodle. Em 1927, mudou-se para Hollywood, onde trabalhou com Frank Capra e como gagman para Mack Sennett.

No mesmo ano, Charles Mintz, marido de Margaret Winkler, dona de uma pequena distribuidora, Winkler Pictures, pediu a Disney para criar um personagem de coelho e assinou um contrato com uma organização maior, a Universal, para a distribuição de uma série de 26 cartuns, estrelados, conforme especificação da companhia de Carl Laemmle, pelo novo personagem chamado Oswald the Lucky Rabbit. Walt começou a produzir os filmes de Oswald, mas nem Mintz nem a Universal ficaram satisfeitos. Em fevereiro de 1928, Mintz celebrou novo contrato com a Universal para produzir Oswald; porém, ao concluir o negócio, não concedeu a Walt os direitos sobre o personagem, que ele havia criado. Mintz então contratou Walter Lantz para dirigir a série Oswald. Lantz apostou com Laemmle que, se conseguisse vencê-lo num jogo de pôquer, Oswald seria seu. Lantz ganhou a aposta e se tornou o dono do personagem. Lantz formou uma equipe com ex-animadores de Disney, tais como Hugh Harman, Rudolf Ising, etc. e mudou um pouco o personagem tornando-o mais gracioso. Por curiosidade, Mickey Rooney, com nove anos de idade, foi o primeiro a emprestar sua voz para Oswald, quando Lantz adicionou o som aos cartuns. Lantz e Bill Nolan dirigiram a maioria dos desenhos animados da série. Em 1933, Lantz dirigiu o único cartum da série indicado para o Oscar, Fama e Fortuna / The Merry Old Soul e animou um seqüência em Technicolor de duas cores para o musical-revista O Rei do Jazz / The King of Jazz , no qual aparece Oswald e o chefe de orquestra Paul Whiteman.

Em 1935, Nolan separou-se de Lantz e este se tornou produtor independente, fornecendo cartuns para a Universal em vez de meramente supervisionar o departamento de animação deste estúdio. Oswald foi perdendo a popularidade e Lantz criou um novo astro, Andy Panda. Mas a inspiração para o seu melhor personagem surgiu – segundo a lenda – na sua lua-de-mel, quando ele e a esposa Grace Stafford, ouviram o barulho de um picapau fazendo furos no telhado da cabana, onde estavam hospedados. Na verdade, esta história foi inventada por um publicista de Hollywood: a lua-de-mel dos Lantz ocorreu um ano após a estréia do primeiro desenho do Pica-Pau. Lantz introduziu Woody Woodpecker num desenho de Andy Panda, Knock Knock (1941), e o novo personagem aprovou.

Mel Blanc fêz a voz para Woody nos primeiros quatro ou cinco cartuns. Ben “Bugs” Hardaway, escritor de histórias para os desenhos de Lantz, emprestou seu talento vocal para o personagem após a saída de Blanc, mas não exerceu este encargo por muito tempo. Lantz sentiu que precisava fazer uma mudança e testou 50 candidatos para a “nova” voz de Woody. Lantz não estava presente nos testes, mas foi o responsável pela escolha final. Ouvindo as gravações dos testes, ele selecionou Grace, sua esposa, que tinha se candidatado para as entrevistas, sem informar o marido. Grace começou sua função no desenho Banquet Busters (1948) e continuou sendo a voz de Woody até o final da série, 24 anos depois, em 1952. A seu pedido, ela não recebeu crédito pela voz de Woody, porque receava que as crianças ficassem desiludidas, se soubessem que uma mulher fazia a voz do famoso picapau.

Woody Woodpecker teve vários coadjuvantes: Wally Walrus, Buzz Buzzard, Gabby Gator, Wolfie Wolf e Finx Fox. Buzz Buzzard apareceu pela primeira vez ao lado de Woody em Wet Blanket Policy, que foi o primeiro cartum a incluir uma canção sensacional, “The Woody Woodpecker Song”, interpretada por Gloria Wood e Harry Babbitt. Foi o único desenho curto indicado para o Oscar de Melhor Canção. Lantz criou ainda, entre outros, um personagem muito conhecido: o pingüim Chilly Willy (Picolino), que estreou na tela em 1953.

Vou deixar para falar sobre Walt Disney em outra oportunidade, pois ele merece um artigo inteiro, mas peço licença para mencionar desde logo o nome daquele que foi um grande amigo do criador do camundongo Mickey: Ub Iwerks.

Depois de ter passado a maior parte de sua carreira como colaborador de Disney, Iwerks aceitou uma proposta de Pat Powers de abrir um estúdio com seu próprio nome. Apesar de ter um contrato com a MGM para distribuir seus cartuns, e de ter introduzido um personagem novo chamado Flip the Frog, e depois outro, Willie Whopper, o estúdio de Iwerks nunca obteve um grande sucesso comercial e nem chegou a se constituir um rival para Disney ou para o Fleischer Studios.

De 1933 a 1936, Iwerks produziu uma série de desenhos animados (distribuídos independentemente e não pela MGM) em Cinecolor, intitulada ComiColor Cartoons. A série incluía o personagem de um negrinho que surgiu em Sambo, o Negrinho / Little Black Sambo, um cartum estereotipado racialmente que veio a ser banido nos Estados Unidos (mas foi exibido no Brasil em 1938). Em 1936, os patrocinadores retiraram o apoio financeiro para o Iwerks Studio e este logo encerrou suas atividades. Alguns desenhos da série ComiColor foram exibidos nos cinemas brasileiros como Historietas Eucalol, título em português certamente inspirado na estampas que vinham junto com o sabonete fabricado pela Perfumaria Myrta. S/A. Colhemos estes títulos, todos exibidos em 1938 -1939: Aladin e a Lâmpada Maravilhosa / Aladin and the Wonderful Lamp; Sinbad, o Marujo / Sinbad, the Sailor; Simão, o Simplório / Simple Simon; João e o Pé de Feijão / Jack and the Beanstalk; O Pequeno Polegar / Tom Thumb, O Gato de Botas / Puss in Boots; O Rapazinho de Azul / Little Boy Blue; Dias Felizes / Happy Days. Em 1934, a Columbia e a Paramount Pictures distribuíram duas outras séries de contos-de-fadas, intituladas respectivamente, Color Rhapsodies e Color Classics.

Os desenhos animados do personagem Bosko, criado por Hugh Harman e Rudolf “Rudy” Ising foram, juntamente com os de Betty Boop e Mickey Mouse, os mais exibidos nos cinemas do Brasil nos anos trinta. Harman e Ising haviam trabalhado com Disney e Lantz e finalmente criaram o desenho animado Bosko, the Talk-in Kid, que ficou famoso por ter sido o primeiro cartum sonoro com diálogo. Este desenho animado, que mostrava Bosko em desacordo com o seu animador – retratado em ação ao vivo por Ising – impressionou Leon Schlesinger, que aproximou a Harman-Ising Pictures da Warner Bros. Schlesinger queria Bosko como astro de uma nova série de cartuns “falados”, que ele denominou de Looney Toones.

Desde 1929 a Warner estava interessada em desenvolver uma série de desenhos animados musicais para promover a venda de suas partituras e discos (ela havia adquirido a Brunswick Records e quatro editoras de partituras). A dupla Harman-Ising fez Sinkin’ in the Bathtub em 1930 e o cartum aprovou. Harman assumiu a direção da Looney Tunes e Ising encarregou-se de uma série semelhante, Merry Melodies.

Os dois animadores romperam os laços com Schlesinger em 1933 por questão de dinheiro e, depois de uma estadia no estúdio de Van Beuren, onde produziram a série Cubby Bear, foram para MGM. Eles ficaram com os direitos de explorar o personagem Bosko e, a partir de 1934, estrearam com ele uma nova série para a “Marca do Leão”, intitulada Happy Harmonies. Bosko usava calças compridas e um chapéuzinho e tinha uma namorada chamada Honey e um cãozinho, que atendia pelo nome de Bruno. Embora Harman e Ising tivessem se inspirado nos traços do Gato Felix, Bosko ganhou sua personalidade dos personagens de cara pintada de preto dos espetáculos de menestréis e de vaudeville muito populares nos anos trinta. Harman e Ising fizeram de Bosko, um garoto negro genuíno. Seus cartuns eram marcados pela fraqueza dos diálogos e abundância de música, canto e dança; mas, em termos de animação, eles se igualavam aos desenhos animados de Disney no mesmo período.

Schlesinger, por sua vez, continuou produzindo as séries Merry Melodies e Looney Tunes para a Warner, introduzindo um substituto para Bosko, chamado Buddy, cujos desenhos animados também passaram no Brasil. Porém o maior astro da série, Porky Pig (Gaguinho) surgiu, juntamente como outro personagem, Beans the Cat, no desenho Haven’t Got a Hat, da série Merry Melodies, dirigido por Fritz Freleng. Beans the Cat depois desapareceu por causa da sua decrescente popularidade e Porky se firmou como a maior atração da série. Posteriormente, apareceram: Daffy Duck (Patolino), Elmer Fudd (Hortelino Troca-Letra), Sylvester (Frajola), Tweety (Piu-Piu), Marvin (Marvin, o Marciano), Coyote (Coyote), Road Runner (Papa-Léguas), Foghorn Leghorn (Frangolino) Speedy Gonzales (Ligeirinho), Taz (O Demônio da Tasmânia), Yosemite Sam (Eufrasino Puxa-Briga) etc. e o mais célebre da série Looney Tunes: Bugs Bunny, o Coelho Pernalonga. Estes títulos em português dos personagens correspondem à exibição na TV. Nos cinemas, se não me engano, os nomes vinham no original em inglês.

Buggs Bunny foi, sem dúvida, um dos personagens de cartum mais populares da História da Animação. O coelho sorridente de orelhas compridas, que vivia mastigando cenouras ruidosamente e pronunciava, com sotaque do Brooklyn, a frase famosa “What’s up, Doc”, estrelou 150 desenhos animados durante os seus 25 anos de existência nas telas. Bugs apareceu pela primeira vez como um “coelho sem nome” em Porky’s Hare Hunt (1938). Tex Avery dirigiu o primeiro desenho animado oficial de Bugs Bunny, A Wild Hare. Mel Blanc ajudou a imortalizar, com sua voz, o célebre personagem. Apelidado de “O Homem das Mil Vozes”, ele se notabilizou por ter feito a voz de vários personagens dos cartuns além do Pica-Pau e do Pernalonga. Os dubladores não eram creditados nos letreiros de apresentação do filme, mas Blanc foi uma exceção: seu contrato estipulava que deveria sair na tela um crédito dizendo: “Voice characterization by Mel Blanc”.

Um outro personagem cujos cartoons tiveram boa acolhida no Brasil nos anos 30 foi Scrappy, produzido pela Columbia. O desenhista Dick Huemer criou este menino com olhos de botão e seu cãozinho fiel, Yippy. Quando Huemer deixou de fazer a série em 1933, para ingressar no Walt Disney Stuidos, Art Davis e Sid Marcus, que escreviam a maioria das histórias, continuaram a produção. Aqui entre nós, Scrappy era chamado de Chiquinho.

Não podemos esquecer de Tex Avery, que prestou relevantes serviços para a Warner Bros. e para a MGM. Avery começou sua carreira no estúdio de Walter Lantz, trabalhando na maioria dos cartuns de Oswald the Lucky Rabbitt de 1931 a 1935. Durante uma brincadeira no estúdio um clipe para papel voou para o olho esquerdo de Avery, cegando-o.

Avery emigrou para o estúdio de Leon Schlesinger em 1935 e o convenceu a lhe entregar a chefia de sua própria unidade de produção com a liberdade de criar cartuns como ele queria que fossem feitos. Avery e seus colaboradores Bob Clampett e Chuck Jones, instalaram-se num bangalô da Warner em Sunset Boulevard, que foi apelidado de “Termite Terrace”, devido a existência no local de uma significativa população de cupins. Avery, com a colaboração de Clampett, Jones e um novo animador, Frank Tashlin, lançaram as bases de um estilo de animação que destronou o estúdio de Walt Disney como os reis do desenho animado e criou uma legião de astros do cartum, cujos nomes brilham em todas as telas do mundo até hoje.

Em 1942, Avery estava empregado na MGM, trabalhando na sua divisão de animação sob a supervisão de Fred Quimby. Avery achava que Schlesinger o sufocava. Na MGM a criatividade de Avery atingiu o auge. Seus desenhos animados tornaram-se conhecidos por sua loucura total, ritmo frenético e um pendor para brincar com o meio da animação e do filme em geral. A MGM ofereceu-lhe orçamentos mais generosos e uma qualidade de produção mais alta que o estúdio da Warner. O personagem mais famoso que Avery criou para a MGM foi Droopy, um cachorrinho calmo que se movia lentamente e sempre saia ganhando no final. Avery criou também uma série de cartuns maliciosos como A Sedutora Menina do Chapeuzinho Vermelho / Red Hot Riding Hood, estrelado por uma personagem feminina bastante sensual e outros personagens como o Screwy Squirrell e aqueles outros dois, inspirados na dupla da novela de John Steinbeck, Of Mice and Men, George e Junior.

Vou terminar esse breve retrospecto dos grandes desenhos animados da era clássica, lembrando a série de desenhos animados de Tom e Jerry, criada pela dupla William Hanna- Joseph Barbera para a MGM. O cartum focalizava a rivalidade interminável entre um gato (Tom) e um rato (Jerry), mostrando gags violentos comicamente. As tramas se baseavam nas tentativas frustradas de Tom capturar Jerry, utilizando diversas armadilhas e truques, que eram frustrados pela esperteza do ratinho, por sua própria estupidez ou pela intervenção inesperada do buldogue Spike ou de Butch, o gato preto rival de Tom.

A dupla felino-roedora, se é que podemos denominá-la assim, surgiu em Um Bichano em Maus Lençóis / Puss Gets the Boot de 1940. Neste cartum, Tom chamava-se Jasper e Jerry era Jinks. A música desempenhava um papel importante nas aventuras de Tom e Jerry, enfatizando a ação, proporcionando efeitos sonoros e dando emoção às cenas. O diretor musical Scott Bradley criou scores combinando elementos de jazz, música clássica e popular.

O produtor Fred Quimby, responsável pelos cartuns da MGM, ganhou sete Oscar de Melhor Desenho Animado Curto: Rato Patriota / Yankee Doodle Mouse / 1943; Caça ao Rato / Mouse Trouble / 1944; Silêncio! / Quiet Please / 1945; O Concerto do Gato ou Concertista Desconcertado / The Cat Concert / 1946; Os Dois Mosqueteiros / Two Mouseketeers / 1951; Ratinho Valsante / Johann Mouse / 1952. Hannah e Barbera escreveram e dirigiram 114 desenhos animados de Tom e Jerry entre 1940 e 1958 e Quimby se aposentou em 1955; daí em diante até 1967, eles foram produzidos, sob os auspícios da MGM, por Gene Deitch no seu estúdio Rembrandt Films e depois por Chuck Jones na Sib Tower 12 Productions.

Além de participar nos desenhos animados curtos, Tom e Jerry apareceram em seqüências de ação ao vivo em dois musicais da MGM: Marujos do Amor / Anchors Aweigh / 1944 (somente Jerry, dançando com Gene Kelly) e Salve a Campeã / Dangerous When Wet / 1953 (ambos nadando com Esther Williams). Antes da série de Hannah-Barbera, houve uma outra, com o mesmo título, Tom and Jerry, produzida por Van Beuren e desenvolvida por John Foster, totalizando 27 filmes distribuídos pela RKO Radio Pictures, mas que não tinha nenhuma relação com os personagens inesquecíveis da MGM.

AC

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