Arquivo mensais:setembro 2010

AKIRA KUROSAWA

Clássico na forma e romântico na essência, Akira Kurosawa (1910 – 1998) é um cineasta eclético, passando dos dramas históricos de samurais às adaptações da literatura ou à crítica da sociedade contemporânea, sem que isto, no entanto, signifique ausência de uma temática constante. “Todos os meus filmes têm uma coisa em comum: por que os homens não podem mais serem felizes juntos?”.

Na sua obra densa, onde se conjugam a alma japonesa e os valores universais, o ideal humanista está subordinado à Beleza que jorra em imagens esplêndidas, criadas com notável senso plástico, exímia e espantosamente simples mise-en-scène, noção rigorosa de montagem e a audácia de um sábio contador de histórias.

Akira Kurosawa nasceu em Tóquio, filho de um militar que logo se desligou do Exército, tornando-se professor de educação física. Durante o curso primário, foi aluno de Tachikawa, pioneiro no ensino de arte para crianças, e começou a se interessar pela pintura. Ao completar os estudos secundários, matriculou-se na Escola Doshusha de Belas-Artes, orientada por padrões ocidentais. Embora demonstrando seu talento, teve que trabalhar para se sustentar, ilustrando revistas femininas.

Depois de Tachikawa, Kurosawa sofreu influência do irmão, Heigo, que exercia a função de benshi, narrador-comentarista usado habitualmente nos cinemas japoneses durante a época da cena muda. Heigo levava o irmão mais moço para ver filmes e conversava muito com ele sobre literatura. Em 1935, Heigo suicidou-se por motivos ignorados.

Um ano depois, Kurosawa respondeu a um anúncio da Photo Chemical Laboratories (PCL), que desejava testar candidatos para assistência de direção. “O anúncio pedia que os candidatos enviassem um ensaio por escrito, apontando os defeitos básicos dos filmes japoneses e como poderiam ser corrigidos. Pensei com os meus botões: se o defeito é básico, como corrigi-lo? Mas escrevi algo, e remetí ao estúdio. Cerca de quinhentas pessoas compareceram. Mostraram-nos um recorte de jornal sobre um operário que se apaixonara por uma dançarina e nos mandaram fazer um tratamento cinematográfico do fato”.

Recomendado pelo consagrado diretor Kajiro Yamamoto, seu examinador nas provas orais, Kurosawa foi admitido na PCL e ali, com ele, aprendeu o oficio de cineasta. “Nas várias crises da minha vida, havia sempre alguém – Tachikawa, meu irmão, Yamamoto -para me ajudar, me ensinar, me empurrar para a frente”. Além de servir como assistente de direção de Yamamoto, Kurosawa escreveu roteiros para outros diretores e, finalmente, em 1943, passou à direção, realizando seu primeiro filme, Sanshiro Sugata.

Nesta homenagem ao grande cineasta, com a devida vênia, vou lembrar apenas 12 filmes dele, que são os meus preferidos.

O primeiro filme que quero destacar é uma produção de 1949, Cão Danado / Nora- Inu, cuja história se baseia num fato que realmente aconteceu. Kurosawa escreveu um romance a respeito (“Gosto muito de Georges Simenon e queria fazer algo à sua maneira”) e depois adaptou-o para a tela.

Num dia de calor intenso, o jovem policial, Murakami (Toshiro Mifune), ao descer de um bonde superlotado, percebe que seu revolver foi furtado. Ele pede demissão, mas seu superior lhe dá a chance de recuperar a arma. Murakami sai à procura do ladrão pelo submundo de Tóquio, ajudado pelo seu colega mais velho, Comissário Sato (Takashi Shimura). Eles suspeitam de uma mulher que estava no bonde, a dançarina Harumi (Keiko  Awaji). Ela nega a autoria do furto, porém lhes dá uma pista para identificar o criminoso, que foge, depois de ter ferido Sato. Inebriado pelo desejo de vingança, Murakami chega finalmente ao esconderijo do malfeitor, Yusa (Isao (Ko) Kimura) e, embora ferido, após uma perseguição pelos pântanos, consegue algemá-lo. Yusa é um pobre homem, lastimável, que se parece com Murakami, mas não teve a mesma oportunidade que ele na vida. Neste momento o policial descobre que o bandido não é um monstro, mas um ser humano, um irmão.

A confusão proposital entre o policial e o ladrão enriquece o filme. Murakami confessa um dia a Sato que ele compreende o gesto do ladrão: ser policial ou fora-da-lei, tudo é uma questão de meio, de destino. Ele diz para Sato: “Não há gente má no mundo. Apenas ambientes maus”. Murakami compreende que Yusa é, como ele, uma vítima da guerra e da derrota.Yuza caiu numa espiral de violência (“Cão perdido torna-se cão danado”, diz o comissário Sato a propósito do ladrão). Na excelente perseguição final em plena natureza, os dois homens lutam num campo florido. O policial consegue colocar as algemas no assassino e os dois homens caem extenuados na relva, numa atitude perfeitamente simétrica.

O filme pode ser lido como uma descida ao inferno de um homem à procura de seu alter ego “mau”. Quando Murakami perde a pistola, ele perde a sua identidade. Sem a arma, fica sem nada, perde sua posição, seu lugar na sociedade. Passa a ser um cão perdido. Depois que um primeiro assassinato é cometido com sua arma, sua busca passa a ser uma obsessão e ele se transforma, tal como o ladrão, num cão danado.

Entretanto, Cão Danado é mais do que um filme policial. Ele é um filme neo-realista, totalmente em sintonia com a sua época e com a situação do Japão no pós-guerra, quando ocorreu a adoção de novos costumes (as mulheres se vestem à moda européia e dançam ao som do boogie-woogie, as partidas de basebal causam furor) e a formação de uma nova sociedade (a juventude desencaminhada, confundindo o Bem com o Mal, entregando-se ao pessimismo).

A investigação de Murakami o obriga a penetrar nos bairros mais pobres, onde se alastra o mercado negro e os pequenos tráficos, que permitem a sobrevivência de um grande número de miseráveis. Este ambiente é retratado num estilo semi-documentário parecido com o de Cidade Nua / Naked City / 1948 de Jules Dassin, (que teria servido de modelo para o diretor) e, como não podia deixar de ser num filme de Kurosawa, .impregnado de um profundo humanismo.

Premiado com o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1951 e com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro, Rashomon /Rashomon / 1950 projetou o cinema japonês para o mundo, revelando internacionalmente o talento de seu diretor.

No século XI, em Kyoto, três homens – um sacerdote budista (Minoru Chiari), um lenhador (Takashi Shimura) e um servo (Kichijiro Udea) – se abrigam da chuva torrencial sob o pórtico de um templo em ruínas. Ao servo, cínico e perspicaz, os outros dois narram uma história de um crime ocorrido três dias antes na floresta próxima, envolvendo o samurai Takehiro (Masayauki Mori), sua mulher, Masago (Machiko Kyo) e o bandido Tajomaru (Toshiro Mifune). Os retrospectos evocam os quatro depoimentos, o do bandido, o da mulher, o do marido morto (por meio de um médium) e o do lenhador, testemunha ocular do fato, prestados diante de um tribunal, que jamais é visto. As quatro versões são diferentes umas das outras, e a verdade não vem a tona.

Ao findar o relato, o sacerdote sente sua fé abalada por acontecimentos tão cruéis e pela acumulação de tantas mentiras, e vê com aflição um gesto de cupidez por parte do servo, que se apodera dos agasalhos de uma criança abandonada. Somente o remorso do lenhador – por ter cometido um furto no momento do crime – e sua decisão de adotar a criança, salvam o sacerdote do desespêro total, e fazem com que ele se reconcilie com a humanidade.

O título mesmo de Rashomon (“A Porta dos Demônios”), nos indica a verdadeira intenção do autor do filme: o drama essencial se passa sob o Pórtico, onde se confrontam o sacerdote, o lenhador e o servo, a fé e o espírito de negação. O drama da floresta não é senão a ilustração ou o pretexto deste debate, no qual um fala em nome da humanidade e o outro faz uma escolha definitiva contra ela.

Partindo de dois contos do escritor Ryunosuke Akutagawa, Kurosawa criou sua primeira obra-prima. O tema, segundo o diretor, é a incapacidade do ser humano de falar sobre si mesmo com total honestidade. O roteiro retrata aqueles que não podem sobreviver sem mentiras, para fazê-los sentir que são pessoas melhores do que realmente são. As mentiras de cada um nascem da recusa de se aceitar a si mesmo, com suas covardias e mesquinharias, sobretudo no que concerne à mulher – de um desejo inconfessado, mais ou menos consciente, de autopunição. A grande particularidade de Rashomon foi revelar a personalidade de seus protagonistas, não pelas suas ações, mas pelas suas mentiras.

Meditação patética, tensa e vertiginosa sobre esses estranhos impulsos do coração humano, expressa através de um jogo elaborado de luz e sombras e de um arsenal simbólico, o filme é plasticamente excepcional. O estilo visual – com suas brilhantes composições triangulares – inspirou-se na técnica do cinema silencioso. Numa entrevista o cineasta explicou: “Gosto dos filmes mudos, sempre gostei. Eles geralmente são mais belos do que os falados…Tentei restaurar um pouco dessa beleza”.

O Idiota / Hakuchi / 1952 é uma adaptação modernizada do romance de Dostoievsky, transferindo o ambiente de São Petersburgo do século XIX para a ilha de Hokkaido no norte do Japão no século XX.

O Príncipe Myshkin do romance é transformado num ex-soldado da Segunda Guerra Mundial de nome Kameda (Masayuki Mori), sujeito a crises de epilepsia, que escapou de ser fuzilado e passa a ter como filosofia de vida a bondade e a compaixão, dedicando-se à salvação da pecadora Taeko (Nastasyia Filippovna / Setsuko Hara), que é amada pelo bruto e obsessivo Akama (Rogozhin / Toshiro Mifune). Desvairado pelo ciúme, Akama mata Taeko e, num desenlace diferente do livro, ele e Kameda ficam loucos.

Kurosawa declarou: “Desde a juventude tinha o gosto pela literatura russa, especialmente por esse romance. Sempre pensei que daria um filme maravilhoso. Dostoievsky ainda é meu autor predileto e quem escreve mais honestamente sobre a existência humana …Acho que fui bem sucedido ao fazer o que eu queria. Distorcí o romance certamente, mas creio que coloquei mais de mim neste filme do que em qualquer outro”. A nosso ver, apesar das modificações e dos cortes sofridos (o filme tinha 4.25hs. e foi reduzido a 2.46hs.), Kurosawa manteve o espírito do romance do célebre escritor russo.

O filme de Kurosawa acrescentou um elemento visual à obra de Dostoievksy: a paisagem. O elemento exterior é o reflexo da alma dos personagens. A neve, por exemplo, não somente dá ao espetáculo uma tonalidade estranha, quase irreal, oscilando entre onirismo e realidade, como também revela o estado d’alma daquelas criaturas atormentadas. Porém o estilo fotográfico empregado pelo diretor é discreto (branco e cinza e uma luz suave e difusa), nada parecido com a maneira turbulenta, mais estilizada (com seus contrastes de branco e preto e luz solar brilhante) de seus trabalhos anteriores Cão Danado e Rashomon.

Masayuki Mori fez bem o papel do “idiota” mas, na minha opinião, não sobrepujou a magnífica atuação de Gerard Philipe na versão de Georges Lampin, realizada cinco anos antes, assim como o desempenho de Setsuko Hara não pode ser comparado com o da eletrizante Filippovna de Edwige Feuillère. Interpretações do mesmo nível são as de Toshiro Mifune e Lucien Coëdel, o Rogozhin do filme francês.

Em Viver / Ikiru / 1952, Kanji Watanabe (Takashi Shimura), velho burocrata, chefe do Departamento de Assistência Social da prefeitura de uma cidade do interior, fica sabendo que está com câncer e tem apenas alguns meses de vida. Viúvo e morando com o filho casado, que o trata com frieza, ele de repente toma consciência de sua solidão e da inutilidade de sua existência.  No começo, falta ao emprego, entrega-se à bebida e aos prazeres mundanos. Depois, animado por uma jovem colega de repartição (Miki Odagiri), que abandonara a papelada inútil para trabalhar numa fábrica de brinquedos, retorna à seção para realizar algo de útil. Remexendo papéis, encontra um requerimento pedindo a construção de um parque infantil em um local insalubre. Superando todos os empecilhos, consegue completar o projeto e morre no dia da inauguração.

O filme se divide em duas partes: na primeira, um narrador explica que o protagonista foi vitimado pela doença e em seguida vemos o desenrolar dos acontecimentos até a decisão de Watanabe de consagrar seus últimos dias, especialmente às crianças, utilizando enfim o seu cargo para realizar alguma coisa. A segunda parte continua cinco anos mais tarde, após a morte de Watanabe, por ocasião da cerimônia fúnebre que reúne sua família e seus colegas. No curso de retrospectos sucessivos, as circunstâncias de sua morte e os detalhes de seu último combate contra o imobilismo da administração e as lutas entre os diversos serviços do município são revelados. Agora, completamente a par das motivações de Watanabe – a proximidade de sua morte, suas frustrações e a futilidade de sua vida -, nós podemos ver como sua ação é mal interpretada por quase todos que viviam em torno dele.

Kurosawa faz uma penetrante crítica social e um perfeito estudo da inquietude humana. É uma denúncia da hipocrisia no Japão do pós-guerra e sua burocracia e conclui mostrando como um ato significativo pode superar o vazio de uma existência.

A cena que mais me impressionou foi quando Watanabe (interpretado magnificamente por Takashi Shimura) senta num balanço e, debaixo da neve que cai, contempla amorosamente o parque recentemente construído. Em paz consigo mesmo e com o mundo, ele começa a entoar uma canção. É um momento tocante, difícil de conter as lágrimas mesmo sabendo que o personagem está feliz.

Os Sete Samurais / Schinin no Samurai / 1954 é incontestavelmente o filme mais conhecido de Kurosawa, sucesso comercial e de crítica, tendo inclusive causado uma refilmagem americana, Sete Homens e um Destino / The Magnificent Seven em 1960, dirigida por John Sturges.

No Japão do século XVI, época bem tormentosa da história desse país, bandidos pilham e dizimam aldeias. Cansados dessa devastação e seguindo o conselho de seu patriarca, os habitantes de uma pequena vila resolvem enviar emissários à cidade, a fim de contratarem samurais para a defesa. Momentaneamente sem recursos, seis samurais aceitam a missão, em troca de alimentação e hospedagem: Kambei (Takashi Shimura), Kyuzo (Seiji Miyaguchi), Heihachi (Minoru Chiaki), Gorobei (Yoshio Inaba), Katsushiro (Ko Kimura), e Shiichiroji (Daisuke Kato). A eles se junta o impetuoso Kikuchiyo (Toshiro Mifune), um camponês meio maluquinho, cuja família fora exterminada e por isso deseja se vingar.  Ele se torna o sétimo samurai da milícia. Após vários ataques, os bandidos são derrotados e enquanto se reinicia a colheita do arroz os três samurais sobreviventes partem com um certo amargor com relação ao seu destino de cavaleiros andantes e um pouco de nostalgia por aquela vida sedentária e pacífica. “Os samurais passam sobre a terra como o vento, mas a terra permanece e os lavradores trabalharão nela para sempre”.

É uma crônica histórica, animada por um sopro épico e um compasso nervoso. A ação, pontuada de gritos agudos e de golpes de sabre, não fica devendo nada ao ritmo dos westerns americanos (Kurosawa adorava John Ford, sua primordial influência como realizador de filmes) e, através dela, o cineasta envia uma mensagem moral e traça o caráter psicológico dos homens.

O espetáculo faz igualmente uma análise sutil das classes sociais. Desde a chegada dos samurais à aldeia, surge um paradoxo: os camponeses têm uma admiração, uma gratidão e um respeito profundos pelos guerreiros: porém eles não podem deixar de desconfiar deles.

Tem uma cena na qual os samurais estão refletindo sobre a melhor maneira de preparar a defesa da aldeia, quando chegam alguns camponeses, oferecendo-lhes armas. A gente percebe logo que elas foram roubadas de samurais mortos. “E nós que estamos aqui para defender esses assassinos! Seria melhor matá-los!”, exclama um samurai. Kikichyo toma a palavra e faz um discurso em favor dos camponeses: “Quando eles sentem que vai haver uma batalha, esses animais velhacos e desleais se põem a caçar os feridos e os vencidos!… Mas quem os transformou em animais? Vocês todos, malditos samurais! Cada vez que vocês combatem, vocês queimam as aldeias, destroem as colheitas, levam os alimentos, violam as mulheres e fazem dos homens seus escravos!”    Para salvar a aldeia é preciso superar esta “incompatibilidade social”. Por força das  circunstâncias ocorre uma aproximação. Os camponeses aprendem a conhecer melhor os samurais e estes começam a medir todo o peso do sofrimento contido em cada grão de arroz.  As cenas finais de combate na chuva e na lama, filmadas simultaneamente por diversas câmeras, estão entre as mais sensacionais da História do Cinema.

Em Trono Manchado de Sangue / Kumonosu-jo / 1957 Kurosawa faz uma transposição da peça Macbeth de Shakespeare para o Japão da Idade Média com algumas alterações do original.  Macbeth se transforma no General Washizu (Toshiro Mifune). Este, voltando vitorioso de um combate com seu companheiro de armas Miki (o Banquo de Shakespeare encarnado por Minoru Chiaki), perdem-se na floresta. Ali encontram um espírito feminino espectral, que profetiza para Washizu uma ascenção rápida ao poder e a Miki, uma glória mais lenta, porém mais durável: seus filhos prevalecerão no trono. Instigado pela mulher, Asaji (Isuzu Yamada), a quem contou a predição, Washizu assassina o soberano e ocupa seu lugar. Miki, será a segunda vítima e, numa segunda visita à feiticeira, esta diz a Washizu que ele será invencível enquanto a floresta não se mover. O filho de Miki ataca o castelo, camuflando os guerreiros com pedaços de árvores da floresta e Washizu e Asaji perdem suas vidas.

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Realizado nos moldes do teatro japonês clássico, com despojamento cenográfico e interpretações grandiloquentes, o filme nos faz descobrir Macbeth como qualquer coisa de novo. Em vez da lenta desintegração de um homem e uma mulher pelo remorso temos um conto filosófico sobre o Destino, tema que Kurosawa valoriza por meio de imagens admiráveis como, por exemplo, a vertiginosa corrida a cavalo na floresta, transformada em labirinto; as cenas de batalha; a cena do entêrro imponente do soberano e a morte de Washizu crivado de flechas.

O discurso do fantasma da floresta na seqüência de abertura, indica claramente a mensagem poética de Kurosawa. “A vida das flores é curta: só dura um instante. Elas acabam por murchar e morrer e depois apodrecem sobre a terra. Porém os homens refutam esta condição. Desde o seu nascimento, eles são prisioneiros de suas paixões, eles queimam sua vida imoderadamente nas chamas dos cinco Desejos. Eles acumulam seus pecados, aumentando seus sofrimentos. E quando eles morrem o seu corpo apodrece. E sobre esta podridão vão crescer as flores. É assim que o odor da podridão se transforma em delicada fragrância”.

Transferindo o ambiente da peça de Gorki da Rússia Imperial para o Japão (então chamado Edo) nos meados do século XIX, Kurosawa nos dá em Ralé / Donzoko / 1957, uma versão mais claustrofóbica do que a de Jean Renoir (Basfonds / Les Basfond / 1936) e, com realismo cruel, explora os desejos e motivações do ser humano numa patética descida aos infernos.

Num imenso e sujo galpão de madeira, de propriedade de um casal de cínicos usurários Rokubei e Osugi (Ganjiro Nakamura, Isuzu Yamada), amontoa-se um pequeno grupo de marginalizados, entre eles: um jogador amoral, Yoshisaburo (Koji Mitsui); um ladrão, Sutekichi (Toshiro Mifune), que é amante de Osugi e apaixonado pela irmã desta, Okayo (Kyoko Kagawa); uma prostituta, Osen (Akemi Negishi); um ator alcoólatra (Kamatari Fujiwara); um pretenso samurai (Minoru Chiaki); um artesão desempregado (Eijiro Tono) e uma velha moribunda (Eiko Miyoshi). No meio dessas “criaturas que uma vez já foram homens”, surge um suposto peregrino, Kahei (Bokuzen Hidari), que irradia a sabedoria e a bondade e depois parte misteriosamente, tal como chegara.

O filme de Kurosawa é uma adaptação bastante fiel da peça de Maximo Gorki. O texto original é respeitado na maior parte do tempo, com pequenas abreviações para evitar uma duração muito longa do espetáculo. O filme mantém inclusive a estrutura de quatro atos da peça com escurecimentos usados para marcar o final de cada ato. O diretor preservou o espaço cênico restrito do albergue mas com inventividade cinematográfica conseguiu evitar o teatro filmado e espelhar a face trágica da miséria. Há uma grande variedade técnica no uso dos enquadramentos, angulações, composições e cortes rápidos bem como um admirável jôgo de luz e sombra na soberba fotografia em preto e branco.

Os personagens passam o seu tempo ansiando por uma fuga – por uma indefinida, distante “vida melhor” – ou então, zombando dessa fuga como sendo fútil e ilusória. Os únicos meios de escapar daquele buraco sórdido são a morte (por doença, assassinato ou suicídio) ou pelo crime (que leva a um outro confinamento na prisão). As principais vias de fuga da realidade brutal de suas vidas são o álcool e a diversão.

A última cena, na qual os inquilinos bebem saquê e cantam fazendo um coro cômico (muito popular no período Edo chamado de bakabayashi – literalmente, orquestra de “loucos”), termina abruptamente com a notícia do suicídio do ator. “Idiota”, resmunga o jogador num aparte para a platéia. “Ele fez isso para estragar nosso prazer”.

A Fortaleza Escondida / Kakushi No Toride San-Akunin / 1958 é um belo filme de aventuras picaresco, abordando um tema popular como se fosse um western oriental.

Durante uma guerra civil na Idade Média, a família do Príncipe Akizuki é quase inteiramente exterminada. A dedicação do General Rokurota (Toshiro Mifune) salva a jovem Princesa Yukihime (Misa Uehara), levando-a, juntamente com um punhado de ouro, para uma fortaleza escondida em uma região de difícil acesso. Dois vagabundos (Minoru Chiaki, Kamatari Fujiwara) encontram na estrada indícios da passagem da Princesa e a cobiça pelo prêmio da captura faz com que eles se juntem aos fugitivos.

Todo o filme consiste afinal em uma prova de iniciação diante da tarefa de salvar o tesouro dos Akizuki. A odisséia da princesa tem duas motivações: sobreviver e forjar um caráter de soberana, para refundir o clã. Após as várias peripécias pelas quais passou e prestes a ser executada pelos inimigos, a jovem Yukihime, desabafa: “Eu estou muito feliz. Uma felicidade que nunca tive no palácio. Eu vi o povo tal como ele é. Ví sua beleza e sua feiúra com meus próprios olhos”. É o tema – eminentemente Kurosawaniano – da sabedoria adquirida pela experiência.

As proezas formais de Kurosawa evidenciam-se desde os primeiros momentos do filme, quando assistimos a uma extraordinária cena de multidão. O diretor faz o espectador mergulhar numa coreografia assustadora, na qual os corpos são reduzidos a simples formigas enlouquecidas, atropelando tudo após sua passagem, para depois morrerem alguns metros adiante. A força visual do filme é reforçada pela utilização inspirada do CinemaScope (na versão japonesa Tohoscope), um processo ainda revolucionário na época.

No desenrolar da trama, encontramos em contraponto ao heroísmo guerreiro de Rokurota a delicadeza selvagem da princesa e a tolice divertida dos dois vagabundos, que serviram de modelo para George Lucas na criação de seus dois simpáticos robôs de Guerra nas Estrelas.

Com sua evidente riqueza plástica e ludismo, A Fortaleza Escondida é um entretenimento leve e acessível a qualquer público, que se insinuou entre os seus outros filmes mais sombrios e sofisticados.  Como disse o cineasta numa entrevista: “Nada de teorias complicadas; só quis fazer um filme que fosse cem por cento divertido com suspense e humor… O relato foi se estruturando assim: cada manhã eu propunha uma situação que deixava o samurai e a princesa sem saída.  Então, os outros três roteiristas faziam esforços desesperados para encontrarem uma saída para essa situação, como se fossem eles mesmos que deveriam escapar”.

Para inaugurar sua própria companhia produtora, Kurosawa quis fazer um filme que tivesse signficação social e escolheu como tema a corrupção nas altas camadas da sociedade japonesa. Embora nunca tivesse admitido isso, alguns críticos vislumbram em Homem Mau Dorme Bem / Warui Yatsu Hodo Yoku Nemuru / 1960, paralelos entre certos personagens do espetáculo cinematográfico e os da tragédia Hamlet de Shakespeare.

Pretendendo vingar a morte do pai, o jovem Koichi Nishi (Toshiro Mifune) assume outra identidade e se emprega numa poderosa empresa pública do setor da habitação, terminando por casar-se com Kieko (Kyoko Kagawa), filha aleijada de Iwabuchi (Masayauki Mori), o presidente da firma, responsável direto pelo crime. Enquanto isso, está em andamento um inquérito policial sobre corrupção, envolvendo uma construtora e a organização do governo. Os executivos ficam preocupados e um deles é forçado a cometer suicídio por seus superiores. Com o fim de reunir provas contra os criminosos, Nishi salva o contador Wada (Kamatari Fujiwara) e rapta o vice-presidente Moriyama (Takashi Shimura). Porém o sogro providencia seu assassínio e o de Wada, depois de convencer a filha de sua dignidade.

A muito celebrada cena de abertura do filme é a de um casamento, que pressagia os acontecimentos que vão se desenrolar. O enorme bolo nupcial chega e provoca exclamações de horror: é uma réplica de um prédio de escritórios, igual ao da corporação cujo presidente é o pai da noiva, mas tem uma flor vermelha, dependurada para fora da janela do sétimo andar, referência repulsiva a um empregado que se jogou dali.  Não há dúvida de que esta cena nos faz lembrar da pantomima encomendada por Hamlet aos atores na cena II, Ato III da tragédia Shakespereana. Nishi está por trás do macabro bolo de noiva, um dos passos no seu plano para se infiltrar e destruir a corporação, que fizera seu pai se suicidar, pulando pela janela.

O filme segue seus esforços metódicos e o retrata como uma espécie de modelo irônico do estereotipado, super eficiente e devotado trabalhador japonês. O motivo ostensivo do noivo é a vingança pessoal, porém Kurosawa lhe dá um propósito social mais amplo, mostrando que ele quer também punir os homens que espoliam e esmagam as pessoas incapazes de resistir. Entretanto, Nishi está realmente apaixonado pela filha de seu inimigo e, por outro lado, não consegue chegar aos extremos de imoralidade que Kurosawa aponta como o modus operandi da corporação. Embora tivesse sido capaz de transformar um elemento importante da organização em um fantasma ambulante, Nishi hesita em cometer a violência de empurrar um outro pela janela. “Eu não odeio o suficiente”, ele lamenta.

No enredo de Céu e Inferno / Tengoku to Jigoku / 1963, Kingo Gondo (Toshiro Mifune), está prestes a dar um lance para obter o controle da fábrica de sapatos onde trabalha desde os dezesseis anos, quando recebe a noticia de que seu filho foi seqüestrado. O criminoso exige uma quantia exorbitante. Pouco depois, o menino aparece; o filho do motorista de Gondo é quem realmente fora seqüestrado. Gondo fica num dilema angustioso: atender a exigência pedida e perder a chance de realizar o seu sonho ou viver em paz com a sua consciência. Gondo decide pagar o resgate que deverá ser jogado pela janela de um trem super-rápido japonês. Depois disso, o Inspetor Tokuro (Tatsuya Nakadai) segue a pista do sequestrador. No final, descobre que ele é o estudante de medicina Ginji Takeuchi (Tsutomu Yamazaki). Na prisão, Genji fica frente a frente com Gondo e explode de cólera, de ódio, de impotência e denuncia a riqueza insultante do industrial. Gondo pergunta a Ginji: “Por que devemos nos odiar tanto?”. E vem a resposta: “Meu quarto era tão frio no inverno e tão quente no verão, eu não conseguia dormir. Daquele quarto minúsculo tua casa parecia um Paraíso. No momento em que olhei para ela, comecei a te odiar”.

Partindo de uma novela policial do norte-americano Ed McBain, Kurosawa procura analisar o mundo capitalista japonês e as diferenças sociais, o contraste entre a vida da alta burguesia (o “céu”, a mansão do próspero industrial) e a da favela (o “inferno”, onde mora o sequestrador), fazendo o seu julgamento moral; mas sem desprezar o dinamismo do thriller.

Podemos dividir o filme claramente em dois blocos distintos. Um primeiro segmento situado inteiramente entre quatro paredes da casa luxuosa de Gondo no alto de uma colina e o segundo, mais ambulante, mais nervoso, quando Kurosawa se consagra à descrição metódica da investigação conduzida pelos policiais no submundo de Yokohama.  Ligando as duas partes, ocorre o episódio tenso e frenético no trem, filmado com câmera na mão e em tempo real, a seqüência mais fascinante do espetáculo.

Depois dos momentos difíceis que Kurosawa enfrentou após o fracasso comercial de Dodesukaden / Dodesukaden / 1970 (incluindo uma tentativa de suicido), ele aceitou o convite de Serguei Guerassimov para rodar na União Soviética o seu novo filme, Dersu Uzala / Derusu Usara / 1975, baseado em dois livros de viagem de Vladimir Arseniev, militar e geógrafo do exército do Tsar.

No curso de uma investigação topográfica nos confins entre a Sibéria e a China em 1902, um destacamento comandado pelo Capitão Arseniev (Yuri Solomin) encontra um velho caçador mongol, Dersu Uzala (Maksin Munzuk), que concorda em servir como guia da expedição. A curiosidade dos brancos transforma-se gradativamente em respeito pelo velho, que estabelece profunda relação de amizade com o capitão, mas recusa acompanhá-lo quando o destacamento deixa a floresta. Cinco anos depois, Arseniev retorna com outro destacamento e é com grande alegria que reencontra Dersu. Fica apreensivo ao descobrir que o amigo já não dispõe da mesma agilidade e consegue levá-lo para sua casa ao término da investigação. A tristeza do velho faz com que Arseniev o devolva à sua floresta, vindo a saber mais tarde que Dersu foi morto por um bandido que queria se apossar de sua arma.

Neste filme profundamente humanista, Kurosawa manifesta seu amor pelo homem e pela natureza. É um filme “ecológico”, que nos alerta contra a destruição de nosso meio natural. O diretor declarou: “A relação entre o ser humano e a natureza vai de mal a pior…Eu gostaria que o mundo inteiro conhecesse esse personagem russo- asiático que vive em harmonia com a natureza …Temos muito que aprender com Dersu”.

Com a ajuda da tela larga, da cor e de seu cinegrafista A. Nakai, o grande cineasta filmou paisagens admiráveis das estepes e das florestas, colocando um olhar cheio de sincera emoção sobre uma natureza ainda virgem, envolvida por radiante beleza.

Um crítico da revista Télérama, Xavier Lacavakerie, concluiu de maneira exemplar: “Após uma longa crise existencial, Kurosawa encontrou nesta fábula iniciática (autêntica) um exutório – e sem dúvida uma resposta para as suas próprias angústias. Uma grande serenidade neste filme-rio majestoso, no qual o homem parece ter encontrado um lugar correto na natureza e se ajusta aos elementos – mesmo quando eles são hostís e enfurecidos (a cena extraordinária da tempestade). Em plena conivência com a água que corre, com a relva que se dobra sob o vento e a neve imaculada atapetando o sol, o personagem de Dersu Uzala, encarnação da sabedoria e da fraternidade humana, é inesquecível”.

Lento, lírico, clássico, simples e tranqüilo, Dersu Uzala conquistou o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 1976.

Tal como aconteceu com Dersu Uzala e Kagemusha (financiado pela Twentieth Century Fox e pela Toho graças à intervenção de George Lucas e Francis Ford Coppola), Kurosawa precisou contar com investimentos estrangeiros e, desta vez, foi Serge Silberman que, dando força para um projeto engavetado há oito anos, conseguiu interessar uma firma japonesa para dividir com sua produtora o vultoso orçamento de Ran / Ran / 1985.

O senhor feudal Hidetora Ichimonji (Tatsuya Nakadai), responsável por muitas maldades, envelhecido e cansado de contínuas batalhas, decide ceder o poder aos três filhos: Taro (Akira Terao), o primogênito, que tem direito às terras e força o pai a assinar um documento transmitindo-lhe toda a autoridade; Jiro (Jinpachi Nezu, que manda assassinar o irmão mais velho durante uma batalha e se apodera do feudo e Saburo (Ryu Daisuke) que, por sua franqueza na condenação das ações do pai, é banido para um domínio vizinho, juntamente com seu amigo Tongo (Masayuki Yui), fiel vassalo de Hidetora. Engendrando a luta pelo poder dentro da família, está a mulher de Taro, a vingativa e ambiciosa Kaeda (Mieko Harada) que, primeiro, instiga o marido a tomar a autoridade do pai e depois, quando Taro é morto, seduz Jiro para manter sua posição. Tanto a família de Kaeda quanto a de Sué (Yoshiko Miyazaki), esposa de Jiro, haviam sido exterminadas por Hidetaro. Mas Sue, ao contrário de Kaeda, de acordo com os princípios do budismo, havia perdoado Hidetora. O bobo da corte, Kyoma (interpretado pelo travesti Peter), Saburo e Tongo são os únicos que se mantêm fiéis ao velho; mas inutilmente. Enlouquecido pela fúria e carnificina que sua decisão gerou, Hidetora peregrina pelos campos destruídos de seu domínio.

Kurosawa localiza a ação no Japão do século XVI. Em vez de filhas, o senhor feudal tem filhos. Estes são codificados pelas cores: Taro é amarelo, Jiro é vermelho e Saburo é azul. Hidetaro divide seu reino entre eles e daí nasce uma intriga bastante complexa, feita de complôs, de traições, de mentiras e outros subterfúgios na linha das tragédias de Shakespeare; porém o diretor nos oferece uma visão pessoal e inédita da obra original.

Inspirando-se livremente no Rei Lear, com um notável desenho de produção feito em telas a óleo, locações na ilha de Kyushu, ao pé do monte Fuji, requisitados os castelos autênticos de Himeji e Humamoto, considerados tesouros nacionais do Japão, assistência de direção do veterano Inoshiro Honda, utilização magistral do som na seqüência do massacre, no qual Hidetora perde a razão, substituição da teleobjetiva, da lente zoom e da intensa movimentação de câmera por planos mais estáticos com maior profundidade de campo, o cineasta pintou, com uma orgia de cores espantosa, um afresco límpido e grandioso sobre a estupidez humana.

Kurosawa levou cinco anos pintando as story boards para Ran. E, perfeccionista como era, o filme apresenta acuradamente a sua visão. Ele nos apresenta cenas memoráveis salientando-se o ataque (parcialmente filmado sem os ruídos, ouvindo-se somente a música) ao Terceiro Castelo, com os tiros passando rente a Hidetora e ele depois saindo vagarosamente do castelo em chamas, a confrontação entre Kaeda e Jiro depois do assassinato de Taro, a reconciliação entre pai e filho e depois a morte de ambos.

A loucura é muito explorada em Ran através dos personagens, inclusive o bufão do rei que, ao longo da história, parodia por meio de canções os acontecimentos que assiste. Mas a gente percebe logo que, de fato, o bobo é o menos louco de todos. “O homem nasceu chorando”, diz ele. “Depois que ele chorar bastante ele morre”.

No final do filme, Kurosawa manda o seu recado, enunciado por um diálogo entre Kyoma e Tongo. Diante dos cadáveres de Hidetaro e Saburo, o bobo exclama, olhando para o Céu: “Existe algum Deus, algum Buda? Se você existir, ouça-me! Você é mau e cruel! Você está tão chateado aí em cima e tem que nos esmagar como formigas? Será que é divertido ver os homens chorarem?” Tongo grita para Kyoma: “Chega ! Não blasfeme. São os deuses que choram. Eles nos vêem matando uns aos outros, mais e mais desde que o mundo surgiu. Eles não podem nos salvar de nós mesmos”. Kyoma começa a chorar e Tongo continua: “Não chore! É assim que o mundo funciona. Os homens preferem tristeza em vez de alegria, sofrimento em vez da paz”.

Na cena derradeira, o jovem irmão de Sué, Tsurumaru (Takeshi Nimura), que Hidetora mandara cegar quando criança, fica sozinho no alto de uma montanha à beira de um abismo, tendo perdido o seu pergaminho com a efígie do Buda, uma espécie de amuleto protetor. Este símbolo do derradeiro abandono dos homens pelos Deuses, visto à distância sob a luz do crepúsculo, é a imagem mais desoladora do espetáculo.

A ÉPOCA CLÁSSICA DO DESENHO ANIMADO AMERICANO

Neste artigo vou recordar os principais desenhos animados americanos da época clássica, mas sem a pretensão de esgotar o assunto.

O primeiro desenho animado americano, Humorous Phases of Funny Faces, surgiu em 1906, apresentado pela Vitagraph e realizado por James Stuart Blackton, um dos co-fundadores desta companhia.

Pelos padrões atuais de animação, o desenho de Blackton era muito rudimentar.          Compunha-se de uma série de rostos, desenhados por uma mão “invisível”.Porém, tendo em vista a época em que foi feito, esse desenho simples de um rolo, foi um passo importante.

Winsor McCay demonstrou um nível técnico mais elevado e descobriu como dar personalidade às suas criações, idealizando aquele que muitos historiadores consideram como o primeiro astro genuíno do cartum americano, Gertie, the Dinosaur (1914). Antes de Gertie, porém, em 1911, McCay fez seu primeiro desenho animado, Little Nemo, baseado nos seus quadrinhos Nemo no País dos Sonhos / Little Nemo in Slumberland, no qual, numa introdução ao vivo, McCay mostrava seu talento, desenhando seus personagens rapidamente diante de um grupo de amigos, que incluia o comediante John Bunny, o desenhista de quadrinhos George MacManus e vários executivos da Vitagraph. McCay usou 4.000 desenhos para animar cinco minutos de filme. No seu segundo cartum, The Story of a Mosquito ou How a Mosquito Operates (relançado como His Jersey Skeeters) ele usou 6.000 desenhos.

Gertie, the Dinosaur começa, como Little Nemo, com uma introdução ao vivo. Desta vez, McCay e seus colegas vão ao Museu de História Natural em Nova York para ver a exibição de um dinosauro. McCay aposta que pode dar vida ao animal pré-histórico. A cena seguinte leva-nos para um outro cenário, onde McCay desenha Gertie num grande cavalete de pintor. Gertie então começa a andar sobre o papel. Ele é travesso e nem sempre obedece ao comando de McCay. Suas ações proporcionam boa parte do humor da animação. Gertie briga com um mamute e bebe toda a água de um lago. McCay utilizou mais de 10.000 desenhos, incluindo fundos, traçados com tinta preta num papel de arroz branco.

Algum tempo depois da realização de Gertie, McCay descobriu os benefícios do método de animação por célula – patenteado, como veremos adiante, por J. R. Bray e Earl Hudd -, na realização de The Sinking of The Lusitânia (1918), a primeira reencenação de um acontecimento histórico.

Em 1921, com a ajuda de seu filho, Robert McCay, ele produziu e animou uma série de desenhos animados, baseada na sua história em quadrinhos Dream of a Rarebit Fiend e mais seis cartuns (The Pet, The Flying, House Bug Vaudeville, The Centaurs, Flip’s Circus e Gertie on Tour, antes de realizar seu último trabalho, The Midsummer’s Nightmare (1922).

Um outro pioneiro responsável pelo melhoramento da animação foi John Randolph (J. R.) Bray. O desenho animado de Bray, The Artist’s Dream ou The Dacshund and the Sausage, lançado em 1913, foi o primeiro filme de animação distribuído comercialmente nos cinemas. Nele vemos um desenhista que interrompe seu trabalho deixando um cartum quase pronto no papel. Na sua ausência, o cachorro que ele estava desenhando, ganha vida e come seu prato de salsichas. O segundo cartum de Bray, Colonel Heeza Liar in Africa, inspirado nas aventuras do Barão de Munchausen, era, na realidade, uma sátira ao então presidente Teddy Roosevelt. O personagem fez grande sucesso e originou outras séries como Boppy Bumps (1915), Otto Luck (1915), Police Dog (1915) e Quacky Doodles (1917). Mais tarde, Bray produziu e dirigiu o primeiro cartum em cores, The Debut of Thomas the Cat, usando o processo bicolor Brewster.

Em 1914, Bray registrou a patente de um novo método de animação pelo qual o fundo permaneceria fixo e os objetos a serem animados seriam desenhados sobre folhas de celulóide transparente chamado célula (cel., abreviatura de celluloid), eliminando-se assim a necessidade de redesenhar o fundo de cada quadro. No ano seguinte, seu colega Earl Hudd aperfeiçoou o método de Bray. Em 1917, Bray e Hurd combinaram suas patentes e formaram a Bray-Hurd Process Company. Durante muitos anos, eles emitiram certificados de licença para quem quizesse fazer desenhos animados usando o método de animação por célula, que eles desenvolveram.

Bray organizou um estúdio capaz de produzir desenhos animados em grande quantidade e deu emprego a vários jovens artistas, que aprenderam ali as noções elementares da arte da animação: Max Fleischer, Paul Terry. Walter Lantz, etc.

Entretanto, durante os anos 10, Bray não foi o único produtor de desenhos animados. Havia mais dois estúdios: o Barré-Nolan e o Hearst International.

Antigos colegas no Edison Studios, Raoul Barré e Bill Nolan sentiram-se preparados para fundar seu próprio estúdio, dedicado cem por cento à animação. Concentrando suas energias, eles produziram a série de animação Animated Grouch Chasers (1915-1916), distribuida por Edison. O maior êxito de Barré foi com a série Mutt and Jeff (1918), baseada nos personagens dos quadrinhos muito populares de Bud Fisher. Fisher procurou o animador independente Charles Bowers para transformar seus quadrinhos em cartuns. Os dois formaram uma parceria e Mutt e Jeff tornou-se um grande êxito de bilheteria. Para garantir a qualidade da animação de seus filmes, Barré investiu em aulas de arte para seus animadores, em antecipação a Walt Disney nos anos 30.

Em 1915, o magnata da imprensa William Randolph Hearst percebeu o valor comercial da animação, abrindo seu próprio estúdio, International Film Service. Hearst conseguiu atrair animadores talentosos como Gregory La Cava (futuro cineasta), Frank Moser, Bill Nolan e Walter Lantz, com o propósito de transportar as histórias em quadrinhos de seus jornais para a tela, acrescentando os cartuns na parte final de seus newsreels. Rapidamente, a companhia de Hearst produziu versões animadas de quadrinhos favoritos do público como Phables (1915-1916), Krazy Kat (1916-1917), Bringing Up Father (1916-1917), Jerry on the Job (1916-1917), Katzenjammer Kids (1916-1918), Happy Hooligan (1916-1919), etc. Em 1938, a MGM produziu uma versão sonora dos Katzenjammer Kids com o título de Captain and the Kids, mantendo os mesmos personagens dos quadrinhos de Rudolf Dirks.

Paul Terry, que começou a trabalhar no J. R. Bray Studios, dirigindo e produzindo a série de cartuns Farmer Al Falfa, também se tornou uma figura importante no campo da animação cinematográfica. Em 1917, ele fundou seu próprio estúdio, Paul Terry Productions. Após lutar pela pátria na Primeira Guerra Mundial, Terry fez uma parceria com Amadee J. Van Beuren e montou um novo estúdio, Fables Studios.

Nesta ocasião, começou a produzir a série Aesops Fables assim como novos filmes com o fazendeiro Al Falfa. Em 1928, ele experimentou o processo sonoro num Fable Cartoon intitulado Dinner Time, alguns meses antes do Steamboat Billie de Walt Disney. A união entre Terry e Van Beuren durou até 1929, quando eles se desentenderam a respeito da adesão ao cinema sonoro. Terry e uma parte de sua equipe abriram o Terrytoons Studio na suburbana New Rochelle em Nova York. Van Beuren ficou com o Fables Studios e rebatizou-o como Van Beuren Studios. O Terrytoons Studios produziu inúmeros cartuns entre os quais Gandy Goose, Mighty Mouse, Heckle and Jeckle e outros menos conhecidos, que foram primeiramente distribuídos pela Educational Pictures e depois pela 20th Century Fox.

Combinando o poder do Superman e o corpo do Mickey Mouse, o Mighty Mouse foi o desenho animado mais popular de Paul Terry. Por mais de 15 anos, o personagem defendeu os direitos dos ratos, que precisavam de sua superforça para prevenir os seus transtornos e impor a ordem. Um escritor de histórias empregado de Terry, Isadore Klein, teve a idéia do personagem do Mighty Mouse por volta de 1940, mas esboçou-o sob a forma de uma “super mosca” com uma capa vermelha igual à do Superman. Terry mudou a mosca de Klein para um rato e batizou-o de “Super Mouse” em quatro cartuns, que foram apresentados em 1942 a partir do desenho The Mouse of Tomorrow. Depois, Terry mudou o nome do personagem para Mighty Mouse que, no Brasil, ganhou o nome de Possante. Se não me falha a memória, Heckel and Jeckle chamavam-se, nos cinemas, Cari e Oca e não Faísca e Fumaça, como comumente são designados, que são os nomes que receberam na TV.

Um personagem muito conhecido no desenho animado silencioso foi Felix the Cat, um gato preto de olhos azuis e sorriso largo, sempre metido em situações surrealistas. O cartunista australiano, Pat Sullivan, reivindicou durante toda a sua vida a criação desse personagem, porém muitos historiadores (entre eles Michael Barrier, autor de um livro admirável, Hollywood Cartoons: American Animation in its Golden Age (Oxford University, 1999), argumentam que o principal animador do estúdio de Sullivan, Otto Messmer, era o verdadeiro criador do Gato Felix. O certo é que, em novembro de 1919, Master Tom, um protótipo de Felix, estreou num cartum intitulado Feline Folllies, produzido pelo estúdio de Pat Sullivan. Sullivan era o dono do estúdio e tinha os direitos autorais de qualquer trabalho criativo de seus empregados.

Em 1927, após o advento do cinema sonoro, a Educational Picutres, que distribuía os desenhos de Felix na época, pediu a Sullivan que fizesse desenhos “falados”. Ele, de início, recusou a proposta e, depois, outras disputas levaram ao rompimento com a Educational. Posteriormente, Sullivan percebeu as possibilidades do som. Ele conseguiu assinar um contrato com a First National, para distribuir os seus desenhos falados, mas, por razões desconhecidas, a parceria se desfez e Sullivan então distribuiu seus cartuns silenciosos com uma trilha sonora através da Copley Pictures. Infelizmente, a transição de Sullivan para o cinema sonoro foi desastrosa e a Copley cancelou o contrato com Sullivan.

Outros artistas estabeleceram novos padrões para a indústria da animação como Max e Dave Fleischer, Walter Lantz e Walt Disney.

Max Fleischer produziu a série Out of the Inkwell – que tinha como personagem principal Koko, the Clown (depois Ko-Ko, com o hífen), um pequeno palhaço que saía de um tinteiro – para o estúdio de J. R. Bray até 1921, quando ele e seu irmão Dave formaram o Fleischer Studios. Outros dois irmãos, Lou e Joe Fleischer, trabalharam na firma e o companheiro de Koko na série era o cachorrinho branco Fitz.

A série Out of the Inkwell (denominada Inkwell Imps, a partir de 1927) foi uma das primeiras a conjugar ação ao vivo com animação, por meio de um processo chamado Rotoscope (Rotoscópio), que Max e Dave desenvolveram. Esta técnica consistia simplesmente numa prancha de desenho e um projetor de filmes combinados, possibilitando aos animadores, redesenharem quadro por quadro, imagens projetadas de figuras humanas. Koko (conhecido no Brasil como Tony Tinta) era, na realidade, Dave Fleischer vestido de palhaço. Ele dava cambalhotas e fazia outras acrobacias diante da câmera e depois exagerava-as na animação final. Primeiramente, os Fleischer distribuíram eles mesmos a série na base do state’s rights; depois, em algum momento de 1922, eles entregaram a distribuição para Margaret Winkler, uma ex-secretária da Warner Bros, que resolvera se tornar distribuidora por conta própria. Em 1923, Max Fleischer parou de animar a série e seu irmão Dave assumiu este encargo.

Os primeiros cinemas nos Estados Unidos costumavam mostrar no palco slides com letras de músicas populares para estimular o público a acompanhar o cantor que as interpretava no palco. Em 1924, os Fleischer tiveram a idéia usar cartuns, nos quais as letras das canções eram animadas numa tela e uma bolinha saltitante (bouncing ball), servia de guia para que os espectadores cantassem. Esses cartuns chamavam-se, de início, Song Car-Tunes e depois Koko Songs, pois os personagens de Koko e Fitz eram usados na animação. Alguns desses sing-a-long cartoons foram sincronizados pelo processo de som ótico Phonofilm de Lee De Forest.

Anunciada como “verdadeiros filmes falados”, a série Talkartoons representou a entrada do Fleischer Studios no cinema de animação sonoro. No sexto desenho da série, Dizzy Dishes, produzido em 1930, o estúdio introduziu a personagem Betty Boop, criada e desenhada por Grim Natwick. Betty parecia mais uma cadelinha e somente algum tempo depois adquiriu personalidade humana, transformando-se naquela boneca com um rosto redondo desproporcional ao seu corpinho, lindas bochechas, olhos grandes e cintilantes e voz de criança. Betty não tinha nome até sua aparição em Stopping the Show, realizado em 1932, que se tornou o primeiro desenho oficial de Betty Boop. No mesmo ano, a partir do desenho Minnie the Mocher, Betty tornou-se aquela figurinha sensual de saia curta, liga numa das pernas, vestida à moda flapper e dizendo aquele seu slogan atrevido, “Boop-Boop-a-Do!”. Natwick modelou Betty inspirando-se na cantora Helen Kane, por coincidência, atriz contratada da Paramount, que distribuía os desenhos animados da graciosa criatura. A similaridade vocal e visual com Helen Kane provocou um processo judicial de Helen contra a Paramount e o Fleischer Studios, mas ela perdeu a ação, principalmente porque a defesa demonstrou que a própria Helen havia se apropriado de alguns maneirismos de outras cantoras. Como coadjuvante de Betty Boop na série, além de Koko, havia um personagem identificado como Bimbo, que algumas vezes parecia o cachorrinho branco Fitz, companheiro do palhacinho na série Out of the Inkwell e, em outras vezes, aparecia como um cachorrinho preto com uma máscara branca.

A popularidade de Betty Boop foi irreparavelmente prejudicada pelo Código Hays de 1934. Sua sexualidade evidente foi atenuada, suas saias ficaram menos curtas e seu decote mais discreto, o conteúdo de suas histórias tornou-se mais juvenil. Em conseqüência, Betty perdeu muito da sua popularidade.

Os Fleischer, com exceção talvez de Betty Boop, nunca conseguiram criar personagens fortes e então eles foram buscar um em outro lugar. Em 1932, o Fleischer Studio celebrou contrato com o King Features Syndicate, para produzir os desenhos animados do Popeye. O personagem surgiu no mundo das histórias em quadrinhos em 1919, quando Elzie Crisler Segar concebeu o marinheiro musculoso, originalmente conhecido como Ham Gravy na tira clássica, Thimble Theatre. Gravy aparecia ao lado da sua namorada magricela, Olive Oyl (Olívia Palito). Em 1929, Segar, aproveitando a popularidade de Gravy, mudou seu nome para Popeye. Já nesta época o personagem exibia os mesmos traços que os espectadores se acostumariam a ver depois: um marujo brigão e piadista, cuja principal fonte de energia era a sua lata de espinafre.

A estréia de Popeye se deu num desenho da Betty Boop, Marinheiro Matamouro / Popeye, the Sailor (1933), porque os Fleischer queriam avaliar a reação do público, antes de colocá-lo como astro de um cartum. William Costello, cantor de boate, foi o primeiro a interpretar Popeye; porém foi despedido, depois que “o sucesso lhe subiu à cabeça”. Quando Dave estava andando pelo departamento de animação do estúdio ele ouviu Jack Mercer, um animador novato cantando a canção tema de Popeye e o contratou na hora. Mercer continuou fazendo a voz de Popeye por mais de 45 anos, incluindo os desenhos depois produzidos para a televisão. Mae Questel, que fazia também a voz de Betty Boop, interpretava Olive Oyl. Mae demonstrou sua versatilidade durante o decorrer da série, tendo inclusive feito a voz do Popeye em vários desenhos, quando Mercer foi mandado para além-mar na Segunda Guerra Mundial.

O Fleischer Studios funcionava em Nova York com o apoio financeiro da Paramount. Mas, como recipiente do dinheiro da Paramount, os Fleischer também estavam à mercê da administração desta grande companhia de Hollywood. Durante a Grande Depressão, a Paramount passou por várias mudanças e reorganizações, que afetaram os orçamentos para as produções e criaram obstáculos para o desenvolvimento do estúdio dos Fleischers.

Quando o processo Technicolor de três cores se tornou disponível, a Paramount vetou-o, preocupada com seu equilíbrio econômico, dando a Walt Disney a oportunidade de adquirir uma exclusividade para usar o processo por quatro anos. Dois anos depois, a Paramount aprovou a produção em cores para os Fleischer, porém apenas num processo inferior de duas cores. A série Color Classics foi introduzida em 1934 como uma resposta dos Fleischer para as Sinfonias Singulares / Silly Symphonies de Disney. Estes cartuns coloridos foram enriquecidos com um efeito de fundo tri-dimensional, chamado “Processo Estereótico”, um precursor da câmera multiplana de Disney. Esta técnica foi utilizada nos desenhos de Popeye de maior formato como, por exemplo, O Marinheiro Popeye contra Sinbad o Marujo / Popeye the Sailor Meets Sinbad the Sailor (1936) e Popeye o Marinheiro contra os 40 Ladrões de Ali Baba / Popeye the Sailor Meets Ali Baba’s Forty Thieves (1937). Esta série de cartuns de dois rolos expressava o desejo dos Fleischer de produzir desenhos animados de longa-metragem.

Em 1937, a produção no Fleischer Studios foi afetada por uma greve, que deixou seus cartuns fora das telas. Após cinco meses, a Paramount persuadiu os Fleischer a chegarem a um acordo com os grevistas. Então, em março de 1938, o Fleischer Studios mudou-se para Miami, Flórida, não só para se afastar da agitação sindicalista, mas também porque ele precisava de mais espaço para a produção de longas-metragens. Coincidentemente, com a mudança, o relacionamento entre os irmãos Dave e Max começou a se deteriorar, porque Dave iniciou um romance adulterino com a sua secretária e a situação foi agravada por outras disputas pessoais e profissionais.

Na onda do êxito indiscutível de Disney com Branca de Neve e os Sete Anões / Snow White and the Seven Dwarfs em 1937, os executivos da Paramount atenderam finalmente aos constantes pedidos dos Fleischer para produzir desenhos animados de longa-metragem.  A fim de financiar o novo projeto os Fleischer negociaram um empréstimo com a Paramount, dando como garantia os ativos do estúdio pelo prazo do empréstimo.

Embora As Aventuras de Gulliver / Gulliver’s Travels (1939) tivesse tido uma bilheteria razoável, ela não recuperou todos os custos da produção. O golpe final veio com o infortunado lançamento de seu segundo longa-metragem, No Mundo da Carochinha / Mr. Bug Comes to Town (1941), dois dias antes do ataque japonês a Pearl Harbor. Em maio de 1941 a Paramount iniciou a tomada de posse do Fleischer Studios. Max permaneceu nominalmente como diretor, mas sua briga com Dave complicava a situação. Logo depois da estréia de No Mundo da Carochinha, Dave partiu para a Califórnia, a fim de chefiar a unidade de produção de desenhos animados da Screen Gems, pertencente à Columbia Pictures. Este passo constituiu uma infração contratual de Dave, por ter aceitado uma posição num estúdio concorrente, enquanto ainda estava contratado pela Paramount. Esta ruptura de contrato, juntamente com o aumento substancial da dívida dos Fleischer para com a Paramount, permitiu que o estúdio maior assumisse o controle do estúdio menor, obrigando Max a pedir demissão. A Paramount nomeou novos administradores, entre eles o genro de Max, Seymour Kneitel. Em maio de 1942, o estúdio recebeu um novo nome, Famous Studios, e dentro de oito meses transferiu suas instalações de volta para Nova York.

Em 1941, os primeiros nove (de um total de 17) cartuns do Superman em Technicolor –  baseados nas histórias em quadrinhos de Jerry Siegel e Joe Shuster -, conhecidos como Fleischer Superman Cartoons, começaram a ser produzidos pelo Fleischer Studios. Os oito restantes foram feitos pelo Famous Studios, após a reorganização. Pelo seu aspecto Art Deco e técnica sofisticada, a série Superman é considerada hoje o triunfo final do Fleischer Studio.

Em 1944, Max Fleischer acrescentou a série Little Lulu, baseada na personagem dos quadrinhos de Marjorie H. Bell, ao elenco de astros do desenho animado do Famous Studio. Em 1948, o produtor Joseph Oriolo criou, com a ajuda do animador Seymour Wright, mais uma série de cartuns para o Famous Studio: Casper, The Friendly Ghost. Este último personagem, conhecido no Brasil como Gasparzinho, fazia muita criança chorar, quando dizia que desejava ter “alguém para brincar comigo”.

Walter Lantz aprendeu a arte da animação no J. R. Bray Studios e depois no Hearst International. Em 1924, Lantz começou a ganhar importância com sua primeira série de desenhos animados, Dinky Doodle. Em 1927, mudou-se para Hollywood, onde trabalhou com Frank Capra e como gagman para Mack Sennett.

No mesmo ano, Charles Mintz, marido de Margaret Winkler, dona de uma pequena distribuidora, Winkler Pictures, pediu a Disney para criar um personagem de coelho e assinou um contrato com uma organização maior, a Universal, para a distribuição de uma série de 26 cartuns, estrelados, conforme especificação da companhia de Carl Laemmle, pelo novo personagem chamado Oswald the Lucky Rabbit. Walt começou a produzir os filmes de Oswald, mas nem Mintz nem a Universal ficaram satisfeitos. Em fevereiro de 1928, Mintz celebrou novo contrato com a Universal para produzir Oswald; porém, ao concluir o negócio, não concedeu a Walt os direitos sobre o personagem, que ele havia criado. Mintz então contratou Walter Lantz para dirigir a série Oswald. Lantz apostou com Laemmle que, se conseguisse vencê-lo num jogo de pôquer, Oswald seria seu. Lantz ganhou a aposta e se tornou o dono do personagem. Lantz formou uma equipe com ex-animadores de Disney, tais como Hugh Harman, Rudolf Ising, etc. e mudou um pouco o personagem tornando-o mais gracioso. Por curiosidade, Mickey Rooney, com nove anos de idade, foi o primeiro a emprestar sua voz para Oswald, quando Lantz adicionou o som aos cartuns. Lantz e Bill Nolan dirigiram a maioria dos desenhos animados da série. Em 1933, Lantz dirigiu o único cartum da série indicado para o Oscar, Fama e Fortuna / The Merry Old Soul e animou um seqüência em Technicolor de duas cores para o musical-revista O Rei do Jazz / The King of Jazz , no qual aparece Oswald e o chefe de orquestra Paul Whiteman.

Em 1935, Nolan separou-se de Lantz e este se tornou produtor independente, fornecendo cartuns para a Universal em vez de meramente supervisionar o departamento de animação deste estúdio. Oswald foi perdendo a popularidade e Lantz criou um novo astro, Andy Panda. Mas a inspiração para o seu melhor personagem surgiu – segundo a lenda – na sua lua-de-mel, quando ele e a esposa Grace Stafford, ouviram o barulho de um picapau fazendo furos no telhado da cabana, onde estavam hospedados. Na verdade, esta história foi inventada por um publicista de Hollywood: a lua-de-mel dos Lantz ocorreu um ano após a estréia do primeiro desenho do Pica-Pau. Lantz introduziu Woody Woodpecker num desenho de Andy Panda, Knock Knock (1941), e o novo personagem aprovou.

Mel Blanc fêz a voz para Woody nos primeiros quatro ou cinco cartuns. Ben “Bugs” Hardaway, escritor de histórias para os desenhos de Lantz, emprestou seu talento vocal para o personagem após a saída de Blanc, mas não exerceu este encargo por muito tempo. Lantz sentiu que precisava fazer uma mudança e testou 50 candidatos para a “nova” voz de Woody. Lantz não estava presente nos testes, mas foi o responsável pela escolha final. Ouvindo as gravações dos testes, ele selecionou Grace, sua esposa, que tinha se candidatado para as entrevistas, sem informar o marido. Grace começou sua função no desenho Banquet Busters (1948) e continuou sendo a voz de Woody até o final da série, 24 anos depois, em 1952. A seu pedido, ela não recebeu crédito pela voz de Woody, porque receava que as crianças ficassem desiludidas, se soubessem que uma mulher fazia a voz do famoso picapau.

Woody Woodpecker teve vários coadjuvantes: Wally Walrus, Buzz Buzzard, Gabby Gator, Wolfie Wolf e Finx Fox. Buzz Buzzard apareceu pela primeira vez ao lado de Woody em Wet Blanket Policy, que foi o primeiro cartum a incluir uma canção sensacional, “The Woody Woodpecker Song”, interpretada por Gloria Wood e Harry Babbitt. Foi o único desenho curto indicado para o Oscar de Melhor Canção. Lantz criou ainda, entre outros, um personagem muito conhecido: o pingüim Chilly Willy (Picolino), que estreou na tela em 1953.

Vou deixar para falar sobre Walt Disney em outra oportunidade, pois ele merece um artigo inteiro, mas peço licença para mencionar desde logo o nome daquele que foi um grande amigo do criador do camundongo Mickey: Ub Iwerks.

Depois de ter passado a maior parte de sua carreira como colaborador de Disney, Iwerks aceitou uma proposta de Pat Powers de abrir um estúdio com seu próprio nome. Apesar de ter um contrato com a MGM para distribuir seus cartuns, e de ter introduzido um personagem novo chamado Flip the Frog, e depois outro, Willie Whopper, o estúdio de Iwerks nunca obteve um grande sucesso comercial e nem chegou a se constituir um rival para Disney ou para o Fleischer Studios.

De 1933 a 1936, Iwerks produziu uma série de desenhos animados (distribuídos independentemente e não pela MGM) em Cinecolor, intitulada ComiColor Cartoons. A série incluía o personagem de um negrinho que surgiu em Sambo, o Negrinho / Little Black Sambo, um cartum estereotipado racialmente que veio a ser banido nos Estados Unidos (mas foi exibido no Brasil em 1938). Em 1936, os patrocinadores retiraram o apoio financeiro para o Iwerks Studio e este logo encerrou suas atividades. Alguns desenhos da série ComiColor foram exibidos nos cinemas brasileiros como Historietas Eucalol, título em português certamente inspirado na estampas que vinham junto com o sabonete fabricado pela Perfumaria Myrta. S/A. Colhemos estes títulos, todos exibidos em 1938 -1939: Aladin e a Lâmpada Maravilhosa / Aladin and the Wonderful Lamp; Sinbad, o Marujo / Sinbad, the Sailor; Simão, o Simplório / Simple Simon; João e o Pé de Feijão / Jack and the Beanstalk; O Pequeno Polegar / Tom Thumb, O Gato de Botas / Puss in Boots; O Rapazinho de Azul / Little Boy Blue; Dias Felizes / Happy Days. Em 1934, a Columbia e a Paramount Pictures distribuíram duas outras séries de contos-de-fadas, intituladas respectivamente, Color Rhapsodies e Color Classics.

Os desenhos animados do personagem Bosko, criado por Hugh Harman e Rudolf “Rudy” Ising foram, juntamente com os de Betty Boop e Mickey Mouse, os mais exibidos nos cinemas do Brasil nos anos trinta. Harman e Ising haviam trabalhado com Disney e Lantz e finalmente criaram o desenho animado Bosko, the Talk-in Kid, que ficou famoso por ter sido o primeiro cartum sonoro com diálogo. Este desenho animado, que mostrava Bosko em desacordo com o seu animador – retratado em ação ao vivo por Ising – impressionou Leon Schlesinger, que aproximou a Harman-Ising Pictures da Warner Bros. Schlesinger queria Bosko como astro de uma nova série de cartuns “falados”, que ele denominou de Looney Toones.

Desde 1929 a Warner estava interessada em desenvolver uma série de desenhos animados musicais para promover a venda de suas partituras e discos (ela havia adquirido a Brunswick Records e quatro editoras de partituras). A dupla Harman-Ising fez Sinkin’ in the Bathtub em 1930 e o cartum aprovou. Harman assumiu a direção da Looney Tunes e Ising encarregou-se de uma série semelhante, Merry Melodies.

Os dois animadores romperam os laços com Schlesinger em 1933 por questão de dinheiro e, depois de uma estadia no estúdio de Van Beuren, onde produziram a série Cubby Bear, foram para MGM. Eles ficaram com os direitos de explorar o personagem Bosko e, a partir de 1934, estrearam com ele uma nova série para a “Marca do Leão”, intitulada Happy Harmonies. Bosko usava calças compridas e um chapéuzinho e tinha uma namorada chamada Honey e um cãozinho, que atendia pelo nome de Bruno. Embora Harman e Ising tivessem se inspirado nos traços do Gato Felix, Bosko ganhou sua personalidade dos personagens de cara pintada de preto dos espetáculos de menestréis e de vaudeville muito populares nos anos trinta. Harman e Ising fizeram de Bosko, um garoto negro genuíno. Seus cartuns eram marcados pela fraqueza dos diálogos e abundância de música, canto e dança; mas, em termos de animação, eles se igualavam aos desenhos animados de Disney no mesmo período.

Schlesinger, por sua vez, continuou produzindo as séries Merry Melodies e Looney Tunes para a Warner, introduzindo um substituto para Bosko, chamado Buddy, cujos desenhos animados também passaram no Brasil. Porém o maior astro da série, Porky Pig (Gaguinho) surgiu, juntamente como outro personagem, Beans the Cat, no desenho Haven’t Got a Hat, da série Merry Melodies, dirigido por Fritz Freleng. Beans the Cat depois desapareceu por causa da sua decrescente popularidade e Porky se firmou como a maior atração da série. Posteriormente, apareceram: Daffy Duck (Patolino), Elmer Fudd (Hortelino Troca-Letra), Sylvester (Frajola), Tweety (Piu-Piu), Marvin (Marvin, o Marciano), Coyote (Coyote), Road Runner (Papa-Léguas), Foghorn Leghorn (Frangolino) Speedy Gonzales (Ligeirinho), Taz (O Demônio da Tasmânia), Yosemite Sam (Eufrasino Puxa-Briga) etc. e o mais célebre da série Looney Tunes: Bugs Bunny, o Coelho Pernalonga. Estes títulos em português dos personagens correspondem à exibição na TV. Nos cinemas, se não me engano, os nomes vinham no original em inglês.

Buggs Bunny foi, sem dúvida, um dos personagens de cartum mais populares da História da Animação. O coelho sorridente de orelhas compridas, que vivia mastigando cenouras ruidosamente e pronunciava, com sotaque do Brooklyn, a frase famosa “What’s up, Doc”, estrelou 150 desenhos animados durante os seus 25 anos de existência nas telas. Bugs apareceu pela primeira vez como um “coelho sem nome” em Porky’s Hare Hunt (1938). Tex Avery dirigiu o primeiro desenho animado oficial de Bugs Bunny, A Wild Hare. Mel Blanc ajudou a imortalizar, com sua voz, o célebre personagem. Apelidado de “O Homem das Mil Vozes”, ele se notabilizou por ter feito a voz de vários personagens dos cartuns além do Pica-Pau e do Pernalonga. Os dubladores não eram creditados nos letreiros de apresentação do filme, mas Blanc foi uma exceção: seu contrato estipulava que deveria sair na tela um crédito dizendo: “Voice characterization by Mel Blanc”.

Um outro personagem cujos cartoons tiveram boa acolhida no Brasil nos anos 30 foi Scrappy, produzido pela Columbia. O desenhista Dick Huemer criou este menino com olhos de botão e seu cãozinho fiel, Yippy. Quando Huemer deixou de fazer a série em 1933, para ingressar no Walt Disney Stuidos, Art Davis e Sid Marcus, que escreviam a maioria das histórias, continuaram a produção. Aqui entre nós, Scrappy era chamado de Chiquinho.

Não podemos esquecer de Tex Avery, que prestou relevantes serviços para a Warner Bros. e para a MGM. Avery começou sua carreira no estúdio de Walter Lantz, trabalhando na maioria dos cartuns de Oswald the Lucky Rabbitt de 1931 a 1935. Durante uma brincadeira no estúdio um clipe para papel voou para o olho esquerdo de Avery, cegando-o.

Avery emigrou para o estúdio de Leon Schlesinger em 1935 e o convenceu a lhe entregar a chefia de sua própria unidade de produção com a liberdade de criar cartuns como ele queria que fossem feitos. Avery e seus colaboradores Bob Clampett e Chuck Jones, instalaram-se num bangalô da Warner em Sunset Boulevard, que foi apelidado de “Termite Terrace”, devido a existência no local de uma significativa população de cupins. Avery, com a colaboração de Clampett, Jones e um novo animador, Frank Tashlin, lançaram as bases de um estilo de animação que destronou o estúdio de Walt Disney como os reis do desenho animado e criou uma legião de astros do cartum, cujos nomes brilham em todas as telas do mundo até hoje.

Em 1942, Avery estava empregado na MGM, trabalhando na sua divisão de animação sob a supervisão de Fred Quimby. Avery achava que Schlesinger o sufocava. Na MGM a criatividade de Avery atingiu o auge. Seus desenhos animados tornaram-se conhecidos por sua loucura total, ritmo frenético e um pendor para brincar com o meio da animação e do filme em geral. A MGM ofereceu-lhe orçamentos mais generosos e uma qualidade de produção mais alta que o estúdio da Warner. O personagem mais famoso que Avery criou para a MGM foi Droopy, um cachorrinho calmo que se movia lentamente e sempre saia ganhando no final. Avery criou também uma série de cartuns maliciosos como A Sedutora Menina do Chapeuzinho Vermelho / Red Hot Riding Hood, estrelado por uma personagem feminina bastante sensual e outros personagens como o Screwy Squirrell e aqueles outros dois, inspirados na dupla da novela de John Steinbeck, Of Mice and Men, George e Junior.

Vou terminar esse breve retrospecto dos grandes desenhos animados da era clássica, lembrando a série de desenhos animados de Tom e Jerry, criada pela dupla William Hanna- Joseph Barbera para a MGM. O cartum focalizava a rivalidade interminável entre um gato (Tom) e um rato (Jerry), mostrando gags violentos comicamente. As tramas se baseavam nas tentativas frustradas de Tom capturar Jerry, utilizando diversas armadilhas e truques, que eram frustrados pela esperteza do ratinho, por sua própria estupidez ou pela intervenção inesperada do buldogue Spike ou de Butch, o gato preto rival de Tom.

A dupla felino-roedora, se é que podemos denominá-la assim, surgiu em Um Bichano em Maus Lençóis / Puss Gets the Boot de 1940. Neste cartum, Tom chamava-se Jasper e Jerry era Jinks. A música desempenhava um papel importante nas aventuras de Tom e Jerry, enfatizando a ação, proporcionando efeitos sonoros e dando emoção às cenas. O diretor musical Scott Bradley criou scores combinando elementos de jazz, música clássica e popular.

O produtor Fred Quimby, responsável pelos cartuns da MGM, ganhou sete Oscar de Melhor Desenho Animado Curto: Rato Patriota / Yankee Doodle Mouse / 1943; Caça ao Rato / Mouse Trouble / 1944; Silêncio! / Quiet Please / 1945; O Concerto do Gato ou Concertista Desconcertado / The Cat Concert / 1946; Os Dois Mosqueteiros / Two Mouseketeers / 1951; Ratinho Valsante / Johann Mouse / 1952. Hannah e Barbera escreveram e dirigiram 114 desenhos animados de Tom e Jerry entre 1940 e 1958 e Quimby se aposentou em 1955; daí em diante até 1967, eles foram produzidos, sob os auspícios da MGM, por Gene Deitch no seu estúdio Rembrandt Films e depois por Chuck Jones na Sib Tower 12 Productions.

Além de participar nos desenhos animados curtos, Tom e Jerry apareceram em seqüências de ação ao vivo em dois musicais da MGM: Marujos do Amor / Anchors Aweigh / 1944 (somente Jerry, dançando com Gene Kelly) e Salve a Campeã / Dangerous When Wet / 1953 (ambos nadando com Esther Williams). Antes da série de Hannah-Barbera, houve uma outra, com o mesmo título, Tom and Jerry, produzida por Van Beuren e desenvolvida por John Foster, totalizando 27 filmes distribuídos pela RKO Radio Pictures, mas que não tinha nenhuma relação com os personagens inesquecíveis da MGM.

LEMBRANDO GRANDES SERIADOS

No final dos anos quarenta e início dos anos cinquenta, pude ver, no Cinema Pirajá em Ipanema – Rio de Janeiro e no Cineac-Trianon no centro da mesma cidade, alguns seriados como A Deusa de Joba, Capitão América, O Maravilhoso Mascarado, Dick Tracy, o Detetive, O Fantasma Voador, etc. Porém, a maioria dos 231 serials sonoros produzidos em Hollywood entre 1929 e 1956, só fui conhecer após o advento do vídeo e do dvd. Vou recordar os grandes seriados que ví e sobre os quais ainda não falei.

Os primeiros seriados que mais me impressionaram, A Deusa de Joba e O Império Submarino, foram produzidos pela Republic Pictures em 1936.

Embora tivesse sido lançado pela Republic como seu primeiro seriado, A Deusa de Joba foi produzido pessoalmente por Nat Levine na Mascot, e estava praticamente pronto, quando houve o processo de fusão da Consolidated Film Laboratories de Herbert Yates com a Mascot e mais três firmas, que tinham elevados débitos com os laboratórios de Yates: a Monogram, a Liberty e a Majestic.

No enredo, Clyde Beatty, o famoso caçador de leões, encontra nas selvas um menino, Baru (Manuel King), que procura auxílio para resgatar sua irmã Valerie (Elaine Shepard), a Deusa de Joba, uma cidade perdida num recanto inexplorado da África. Beatty concorda em ajudar Baru e organiza um safári. Acompanhados por Bongo (Ray “Crash” Corrigan, embora nos créditos saia o nome de Naba), que é o protetor de Baru, eles conseguem chegar a Joba, depois de enfrentar nativos hostís, leões, tigres e um grupo de guerreiros alados, chamados de Homens-Morcego. Em Joba, eles conhecem Dagna (Lucien Prival), o sumo sacerdote, que depende da influência de Valerie sobre o povo, para ajudá-lo a manter o poder. Valerie e Baru eram filhos de um missionário e, após a morte deste, Dagna criou-os, com a intenção de fazer Valerie passar por deusa. Dagna tenta impedí-los de sair de Joba. Colaborando com Dagna estão Durkin (Wheeler Oakman) e Craddock (Edmund Cbb), dois traficantes de animais, que seguiram o safári de Beatty, porque acreditam que existe uma fortuna na cidade perdida.

Dirigido por B. Reeves Eason e Joseph Kane, Clyde Beatty – na vida real, um célebre treinador de animais – vê-se envolvido em muitas das mesmas situações de um seriado anteriormente produzido pela Mascot, O Sertão Desaparecido / The Lost Jungle / 1934, no qual ele interpretava também o papel de si mesmo. Há também outra cidade, desta vez habitada, não por um gorila solitário, mas por uma raça de homens brancos, que parecem pertencer a uma outra era da civilização, e sua tropa de guerreiros alados, os Homens-Morcego.

Foram esses estranhos personagens, voando com seus vistosos capacetes de metal, que mais me encantaram pois, graças aos efeitos especiais de Howard e Theodore Lidecker, eles eram totalmente convincentes, muito superiores aos daqueles minúsculos Homens Falcão do seriado Flash Gordon da Universal, lançado no mesmo ano.

Porém a cena que me deixava imaginando se não haveria mesmo possibilidade de escapar, ocorria no capítulo quatorze, intitulado “O Divino Sacrifício”: O dito sacrifício era o de Valerie que, para salvar Clyde e seu irmão Baru, concordava com o pedido de Dagna, de saltar para a morte do alto de um penhasco. No final do capítulo, nós víamos uma figura vestida de branco mergulhar da beira do penhasco e se espatifar entre as rochas lá embaixo. Quando se iniciava o décimo quinto e último episódio, ficávamos aliviados ao ver que Gorn (Edward McWade), o velho Guardião dos Livros da Lei da Cidade Perdida de Joba, impedira Valerie de saltar e pulara em seu lugar vestido com as roupas dela. Depois, como acontece com todas as cidades perdidas dos seriads, a natureza se encarregava de destruir Joba e, naturalmente, somente Clyde e seus amigos escapavam da erupção de um vulcão.

Em O Império Submarino, o submarino que transporta o professor Norton (C. Montague Shaw), seu filho Billy (Lee Van Atta), o oficial da Marinha e superatleta Crash Corrigan (Ray Corrigan), a repórter Diana Compton (Lois Wilde) e mais dois marujos, Briny (Smiley Burnette) e Salty (Frankie Marvin) é atraído para o Continente Perdido de Atlantis, situado no fundo do mar. Ali, os seguidores de Sharad (William Farnum), sumo sacerdote dos verdadeiros atlantianos vivem em luta contra Unga Khan (Monte Blue), o líder dos Guardas Negros, que pretende conquistar o mundo da superfície, usando o seu poderoso Raio Desintegrador, uma máquina capaz de provocar terremotos num alvo preciso.

Este segundo seriado da Republic, também dirigido por B. Reeves Eason e Joseph Kane, mostra inventos futurísticos como raios da morte, robôs (chamados “Volkitas”), veículos blindados, videofone, etc. contrastando com lutas de espada, catapultas, corridas de biga e as vestimentas da antiga Roma ou Grécia. O espetáculo tem cenas muito animadas e talvez o mocinho mais parrudo dos seriados. Corrigan mostra sua grande capacidade atlética na cena em que desce pelo cabo de um elevador, derruba vários guardas e depois monta num cavalo e galopa em direção ao palácio de Sharad.

Em outras ocasiões, o herói enfrenta o exército do comandante dos Guardas Negros, Capitão Hakur (Lon Chaney Jr.), robôs, gladiadores no estilo romano e, no Capítulo Oitavo, encontra-se numa situação bastante difícil. O Capitão Hakur amarra Corrigan na frente do Juggernaut, um ultra-tanque armado, e faz este veículo correr velozmente de encontro aos portões da cidade. Felizmente, no episódio seguinte, alguém grita: “Abram os portões!” e o Juggernaut passa, ainda com Corrigan amarrado na sua parte dianteira, mas incólume.

O famoso detetive de rosto quadrado, chapéu de feltro e rádio transmissor-receptor no pulso, criado nos quadrinhos por Chester Gould em 1931, surgiu na tela em quatro seriados (Dick Tracy, o Detetive / Dick Tracy / 1937, A Volta de Dick Tracy / Dick Tracy Returns / 1938, Novas Aventuras de Dick Tracy / Dick Tracy’s G-Men / 1939, Dick Tracy Contra o Crime / Dick Tracy vs. Crime Inc. / 1941), todos interpretados por Ralph Byrd. Desses quatro, eu vi o primeiro nos anos 50 e os demais, somente anos mais tarde em vídeo ou dvd; mas é exatamente do primeiro que eu quero falar, porque foi o seriado que mais me assustou quando criança.

A  história em quadrinhos de Dick Tracy era singular, particularmente por causa dos vilões imaginados por Gould. Eles eram monstruosidades bizarras, criaturas inacreditáveis que não poderiam ter existido em nenhum lugar deste planeta, nem mesmo nos mais extravagantes freak shows circenses.

Alguns desses tipos grotescos da tira de jornal foram mantidos, quando a Republic resolveu fazer o seriado Dick Tracy, o Detetive. O vilão era tão monstruoso quanto muitos dos arqui-inimigos do detetive  nos quadrinhos. Na trama, o policial tentava pôr fim às atividades de um bandido conhecido como The Spider (O Aranha) ou The Lame One (O Coxo), personagem feíssimo, com uma cabeça grande e calva, circundada por uma faixa de cabelos e ainda tinha as sobrancelhas cerradas. No processo dos vários crimes que O Coxo e sua quadrilha cometiam, entre os quais se incluia o uso de um raio da morte transportado por um avião futurístico, para destruir a Bay Bridge em San Franciso, o Coxo capturava o irmão de Tracy, Gordon (Charleton Young). O principal auxiliar do facínora, um corcunda chamado Dr.Moloch (John Picorri), praticava uma intervenção cirúrgica no cérebro de Gordon, tornando-o um autômato a serviço da quadrilha. No final, a verdadeira identidade do Coxo é revelada: aquela cara feia era apenas um disfarce. Nos seriados seguintes de Dick Tracy, as caracterizações insólitas e aterrorizantes foram substituídas por bandidos mais humanos.

A cena em que o Coxo aparece pela primeira vez num trem, nunca me saiu da memória, não só porque me deu medo, mas também porque era uma cena de cinema puro. A câmera focalizava apenas os seus pés, andando com um dos sapatos deformado e escutavamos o barulho que faz o andar de um manco.”Ele vem aí!”, exclama um dos cinco asseclas que o aguardavam numa das cabines do trem. De repente, surge o Coxo de corpo inteiro e vemos apenas seu vulto negro no escuro. Ele fica parado na porta da cabine e cobra dos cúmplices os resultados de suas ações criminosas. Um deles rebela-se contra o chefe, puxa uma arma e atira. Mas o vulto parece ser imune às balas e reage com uma gargalhada sinistra. “Ele não é humano!”, gritam os homens apavorados. Apavorado também estava eu, encolhido na poltrona de madeira desconfortável do Pirajá.

Dirigido por Ray Taylor e Alan James, Dick Tracy, o Detetive foi considerado um dos melhores seriados dos anos 30 por sua produção cuidada, trama bem urdida e efeitos especiais providenciados pelos irmãos Lydecker, os magos das miniaturas do estúdio. No papel principal, Ralph Byrd, ficou associado ao personagem até sua morte, em 1952, aos 43 anos de idade e se tornou um dos poucos atores reconhecidos como astros do filme seriado sonoro ao lado de Buster Crabbe e Kirk Allyn.

Existem porém preferências pelos outros três seriados de Dick Tracy, dirigidos por William Witney e John English, sob o fundamento de que tinham mais ação. Em A Volta de Dick Tracy / Dick Tracy Returns / 1939 o herói, agora G-Man, lutava contra Pa Stark (personificado por Charles Middleton, o Imperador Ming de Flash Gordon), chefe de uma quadrilha composta por seus cinco filhos perversos, que eram liquidados, um a um, até o último episódio. Neste seriado, foram usados dois “capítulos econômicos”, prática comum para se poupar dinheiro: os personagens recordavam-se de acontecimentos passados, projetando-se em flashback cenas já filmadas, integrantes de episódios anteriores.

Já em Novas Aventuras de Dick Tracy / Dick Tracy’s G-Men / 1939, o oponente de Tracy era o espião internacional Zarnoff (interpretado pelo futuro diretor Irving Pichel), cujos atos de sabotagem correspondiam a tomadas de arquivo de fatos reais como, por exemplo, o desastre do Hindenburg. A derradeira cena deste seriado tinha um clímax original: em pleno deserto, Zarnoff amarrava Tracy numa árvore perto de uma fonte, bebia sadicamente um gole de água e o abandonava para morrer de sede. A água, porém, estava envenenada, e Zarnoff sucumbia no meio do deserto enquanto Tracy era salvo por seus companheiros. No elenco, uma curiosidade: Jennifer Jones, no início da carreira, sob o nome artístico de Phyllis Isley.

Do lado do mal em Dick Tracy contra o Crime / Dick Tracy vs. Crime Inc./ 1941 estava The Ghost (O Fantasma), que conseguia ficar invisível, graças a uma máquina inventada por seu capanga, Lúcifer. No desenlace, Tracy descobria a verdadeira identidade do bandido (numa seqüência sensacional, toda fotografada em negativo) e este, ao tentar fugir, morria eletrocutado por fios de alta tensão.

Alguns anos depois, a RKO-Radio realizou uma série de quatro filmes: Dick Tracy, o Audacioso / Dick Tracy / 1945, de William Berke e O Punhal Sangrento / Dick Tracy vs. Cueball / 1946 de Gordon Douglas, ambos com Morgan Conway, substituído por Ralph Byrd nos dois seguintes: Dick Tracy Luta / Dick Tracy’s Dilemma / 1947 de John Rawlings e Dick Tracy contra o Monstro / Dick Tracy Meets Gruesome / 1947, também de Rawlings, com Boris Karloff como o vilão.

No rádio, Dick Tracy surgiu na voz de Ned Wever. Na abertura do programa, um anunciante dizia: “E agora…Dick Tracy!”. Ouvia-se o barulho de sinais de código radiofônico e depois Tracy dizendo: “Aqui é Dick Tracy no caso do…Estejam prontos para a ação!”. Entrava o som da partida dos carros de polícia e de suas sirenes e de novo a voz de Tracy: “Vamos, rapazes!”. Exclamava o anunciante: “Sim, é Dick Tracy. Protetor da Lei e da Ordem!”.

Cinco seriados, produzidos nos anos quarenta, são muito lembrados pelos fãs nostálgicos: Terry e os Piratas / Terry and the Pirates, Os Tambores de Fu Manchu / Drums of Fu Manchu, O Misterioso Dr.Satã / Mysterious Dr. Satan e O Rei da Polícia Montada / King of the Royal Mounted e Polícia Montada contra a Sabotagem / King of the Mounties. O primeiro e os dois últimos basearam-se em personagens das histórias em quadrinhos.                 .

Milton Caniff já havia deixado a série Dickie Dare (chamada Dick e depois Dan e Dick no Brasil) quando criou Terry e os Piratas em 1934, uma das histórias em quadrinhos mais lidas e estudadas em todo o mundo, não somente por desenhistas, mas também por cineastas, porque usava técnicas cinematográficas no que diz respeito principalmente ao emprego do claro escuro e dos enquadramentos. A sequência de abertura e muitas tomadas de O General Morreu ao Amanhecer / The General Died at Dawn / 1936, (Dir: Lewis Milestone), foram inspiradas pela arte de Caniff.

No seriado, o único dos quatro produzidos pela Columbia (os demais são da Republic), o arqueólogo americano, Dr.Herbert Lee (J. Paul Jones), seu filho Terry (William Tracy), seu assistente, Pat Ryan (Granville Owen), acompanhados pelo criado chinês, Connie (Allen Jung) e pelo e mágico Big Stoop (Victor DeCamp), envolvem-se em muitas aventuras. Eles enfrentam Fang (Dick Curtis), um chefe guerreiro mestiço, e seus Homens -Tigre, que querem se apoderar de um tesouro escondido no Templo de Mara, sob a guarda da sua inimiga, a Mulher Dragão (Sheila D’Arcy). No decorrer dos acontecimentos, Terry e seus amigos fazem amizade com o comerciante Allen Drake (Forrest Taylor) e sua filha Normandie (Joyce Bryant).

Muitos admiradores dos comics reclamaram da eliminação de personagens interessantes como a cantora loura com o coração de ouro, Burma e seu ex-parceiro, o infame Captain Judas, entre outros. O próprio Caniff declarou na sua biografia que odiava o seriado, por ter mudado tanto a sua história em quadrinhos. Mas, seja como for, além do ambiente exótico e tipos pitorescos, o seriado, dirigido por James W. Horne, contém muitas peripécias, encadeadas com eficiência. No final de cada capítulo, uma voz over anunciava os lances do próximo episódio enquanto passavam na tela as imagens correspondentes.

No rádio, Terry e os Piratas chegou ao ar nas vozes de Jackie Kelk (Terry) e Clayton “Budd” Collyer (Patric Ryan). Na abertura do programa, ouvia-se o som de um gongo. Em seguida, tendo como fundo sonoro uma conversa de chineses (na realidade algumas sílabas sem sentido, que pareciam o idioma chinês), o anunciante dizia: “Terry e os Piratas!”. Depois, Kelvin Keech cantava o tema e tocava ukelele. No papel da Mulher Dragão… Agnes Moorehead.

O Rei da Policia Montada, foi criado em 1935 pelo consagrado autor de histórias doOeste, Zane Grey (com base em um de seus romances) e pelo desenhista Allen Dean. Em 1938, Charles Flanders assumiu o lugar de Dean e o deixou um ano depois, sendo substituído por Jim Gary que, tal como Dean, conhecia muito bem o ambiente do Canadá, dos campos gelados do Yukon às intermináveis planícies de Saskatchewan, onde se desenrolavam as aventuras do Sargento King.

Sob o comando de William Witney e John English, o seriado mostra como o Sargento King da Polícia Montada do Canadá (Allan Lane) impede que espiões liderados por Juan Kettler (Robert Strange) e seu capanga Wade Garson (Harry Cording) usem uma substância denominada Complexo X para fins destrutivos. O inventor da substância, o dono de uma mina chamado Merritt foi morto pelos agentes nazistas. King ajuda os filhos de Merritt, Linda (Lita Conway) e seu irmão Tom (Robert Kellard), que é um novato na Polícia Montada, a prender os assassinos de seu pai e fazer com que o Complexo X caia nas mãos certas.

Trata-se de propaganda pura e simples, como foi normal durante a Segunda Guerra Mundial, quando Hollywood estava a serviço do esforço bélico, mas não há dúvida de que é um excelente northwestern com elementos modernos.

A cavalo, em automóvel, lancha, trem ou avião, o sargento King continua a luta contra os agentes inimigos, escapando de desastres em todos estes veículos, sem mencionar os momentos em que se safa de um incêndio ou de ser retalhado por uma serra elétrica.

A melhor cena de ação, no entanto, acontece quando King dá um salto espetacular de uma ponte, para cima de um bandido que está fugindo e os dois, ainda brigando, são arrastados pelas águas de um represa em direção a uma cachoeira.

No capítulo final, King e Tom Merritt estão prisioneiros no submarino de Kettler, trancados na sala de torpedos. King está decidido a explodir os torpedos para impedir a ação dos inimigos. Entretanto, antecipando uma situação semelhante no seriado O Terror dos Espiões / The Spy Smasher / 1942 da Republic, Merritt derruba King, coloca-o a salvo através de um tubo de torpedo e executa o plano de King, sacrificando sua vida.

Se o Sargento King encontrava muitos obstáculos no seu primeiro seriado, eles não significavam nada comparados com as aventuras que ele vivia em Polícia Montada contra a Sabotagem / King of the Mounties / 1942.

Sob a supervisão do Almirante Yamata (Abner Biberman), Conde Baroni (Nestor Paiva) e Marechal Von Horst (William Vaughn), chefes da Quinta Coluna do Eixo no Canadá, país que é bombardeado impiedosamente por um avião inimigo misterioso chamado “O Falcão”, cuja base é na cratera de um vulcão. Ninguém consegue identificar o avião até que um inventor americano, o professor Brent (George Irving) e sua filha Carol (Peggy Drake), chegam com um novo tipo de detector de aeronaves. Como o detector é uma ameaça à sua missão de preparar o Canadá para a invasão, os agentes inimigos mandam Harper (Douglas Dumbrille), o traidor local, seqüestrar Brent. Durante uma patrulha, o Sargento King (Allan Lane) tenta resgatar Brent, porém o inventor é morto. Carol decide prosseguir com o trabalho do pai e, com a ajuda de King, os espiões do Eixo são derrotados.

Parte deste seriado estava perdida, faltando 1 / 3 de sua trilha sonora e um rolo de filme. Ainda há pouco foi feita uma restauração da imagem e do som, mas permanecem trechos sem os diálogos, que foram substituídos por subtítulos. Assim mesmo, dá para perceber que Policia Montada contra a Sabotagem, dirigido por William Witney, é um dos seriados mais excitantes de todos os tempos.

Dois seriados que os fãs nostálgicos nunca esquecem: O Misterioso Dr. Satã / Mysterious Dr. Satan e Tambores de Fu Manchu / Drums of Fu Manchu, ambos dirigidos por William Witney e John English para a Republic e com inesquecíveis vilões.

O Misterioso Dr. Satã foi escrito originariamente para ser mais um seriado do Super-Homem, mas a licença que a  National Comics (depois DC Comics)  dera para o estúdio de animação de Fleischer fazer o seu desenho sobre o Homem de Aço, impedia que outras companhias pudessem usar o personagem na época, mesmo em uma produção não-animada. O script foi subsequentemente modificado, introduzindo-se um novo personagem, substituindo o Super-Homem.

O Dr. Satã (Eduardo Ciannelli), misterioso mestre do crime, inventou um robô, mas ele necessita de um controle remoto desenvolvido por um eminente cientista, Dr. Scott (C. Montague Shaw). Suas tentativas para obtê-lo são frustradas pela aparição do Copperhead (um homem com uma máscara metálica sugerindo a cabeça de uma cobra venenosa) que, na realidade, é Bob Wayne (Robert Wilcox), um rapaz que deseja proteger a sociedade das maquinações do Dr. Satã, que assassinara seu pai. O Dr. Satã faz várias tentativas para se apoderar do controle remoto, ameaçando de morte a filha Dr. Scott, Lois (Ella Neal).

Na sua luta contra o cientista louco, o Copperhead enfrenta todo tipo de perigos, inclusive o de ser encerrado num caixão e empurrado para uma fornalha. No último capítulo, o Dr. Satã planeja destruir o Dr. Scott e o Copperhead com o seu autômato de aço, mas o Copperhead, após uma briga, deixa-o inconsciente. Wayne tira a máscara de Copperhead e coloca-a no Dr. Satã. Quando este se reanima, chegam seus capangas e, confundindo-o com o verdadeiro Copperhead, ordenam que o robô o ataque. O Dr. Satã  vai recuando cada vez mais e acaba caindo na rua, juntamente como  robô, de uma altura de muitos andares.

Apesar dos seus inevitáveis clichês, o seriado apresenta um grande vilão – notável atuação contida de Eduardo Ciannelli num papel tão suscetível de super representação – e as melhores cenas com os stuntmen jamais vistas nas telas em qualquer tipo de filme.

Aquele salto que o Copperhead, dublado pelo excelente David Sharpe, dá de uma varanda do segundo andar de uma casa, indo cair sobre o bandido lá em baixo – é um pulo realmente sensacional.

Os Tambores de Fu Manchu é outro grande seriado realizado pela Republic e se baseia nas histórias escritas por Sax Rohmer um dos romancistas mais populares dos anos vinte. O personagem chegou às telas em várias ocasiões, notadamente em A Máscara de Fu Manchu / The Mask of Fu Manchu / 1932, filme dirigido por Charles Brabin, tendo no elenco: Boris Karloff, Myrna Loy, Lewis Stone, Charles Starrett e Karen Morley.

Fu Manchu (Henry Brandon) lidera uma organização secreta cujo propósito é fomentar a guerra na Ásia Central. Ajudado por sua filha, Fah Lo Suee (Gloria Franklin), ele procura o cetro perdido de Gengis Khan, que lhe dará autenticidade, como um novo conquistador do mundo. Sir Nayland Smith (William Royle), representante do British Foreign Office e o jovem Alan Parker (Robert Kellard), filho de um arqueólogo assassinado por Fu Manchu, impedem que as intenções maléficas deste se concretizem.

O seriado distingue-se antes de tudo pela ênfase dada aos elementos de mistério e pelos inaginativos momentos de perigo arquitetados pelo diabólico oriental como, por exemplo, Allan caindo em uma armadilha onde um polvo o esperava com seus ansiosos tentáculos, o lagarto envenenado na cama de Sir Nayland ou a tortura com o pêndulo oscilante, igual àquele de The Pit and the Pendulum de Edgar Allan Poe.

Tal como Eduardo Ciannelli em O Misterioso Dr. Satã, Henry Brandon “rouba” o espetáculo com a sua composição perfeita de Fu Manchu, apresentando-se como uma figura alta e imponente e aparência sinistra, ajudada pela maquilagem e vestimenta orientais.

Encerro este artigo, mencionando o seriado que mais me fez vibrar no tempo da minha infância, não só por causa dos extraordinários cliffhangers como pelo ingrediente de mistério, que nos fazia participar ainda mais intensamente do espetáculo.

O Maravilhoso Mascarado / The Masked Marvel / 1943 (dirigido magnificamente por Spencer Gordon Bennet), tal como O Guarda Vingador / The Lone Ranger / 1938, invertia a tendência habitual e mantinha a identidade do herói, e não a do vilão, desconhecida até o final.

O Maravilhoso Mascarado é um dos quatro agentes especiais de uma companhia de seguros – Bob Barton (David Bacon), Frank Jeffers (Richard Clarke), Terry Morton (Bill Healy) e Jim Arnold (Rod Bacon) – que enfrentam o japonês Mura Sakima (Johnny Arthur), responsável por atos de sabotagem nas indústrias de guerra. Alice Hamilton (Louise Currie), filha de um dos diretores da seguradora, une-se aos quatro agentes na sua luta contra Sakima. No derradeiro episódio, dois dos quatro investigadores, Frank e Jim, já tinham sido mortos, sobrando apenas Bob e Terry, para o público decidir qual deles era o Maravilhoso Mascarado, cuja verdadeira identidade somente Alice conhecia.

O Maravilhoso Mascarado era na verdade o stuntman Tom Steele em quase todas as tomadas, a não ser naquela em que tirava a máscara, quando então aparecia a figura do ator que fazia o personagem do investigador escolhido pelos seis roteiristas (Royal Cole, Ronald Davidson, Basil Dickey, Jessé Duffy, Grant Nelson, George Plympton, Joseph Poland) para ser o herói.

Como a voz anasalada de Steele não correspondia à imagem de um homem valente e corajoso, ele foi dublado pelo ator radiofônico Gayne Whitman. Mas o trabalho de Steele como dublê esteve impecável. Entre as cenas de ação espetaculares, destacava-se aquela em que O Maravilhoso Mascarado jogava seu automóvel de encontro a um carrinho manual de estrada de ferro cheio de explosivos, para impedir que ele colidisse com um trem, salvando-se a si próprio em uma fração de segundo.

Mais um momento de grande emoção que fazia a garotada vibrar dentro do cinema.

BUSBY BERKELEY

Durante os anos 30 e 40, um artista imensamente criativo marcou o percurso do filme musical, impondo-se como um dos gênios do Cinema: Busby Berkeley.

Ele descobriu por instinto que a câmera tinha de dançar mais que os próprios dançarinos e, com extraordinária imaginação e notável senso visual, elaborou um estilo incomparável. Busby acompanhava os bailarinos em travellings velozes, até chegar às tomadas de ângulo superior sobre os motivos geométricos de suas evoluções, que se compunham e se desmanchavam como num caleidoscópio. E usando também, com muita audácia, cenários gigantescos, luxo, sensualidade e estilização, forjou beleza e fantasia inimitáveis, constituindo-se um dos mais peculiares contribuidores da arte cinematográfica.

Busby Berkeley (William Berkeley Enos) nasceu a 29 de novembro de 1895, em Los Angeles, Califórnia, filho de Francis Enos e Gertrude Berkeley, ambos artistas de teatro. Aos doze anos, já órfão de pai, Busby entrou para a Academia Militar de Mohegan Lake, perto de Peekskill, Nova York enquanto que a mãe continuou nos palcos, alcançando certo prestígio em peças de Ibsen, ao lado de Alla Nazimova.

Diplomado em 1914, o jovem começou a trabalhar numa fábrica de sapatos. Quando os Estados Unidos entraram na Primeira Guerra Mundial, ele se alistou no Exército, sendo um dos escolhidos para treinamento especial na famosa Escola de Artilharia de Saumur, na França. Durante o confronto, descobriu seu verdadeiro talento e, tanto fez, que acabou encenando espetáculos variados para as tropas.

Ao retornar à América, Busby atuou como ator e coreógrafo de musicais numa companhia teatral itinerante. Sua reputação cresceu rapidamente e, em 1928, ele coreografou cinco shows da Broadway, um feito considerável para um homem que nunca havia estudado seriamente nem coreografia nem dança.

Após o sucesso na Broadway, chegou o convite para Hollywood. A princípio, Busby não ficou muito animado (“Eu havia visto alguns filmes musicais e não ficara impressionado: pareciam terrivelmente estáticos e muito limitados”), mas, diante da insistência, cedeu: e rumou para a Terra do Cinema, com a missão de encenar os números de dança de Whoopee / Whoopee / 1930, uma produção Samuel Goldwyn / Florenz Ziegfeld, dirigida por Thornton Freeland.

Filmado em duas cores, o filme, passado em ambiente de faroeste, girava em torno de um rapaz hipocondríaco, interpretado por Eddie Cantor, e nele Busby apanhava do alto as formações de coristas – entre elas Betty Grable aos 15 anos -, que também eram focalizadas em closeups, uma inovação na época (“Temos estas garotas maravilhosas, por que não deixar que o público as veja?”).

Busby procurou Goldwyn, disse-lhe que queria filmar seus próprios números e obteve a permissão (“Quando entrei no set para começar a filmagem, deparei com quatro câmeras e as respectivas equipes, e pedi ao meu assistente uma explicação. Ele me disse que a técnica usual era filmar de quatro posições diferentes e que o montador depois faria uma seleção das tomadas e comporia uma cena. Com uma demonstração de atrevimento, anunciei: ‘Bem, esta não é a minha técnica. Só uso uma câmera. Portanto, dispense as outras…’ Minha idéia era planejar cada tomada e montar com a câmera”).

Busby libertou a câmera, colocando-a em toda sorte de posições inclusive em gruas, a fim de chegar à altura que favorecesse a imagem que ele queria. Ele a colocou, não somente acima das cabeças dos dançarinos, mas também entre suas pernas, debaixo d’água, por cima de edifícios, focalizando o corpo feminino com um erotismo fetichista ou como “objeto” para as suas formações surrealistas. Foi também responsável por planos seqüência memoráveis.

Terminado Whoopee, ele assinou contrato com a Paramount. O primeiro compromisso que surgiu foi Kiki / Kiki / 1931 de Sam Taylor, protagonizado por Mary Pickford e, posteriormente, Goldwyn chamou-o de volta para um novo filme com Eddie Cantor, O Homem do Outro Mundo / Palmy Days / 1931, dirigido por Eddie Sutherland, no qual Cantor fazia um rapaz meio apalermado, envolvido com espertalhões. Em ambos os filmes, Busby não pôde demonstrar muito sua aptidão artística e pensou em partir para Nova York. Mas Mervyn Leroy, que substituiria Sutherland brevemente, convenceu-o a continuar no Cinema.

Enquanto aguardava melhores oportunidades, o coreógrafo prestou serviço à firma de Fanchon e Marco, especializada em produzir prólogos, ou seja, pequenos interlúdios musicais para servirem como atrações “ao vivo” nos palcos dos cinemas antes da projeção do filme principal. Subseqüentemente, trabalhou em Voando Alto / Flying High / 1931, Mundo Noturno / Night World / 1932 e Ave do Paraíso / Bird of Paradise / 1932, dirigidos, pela ordem, por Charles Riesner, Hobart Henley e King Vidor, exercícios pouco estimulantes.

O terceiro filme com Goldwyn e Eddie Cantor, O Meu Boi Morreu / The Kid from Spain / 1932, dirigido por Leo McCarey, propiciou-lhe maior criatividade, sendo muito lembrados o número numa enorme piscina com as Goldwyn Girls (entre elas, Paulette Goddard, Lucille Ball, Betty Grable e Virginia Bruce) em intrincadas posições de balé aquático e o da boate mexicana com as garotas formando uma tortilla humana.

Quando Darryl Zanuck persuadiu os chefes da Warner a investirem 400 mil dólares num musical, Rua 42 / 42nd Street / 1933, e entregou a direção a Lloyd Bacon, Mervyn Leroy indicou Busby como diretor de dança.

Rua 42 mostrava os bastidores de uma revista com a situação clássica da corista que, na última hora, se torna estrela do espetáculo. A corista era Ruby Keeler, esposa de Al Jolson, estreando no Cinema. Ela faria ao todo dez filmes musicais na Warner, formando, em oito deles, uma dupla romântica com Dick Powell. No elenco, além de Ruby e Powell, estavam Warner Baxter, Bebe Daniels, George Brent, Una Merkel, Guy Kibbee e Ginger Rogers, uma gracinha, de suspensórios e monóculo.

No número da canção-título, Ruby aparece primeiramente em close-up e, à medida que a câmera se afasta, ela é vista sapateando na capota de um táxi. A certa altura, os edifícios começam a dançar e o truque foi este: Busby colocou suas bailarinas numa escada gigantesca e, enquanto dançavam, cada qual segurava um cenário, onde tinha sido pintada a fachada de um prédio. O filme provocou o retorno da onda de musicais, ajudou a Warner a crescer e assegurou a Busby continuidade de emprego nos anos seguintes.

Ele havia sido chamado pela Warner só para fazer Rua 42, mas, antes de terminá-lo, assinou um contrato de sete anos, e o estúdio não perdeu tempo, informando-lhe da nova incumbência: Cavadoras do Ouro / Gold Diggers of 1933, dirigido por Mervyn LeRoy. Três jovens artistas do show business – Ruby Keeler, Joan Blondell e Aline MacMahon) – moram juntas num apartamento. Um rapaz rico (Dick Powell), com pretensões a compositor, corteja Ruby, sofrendo oposição da família. O irmão mais velho de Powell (Warren William) e o seu advogado (Guy Kibee) fazem tudo para terminar o romance, mas afinal se apaixonam respectivamente por Blondell e MacMahon.

Ginger Rogers abre o filme com um vestido coberto de moedas, cantando “We’re In The Money”, num cenário espetacular. Em “Pettin’ in the Park”, vários casais namoram num parque e, ao cair a chuva, as meninas vão mudar de roupa, vendo-se em silhuetas o contorno dos belos corpos desnudos – um toque erótico muito usado por Berkeley. Em outro número, “Remember my Forgotten Men”, 150 figurantes marcham uniformizados de soldados numa roda enorme enquanto Joan Blondell lembra os heróis esquecidos, que se transformaram em desempregados famintos durante a Depressão.

A obra-prima, entretanto, surge com “The Shadow Waltz”, quando 80 garotas, tocando violinos brancos, evoluem numa escadaria monumental e, no clímax, são filmadas do alto e no escuro, formando, num belíssimo efeito, a prodigiosa imagem de um violino fosforescente.

Ao entrar para a Warner, Busby deixou claro que queria dirigir filmes e não apenas inventar seqüências musicais. O estúdio então permitiu que ele dirigisse, assessorado pelo montador George Amy (“Aprendi muito com George sobre montagem, o que me ajudou na elaboração de minha própria técnica”), Amor por Atacado / She Had to Say Yes / 1933, filmezinho de rotina com Loretta Young, que serviu apenas para demonstrar sua capacidade em dirigir um filme inteiro.

Belezas em Revista / Footlight Parade / 1933, de Lloyd Bacon, o terceiro filme da Warner no subgênero “musical de bastidores”, não tinha quase intriga. A figura central era um produtor de teatro musicado interpretado dinamicamente por James Cagney, que idealizava a realização dos tais prólogos, nos quais, como vimos, Busby havia trabalhado em determinada fase de sua carreira. Joan Blondell era sua secretária e Ruby Keeler e Dick Powell, dois artistas A primeira parte do filme mostrava o lufa-lufa na preparação desses espetáculos, alternando-se pequenos trechos cômicos e românticos. Mais para o desenlace, seguiam-se três números musicais formidáveis “Honeymoon Hotel”, “Shanghai Lili” e “By the Waterfall”. “Honeymoon Hotel”, tem a forma de uma mini-opereta, na qual todo o diálogo rimado é cantado, mostrando com bom humor uma lua-de-mel continuamente interrompida. Em “Shanghai Lili” são inolvidáveis os tracking-shots pelo bar chinês, imerso numa atmosfera sternbergniana, o sapateado de Cagney e Ruby Keeler, a briga, e o desfecho eufórico e patriótico com os soldados formando a águia, a bandeira americana e o rosto de Roosevelt. “By the Waterfall”, com duração de cerca de 15 minutos, chama atenção pelo fantástico balé aquático com dezenas de garotas deslizando por várias cascatas e se agrupando em formações prismáticas, cada uma mais inventiva que a outra. Entre as chorus girls: Dorothy Lamour e Ann Sothern. Na estréia de Belezas em Revista em Nova York, o público, de pé, ovacionou o número e isto sempre aconteceu nas reprises, inclusive na Mostra programada pela USIS e pela Cinemateca do MAM em junho de 1980.

Busby se comprometera com a Warner, mas tinha ainda que rodar um filme para Samuel Goldwyn. Em Escândalos Romanos / Roman Scandals / 1933, dirigido por Frank Tuttle, Eddie Cantor faz o papel de um rapaz do Oklahoma, que sonhava ter voltado à Roma antiga, e tinha a seu lado a cantora Ruth Etting. O número mais famoso do filme era “No More Love”, culminando no mercado de escravas com as garotas inteiramente nuas. Busby convenceu as meninas a tirarem a roupa e elas concordaram, desde que a cena fosse filmada à noite com o set de portas fechadas e longas perucas louras cobrindo suas partes …estratégicas.

Voltando à Warner, Busby fez, em 1934, Wonder Bar / Wonder Bar, Modas de 1934 / Fashions of 1934 e Mulheres e Música / Dames, respectivamente dirigidos por Lloyd Bacon, William Dieterle  e Ray Enright.

Em Wonder Bar, cuja ação transcorre toda numa casa noturna de fama internacional, Dolores Del Rio e Ricardo Cortez formam um par de dançarinos. Cortez, um oportunista, despreza Dolores e esta acaba apunhalando-o, quando vê que ele vai abandoná-la por uma ricaça (Kay Francis). O dono do estabelecimento e entertainer (Al Jolson) e o cantor (Dick Powell), interessam-se ambos por Dolores; mas é Powell que, no final, conquista o coração da dançarina.

Num dos números mais brilhantes, “Don’t Say Goodnight”, Busby constrói um octógono de espelhos, que refletem as imagens dos bailarinos, multiplicando-os ao infinito, num efeito maravilhoso. Em outro número, “Going to Heaven on a Mule”, Al Jolson, com a cara pintada de graxa, passa pelas portas de São Pedro e penetra num Paraíso de 200 rapazes e moças na pele de anjos e querubins negros.

Modas de 1934 tem um argumento mais original para ligar os números musicais. William Powell, um vigarista do mundo da moda, chega com seus cúmplices Bette Davis e Frank McHugh a Paris, onde encontram um jovem compositor (Philip Reed), um comerciante da Califórnia (Hugh Herbert) que está tentando induzir os costureiros a usarem mais plumas em suas criações, e uma velha conhecida (Verree Teasdale), disfarçada de duquesa russa. Esta está de amores com um costureiro famoso (Reginald Owen), cujos modelos Powell pretende roubar. No final vem o número “Spin a Little Web of Dreams”, que é um desfile suntuoso de garotas – formando uma decoração de harpas humanas e em seguida carregando leques de plumas de avestruz, até formarem uma grande rosa-, fotografadas com a fluência característica de Berkeley.

Mulheres e Música reúne de novo Dick Powell e Ruby Keeler. Guy Kibbee, sua esposa ZaSu Pitts e a filha, Ruby Keeler,  herdarão dez milhões de dólares do primo milionário, excêntrico e puritano de ZaSu (Hugh Herbert), se suas vidas passarem pelo escrutínio moral dele, que detesta o pessoal do show business. Infelizmente, Ruby está apaixonada por Powell, um jovem compositor. Para complicar a situação, Joan Blondell, uma corista, chantageia Kibbee, depois que ela dormiu na cabine do trem em que viajavam. Embora inocente, mas com receio de perder os milhões do primo, Kibbee paga a soma exigida por Blondell. Com o dinheiro de Kibbee, Blondell e Powell montam um musical na Broadway, do qual Ruby participa como estrela.

No número mais empolgante “I Only Have Eyes for You”, Dick e Ruby se encontram na frente de um cinema, tomam o metrô e adormecem durante o trajeto. No sonho de Dick, surgem dezenas de garotas usando máscaras de Ruby. Cada uma delas tem um retângulo nas costas e, ao se aproximarem, inclinando-se, montam um gigantesco quebra-cabeça com a imagem de Ruby. No final, ocorre outra fascinante formação rítmica com as garotas de blusas brancas e calças pretas fragmentando-se em desenhos abstratos e mosaicos florais, vistos bem do alto pela câmera. Como disse alguém, Busby Berkeley ultrapassou Euclides em matéria de geometria.

A história de Mordedoras de 1935 / Gold Diggers of 1935, dirigido pelo próprio Busby Berkeley, desenrola-se num balneário durante um veraneio, onde o empregado do hotel Dick Powell namora a tímida Gloria Stuart, filha de uma senhora milionária (Alice Brady) enquanto sua noiva (Dorothy Dare), seduz o filho da ricaça (Frank McHugh). Alice contrata um empresário russo (Adolph Menjou) para dirigir seu espetáculo anual beneficente, surgindo as complicações.

Durante o baile de caridade, no número “The Words Are in My Heart”, Busby coloca 56 garotas sentadas em 56 pianos brancos que rodopiam e se mexem ao som da valsa, como se fossem recrutas em exercícios militares. O segredo é simples: debaixo de cada piano, extremamente leve, havia uma pessoa usando calças pretas, seguindo certas marcações num assoalho também preto.

Mas a grande atração do filme é o número “The Lullaby of Broadway”, crônica triste das últimas 24 horas na vida de uma garota das noites de Nova York. Quase um filme dentro do filme, ele se abre como o rosto de Wini Shaw, visto a distância como um ponto branco, que vai aumentando até o close-up isolado na tela escura. Depois, a câmera focaliza o rosto de Wini, de cabeça para baixo, e ele se dissolve numa vista aérea de Manhattan. Ali se sucedem lances incríveis de fantasia cinematográfica, atingindo o auge com um sapateado por centenas de bailarinos, fotografados de todos os ângulos concebíveis, num frenesi que deixa a platéia eletrizada. Logo depois, vem a queda de Wini de um arranha-céu, gritando e girando no espaço a caminho da morte, e o número se encerra, tal como começou, com o rosto de Wini desaparecendo aos poucos da tela negra.

Os filmes de Berkeley na Warner devem muito às maravilhosas canções de compositores como Harry Warren, Al Dubin, Richard Whiting e Johnny Mercer. Elas não ajudavam a desenvolver o personagem ou a avançar a intriga como num musical integrado; queriam apenas oferecer alguns momentos melodiosos no decorrer da narrativa. Em muitos casos, a maioria dos números musicais eram guardados para a parte final do filme, quando eram mostrados numa espécie de seqüência de montagem.

Entre 1935 e 1936, Busby fez cinco filmes, sendo três dirigidos por ele mesmo – Pilhérias da Vida / Bright Lights / 1935 com Joe E. Brown; Vivo para o Amor / I Live for Love / 1935 com Dolores Del Rio e o cantor Everett Marshall e Caprichos de Estrela / Stage Struck / 1936 com Dick Powell e Joan Blondell – e outros dois, Por uns Olhos Negros / In Caliente / 1935 e Estrelas da Broadway / Stars Over Broadway / 1935, sob o comando respectivamente de Lloyd Bacon e William Keighley, sendo o primeiro protagonizado por Dolores Del Rio e o segundo por Pat O’Brien, tendo a seu lado o tenor James Melton e a cantora de rádio Jane Froman.

Em setembro de 1935, Busby voltava de uma festa, quando estourou o pneu dianteiro do seu carro, causando um acidente, no qual morreram três pessoas. Processado criminalmente, Busby acabou sendo absolvido; mas os vários julgamentos o abalaram muito, emocional e fisicamente, pois estava num ritmo de trabalho intenso.

Cavadoras do Ouro de 1937 / Gold Diggers of 1937, mantém a tradição dos dispendiosos musicais da Warner, com cenários luxuosos e números com toda a verve de Berkeley. Dirigido por Lloyd Bacon, o filme mostra Dick Powell como um corretor de seguros, que preferia estar no show business. Powell vai vender uma apólice para um produtor teatral hipocondríaco (Victor Moore), cujos sócios aplicam mal o dinheiro da firma; com a ajuda de duas coristas (Joan Blondell, Glenda Farrell), ele não só salva o velho de um esquema criminoso armado pelos parceiros inescrupulosos como consegue montar um espetáculo.

Num dos magníficos números musicais, “Let’s Put Our Heads Together”, Busby coloca 50 enormes cadeiras de balanço, cada qual com um par de namorados, criando um efeito encantador, e, no final, em “All’s Fair in Love and War”, demonstra mais uma vez seu pendor para as marchas militares, apresentando 70 coristas com vistosos uniformes brancos e carregando bandeiras e tambores em inúmeras formações, contrastando com o assoalho preto, bastante lustroso.

Ainda como contratado da Warner, Busby dirigiu filmes de gêneros variados, nos quais, contando com menos recurso financeiro, fez o que pôde: Querer é Poder / The Go-Getter / 1937 com George Brent e Anita Louise; Hotel de Hollywood / Hollywood Hotel / 1937 com Dick Powell, Lola Lane e Frances Langford; Os Homens são uns Trouxas / Men are such Fools / 1938 com Wayne Morris, Priscilla Lane e Humphrey Bogart; No Mundo da Lua / Garden of the Moon / 1938, com Pat O’Brien, Margaret Lindsay e John Payne; Promessa Cumprida / Comet Over Broadway / 1938, com Kay Francis e Ian Hunter e Tornaram-se um Criminoso / They made me a Criminal / 1938, com John Garfield, Claude Rains, Ann Sheridan e Os Anjos de Cara Suja.

Busby criou também duas seqüências para O Cancioneiro Naval / The Singing Marine / 1937 de Ray Enright, os números de Cavadoras em Paris / Gold Diggers in Paris/ 1938, também de Enright, e o final de Aprenda a Sorrir / Varsity Show / 1937 de William Keighley. Neste último, para saudar as universidades e academias militares americanas, Busby dispôs num enorme palanque centenas de dançarinos que iam formando as iniciais e a insígnias das diversas instituições. Ele já havia concorrido ao Oscar de Melhor Direção de Danças (conferido pela Academia entre 1935 e 1937) com dois de seus números de Mordedoras de 1935 e, com essa coreografia de Aprenda a Sorrir, teve mais uma indicação.

Ao expirar o contrato com a Warner, Busby atendeu ao chamado da MGM para elaborar o final de Serenata da Broadway / Broadway Serenade / 1939, dirigido por Robert Z. Leonard e estrelado por Jeanette MacDonald e Lew Ayres.

Após este trabalho, ofereceram-lhe condições irrecusáveis, e ele iniciou sua fase na Marca do Leão com Sangue de Artista / Babes in Arms / 1939, o primeiro dos quatro musicais que faria com Mickey Rooney e Judy Garland, todos produzidos por Arthur Freed, o grande animador do gênero nos anos 40 / 50. Para Busby, era um mundo bem diferente dos dias na Warner, pois o número musical teria que ser parte da história e não haveria tanto espaço à disposição para expor as coristas. Ele, porém, adaptou-se às circunstâncias e nos brindou com um excelente final, “God’s Country”, filmado em três dias com a participação de dez pares de adolescentes, nove crianças, 20 músicos e 61 dançarinos.

Antes de fazer o segundo musical com Rooney e Garland, Busby  dirigiu Um Casal em Apuros / Fast and Furious / 1939, delicioso filme de mistério com Franchot Tone  e Ann Sothern  como um casal de livreiros metido a detetive e Mamãe eu Quero / Forty Little Mothers / 1940, comédia sentimental tendo Eddie Cantor como um professor solitário que encontra um bebê abandonado e o leva para um colégio de moças.

A excelente renda de bilheteria de Sangue de Artista e o elogio dos críticos à dupla Judy / Mickey, os induziram naturalmente a uma continuação para aproveitar o sucesso.

Em O Rei da Alegria / Strike up the Band / 1940, Busby uniu-se de novo aos dois admiráveis astros juvenís e engendrou, entre outros, os números:”Do the la Conga”, no qual foram usados os mais variados ângulos de câmera capazes de serem imaginados; o do prato de frutas que se transforma miraculosamente numa orquestra sinfônica (este com a ajuda de Vincente Minnelli e George Pal); e o final patriótico “Strike up the Band”, aproveitando muito bem os metais dos músicos de Paul Whiteman.

A seguir, Busby teve outra oportunidade de assumir a direção de um filme sem música, Loura Inspiração / Blonde Inspiration / 1941 e de apenas dirigir os números musicais de O Mundo é um Teatro / Ziegfeld Girl / 1941 e Se Você Fosse Sincera / Lady Be Good / 1941.

Em O Mundo é um Teatro, com direção a cargo de Robert Z. Leonard e estrelado por James Stewart, Hedy Lamarr, Lana Turner e Judy Garland, o que ele fez de melhor foi o exótico “Minnie from Trinidad”, um calipso com Judy e coro de bailarinas vestidas na moda dos trópicos e a extravaganza final, cantada por Tony Martin, “You Stepped Out of a Dream”, um desfile de mulheres glamourosas, ornadas de enfeites, descendo uma imensa escadaria em espiral, parte dos opulentos cenários criados por Cedric Gibbons.

Em Se Você Fosse Sincera, sob os cuidados de Norman McLeod e estrelado por Eleanor Powell, Robert Young e Ann Sothern, a grande atração foi “Fascinating Rhythm”, envolvendo oito grandes pianos, 100 dançarinos de casaca, cartola e bengala e uma espetacular cortina de chiffon ziguezagueando por um vastíssimo palco. Freed deu um ultimato a Berkeley: “Você tem três dias para ensaiá-lo e um dia para filmá-lo”.Busby começou a filmar às nove horas da manhã; às dez horas da noite seu fotógrafo, George Folsey, teve que ser substituído; às duas horas e meia da madrugada, a equipe deixou o set.

Calouros na Broadway / Babes on Broadway / 1941, o terceiro da série Freed / Berkeley / Rooney / , tal como seus predecessores, tinha tudo para agradar. Como sempre, o argumento girava em torno de jovens artistas dispostos a vencerem no show business e Mickey e Judy, com toda a corda, dançam, cantam e fazem imitações, entre elas uma de Carmen Miranda, por Mickey Rooney. Em destaque: “Hoe Down” – versão atualizada em ritmo de swing da old square dance, com Mickey, Judy, 75 moças e rapazes e os Six Hits and a Miss (Seis Rouxinóis e uma Cotovia) – e um apoteótico número de menestréis, no qual Mickey tira um solo de banjo de “Swanee River” e “Alabama Bound”.

Na MGM, Busby teve ainda a incumbência de cuidar do final de Mocidade do Barulho / Born to Sing / 1942 de Edward Ludwig; de dirigir (deixando as danças para Bobby Connoly) Idílio em Dó-Ré-Mi / For me and my Gal / 1942, homenagem nostálgica ao vaudeville de antes da Primeira Guerra Mundial com Judy Garland e Gene Kelly; de encenar o encerramento de Louco por Saias / Girl Crazy / 1943, último filme da dupla Rooney-Garland, dirigido por Norman Taurog.

Emprestado a Fox, Busby reviveu seu famoso estilo de tanto sucesso nos anos 30 em Entre Loura e Morena / The Gang’s All Here / 1943, agora com o auxílio de um equipamento moderno e do deslumbrante Technicolor. Berkeley contou com a colaboração de Harry Warren, o mesmo compositor que supriu de belas canções seus antigos musicais na Warner. Warren e o letrista Leo Robin criaram meia dúzia de músicas para o genial diretor de dança visualizar com sua prodigiosa imaginação. Entre elas, duas baladas para Alice Faye e, para Carmen Miranda, a muito apropriada “The Lady in the Tutti-Frutti Hat”, que gerou um número sensacional: Carmen surge numa carroça puxada por dois bois pintados de dourado, ela toda ornamentada de bananas e morangos e um enorme turbante. Ela canta e, depois, a câmera desliza vertiginosamente em planos inclinados por sobre as nativas seminuas que, segurando enormes (e fálicas) bananas, produzem formas ondulantes de grande beleza, num esplendor kitsch inolvidável. No desfecho do número, a objetiva recua, mostrando a cornucópia de bananas na cabeça de Carmen. Neste seu quinto filme em Hollywood, Carmen canta ainda “Aquarela do Brasil”, acompanhada pelo Bando da Lua, com uma introdução igualmente criativa.

No epílogo, emoldurando a canção “The Polka Dot Polka”, irrompe uma féerie surrealista com surpreendentes efeitos cinematográficos. Após uma orgia de imagens estilhaçadas e arcos iluminados, a seqüência culmina com os rostinhos dos componentes do elenco – cantando “Journey to a Star” – espalhados na tela.

Terminado Entre Loura e Morena, a MGM cedeu Busby para a Warner, onde, depois de dirigir Cinderella Jones / 1946 com Joan Leslie e Robert Alda, ele se desentendeu com Jack Warner e cancelou seu contrato.

Veio então um longo período de desemprego e depressão, a tentativa de suicídio e a internação num sanatório. Somente em 1948, Busby voltou ao Cinema, orientando os números musicais de Romance em Alto Mar / Romance on the High Seas, de Michael Curtiz, estrelado por Doris Day. Logo em seguida, Arthur Freed entregou-lhe a direção de A Bela Ditadora / Take Me out to the Ball Game / 1949 com Gene Kelly, Frank Sinatra e Esther Williams.

A Bela Ditadora seria o último filme de Busby como diretor. Daí em diante, ele apenas criaria ou dirigiria os números musicais de: Quando Canta o Coração / Two Weeks with Love / 1950 de Roy Rowland com Jane Powell e Ricardo Montalban; Minha Cara-Metade / Call Me Mister / 1951 de Lloyd Bacon com Betty Grable e Dan Dailey; Vinho, Mulheres e Música / Two Tickets to Broadway / 1951 de James V. Kern com Tony Martin e Janet Leigh; A Rainha do Mar / Million Dollar Mermaid / 1952 de Mervyn Leroy com Esther Williams e Victor Mature; Senhorita Inocência / Small Town Girl / 1953 de Leslie Kardos com Jane Powell, Farley Granger e Ann Miller; Fácil de Amar / Easy to Love / 1953 de de Charles Walter com Esther Williams e Van Johnson; Rose Marie / Rose Marie / 1954 de Mervyn LeRoy com Ann Blyth e Howard Keel; e, finalmente, encarregar-se-ia da direção de 2ª unidade em A Mais Querida do Mundo / Jumbo / 1962 de Charles Walter com Doris Day e Stephen Boyd.

Nesta derradeira fase de sua carreira destacam-se: o número em Senhorita Inocência, no qual apenas os braços e os instrumentos de uma orquestra são visíveis no chão e nas paredes enquanto Ann Miller sapateia e o balé aquático de Annette Kellerman (Esther Williams) no New York Hippodrome em A Rainha do Mar, filmado quase todo de um helicóptero com os esquiadores zunindo através dos ciprestes e gêiseres do lago Eloise na Flórida;

.     Busby Berkley faleceu em 14 de maio de 1976, aos 80 anos de idade, e as palavras de Arthur Freed, resumiram suas qualidades: “Ele foi provavelmente o talento mais notável dos primeiros dias dos filmes musicais. Tinha um senso inato da câmera, um “olho” fantástico. Suas criações são como sonhos da imaginação”.

BUCK JONES

Um dos maiores rivais de Tom Mix foi criado ali, ao seu lado, na Fox Film Company. Para mostrar ao famoso astro, que tinha um substituto pronto para assumir o lugar dele, o astuto William Fox preparou Buck Jones, jovem figurante que já havia aparecido inclusive em três filmes de Mix.

Buck, cujo verdadeiro nome era Charles Frederick Gebhart, nasceu a 4 de dezembro de 1891, filho de Charles Gebhart e Evelyn Showers em Vincennes, Indiana . Passou a infância na fazenda do pai, nas vizinhanças de Red Rock, Território Índio, hoje Oklahoma, para onde a família se mudara. Buck obteve o primeiro emprego como ajudante de mecânico numa fábrica de automóveis, a Marmon Automobil Company. Aos 15 anos, mentindo sobre sua idade, alistou-se no Exército, incorporando-se ao 6º Regimento de Cavalaria. Ele serviu na fronteira com o México e prestou serviços também nas Filipinas, onde foi gravemente ferido na perna esquerda, ao perseguir um notório bandido da região. Em 1913, desligado das obrigações militares, Buck ingressou no Miller Brothers 101 Wild West Show para uma temporada pelos Estados Unidos como cavaleiro de rodeio.

Embora esses fatos constem de várias biografias de Buck Jones eles devem ser colocados sob suspeita, pois os publicistas costumavam desvirtuar a realidade, para promoverem os astros e os historiadores geralmente endossam o que eles disseram.

Em 1914, Buck estava se exibindo no Madison Square Garden com o Miller Brothers 101, quando conheceu e se apaixonou por Odelle Osborne, uma jovem amazona do circo. Os dois trabalharam juntos no circo de Julia Allen, casando-se, em 11 de agosto de 1915, no meio do picadeiro durante uma função na cidade de Lima, Ohio. O matrimônio com Odelle duraria a vida toda, nascendo dessa união uma filha, Maxine.

Com a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, o casal foi morar em Chicago, onde Buck trabalhou como treinador de cavalos para os exércitos francês e britânico. Terminado esse trabalho, os dois voltaram ao mundo do circo, agregando-se ao Gollman Brothers Circus. Encerrada a temporada circense, Buck e Odelle partiram para Indianópolis, onde ele trabalhou como piloto de provas na Stutz Motor Company.

Porém foi com o Ringling Brothers Circus que Buck Jones chegou a Hollywood. Buck começou em 1918 como stuntman em westerns de dois rolos da Universal, ganhando cinco dólares por dia, transferindo-se depois para uma companhia independente, Canyon Pictures, na qual atuou numa série de filmes de Franklyn Farnum.

A Fox contratou Buck como dublé e figurante a 40 dólares semanais e, nessa ocasião, ele apareceu em filmes de William Farnum e Tom Mix. Em 1920, ganhou o estrelato em Quem Não Arrisca / The Last Straw e, diante do sucesso, William Fox percebeu que tinha algo mais do que “um martelo para bater na cabeça de Tom Mix”.

Embora tivessem trabalhado para o mesmo estúdio por dez anos (1918 a 1927), Tom Mix e Buck Jones nunca atuaram juntos. A Fox chegou a pensar em reuní-los – e mais George O’Brien – num filme que seria dirigido por John Ford, Three Bad Men. Porém o projeto foi alterado e o filme foi realizado apenas com George O’Brien no papel principal e os atores característicos Tom Santschi, J. Farrell MacDonald e Frank Campeau como os três homens maus do título.

O primeiro filme de Buck Jones exibido no Rio de Janeiro, Senda Tortuosa / Forbidden Trails, foi o segundo feito por ele como astro-cowboy. A revista Palcos e Telas, edição de 25 de novembro de 1920, assim se manifestou sobre o ator e o filme lançado no velho Pathé, na então Avenida Central – hoje Avenida Rio Branco. “Buck Jones, o novo rival de Tom Mix, segundo rezam os anúncios, aparece pela primeira vez ao nosso público, neste filme de aventuras e cavalgadas. É um artista mais ou menos simpático, montando com algum desembaraço e representando regularmente – três coisas que se exigem nos atores do gênero. O filme é regular”.

Buck foi creditado nos primeiros filmes também como Charles Jones e Charles “Buck” Jones, sendo o Buck uma redução do apelido que tinha quando moço, Buckaroo. A partir de 1924, o Buck Jones se tornou definitivo.

Nos próximos oito anos, Buck fez mais 60 filmes para a Fox, fabricando, com diretores como John Ford, William Wellman, W.S. Van Dyke, Scott R.Dunlap, Lambert Hillyer, etc., alguns dos maiores faroestes da cena muda. Mesmo atuando à sombra de Tom Mix, Buck conseguiu se impor, disputando com “O Rei dos Cowboys”, o aplauso dos fãs.

Buck lembrava um pouco William S. Hart pelo rosto granítico e pela interpretação contida, mas seus filmes seguiam mais a linha dos de Tom Mix, dando primazia ao espetáculo e à movimentação, em detrimento da reconstituição realista do Oeste.

Os westerns de Buck Jones ou eram totalmente impregnados de ação ou continham discreta comicidade folclórica, servindo o próprio mocinho como alvo das brincadeiras. Mais de uma vez, Buck demonstrou talento como ator em filmes que, embora passados em ambiente bucólico ou pastoril, não pertenciam ao gênero faroeste (particularmente em O Preguiçoso / Lazybones / 1925, dirigido por Frank Borzage). Seu cavalo Silver, animal de rara inteligência, parecia sentir que estava sendo focalizado pela câmera executando proezas extraordinárias.

Em 1925, Buck esteve altamente cotado para substituir George Walsh em Ben-Hur / Ben-Hur graças ao seu físico invejável. A escolha afinal recaiu em Ramon Novarro, que vinha de sucessos como O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1922, Scaramouche / Scaramouche / 1923 e O Árabe Aristocrata / The Arab / 1924, com uma grande vantagem sobre os outros candidatos: a mocidade que o papel de Ben-Hur pedia – 26 anos.

Buck trabalhou na Fox até 1927, quando recebia 3.500 dólares semanais, deixando o estúdio por livre e espontânea vontade, por não ter a companhia honrado a promessa verbal de lhe pagar salários durante as férias.

Fora da Fox, Buck formou produtora própria, a Buck Jones Productions, e fez O Grande Salto / The Big Hop, uma mistura de western com aventuras aéreas dirigido por James W. Horne. Buck lançou o filme no mercado independente, dentro do sistema “states rights” – direitos de distribuição cedidos estado por estado – em 31 de agosto de 1928. Com efeitos sonoros e música sincronizada com a ação do filme, o espetáculo resultou num fracasso de bilheteria e Buck Jones perdeu 50.000 dólares com essa primeira experiência como produtor.

Buck fundou então o Buck Jones Wild West Show and Roundup Days, apresentando-se como grande atração ao lado da esposa Odelle e da filha Maxine, que se tornara excelente amazona, treinada por ele e pela mãe. Infelizmente o espetáculo não se firmou e ele perdeu 250.000 dólares nessa aventura.

Em 1930, Buck estava com dificuldades financeiras e assinou contrato com a Beverly Productions de Sol Lesser para fazer filmes que seriam distribuídos pela Columbia. Após uma série de oito filmes, a Columbia assumiu diretamente a produção. Seu salário era de 300 dólares por semana, muito menos do que recebia nos tempos da Fox.

Com o seu primeiro filme falado, O Cavaleiro Solitário / The Lone Rider / 1930, os exibidores e os fãs restabeleceram-lhe o prestígio nas bilheterias e ele e Silver concorreram com Ken Maynard e Tarzan para serem considerados a dobradinha do western favorita do país.

Em 1934, Buck atingiu uma popularidade que suplantava a dos melhores dias do período silencioso e foi para a Universal, onde fez 22 filmes e quatro seriados. Para dar o máximo de realismo aos filmes de Buck Jones, a Universal mandou construir nos seus terrenos em Universal City, uma cidade inteira, com 47 casas, representando Cactus City, no Arizona, onde transcorria a ação deles. Buck saiu da Universal em 1937 e se uniu a Coronet Productions, participando de uma série de westerns, distribuídos pela Columbia e produzidos pelos irmãos Maurice e Frank King.

Depois de um período ocioso, Buck interpretou o papel de um ex-lutador de boxe numa comédia doméstica da Paramount, Compromisso de Honra / Unmarried / 1939 e personificou um xerife corrupto em Caravana do Oeste / Wagons Westward / 1942 da Republic, desagradando os que preferiam vê-lo só como mocinho.

Em 1941, fez seus últimos seriados, Os Cavaleiros da Morte / Riders of the Death Valley para a Universal e Águia Branca / White Eagle para a Columbia. Foram ao todo seis seriados, cinco para a Universal (os outros chamavam-se Vila dos Fantasmas / Gordon of Ghost City / 1933, O Cavaleiro Vermelho / The Red Rider / 1934, Aventureiros Heróicos / The Roaring West / 1935, O Cavaleiro Fantasma / The Phantom Rider / 1936) e o derradeiro, Águia Branca, para a Columbia.

Finalmente, Buck formou, com Tim McCoy e Raymond Hatton, o trio de veteranos em oito filmes da série Rough Riders, produzida por seu antigo diretor Scott R. Dunlap, para a Monogram. Os enredos eram muito semelhantes, com Buck geralmente disfarçado de bandido para desmascarar a quadrilha ou facínora, que os três estivessem querendo prender. Buck tinha um maneirismo: sempre que ficava perturbado, punha um pedaço de goma de mascar na boca. Todos os filmes da série abriam com a “Canção dos Rough Riders” e, no final de cada um, Buck, Tim e Hatton gritavam “So long, Rough Riders (Até a vista, Rough Riders), saíam cavalgando por uma trilha e, em certo ponto, se separavam, ouvindo-se o mesmo tema musical do início.

A série foi iniciada com O Vaqueiro do Arizona / Arizona Bound / 1941 e se encerrou com À Margem da Lei / West of the Law / 1942, porque Tim McCoy se desligou do trio sob a alegação de pretender voltar ao serviço ativo do Exército, alistando-se como voluntário. Dunlap e Buck tencionavam reiniciar a série, substituindo McCoy por Rex Bell, mas, antes disso, os produtores resolveram fazer um filme especial com Buck como astro, Amanhecer na Fronteira / Dawn on the Great Divide / 1942, que marcaria a sua despedida das telas: foi o seu último filme.

Terminadas as filmagens de Amanhecer na Fronteira e enquanto eram ultimados os preparativos para a 2ª série dos Rough Riders, Buck foi a Boston em companhia do amigo e sócio Scott R. Dunlap com a finalidade de vender bônus de guerra. Era novembro de 1942 e, dentro de duas semanas, ele completaria 51 anos de idade. No dia 28 do mesmo mês a sociedade e o mundo artístico de Boston organizaram um jantar em sua homenagem no Buddies’ Club, do Boston Common, ao ar livre. Na véspera, Buck assistira a um jogo de rugby, em companhia do Prefeito Maurice Tobin. Chovia muito e ele apanhou um forte resfriado. Por causa disso, mudaram a festa para o ambiente fechado do Melody Lounge no andar térreo do Cocoanut Grove.  Quinhentos talheres – a maior homenagem até então prestada pela cidade a um ator. Enquanto se realizava o jantar, irrompeu um violento incêndio no local. Supostamente, um soldado que estava na buate, teria removido uma lâmpada que iluminava a sua mesa, para ter mais privacidade ao beijar sua acompanhante. Stanley Tomaszewski, ajudante de garçom de 16 anos, instruído para colocar a lâmpada no lugar, tentou apertá-la no bocal, mas ela escapou de suas mãos e caiu no chão. Sem conseguir achar o bocal, Tomaszewski acendeu um fósforo para iluminar a área. Quase que imediatamente, o fogo tomou conta de todo o local, incendiando os adornos de palmeiras feitos com material inflamável, que decoravam o ambiente. Como sempre acontece nas situações de pânico, muitos frquentadores tentaram sair, porém a entrada principal era por uma única porta giratória e a maioria ficou presa dentro do edifício. Foi um dos maiores incêndios nos Estados Unidos, no qual morreram 492 pessoas e mais de cem ficaram feridas.

Embora a lenda diga que Buck morreu como um herói, ao retornar à boate, para salvar vidas, na verdade ele ficou incapacitado no lugar onde se encontrava e viria a morrer algumas horas depois num hospital.

Mas Buck Jones continua sendo um herói para os milhares de fãs que acompanharam os seus filmes.

FILMOGRAFIA

Vou mencionar os filmes e seriados de Buck Jones com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa feita anos atrás com a colaboração de Gil Araújo e a ajuda inestimável de Antonio Cardoso, na época o maior conhecedor dos filmes de Buck Jones no Brasil), que é a informação que o imdb não dá. Minha fonte principal de dados para este artigo foi a magnífica biografia The Life and Films of Buck Jones, de Buck Rainey, publicada pela World of Yesterday em dois volumes, The Silent Years e The Sound Era, respectivamente em 1988 e 1991 e as conversas que tive com Antonio Cardoso e outro grande fã de Buck Jones, João Lepiane que, aliás, corrigiu alguns erros da nossa filmografia publicada na Cinemin.

De Buck Jones conheço apenas: O Preguiçoso, A Estância Sinistra, Senda Sangrenta, O Vingador, O Estigma do Acaso, A Pistola de Punho de Marfim, À Esquerda da Lei, O Cavaleiro da Justiça, O Filho da Tribo, Além da Fronteira e o seriado Águia Branca. Assim sendo, não me sinto qualificado para afirmar quais os melhores filmes do grande cowboy. Filmes na Fox: 1920 – QUEM NÃO ARRISCA / The Last Straw; SENDA TORTUOSA / Forbidden Trails; A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR / The Square Shooter; O VALOROSO TREVISON / Firebrand Trevison; O INFERNO DA COBIÇA / Sunset Sprague; CAMARADAS / Just Pals; O ÓDIO ou ÓDIO DE CAMPONESA / Two Moons; O CICLONE / The Cyclone. 1921 – AMOR MATERNAL / The Big Punch; O CAMINHO DO DEVER / The One-Man Trail; ESCRAVOS DO DEVER / Get Your Man; UM HOMEM PACÍFICO / Straight from the Shoulder; COMBATE MORTAL / To a Finish; MEIOS ILEGÍTIMOS / Bar Nothin’; CAVALGANDO COM A MORTE / Riding with Death. 1922 – DESCULPE A OUSADIA / Pardon my Nerve; O OESTE PRIMITIVO / Western Speed; O HOMEM DE AÇO / Rough Shod; JURAMENTO DE HONRA / Trooper O’Neil; A TODA VELOCIDADE ou CONTRA VENTOS E MARÉS / The Fast Mail; HERDEIROS EXTEMPORÂNEOS / West of Chicago; OS SINOS DE SAN JUAN / Bells of San Juan. 1923 – O PREÇO DO TRIUNFO ou O PREÇO DO SUCESSO / The Footlight Ranger; FLOCOS DE NEVE / Snowdrift; O NOVO PATRÃO / The Boss of Camp 4; A BOCA DO INFERNO / Hell’s Hole; DEVORANDO ESPAÇOS / Skid Proof; REMENDANDO AMORES / Second Hand Love; A FÓRMULA SECRETA / The Eleventh Hour; DAN, O GRANDE / Big Dan; AMOR E CHAMAS / Cupid’s Fireman. 1924 – AMIZADE SUBLIME / Not a Drum Was Heard; DE VAGABUNDO A GENTLEMAN ou VAGABUNDO GENTILHOMEM / The Vagabond Trail; O JAGUARINO / The Circus Cowboy; O FILHO DO FOGO / Western Luck; REVELAÇÃO FINAL / Against all Odds; À MARGEM DO DESERTO / The Desert Outlaw; OU TUDO OU NADA / Winner Take All; A GALERIA DA MORTE / The Man Who Played Square; CAPRICHOS DE MULHER / The Arizona Romeo. 1925 – O ESTOURO DA BOIADA / The Trail Rider; CORAÇÕES E ESPORAS / Hearts and Spurs; O LOBO DOS MONTES / Timber Wolf; O PREGUIÇOSO / Lazybones; O TERROR DO DESERTO / Durand of the Bad Lands; O PREÇO DO DESERTO / The Desert’s Price. 1926 – O VAQUEIRO E A CONDESSA / The Cowboy and the Countess; A LEI DOS PUNHOS / The Fighting Buckaroo; O CAVALEIRO AUDAZ / A Man Four-Square; O PACIFICADOR / The Gentle Cyclone; GALOPES E GALANTEIOS / The Flying Horseman; 30 GRAUS ABAIXO DE ZERO / 30 Below Zero; O TIRO PIEDOSO / Desert Valley. 1927 – O CAVALO DE GUERRA / The War Horse; A BALA MARCADA / The Whispering Sage; O CERRO DOS PERIGOS / Hills of Peril; BOM COMO OURO / Good as Gold; O FAÍSCA / Chain Lightning; O MISTÉRIO DO DÓLAR / Blackjack; FAZENDO A PROVA / Blood Will Tell; O SEU A SEU DONO / The Branded Sombrero. Filme na Buck Jones Production: 1928 – BIG HOP ou O GRANDE PULO / Big Hop. Filmes na Beverly (Dist: Columbia): 1930 – O CAVALEIRO SOLITÁRIO / The Lone Rider; A ESTÂNCIA SINISTRA / Shadow Ranch; HOMENS SEM LEI / Men Without Law; SENDA SANGRENTA / The Dawn Trail. 1931 – VINGANÇA DO DESERTO / Desert Vengeance; O VINGADOR / The Avenger. O GUARDIÃO DO TEXAS / The Texas Ranger; A FÔRÇA DO DEVER / The Fighting Sheriff. Filmes na Columbia: O ESTIGMA DO ACASO / Branded; A LEI DA FRONTEIRA / Border Law; ESTÂNCIA EM GUERRA / The Range Feud; NO LIMITE DA JUSTIÇA / The Deadline. 1932 – O CAVALEIRO DA JUSTIÇA / Ridin’ for Justice; O GUARDIÃO DA LEI / One Man Law: O TERROR DOS BANDIDOS / South of Rio Grande; O REI DO VOLANTE / High Speed; O AMIGO DO PERIGO / Hello Trouble; HONRA PELO DEVER /  McKenna of the Mounted; O FILHO DA TRIBO / White Eagle;  A TRILHA PROIBIDA / Forbidden Trail. 1933 – CRIME DE TRAIÇÃO / Treason; O ANJO DE NOVA YORK / Child of Manhattan; AUDÁCIA DE TIRANO / The Califórnia Trail; O CAÇADOR DE SENSAÇÕES / The Thrill Hunter; O VALE DA MORTE / Unkown Valley; O CÓDIGO E UM HERÓI / The Fighting Code; O CAVALEIRO DO POENTE / The Sundown Rider. Filme na Universal: A VILA DOS FANTASMAS / Gordon of Ghost City (Seriado). Filmes na Columbia: 1934 – MÚSCULOS DE AÇO / The Fighting Ranger; FAREJANDO A CAÇA / The Man Trailer. Filmes na Universal: O CAVALEIRO VERMELHO / The Red Rider (Seriado); UM ROCEIRO DE SORTE / Rocky Rhodes; QUANDO UM HOMEM VÊ PERIGO / When a Man Sees Red. 1935 – PRÊMIO DE CONSOLAÇÃO / The Crimson Trail; AUDÁCIA RECOMPENSADA / Border Brigands; DÍVIDA DE JOGO / Outlawed Guns; ESPERANÇA QUE RENASCE  / Stone of Silver Creek; AVENTUREIROS HERÓICOS / The Roaring West (Seriado); LEMBRANÇA QUERIDA / The Throwback; A PISTOLA DE PUNHO DE MARFIM / The Ivory-Handled Gun. 1936 – O OCASO DO PODER / Sunset of Power; ENTREVISTA INTERROMPIDA / Silver Spurs; LUTA INGLÓRIA / For the Service; O BOIADEIRO E O ORFÃO / The Cowboy and the Kid; O CAVALEIRO FANTASMA / The Phantom Rider (Seriado); DEVORADOR DE QUILÔMETROS / Ride’em Cowboy; SEMELHANÇA ENGANADORA / Boss Rider of Gun Creek; O RANCHO DAS FEITIÇARIAS / Empty Saddles. 1937 – TUMULTOS DA VIDA / Sandflow; À ESQUERDA DA LEI / Left Handed Law; ASES NEGROS / Black Aces; VENCENDO A RAZÃO / Smoke Tree Range; AQUI MANDO EU / Law for Tombstone; ÚLTIMA ETAPA / Sudden Bill Dorn; CASTIGO IMPREVISTO / Boss of Lonely Valley. Filmes na Columbia: ÍDOLOS DE BARRO / Hollywood Roundup; ABUTRES DOS NEGÓCIOS / Headin’ East. 1938: O EXPRESSO POSTAL / The Overland Express; ZOMBANDO DO PERIGO / The Stranger from Arizona; ESPERTEZA DE TEXANO / Law of the Texan; FRONTEIRAS HERÓICAS / California Frontier. Filme na Paramount: 1939 – COMPROMISSO DE HONRA / Unmarried. Filmes na Columbia: 1940 – A CARAVANA DO OESTE / Wagons Westward. 1941 – ÁGUIA BRANCA / White Eagle (Seriado). Filme na Universal: OS CAVALEIROS DA MORTE / Riders of Death Valley. (Seriado). Filmes na Monogram (Série Rough Riders): O VAQUEIRO DO ARIZONA / Arizona Bound; O AGENTE ENCOBERTO / The Gunman from Bodie; OURO FATAL / Forbidden Trails. 1942 – ALÉM DA FRONTEIRA / Below the Border; O MISTÉRIO DA CIDADE FANTASMA / Ghost Town Law; RUMO AO TEXAS / Down Texas Way; CENTAUROS VINGADORES / Riders of the West; À MARGEM DA LEI / West of the Law (Fim da Sére Rough Riders); AMANHECER NA FRONTEIRA / Dawn on the Great Divide.

MELODRAMAS DE ÉPOCA DA GAINSBOROUGH

A Gainsborough foi fundada em 1924 por Michael Balcon e, em 1927, se associou à Gaumont-British Picture Corporation, cujo controle fora assumido pelos Irmãos Ostrer (Isidore, Maurice, Mark). A Gaumont-British era uma subsidiária da companhia francesa Gaumont que, em 1914, começou a produzir filmes na Inglaterra. A partir de 1922, a Gaumont passou a ser uma companhia exclusivamente britânica e, no decorrer da década, tornou-se uma gigante no setor de exibição. Incluindo a sua atuação na área de distribuição, a Gaumont-British serve como um primeiro exemplo da integração vertical na indústria cinematográfica.

Michael Bacon tornou-se diretor de produção para ambas as companhias. A matriz Gaumont-British, sediada no Lime Grove Studio em Shepherd’s Bush, produzia filmes “de qualidade” e os estúdios da Gainsborough, em Islington, ocupava-se das produções menos dispendiosas. Em 1936, Balcon foi para a MGM-British, o estúdio da Gaumont em Shepherd’s Bush foi fechado e J. Arthur Rank adquiriu uma participação substancial na Gainsborough. Maurice Ostrer, assumiu o cargo de executivo encarregado da produção, tendo como principal colaborador o produtor Ted Black. Ostrer acreditava que o público do tempo de guerra queria escapismo e não realismo, e tratou de providenciá-lo. Assim, a partir de 1942, Black inaugurou uma série de melodramas de época, que dominaram o mercado doméstico até 1947.

Esses melodramas procuravam agradar ao público feminino, colocando as mulheres no centro das intrigas como modelos de virtude ou como trangressoras das convenções sociais. As narrativas, baseadas freqüentemente em romances populares, envolviam mulheres rebeldes, conflitos sobre classe e status e, sobretudo, a busca de aventuras por parte das personagens femininas. As protagonistas se alternavam entre mulheres da classe alta sufocadas pelo meio em que viviam e mulheres da classe baixa à procura de riqueza e respeitabilidade. Os homens eram sempre retratados como cruéis ou dominadores.

Diferentemente dos filmes históricos, que pretendem recriar a vida de indivíduos proeminentes, os melodramas de época são fictícios e representam livremente os contextos históricos. Eles eram produzidos com orçamentos modestos, embora tivessem uma aparência dispendiosa. Os cenários ficaram aos cuidados de desenhistas que estavam cientes da necessidade de conjugar eficiência artística com economia, entre eles, Walter Murton, John Bryan, Andrei Mazzei, Maurice Carter, que foram influenciados pelo estilo expressionista, inicialmente associado a diretores de arte como Vincent Korda e Alfred Junge. Os desenhistas se preocupavam mais com o prazer sensual dos ambientes do que com a exatidão ou verossimilhança histórica, uma concepção complementada pelos figurinos de Elizabeth Haffender. O decote profundo, tão perturbador para o censor americano, era um ingrediente essencial do melodrama de época inglês. A música estava sempre em primeiro plano, intrometendo-se na ação, nos momentos em que se pretendia criar uma atmosfera de romance ou tensão.

Os dois primeiros exemplares do ciclo, O Homem de Cinzento e Amor nas Sombras, foram fotografados por Arthur Crabtree. Ele subseqüentemente tornou-se diretor e foi responsável por Madona das Sete Luas e Espadas e Corações. Leslie Arliss dirigiu O Homem de Cinzento e Malvada; Anthony Asquith, Amor nas Sombras; e Bernard Knowles, Jassy, as Feiticeira. Jack Cox fotografou Madona das Sete Luas e Malvada; Stephen Dade e Cyril Knowles fotografaram Espadas e Corações e Geoffrey Unsworth cuidou da fotografia em cores de Jassy, a Feiticeira.

É preciso esclarecer que essas produções eram direcionadas especificamente para um novo tipo de platéia feminina. A Segunda Guerra Mundial fez com que um grande número de mulheres adquirisse um grau sem precedentes de independência financeira e sexual, causada pela necessidade que tiveram de sair de casa para trabalhar, a fim de compensar a ausência de seus maridos provedores do lar nos campos de batalha. A Gainsborough respondeu a essas mudanças criando fantasias escapistas, comumente ocorridas em um passado distante, que ofereciam imagens poderosas de independência e rebelião do chamado sexo frágil.

Outro fator que contribuiu para a popularidade desses filmes, foi a presença de novos astros na tela como Margaret Lockwood, James Mason, Phyllis Calvert, Stewart Granger, Jean Kent e Patrícia Roc que, embora desprezando os scripts, desempenharam muito bem suas respectivas funções.

Há muito que vinha procurando cópias em dvd desses melodramas de época da Gainsborough e, finalmente, conseguí obter os seis filmes do ciclo: O Homem de Cinzento / The Man in Grey / 1943, Amor nas Sombras / Fanny by Gaslight / 1944, Madona das Sete Luas / Madonna of the Seven Moons / 1944, Malvada / The Wicked Lady / 1946, Espadas e Corações / Caravan / 1946 e Jassy, a Feiticeira / Jassy / 1947.

O primeiro melodrama “oficial” de época da Gainsborouh, O Homem de Cinzento, não obteve uma calorosa aceitação por parte dos críticos, porém foi o filme inglês de maior sucesso popular no ano de sua exibição.

O espetáculo tem início num leilão durante a Segunda Guerra Mundial na Inglaterra, onde um casal de estranhos se encontra e medita sobre a história de suas famílias e as conexões possíveis. Um retrospecto para o período da Regência revela a história da doce e rica Clarissa Richmond (Phyllis Calvert) e sua amizade com a pobre e amargurada Hesther Shaw (Margaret Lockwood). Clarissa casa-se com o fisicamente atraente, mas cruel Lord Rohan (James Mason). Hesther torna-se atriz. Eventualmente, as duas mulheres se encontram de novo e Clarissa traz a intrigante Hesther para sua casa. Enquanto Clarissa procura o verdadeiro amor na pessoa de Peter Rokeby (Stewart Granger), um cavalheiro que se tornara ator, depois de perder seus bens por causa de uma revolta de escravos nas Antilhas. Hesther planeja tirar tudo o que pertence a ela.

Uma cigana prediz que Clarissa vai se casar com um homem, mas amará um outro. Clarissa casou-se por conveniência e Lord Rohan a aceitou, para ter um herdeiro. Infeliz no seu casamento, Clarissa espera alcançar a felicidade nos braços de Rokeby. Desprovida de bens e de berço, Hesther é ambiciosa e aventureira. Ela tenta usurpar a posição de Clarissa. No final, ambas acabam frustradas nos seus desejos. Pensando que Rohan vai se casar com ela, Hesther dá um sonífero para Clarissa e deixa a janela aberta para que ela morra de frio. Mas a assassina vem a ser morta por Rohan, que a destrói em nome da legitimidade, do patriarcado e da lei da primogenitura. Afinal, Clarissa era sua esposa e a mãe de seu filho e, como dizia um lema de sua família, “Quem nos desonra, morre”.

É difícil imaginar um filme americano, feito na mesma ocasião, ser tão franco na  descrição do medo de Clarissa em sua noite de núpcias ou do modo de vida de Lord Rohan. A cena na qual Rohan mata Hesther, espancando-a sem parar com uma bengala até o escurecimento total da tela, supera em violência qualquer outra produção Hollywoodiana dos anos 40.

Em Amor nas Sombras, dirigido por Anthony Asquith, a protagonista, Fanny Hooper (Phyllis Calvert), é obrigada a enfrentar um obstáculo após outro, até conquistar a sua respeitabilidade numa Londres Vitoriana.

O mistério em torno de sua identidade começa desde quando ela era criança. Brincando com sua prima Lucy, descobre sem querer, que seus pais adotivos mantêm um bordel no porão de sua casa. Um estranho vem visitá-la no dia de seu aniversário e lhe dá um broche de presente. O padrasto, William Hopwood (John Laurie), manda-a para um colégio interno. Quando Fanny retorna, já adulta, ela vê seu padrasto, ser morto, pisoteado pelo cavalo de Lord Manderstoke (James Mason), cujo acesso ao bordel fora negado por Hopwood. A morte do padrasto de Fanny é seguida do falecimento de sua mãe. Fanny finalmente encontra seu verdadeiro pai, aquele estranho que lhe dera o broche. Ele é Clive Seymour (Stuart Lindsell), um político importante e o relacionamento entre ele e a filha deve ser mantido em segredo. A esposa de Seymour, Alicia (Margaretta Scott), desconhecendo a identidade de Fanny, contrata-a como sua camareira. Quando Alicia viaja, Fanny e seu pai vão para o campo, onde vivem dias felizes, cavalgando, pescando, jogando xadrês. Voltando à cidade, Fanny continua levando uma vida miserável como criada e ela vê de novo o assassino de seu padrasto, Lord Manderstoke, que é amante de Alicia. Esta pede o divórcio de Seymour, para se casar com Manderstoke. Seymour recusa e Alicia ameaça revelar publicamente que ele tem uma filha ilegítima. Seymour comete suicídio e, de novo, Fanny perde um pai. Fanny vai morar e trabalhar numa estalagem e se apaixona pelo secretário de seu pai, Harry Somerford (Stewart Granger). A mãe (Helen Haye) e a irmã de Harry, Kate (Cathleen Nesbitt), opõem-se ao casamento, advertindo-o de que ele arruinará sua carreira. Pelo bem de Harry, Fanny desaparece. Ela tenta em vão arranjar emprego, é reduzida à pobreza e fica à beira da prostituição. Harry encontra-a novamente e os dois partem para Paris. Lá se deparam com Manderstoke, que se tornara amante de Lucy (Jean Kent). Manderstoke desafia Harry para um duelo. Manderstoke é morto por Harry e este fica seriamente ferido. Kate chega para cuidar de seu irmão e proibe a entrada de Fanny no quarto do doente. Fanny desafia Kate, promete se casar com Harry e dar à luz aos seus filhos. Quando enfrenta Kate, conquista finalmente a sua independência da estúpida estratificação de classe.

Outro aspecto abordado é o da ameaça das relações familiares respeitáveis pela promiscuidade feminina.  A proximidade do bordel com o lar dos Hopwoods é um indicio dessa ameaça. Fanny é vitima da impropriedade sexual de sua mãe. A família Seymour, por sua vez, é destruída pela promiscuidade de Alicia.

Em termos de cinema, a melhor cena do filme é aquela na qual Seymour lê, diante do espelho que triplica a sua imagem, a carta de Fanny, dizendo que ela ia se afastar dele para não atrapalhar sua vida. A câmera o focaliza em primeiro plano e aos poucos começamos a ouvir o barulho de um trem em movimento. Logo após, vemos um menino jornaleiro dando a notícia de sua morte.

Numa encarnação, como Maddalena, ela é a esposa de um banqueiro italiano, Giuseppe Labardi (John Stuart); na sua outra encarnação, como Rosanna, ela é a amante apaixonada por um ladrão cigano, Nino Barucci (Stewart Granger). Maddalena foi educada num convento onde, ainda adolescente, foi violentada por um camponês.

O filme continua a história de Maddalena muitos anos depois, quando sua filha, Angela (Patrícia Roc) já é adulta. E aí surge outro contraste: o das restrições da vida da mãe e as atitudes mais livres da filha. Maddalena é apresentada como uma mulher pudica, que fica chocada quando sua filha traz o futuro noivo para casa. Ela é excessivamente religiosa e suas roupas, tais quais a de uma freira, retratam bem o seu senso de decoro exagerado. Seu relacionamento com Angela é difícil, porque ela não consegue apreciar os valores e as crenças da filha, achando-os ofensivos à sua religião e à sua moral.

Ao reconhecer no amigo do noivo de Angela, o camponês que anos atrás a estuprara, Maddalena desmaia e é conduzida para o seu quarto. Quando acorda, ela assume sua outra identidade como Rosanna. Vestida de cigana, Rosanna, repete uma fuga anterior e volta para os braços de seu amante Nino. Rosanna é a antítese de Maddalena. Ela é sensual e parece ter uma atitude ambivalente com respeito à religião, sentindo-se incapaz de entrar numa igreja. A personagem complexa, interpretada por Phyllis Calvert, não tem idéia do seu “outro eu”, quando ela é Maddalena ou Rosanna. As únicas coisas que despertam sua consciência são símbolos religiosos, as “sete luas” e um conjunto de jóias.

Quando Maddalena sofre uma crise emocional ela, súbita e inexplicavelmente, desaparece de sua casa e reaparece em Florença como Rosanna.  Angela tenta decobrir a verdade sobre sua mãe, é raptada por Sandro (Peter Glenville), o irmão de Nino, e tudo acaba em tragédia.

A intriga é estranha e extravagante, porém o espetáculo constitui-se num bom entretenimento, desde que você perdoe a implausibilidade da situação. Calvert desempenha com eficiência o papel duplo, sendo muito convincente tanto como a mulher reprimida  quanto como a cigana sensual.  A trilha musical é impressionante no seu dinamismo, como, por exemplo, na cena clímax, quando Rosanna sobe a escada, vê o irmão de Nino atacando Angela, apunhala o agressor e ele, mortalmente ferido, arremessa sua faca, atingindo-a pelas costas.

Malvada foi o melodrama de época da Gainsborough de maior sucesso comercial. No tempo do reinado de Carlos II, Lady Barbara Skelton (Margaret Lockwood) rouba o noivo de sua ingênua e pura prima, Caroline (Patricia Roc), o rico magistrado Sir Ralph Skelton (Griffith Jones), e se casa com ele. Após perder um valioso broche no jogo, Bárbara assalta uma carruagem, para recuperar a sua jóia, fazendo-se passar pelo famoso ladrão de estrada, Capitão Jerry Jackson (James Mason). Quando ela conhece o verdadeiro Jackson, torna-se sua amante e os dois continuam atacando as diligências. Barbara envenena o velho pastor Hogarth (Felix Aylmer), que descobriu sua vida de aventura e encontra o homem que vai amar sinceramente, Kit Locksby (Michael Rennie). Para ficar com ele, Barbara tenta matar Ralph num assalto, porém Kit, que acompanha o magistrado, reconhece-a atrás de sua máscara e a fere gravemente. Barbara morre, depois de matar Jackson.

A protagonista tem uma índole hedonista, despreza a lei e a propriedade privada, não tem sentimento algum, pratica todas as trangressões condenadas pela sociedade civilizada, chegando até ao crime de assassinato. Suas escapadas aventurosas são também motivadas em parte pelo seu desejo de encontrar estimulação sexual e independência econômica. Ela rejeita totalmente qualquer imagem convencional de “feminilidade”, encarando de igual para igual os homens com os quais se envolve. Todos eles têm pelo menos alguma espécie de código moral – até Jackson hesita em matar – enquanto que Bárbara não respeita nada nem ninguém. Margaret Lockwood interpreta Bárbara de uma forma perfeita, exprimindo magnificamente a sua dissimulação, a sua crueldade fria, a sua perfídia.

A agonia do velho pastor é uma das cenas mais fortes do filme. Ele percebe subitamente que a mulher que está na cabeceira de sua cama é a autora de sua morte. Quer reagir, lutar, mas as forças o abandonam e a mulher termina asfixiando-o com um travesseiro.

Espadas e Corações foi o último filme do ciclo de melodramas de época da Gainsborough supervisionado por Maurice Ostrer, pois Jassy, a Feiticeira, ficaria sob o encargo de Sydney Box.

Numa noite do final do século dezenove, em Londres, o escritor Richard Darell ver (Stewart Granger) socorre Don Carlos (Gerald Heinz), que fôra atacado por dois ladrões. Richard está apaixonado pela bela Oriana (Anne Crawford) e a família decidiu que os dois só poderão se casar dentro de um ano, quando o rapaz tiver uma boa situação financeira. Don Carlos promete editar o livro de Richard, desde que ele leve para a Espanha uma jóia de grande valor, cobiçada por Sir Francis Castleton (Dennis Price), o rival de Richard pelo amor de Oriana. Sir Francis manda seu capanga Wycroft (Robert Helpmann) armar uma cilada para Richard durante a viagem. No meio do caminho, os homens de Wycroft assaltam Richard e deixam-no quase morto. Richard é salvo pela cigana Rosal (Jean Kent), mas perde a memória. Richard acaba se casando com Rosal enquanto que Oriana, julgando-o morto, cede ao assédio de Sir Francis e consente em ser sua esposa. Mas eis que Richard recupera a memória e escreve para Oriana, que vai ao seu encontro. Provada a culpabilidade de Sir Francis, este foge e, após Rosal ter recebido o tiro que fôra destinado para Richard, o vilão morre, afundando-se nas areias movediças de um pântano.

As oposições de classe afirmam-se desde o início do filme. A bem nascida Oriana torna-se o motivo do conflito e competição entre um nobre e um plebeu. O aristocrata é descrito como devasso, malévolo e sôfrego; o homem da classe baixa é o herói. As mulheres são igualmente contrastadas: Oriana é a esposa, Rosal, a amante. Oriana é associada com família e castidade; Rosal, a cigana, é associada com dança e sexualidade desenfreada. O matrimônio de Rosal é ilegítimo, porque ela se aproveitou da doença e da amnésia de Richard. Oriana casou-se com Sir Francis iludida acerca do falecimento de seu amado. A união entre iguais será apenas momentânea.

Se formos indulgentes, podemos desfrutar este espetáculo cheio de coincidências e clichês, sem dúvida, mas com uma vivacidade de ritmo, estranhas reviravoltas e uma deliciosa composição de Dennis Price como Sir Francis. A cena em que Richard obriga Sir Francis a entrar no pântano, é enfatizada por um céu de estúdio sombrio, fumaça e iluminação sinistra, que se combinam para produzir um dos momentos mais dramáticos do filme.

Segundo consta, Sydney Box só permitiu que o projeto de Jassy, a Feiticeira fosse adiante, porque não tinha um outro roteiro pronto e precisava manter os técnicos e as instalações do estúdio em constante funcionamento. – ele preferia o realismo social.

Jassy Woodroofe (Margaret Lockwood), uma cigana com o dom de vidência, faz amizade com um jovem da classe alta, Barney Hatton (Dermot Walsh). A família de Barney está vivendo dias difíceis por causa de seu pai, Christopher Hatton (Dennis Price), que perdera no jogo a sua propriedade para Nick Helmar (Basil Sydney), homem violento responsável pela morte do pai de Jassy, cruel com os seus arrendatários e abusivo com sua esposa e filha. .O pai de Barney suicida-se após perder de novo no jôgo. Jassy vai trabalhar para a família de Barney, mas é despedida pela mãe do rapaz (Nora Swinburne), que não aprova a amizade da cigana com o seu filho. Procurando emprego num colégio para moças, Jassy conhece Dilys (Patrícia Roc), a filha de Nick, que leva a nova amiga para sua casa. Nick ficou viúvo e simpatiza com Jassy, que lhe ensina como administrar o seu lar. Jassy aceita o pedido de casamento de Nick com uma condição: ele deve passar a casa para seu nome antes deles se casarem. Depois do casamento, Jassy repele os avanços sexuais de Nick. Num acesso de raiva, Nick sai a cavalo e leva uma queda, machucando-se seriamente. Jassy cuida dele com a ajuda de uma criada, Lindy Wicks (Esma Cannon), que havia sido brutalizada pelo pai e ficou muda. Linda envenena Nick e no momento em que Jassy vai ser condenada pela morte de seu marido, ela recobra a voz, assume a responsabilidade pelo crime e morre. Jassy passa a casa para o nome de Barney e os dois planejam se casar.

Ao contrário de outros filmes do ciclo, que restringiam a união de duas pessoas da mesma classe, Jassy, a Feitceira sustenta a promessa de ascenção social para a mulher por sua lealdade e assistência. Embora tenha Margaret Lockwood no elenco, seu papel aqui é bem diferente daquela sua habitual mulher que está disposta a desafiar as convenções na sua busca de prazer. Em vez disso, seus desejos são canalizados para objetivos familiares e a restauração de um herdeiro no seu devido lugar.

O espetáculo pode ter sido mais suntuoso do que os realizados em preto e branco por causa do Technicolor, porém notam-se as marcas da política de contenção de despesas da Gaisnboroug. Dramaticamente, a direção é um pouco sem vida e o filme sente a falta de astros como James Mason e Stewart Granger que, em anos anteriores, teriam interpretado os papéis agora entregues a Basil Sydney e Dermot Walsh. Jassy, a personagem da grande estrela britânica Margaret Lockwood, não é nem a sombra de Hesther ou Lady Barbara.