Arquivo mensais:junho 2010

OS FILMES DE HORROR DE VAL LEWTON

Entre 1942 e 1946, uma série de filmes de horror realizados pela RKO-Radio em Hollywood, conjugando escassez de recursos com qualidade artística, tornou-se surpreendentemente lucrativa, fortalecendo o estúdio e dando mais respeitabilidade à linha de produção “B”. Com sua originalidade temático-visual, esses filmes renovaram o gênero e ofereceram verdadeiras lições de Cinema, estampando no conjunto a personalidade de um produtor meticuloso e criativo. Seu nome era Val Lewton.

Vladimir Leventon (1904 – 1951) nasceu em Yalta, Rússia. Sua mãe, Nina Leventon, irmã de Alla Nazimova, a famosa atriz da cena muda, após abandonar o marido, partiu com os dois filhos, Lucy e Vladimir, para Berlim, emigrando depois os três para a América.

Em 1916, Nazimova estava fazendo filmes em Nova York e conseguiu arranjar emprego para Nina no escritório da Metro como leitora de argumentos. Quando, em 1928, Nina assumiu um posto mais elevado, incluiu seu filho Val no setor de publicidade do estúdio, sob a supervisão de Howard Dietz. Paralelamente à esta atividade, Lewton escrevia romances (usando os pseudônimos de Carlos Keith e Cosmo Forbes) e outros textos sem ser de ficção, tendo publicado inclusive um livro de poesia e uma obra erótica, Yasmine, belissimamente ilustrada. Em 1932, ao celebrar contrato com a editora Vanguard e se reponsabilizar por um seriado radiofônico, ele deixou a Metro, que passara a se chamar Metro-Goldwyn-Mayer..

No ano seguinte, David O. Selznick pediu a Nina que lhe indicasse um autor de origem russa, que pudesse escrever o roteiro de Taras Bulba e ela lhe entregou uma lista de seis nomes, entre eles o do próprio filho. Os outros, por vários motivos, não aceitaram o cargo e Lewton foi contratado. Depois de prestar o serviço (Taras Bulba porém não chegou a ser filmado), continuou trabalhando com Selznick, aconselhando-o na escolha de argumentos, checando a fidelidade histórica dos cenários (como, por exemplo, o de A Queda da Bastilha /  A Tale of Two Cities / 1935) e remendando certos trechos imperfeitos de roteiros. Foi Lewton quem persuadiu o produtor a adquirir os direitos de Intermezzo, uma História de Amor / Intermezzo, a Love Story / 1939 e trazer Ingrid Bergman para Hollywood e, segundo informou Joel E. Siegel no seu precioso livro The Reality of Terror (Viking, 1973), escreveu várias cenas para …E O Vento Levou / Gone With the Wind / 1939, inclusive o travelling aéreo sobre os corpos dos sobreviventes da batalha de Gettysburg. Em 1942, após oito anos de paciente colaboração com o genioso Selznick, recebeu o convite que mudaria o curso de sua vida.

Charles Koerner, recentemente nomeado chefe de produção da RKO, decidira competir com a Universal no gênero de horror e incumbiu Lewton de formar uma equipe destinada exclusivamente à realização de filmes desse gênero, com orçamento limitado e duração máxima de 75 minutos, típicos programmers, para serem exibidos como complemento de programa. No futuro, Lewton recordaria com graça: “Há alguns anos eu escrevia romances para ganhar a vida e quando a RKO procurava um produtor de filmes de horror, alguém disse que eu havia escrito romances horríveis. Eles compreenderam mal, trocando a palavra horrível por horror e me deram o emprego”.

A equipe originária constituiu-se do argumentista DeWitt Bodeen, do diretor Jacques Tourneur e do montador Mark Robson. Lewton conheceu Bodeen quando ainda estava trabalhando com Selznick e o recomendou para assistente de pesquisa de Aldous Huxley, que estava escrevendo o roteiro de Jane Eyre, afinal filmado pela Fox. Tourneur, filho do renomado diretor francês, Maurice Tourneur, radicado nos Estados Unidos durante a fase do cinema silencioso, fora assistente e montador dos filmes do pai e havia dirigido quatro filmes na França, antes de se fixar definitivamente na América em 1934, onde trabalhou como diretor de segunda unidade (cena da tomada da bastilha em A Queda da Bastilha) e shorts, integrando o célebre departamento, no qual também se exercitavam Fred Zinnemann, George Sidney, Jules Dassin, David Miller, Joseph Newman, Harold S. Bucquet, Roy Rowland, Gunther Von Fritsch, etc. Antes de ingressar na RKO, Tourneur dirigiu os longas-metragens Escravos do Mal / They All Come Out / 1939, Nick Carter, Super-Detetive / Nick Carter, Master Detective / 1939, Nick Carter nas Nuvens / Phantom Raiders / 1940 e Silêncio do Médico / Doctors Don’t Tell / 1941, este último na Republic. Robson iniciou sua carreira, em 1932, no almoxarifado da RKO, onde começou a chamar atenção como assistente de Robert Wise em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941 e Soberba / The Magnificent Ambersons / 1942.

Koerner achou que vampiros e lobishomens já haviam sido bastante explorados na tela e quís fazer algo com felinos. Como um dos títulos testados numa pesquisa de mercado, Cat People, obtivera bons índices, ele convocou Bodeen e Lewton e lhes disse: “Vamos ver o que vocês podem fazer com isso”.

Lewton pensou em aproveitar um conto de Algernon Blackwood, Ancient Sorceries, mas depois decidiu escrever ele próprio a história, cuja ação se passava numa aldeia dos Bálcãs ocupada por uma divisão Panzer nazista. Na trama, durante o dia, os habitantes eram dóceis e cooperativos, porém de noite transformavam-se em bestas carnívoras, que trucidavam os soldados alemães. Posteriormente, Lewton mudou de idéia e preferiu transferir a história para a Nova York contemporânea.

Depois de comunicar a Bodeen o que tinha em mente, Lewton fez um resumo de duas páginas detalhando os personagens e a ação e, nas reuniões democráticas com toda a equipe, surgiu uma espécie de fórmula, que iria marcar todos os filmes da série, assim sintetizada por ele: “A nossa fórmula é simples. Uma história de amor, três cenas de horror apenas sugerido e uma de violência explícita. Escurecimento. Tudo está terminado em menos de 70 minutos”.

Descartando os monstros tradicionais, os filmes de horror de Lewton não lidavam com o horror realístico, mas com a expressão de algum medo ou superstição universal através de meios estritamente cinematográficos ou da simples sugestão da câmera. Pode-se dizer que suas histórias eram dramatizações da psicologia do medo. O medo do desconhecido, da escuridão, da loucura, da morte ou dos mortos. Como dizia Lewton: “O que o homem conhece e pode ver com os olhos, ele não teme. Mas o desconhecido e o que ele não pode ver, inundam-no de um básico e compreensível terror”.

Bodeen desenvolveu a sinopse e uma cópia foi remetida para Simone Simon em Paris, sendo os outros papéis mais importantes entregues a Kent Smith, Jane Randolph e Tom Conway, já pertencentes ao elenco contratado do estúdio.

Na trama de Sangue de Pantera / Cat People / 1942, Irena Dubrovna (Simone Simon), uma garota da Sérvia, desenhista de moda, vive na cidade de Nova York, obcecada pela idéia de que é descendente de uma antiga raça de mulheres-felinas, as quais, quando excitadas, transformam-se em panteras. Por isso, tem medo de consumar seu casamento com Oliver Reed (Kent Smith), arquiteto de uma firma de construção naval. Ele persuade a esposa a consultar o Dr. Judd (Tom Conway), um psiquiatra; mas este não consegue melhorar o estado de Irena. Oliver então se consola, contando seus problemas para Alice (Jane Randolph, após ter sido cogitada Phyllis Isley, que depois mudou seu nome para Jennifer Jones), uma colega de escritório. Subseqüentemente, Alice é ameaçada duas vezes por uma fera desconhecida. Oliver ameaça deixar Irena e, na mesma noite, ele e Alice são atacados. O Dr. Judd visita Irena e tenta conquistá-la à força. Ela se transforma em pantera e o mata. Ferida por Judd, Irena morre no Jardim Zoólogico do Central Park, depois de libertar uma pantera enjaulada.

“Nós todos concordamos num ponto: a transformação da heroína em fera e vice-versa seria apenas sugerida…Estávamos convencidos também de que os diálogos tinham de ser usados somente para fazerem prosseguir a história, quando ela não pudesse ser plenamente compreendida por intermédio da ação visual e do som natural”.

Tourneur tinha uma grande capacidade para criar seqüências tenebrosas, talvez herdada de seu pai, que foi o primeiro mestre do claro-escuro no cinema mudo. Numa das melhores seqüências do filme, Alice entra de noite numa piscina deserta e quando se prepara para seu exercício de natação, sente a aproximação de algo ameaçador. Sem possibilida de fuga, atira-se na água. A câmera focaliza Alice só com o rosto à tona em alternância com a som bra das águas turvas nas paredes e a repercussão sonora dos urros de uma pantera.

Outra seqüência memorável é a caminhada noturna de Alice pelas imediações do Central Park, um percurso que vai se tornando cada vez mais nervoso, quando ela ouve passos de alguém a seguí-la. Alice pára diante de um poste de luz e olha para trás nas trevas. O barulho dos passos se interrompe; ela não vê nada, mas sente que continua sendo seguida por algo que roça na folhagem. Assustada, corre até o próximo poste. No momento em que a tensão da platéia está no auge, um ônibus surge bruscamente dentro do quadro e dá uma freada súbita, para alguns passageiros desembarcarem. A inesperada aparição do ônibus, o ruído estridente dos freios dá um susto tremendo nos espectadores. Na mesma noite, uma ovelha é encontrada morta no parque e a câmera segue o rastro das patas de um felino afastando-se do corpo do animal morto até que, subitamente, as patas viram marcas de saltos de sapato de uma mulher.

Um momento menos aterrorizante, mas esplêndido, é o encontro de Irena com a outra mulher-pantera (Elizabeth Russell) no restaurante. Uma linda mulher contempla de longe Irena e diz no idioma sérvio: “Moja sestra? (Minha irmã?)”. Lewton costumava freqüentar a casa de Salka Viertel. Ele pediu ao seu filho, Peter, para ajudá-lo a encontrar uma atriz para interpretar o papel da outra “mulher-pantera”. Quando Viertel foi apresentado à atriz Elizabeth Russell, a companheira de quarto de sua namorada Maria Montez, ele lhe disse: “Eu tenho um amigo na RKO que precisa de uma mulher para seu novo filme e que se pareça com um gato”. “Você quer dizer que eu pareço um gato?”, perguntou Elizabeth. “Bem, eles vão falar da sua semelhança com um gato”, respondeu Viertel, tentando não ofendê-la. Elizabeth aceitou fazer essa pequena aparição, numa cena estranha, misteriosa e   inesquecível.

A direção de fotografia a cargo de Nicholas Musuraca, especialista na iluminação contrastada em preto e branco, seguia o estilo expressionista alemão de Robert Wiene, Frtiz Lang, Lupu Pick, Paul Leni e Richard Oswald. Musuraca, depois de grande atividade nos anos 20 em faroestes e filmes de ação baratos, tornou-se, na década de 30, um dos mais destacados cameramen da RKO, onde faria ainda O Beijo da Traição / The Fallen Sparrow / 1942, Silêncio nas Trevas / The Spiral Saircase / 1945, Angústia / The Locket / 1946, Fuga ao Passado / Out of the Past / 1947, Trágico Destino / Where Danger Lives / 1950    etc. e mais quatro filmes com Lewton (A 7ª Vítima, O Fantasma dos Mares, A Maldição do Sangue de Pantera e Asilo Sinistro). Eric Shaefer disse a respeito do grande cinegrafista: “Usando a escuridão e a luz como seus instrumentos Musuraca criou a topografia da ameaça com uma consistência e uma criatividade incomparáveis”.

Na direção de arte, Albert S. D’Agostino e Walter E. Keller, atuantes em todos os filmes da série, por medida econômica, aproveitaram sets já usados anteriormente em outras produções do estúdio (o do Central Park, por exemplo, em vários musicais de Fred Astaire e Ginger Rogers) e espalharam por todos os cantos referências a felinos – como a estátua de Bibastis, os lírios astecas (Flor-tigre) na vitrine do florista, os gatos na reprodução do quadro de Goya, etc. – para sublinhar a obsessão da heroína.

Rodado em 24 dias, o filme custou 134 mil dólares e rendeu mais de três milhões. Tornou-se um sleeper, ou seja, um sucesso inesperado de público, salvando a RKO da falência. De todos os aplausos, Lewton gostou mais do telegrama que recebeu de seu antigo patrão, David O. Selznick, que dizia: “Acho que Sangue de Pantera definitivamente e de uma só vez o firmou como um produtor de grande competência e não conheço ninguém nos anos recentes, que fez tanto com tão pouco no seu primeiro filme”.

No Brasil, Vinicius de Moraes, então crítico do Diário Carioca, “descobriu” o filme e escreveu três crônicas apontando-lhe os méritos. “O filme é riquíssimo em material puro e conta, a meu ver, entre os mais importantes desses últimos cinco anos de cinematografia … Jacques Tourneur realizou uma pequena obra-prima de Cinema, em essência, silenciosa”.

Antes mesmo de Sangue de Pantera começar a ser filmado, Korner informou a Lewton que sua próxima produção seria baseada num artigo de Inez Wallace, publicado na revista American Weekly, intitulado I Walked with a Zombie. Após um dia de intensa preocupação, Lewton chamou Bodeen e lhe disse: “Provavelmente eles jamais irão perceber isso, mas o que eu vou lhes dar em I Walked with a Zombie é uma Jane Eyre nas Antilhas”.

No enredo, escrito por Curt Siodmak e Ardel Wray, e inspirado livremente na obra de Charlotte Bronte, Betsy Connell (Frances Dee), enfermeira canadense, chega a St. Sebastian nas Antilhas, para cuidar de Jessica Holland (Christine Gordon), uma inválida que parece estar sofrendo de paralisia nervosa. Betsy apaixona-se por Paul (Tom Conway), marido de Jessica e é cortejada por Wesley Rand (James Ellison), o meio-irmão de Paul. Acreditando que este continua enamorado da esposa, Betsy, altruisticamente, leva Jessica a uma cerimônia de vodu, na esperança de restituí-la ao marido. Sua intenção falha, mas força Mrs. Rand (Edith Barrett), viúva missionária e mãe de Paul e Wesley, a revelar que havia usado o vodu para transformar Jessica numa zumbi, quando ela anunciara sua partida de St. Sebastian com Wesley. Este mata Jessica a fim de libertá-la da maldição da “morte em vida” e se afoga, carregando o corpo dela mar adentro.

Logo no início, Betsy e Paul estão a bordo de um veleiro comercial. O céu estrelado e o oceano cintilante deixam-na extasiada. Seus devaneios são interrompidos por Paul: “Não é bonito” – ele lê seu pensamento. “Tudo parece bonito porque você não compreende. Aqueles peixes-voadores não estão pulando de alegria, eles estão pulando aterrorizados. Os peixes maiores querem comê-los. Aquela água luminosa – ela tira o seu brilho de milhões de cadáveres, o brilho da putrescência. Aquí não há beleza, somente morte e decomposição”. Depois de uma tomada mostrando o céu e uma estrela cadente, ele acrescenta: “Tudo que é bom morre aquí, até as estrelas”.

Dirigido por Tourneur com grande inspiração, magnificamente fotogrado por J. Roy Hunt (Voando para o Rio / Flying Down to Rio / 1933, Os Últimos Dias de Pompéia / The Last Days of Pompeii / 1935, Heróis do Mar / Sea Devils / 1937, Última Confissão / Full Confession / 1939, etc.) e interpretado com segurança por Frances Dee, Tom Conway, James Ellison, Edith Barrett, Christine Gordon e os atores negros Sir Lancelot (cantor de calipso) e Darby Jones (Carre-Four), o filme é considerado por muitos críticos o melhor da série, “um dos raros exemplares de pura poesia visual fabricado por Hollywood” (cf. Siegel).

Esta qualidade é perceptível em sequências como a do primeiro encontro de Betsy com Jessica; a da caminhada das duas à sede da macumba através dos canaviais sob o batuque enervante dos tambores e o soprar do vento até se depararem com o zumbi; e a do desenlace, em notável montagem alternada, encerrando-se quando a agulha é espetada na boneca representando Jessica e, em seguida, num corte brusco, aparece Wesley, que acabara de matar a verdadeira Jessica com a flecha da estátua de São Sebastião.

A Morta-Viva / I Walked with a Zombie / 1943 foi exibido com atraso no Brasil por causa da censura e, nessa ocasião, Moniz Vianna deu a medida exata de seu valor: “Grande não; nem perfeito. Mas inegavelment, um filme muito bom”.

A terceira produção de Lewton, O Homem-Leopardo / The Leopard Man / 1943, um drama fantástico-criminal escrito por Ardel Wray com base em Black Alibi, romance de Cornell Woolrich (William Irish), também foi dirigido por Jacques Tourneur.

Numa pequena cidade da fronteira do Novo México, um leopardo que o empresário teatral Jerry Manning (Dennis O’ Keefe) havia usado num truque publicitário de sua vedete, Kiki Walker (Jean Brooks), assusta-se com o som de castanholas e foge. A fera mata uma adolescente, Teresa Delgado (Margaret Landry). Posteriormente, duas outras jovens, Consuelo Contreras (Tula Parma) e a dançarina Clo-Clo (Margo), são mortas; mas, desta vez, por um assassino demente, que usa o leopardo para encobrir suas atividades. Perseguido por Jerry e Kiki, o criminoso vem a ser preso e morto pelo namorado de uma das vítimas.

A narrativa, sem ter personagens centrais, é um tanto fragmentada, prejudicando um pouco a dramaticidade, mas há seqüências de excelente Cinema. Numa delas, sem dúvida a mais aterrorizadora de toda a série, Teresa é forçada pela mãe a sair de noite para comprar farinha. A mocinha está assustada, pois ouvira dizer que um leopardo andava solto pelas redondezas. A mãe empurra-a para fora de casa e tranca a porta. A pobrezinha encontra a mercearia fechada e tem de atravessar um longo caminho na escuridão, até chegar à única loja ainda aberta. Na volta, ela vê os olhos de um felino brilhando nas trevas. Num efeito semelhante ao da parada repentina do ônibus em Sangue de Pantera, quando ela está sob uma passagem elevada da estrada de ferro, um trem irrompe estridentemente. Logo depois, ela se depara com a fera, cai, derramando a farinha e foge. O resto da sequência é filmado do interior da casa. A menina bate aflita na porta, suplicando à mãe para deixá-la entrar; esta, zangada com a demora, decide puní-la, fazendo-a esperar. Quando finalmente se convence de que a filha corre perigo, não consegue abrir o ferrolho e vê o sangue da menina escorregando por debaixo da porta.

O virtuoso emprego do som e das sombras e a sucessão tensa das imagens continua no momento das outras mortes – a de Consuelo no cemitério e a de Clo-Clo tocando castanholas pelas ruas escuras, antes de perecer nas mãos do assassino. Boa parte do êxito destes instantes aconteceram devido aos perfeitos shots em chave baixa do fotógrafo Robert de Grasse (Kitty Foyle / Kitty Foyle /1940, A Morte Dirige o Espetáculo / Lady of Burlesque / 1943, Museu de Horrores / Crack-Up / 1946, Nascido para Matar / Born to Kill / 1947, Ninguém Crê em Mim / The Window /1949, Clamor Humano / Home of the Brave / 1949, Espíritos Indômitos / The Men / 1950, etc.), que faria ainda com Lewton O Túmulo Vazio.

Filmado em um mês, O Homem Leopardo custou menos de 150 mil dólares e deu bons lucros para a RKO. Lewton sabia reconhecer e respondia muito bem à qualidade em filmes poucos dispendiosos. Nesta oportunidade, James Agee escreveu que os filmes mais imaginosos e criativos de Hollywood eram os feitos por Lewton e sua equipe.

Tourneur observaria mais tarde que esses exercícios de terror “foram feitos durante a guerra e, durante a guerra, por alguma razão misteriosa, as pessoas gostam de ser amedrontadas. Subconscientemente nós todos gostamos de sentir medo e, em tempo de guerra, as pessoas tinham dinheiro ganho nas fábricas, dinheiro para gastar e todos amavam aquele tipo de filme”. Já Alexandre Nemerov, num estudo intitulado Icons of Grief (University of Califórnia, 2005), argumentou recentemente que os filmes de Val Lewton cristalizavam a ansiedade e tristeza experimentadas pelos americanos na frente doméstica durante a Segunda Guerra Mundial, emoções em desacôrdo com a insistência oficial sobre coragem, patriotismo e otimismo.

O estúdio viria quebrar a parceria Lewton-Tourneur conduzindo este último para a área das produções classe “A”, onde estrearia com Quando a Neve Tornar a Cair / Days of Glory / 1944, drama de guerra na Rússia com Gregory Peck e Tâmara Toumanova. Lamentando a separação, Tourneur diria: “Mantínhamos uma perfeita colaboração – Val era o sonhador, o idealista e eu o materialista, o realista. Devíamos ter continuado a fazer filmes mais importantes e ambiciosos e não somente filmes de horror.

Sem Tourneur, Lewton teve que escolher outro diretor para o novo projeto já programado, A Sétima Vítima / The Seventh Victim / 1943, história mórbida e pessimista, escrita por DeWitt Bodeen e Charles O’ Neal a partir das idéias do produtor.

Mary Gibson (Kim Hunter) chega a Manhattan à procura da irmã, Jacqueline (Jean Brooks), que desaparecera . A investigação que faz, com o auxílio de Gregory Ward (Hugh Beaumont), marido de Jacqueline, leva-a aos Palladists, culto diabólico do qual Jacqueline é adepta. Os Palladists tentam matar Jacqueline por ter revelado os segredos da ordem a um psicanalista, Dr. Louis Judd (Tom Conway), mas falham no seu intento. Ela acaba pondo fim à vida, deixando Mary e Gregory um nos braços do outro.

A trama é conduzida de um modo um tanto intrincado, mas contém elementos de susto e suspense dentro de um clima inquietante, como na cena em que Mary descobre o laço e a cadeira no quarto alugado pela irmã no andar superior de um restaurante em Greenwich Village ou quando ela, no chuveiro, através da cortina de plástico, vê a sombra da lésbica, Mrs. Redi (Mary Newton), lembrando a cena de Norman Bates em Psicose / Psycho / 1960 de Hitchcock. Como disse Carlos Clarens, “raramente um filme conseguiu captar tão bem a ameaça noturna numa grande cidade, o terror subjacente no cotidiano e a sugestão de um espírito maligno oculto”.

Como acentuou Siegel, “nos seus melhores filmes, Lewton abraça as forças sombrias, negativas – suicídio, diabolismo, feitiçaria. A Sétima Vítima é a sua negação mais direta, um filme no qual a existência é retratada como um vácuo infernal, de onde todas as almas anseiam pela doce libertação da morte”.

Isto fica claro na cena do suicídio de Jacqueline, sugerido pelo som de uma cadeira sendo empurrada enquanto, fora de cena, ela se enforca e uma voz repete a epígrafe de John Donne que inicia o filme: “Eu corro para a Morte e a Morte logo me encontra…e todos os meus Prazeres são como os Dias de Ontem”.

Satisfeito com Mark Robson, Lewton entregou-lhe a direção do filme seguinte, O Fantasma dos Mares / The Ghost Ship / 1943, algo parecido com uma versão psicanalítica de O Lobo do Mar, romance de Jack London, feito para aproveitar um cenário de navio que a RKO havia construído para o filme Transpacífico / Pacific Line / 1939 (Dir: Lew Landers).

No relato (escrito por Donald Henderson Clarke com apoio numa história de Leo Mittler), Tom Merriam (Russell Wade), jovem oficial do navio mercante “Altair”, impressionado com as atitudes de um comandante autoritário, Capitão Will Stone (Richard Dix), vai percebendo aos poucos que este é um assassino psicopata, responsável pela morte de vários tripulantes. Ninguém acredita nas suas acusações e ele quase vem a ser morto, antes de Stone ser apunhalado por Pollo (Skelton Knaggs), um tripulante mudo, cujos comentários em voz over predizem que vão ocorrer mortes durante a viagem.

Logo após a estréia do filme, dois indivíduos, Samuel R. Golding e Norbert Faulkner, impetraram uma ação judicial contra o produtor, alegando plágio. Alguns meses antes, eles haviam deixado por conta própria um manuscrito da peça que haviam escrito nas mãos da secretária de Lewton que, seguindo um procedimento usual no estúdio, devolveu-o aos autores. Embora a história de O Fantasma dos Mares não tivesse nada a ver com a do texto, a ação foi julgada procedente e, em conseqüência, sustada a distribuição. Entretanto, o filme chegou a passar no Brasil e hoje podemos revê-lo em dvd na magnífica caixa da Warner, The Val Lewton Horror Colection

O filme é atraente do ponto de vista narrativo e pictórico, com fotografia de Musuraca desta vez menos contrastada e cenas de horror apoiadas mais em efeitos auditivos do que visuais, como no assassinato do marujo, quando apenas se ouvem seus gritos, abafados pelo barulho das pesadas correntes que o soterram.

Tal como em todos os filmes de Lewton, o horror não provém de nenhum elemento sobrenatural explícito, mas sim dos recônditos insondáveis da mente humana. Numa cena, Stone admite que algo estava perturbando sua paz de espírito e ele tinha que resolver seus conflitos psicológicos. No caso, uma mente civilizada, porém instável, que não foi capaz de lidar com o problema de uma autoridade sem limites.

Em seguida, Koerner encomendou uma continuação de Sangue de Pantera, porém Lewton driblou suas instruções e fez um filme mais poético do que terrorífico. No enrêdo  de Dewitt Bodeen, Oliver Reed  (Kent Smith) preocupa-se porque sua filhinha Amy (Ann Carter) vive num mundo de fantasia. A mãe, Alice (Jane Randolph), atribui o fato simplesmente à imaginação infantil, mas Oliver suspeita da influência de sua primeira esposa Irena (Simone Simon), que falecera acreditando ser uma mulher-pantera. Amy freqüenta a mansão ocupada por Barbara Farren (Elizabeth Russell) e sua progenitora Julia (Julia Dean), uma velha atriz de uma outra época. Julia gosta da menina e Barbara a odeia, achando que a menina está lhe roubando o amor de sua mãe. Amy vê uma fotografia de Irena e imagina que ela é sua amiga. Quando insiste que Irena é “real”, Oliver fica mais impaciente e a castiga. Ela foge para a casa das Farren, sem saber que Barbara prometera matá-la. Julia tenta esconder Amy, mas sofre um colapso. Bárbara ameaça Amy; fica, porém, desarmada diante da inocência da menina, no exato momento em que Oliver chega com a polícia. Oliver então mostra-se indulgente com as fantasias da filha, fazendo-a esquecer-se de Irena.

Fascinante análise da psicologia infantil e talvez o mais pessoal dos filmes de Lewton, A Maldição do Sangue de Pantera / The Curse of the Cat People / 1944 foi prejudicado por cortes e inserções ordenados pelos chefões do estúdio e tumultuado pela substituição do diretor. Gunther Von Fritsch, inicialmente escolhido, havia se sobressaído em dois shorts da MGM, Fala, o Cachorro do Presidente / Fala, the President’s Dog / 1943 e Mãos Videntes / Seeing Hands / 1943, este último indicado para o Oscar; mas, na sua primeira intervenção num longa-metragem, deixou que a filmagem se atrasasse e colocaram Robert Wise no seu lugar. Wise, contratado como auxiliar do departamento de montagem da RKO, tornara-se montador com O Homem Que Vendeu a Alma / All That Money Can Buy / 1941, Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941, Soberba / The Magnificent Ambersons / 1942 montando também Sete Dias de Licença / Seven Days Leave / 1942, Bombardeiro / Bombardier / 1943 e O Beijo da Traição / The Fallen Sparrow / 1943, até preencher a vaga de Von Fritsch, ascendendo à direção.

Apesar dos problemas, o filme tem muitos admiradores (Agee elegeu-o um dos melhores do ano) e, sem dúvida, alguns efeitos góticos e de horror interessantes como na cena em que, no sombrio casarão a velha ex-atriz narra a Amy a historia do cavaleiro-sem-cabeça e depois, ao ouvir o barulho de um carro com o pneu furado, a menina tem a impressão no escuro de ver o personagem fantasma se aproximando.

Após um breve intervalo, no qual realizou Youth Runs Wild / 1944 e Mademoiselle Fifi / 1944 (exibido no Brasil apenas na televisão), o primeiro sobre delinqüência juvenil e o segundo extraído de dois contos de Guy de Maupassant, Lewton voltou ao gênero de horror com três filmes ambiciosos, todos protagonizados por Boris Karloff, que havia sido contratado pela RKO.

No primeiro, A Ilha dos Mortos / Isle of the Dead / 1945 – com roteiro de Ardel Wray  e Josef Mischell inspirado num quadro famoso do pintor suíço Arnold  Böcklin (1827 – 1901) e direção de Mark Robson -, o General Pherides (Boris Karloff), um repórter americano, Oliver (Marc Cramer), um cônsul britânico, St. Aubyn (Alan Napier), sua esposa (Katherine Emery substituindo Rose Hobart) e outras pessoas ficam de quarentena numa ilha grega durante a Guerra de 1912.  A cólera é descoberta entre o grupo embora uma velha camponesa, Kyra (Helene Thimig) suspeite da presença de demônios chamados vorvolakas, acusando Thea (Ellen Drew), uma bela jovem do local, de ser vampiro, responsável pelas mortes. A mulher do cônsul é enterrada prematuramente, mas ressucita, possuída por uma espécie de espírito assassino. Perturbado pela peste, Pherides tenta matar Thea, porém a ressucitada o liquida, antes de cometer suicídio, atirando-se num precipício. O perigo da cólera passa, permitindo ao americano deixar a ilha na companhia de Thea, que conquistara seu coração.

O filme tem de início um compasso um pouco arrastado, mas por toda a sua extensão sente-se uma atmosfera intensamente trágica, que vai preparando o final, quando se acumulam os acontecimentos mais empolgantes. A certa altura, a câmera se aproxima lentamente do caixão, no qual sabemos que a mulher atacada de catalepsia está enterrada e a qualquer momento pode acordar. O único som são as gotas d’água caindo sobre a tampa de madeira do caixão. De repente, ouvimos um grito do seu interior e o ranger das dobradiças que são forçadas por dentro para abrir. Num suspense angustiante a platéia fica aguardando o despertar da mulher, enlouquecida pela horrível experiência. Nesta e em outras cenas do desfecho, Robson, ajudado por Jack Mackenzie, fotógrafo geralmente confinado às séries da RKO – Scattergood (Guy Kibbee), Mexican Sptfire (Lupe Vélez), Falcon (Tom Conway), Gildersleeve (Harold Peary) – mais vigor e valor artístico. Moniz Vianna considerou A Ilha dos Mortos uma pequena obra-prima e James Agee, “um dos melhores filmes de horror jamais feito”.

O Túmulo Vazio / The Body Snatcher / 1945 começou a ser rodado durante uma interrupção na filmagem de A Ilha dos Mortos e foi lançado antes deste. Lewton abordou um conto de Robert Louis Stevenson e, pela primeira vez, assinou o roteiro juntamente com Philip MacDonald, usando o pseudônimo de Carlos Keith.

Em Edinburgh, Escócia, 1831, o médico MacFarlane (Henry Daniell) dirige uma escola de medicina. Ele é chantageado por John Gray (Boris Karloff), um cocheiro que certa vez o encobertara numa investigação por roubo de cadáveres e cumprira longa pena de prisão em seu lugar. Fettes (Russel Wade), jovem estudante idealista, torna-se assistente de MacFarlane e pede ao mestre que opere uma criança paralítica, Georgina (Sharyn Moffett). Em pouco tempo, Fettes vem a descobrir que, por meios ilegais, Gray arranja cadáveres para a escola e que o ladrão de túmulos traz MacFarlane sob estranho contrôle. Os recentes roubos de Gray fazem com que sejam colocados guardas nos cemitérios e então, para conseguir mais corpos, ele dá início a uma série de assassinatos. Atormentado, MacFarlane mata Gray e, como a operação em Georgina é bem sucedida, convence Fettes a ajudá-lo a roubar o cadáver de uma mulher. No retôrno da sinistra expedição, durante uma tempestade, Fettes cai do carro funerário descontrolado. MacFarlane, cada vez mais alucinado, pensa ser de Gray o cadáver que está transportando e que está sendo atacado por ele enquanto a viatura se encaminha para o abismo.

A narrativa é um tanto literária, mas o filme tem uma ambientação eficiente e algumas cenas de horror no esquema plástico-sonoro lewtoniano, soberbamente dirigidas por Robert Wise com o apoio do fotógrafo Robert de Grasse.  Numa das cenas, uma cantora de cega (Donna Lee) – que atua como uma espécie de coro ligando os episódios com suas canções escocesas – afasta-se da objetiva, penetra numa passagem escura com entrada em forma de arco e o som do seu canto continua sendo ouvido. Em seguida, a carroça de Gray entra no quadro e desaparece nas trevas atrás da jovem. O canto cessa repentinamente e a câmera permanece focalizando o arco de entrada até a imagem se dissolver.

Outra cena tétrica muito lembrada é a do epílogo, quando MacFarlane imagina que Gray ressuscitara para vingar-se. A voz do morto (repetindo “Nunca se livrará de mim”) ecoa no ritmo do galope dos cavalos, vendo-se MacFarlane e o “fantasma” de Gray em luta na carruagem desgovernada, iluminados pelos flashes dos relâmpagos. Na verdade, existia uma ligação profunda, metafísica entre os personagens de MacFarlane e Gray. O cocheiro era sem dúvida o alter ego do médico, sua consciência selvagem.

O último filme de Lewton para a RKO, Asilo Sinistro / Bedlam / 1946, inicialmente intitulado Chamber of Horrors, inspirou-se temática e visualmente na série de ilustrações satíricas A Rake’s Progress do artista inglês William Hogarth (1697-1764), que foram intercaladas entre as seqüências, comentando-as antecipadamente e sugerindo ainda vários enquadramentos (“Hogarth foi nosso desenhista de produção”).

O entrecho, de autoria de Lewton e Mark Robson, transcorre na Londres de 1761. Nell Bowen (Anna Lee) atriz protegida do gordo Lord Mortimer (Billy House), deseja melhorar as condições do asilo de loucos de St. Mary of Bethelem (Bedlam), dirigido pelo ambicioso e sádico Master Sims (Boris Karloff) . Sua intromissão, encorajada por Hannay (Richard Fraser), um quaker, provoca a ira de Mortimer, a quem Sims deve o cargo. Após algum tempo, por intriga de Sims, Nell é conduzida ao asilo como punição. Embora amedrontada pelos loucos ela se esforça por melhorar a condição daquelas pobres criaturas. Quando Sims ameaça fazer mal a ela, é capturado pelos internos, que formam um tribunal para julgá-lo. Reconhecendo que sua crueldade é uma doença, os loucos o deixam partir, absolvido; mas um infeliz, maltratado pelo impiedoso diretor, o apunhala. Temendo o castigo, os loucos resolvem emparedar Sims ainda vivo e, com seu misterioso desaparecimento, Bedlam transforma-se numa instituição humanitária.

Esta trama, um tanto bizarra, se desenrola num clima asfixiante, criado pelo método fotográfico típico de Musuraca e, apesar de conter diálogos excessivos (porém cultos  e irônicos), segue com fluência.

O estúdio deu ao produtor um orçamento maior do que o de costume (350 mil dólares); mesmo assim, ele teve que enxugar os gastos, usando como sempre antigos cenários (o asilo, por exemplo, era a igreja de Os Sinos de Santa Maria / The Bells of St. Mary’s / 1945).

O horror irrompe nas cenas da morte do jovem louco – personificando a Razão diante dos ricos convidados do banquete em Vauxhall – com os poros obstruídos pela tinta dourada que lhe cobre o corpo; na cena do confronto sob o olhar maquiavélico de Sims, entre a heroína e um demente furioso que a jovem apazigua com doçura; na cena das mãos que surgem para fora das grades acompanhadas de gritos lancinantes; na cena do julgamento de Sims por suas vítimas; e na cena em que ele abre os olhos ao cair sobre sua cabeça a última pedra, que haveria de sepultá-lo vivo – um instante digno de Edgar Allan Poe.

Entre outros projetos irrealizados, Lewton produziu ainda mais três filmes de outros gêneros: Meu Verdadeiro Amor / My Own True Love / 1948, Crê em Mim / Please Believe Me / 1950, Flechas da Vingança / Apache Drums / 1951, pela ordem, para a Paramount, MGM e Universal.

Examinando a carreira de Val Lewton em Fearing the Dark (McFarland, 1995), Edmund G. Basak, dedica um capítulo inteiro (“Dark Legacy”) à influência póstuma de Lewton sobre uma geração de realizadores, não somente nos EUA, mas também na França e Inglaterra, elaborando uma lista abrangente de filmes para exemplificá-la. Recentemente, Martin Scorsese admitiu a influência direta de Val Lewton sobre seu filme A Ilha do Medo / Shutter Island / 2010.

O grande produtor faleceu prematuramente aos 46 anos, vitimado por um ataque cardíaco, a 14 de março de 1951.

Alguém disse uma frase que lhe cai sob medida como epitáfio: “Ele usou a Beleza para criar o Horror”.

TOM MIX

William S. Hart deu certa estatura e realismo ao western. Tom Mix introduziu o senso de espetáculo e, como personalidade, ultrapassou-o. Nenhum outro astro de Hollywood, de qualquer espécie, pode ser comparado com ele sob este aspecto. Para reforçar o faz-de-conta que colocava nas telas, Mix tornou-se na vida real o cowboy-herói que interpretava, forjando uma biografia aventurosa e gastando em grande estilo os milhares de dólares ganhos no Cinema.

Deixando de lado o que foi inventado, podemos dizer que o Tom Mix (Thomas Hezekiah Mix) verdadeiro nasceu a seis de janeiro de 1880, em Drift Run, lugar também conhecido como Mix Run, perto de Cameron, Pennsylvania, EUA, filho de Elias Mix, um lenhador e condutor de uma parelha de cavalos que conduzia as toras de madeira e de Elizabeth Hiestand, sendo falsa a afirmação de que veio ao mundo em El Paso e descendia de um capitão do 7º Regimento de Cavalaria.

Em 1884, a família se mudou para Driftwood, onde Elias trabalhou para um grande madereiro, John E. DuBois, dono de uma vasta propriedade nas vizinhanças. DuBois percebeu a habilidade de Elias com cavalos e contratou-o como administrador de seus estábulos. Tom herdou do pai o amor por aqueles animais e todo dia passava algum tempo nos estábulos. Ele aprendeu inclusive a ficar de pé nas costas do cavalo enquanto este corria e, com o dinheiro que ganhou cuidando de umas vacas, comprou um velho revólver e um rifle.

Na adolescência, Tom destacou-se no futebol americano, mas não foi, como disseram, o craque da Academia Militar de Virginia, porque nunca esteve lá.  Ele praticou também basebol, ciclismo, boxe e levantamento de peso, mantendo-se sempre em forma no ginásio de seu colégio. O exame das fotos de Tom durante toda a sua vida revela que seu físico equiparava-se aos dos modernos triatletas.

Em 28 de abril de 1898, dia em que o governo americano declarou a guerra à Espanha, Tom Mix (aumentando sua idade, para que não fosse preciso o consentimento de seus pais), alistou-se no exército e, em vez de partir para Cuba e levar um tiro na boca, como diz a lenda, incorporou-se à Bateria M do 4º Regimento da Artilharia dos Estados Unidos, cuja missão era proteger os depósitos de pólvora DuPont, no rio Delaware, contra a possibilidade de um ataque à Filadélfia.

Quando a guerra hispano-americana terminou, foi transferido para a Bateria O, em Fort Monroe, Virginia, chegando ao posto de sargento. Não seguiu para as Filipinas, como consta do seu currículo fabricado e sim participou da evacuação de Fort Monroe, depois de uma epidemia de febre amarela, sem praticar nenhum feito heróico.

Após seu desligamento em 1901, realistou-se, esperando, talvez, entrar na Guerra dos Boers. Alguns militares tiveram permissão de partir para a África do Sul como “voluntários”, mas não consta de nenhum arquivo do Exército Americano que um primeiro-sargento Thomas E. Mix (nome falso que ele dera à junta de recrutamento, trocando Hezekiah por Edwin) estivesse entre eles. Tampouco esteve na China lutando na rebelião dos Boxers, nem domou cavalos para as forças armadas britânicas ou escapou de um pelotão de fuzilamento na Revolução Mexicana.

O que se sabe é que, durante esse período, Tom Mix conheceu e se casou com Grace Allin, a primeira de suas cinco esposas, e encerrou a carreira militar, desertando do seu posto em Fort Hancock e rumando com a mulher para o Oeste.

Na cidade de Guthrie, Território de Oklahoma, Tom arranjou emprego como professor de educação física no porão da Carnegie Library e depois como garçom de bar no Blue Belle Saloon na West Harrison Avenue. Tom ainda ganhou algum dinheiro extra domando cavalos para os fazendeiros locais. Zack Mulhall, dono do Mulhall Ranch e os irmãos George e Zack Miller, donos (juntamente com um terceiro irmão, Joe) do Miller Brothers 101 Ranch encontravam-se sempre com Tom no curral e no bar e simpatizaram com aquele jovem de corpo atlético. O editor de jornal, Thomas B. Ferguson, governador do Território de Oklahoma, nomeado pelo Presidente Theodore Roosevelt, também tinha Tom em alta estima.

Quando Grace deixou Tom, insatisfeita com a vida desconfortável que levava naquele ambiente selvagem, Mulhall e Ferguson sugeriram a Tom que ingressasse na Banda da Cavalaria de Oklahoma como tambor-mor. Tom não era músico, mas foi aceito. A função do tambor-mor era vestir um uniforme resplandecente com dragonas e enfeites e marchar na frente da banda carregando um bastão. Ele era responsável por levantar e abaixar o bastão enquanto marchava de acordo com o ritmo da música, em essência conduzindo a banda tal como um maestro numa orquestra.

Quando a Feira Mundial foi inaugurada em St.Louis, Missouri em 1904, Tom e a Banda da Cavalaria de Oklahoma participaram da inauguração do pavilhão dedicado a Oklahoma. Tom conduziu a banda e foi descrito por um jornal de St.Louis como “uma figura galante que chamava muita atenção, especialmente por parte do público feminino”.

Foi a primeira vez em que Tom percebeu que roupas vistosas fariam com que ele atraísse os olhares e isto se tornou um hábito para ele. Pelo resto de sua vida Tom usaria roupas chamativas e quando ele se tornou o astro mais bem pago do mundo, suas vestes foram o assunto de muitas conversas, principalmente o seu cinturão de fivelas ornamentadas com platina e jóias preciosas.

Após ter deixado a Banda da Cavalaria de Oklahoma e trabalhado novamente como garçom, Tom foi contratado como vaqueiro pelos irmãos Miller. A fazenda de criação de gado de propriedade deles, Miller Brother’s 101 Ranch, era tão grande, que foi preciso aproximadamente 480 mil quilômetros de arame farpado para cercá-la. A riqueza da família Miller era inimaginável, mesmo antes de ter sido descoberto petróleo em suas terras. Os três irmãos eram também donos de um Wild West Show de enorme sucesso.

Os vaqueiros trabalhavam no 101 Ranch durante a primavera, verão e outono e ficavam livres para procurar outras ocupações nos meses de inverno, até o próximo recolhimento do gado na primavera. Assim, depois de se casar com Kitty Perrine, Tom foi procurar emprego para os meses de inverno e acabou realizando um de seus sonhos de infância: tornar-se um homem-da-lei no Oeste.

No início de 1906, Tom Mix foi contratado como peace officer (cargo parecido com o de delegado) na cidade de LeHunt, Kansas, que abrigava a Hunt Construction Company e sua fábrica de cimento. Posteriormente, Tom exerceu novamente a função de delegado, desta vez numa cidade de mineração chamada Richard City no Condado de Marion County, Tennessee e, após ter se divorciado de Kitty, ele foi nomeado deputy sheriff (auxiliar do xerife) em Dewey, Oklahoma. Mas Tom nunca fez parte dos Texas Rangers, como inventaram os publicistas da Fox.

Depois desta experiência como “domador de cidades”, Tom retornou ao 101 Ranch e, em 1908, teve um bom aumento de salário, por ter conquistado o título de campeão do rodeio promovido pela fazenda. Este era um título de grande prestígio e quase que imediatamente a figura de Tom foi estampada nos cartões postais distribuídos pelos Millers para promover o seu espetáculo circense. Os turistas que chegavam na fazenda começavam a perguntar por Tom e pediam para serem apresentados a ele.

No final de 1908, Tom ficou mais uma vez sem emprego durante o inverno e decidiu voltar para Dewey, não para assumir novamente a posição de auxiliar de xerife, mas para cortejar Olive Stokes, que conhecera na Feira Mundial de St. Louis há quatro anos e nunca se esquecera dela. Olive possuia certos atributos que agradavam a Tom: ela gostava do campo e se interessava por atividades masculinas como montar, laçar, lidar com os cavalos e gado. Era visivelmente mais adequada para ser Mrs.Tom Mix do que Grace Allin ou Kitty Perrine, ambas acostumadas com os confortos modernos da cidade.

Em 1909, Tom já estava com o sangue do show business nas veias. Ele não queria mais ser um vaqueiro ganhando quinze dólares por mês nem um sub-xerife mal pago. Casou-se com Olive e foi trabalhar com a esposa (de quem teve a filha Ruth, que também foi atriz) no Widerman Wild West Show em Amarillo, Texas.

Tom não estava designado oficialmente como o astro do show, mas ficou óbvio que todo o espetáculo girava em torno dele. No momento em que ele irrompia na arena montado no seu cavalo Old Blue, os espectadores deliravam. No cinema, Tom montou Old Blue e um cavalo preto chamado Colt 45 nos seus primeiros filmes entre 1910 e 1918. Após a morte de Old Blue em 1919, Tom usou o cavalo Tony (Tony Boy) em todos os seus filmes mudos e depois Tony, Jr. nos filmes sonoros. Porém, nas cenas arriscadas, usava dublês como Buster, Argie ou Satan.

Passado algum tempo, o casal formou companhia própria, The Tom Mix Wild West Show, e, afinal, ambos se uniram ao Will Dickey’s Circle D Ranch Wild West Show and Indian Congress, que fornecia cowboys e índios para os filmes de faroeste da Selig Polyscope Company.

O pessoal da Selig resolveu usar o jovem Mix como vaqueiro fora da tela até que ele teve a chance de aparecer diante das câmeras numa cena de Ranch Life in the Great Southwest, semi-documentário curto sobre cowboys num rodeio.

A maioria dos westerns da Selig era de um rolo, durando cerca de cinco minutos e filmados em uma semana, porém a companhia fez também filmes de dois, três até cinco rolos como, por exemplo, Para a Terra do Ouro / In the Days of the Thundering Herd / 1914 ou No Coração do Texas / The Heart of Texas Ryan / 1917. Os enredos eram simples, num estilo cômico-folclórico à maneira de Will Rogers, e havia muita ação, destacando-se as cenas espetaculares que mostravam os extraordinários talentos de Mix em cima da sela, saltando sobre precipícios ou arremessando o laço, atirando e lutando, sempre com roupas vistosas, chapelão e um tremendo magnetismo pessoal.

Em 1917, a Selig ficou em péssima situação financeira. Tom Mix foi trabalhar para William Fox e, passando aos longas-metragens, fez logo um estrondoso sucesso. Segundo a maioria dos comentaristas a melhor fase de sua carreira foi o período em que trabalhou na Fox.

Cinco anos mais tarde, já casado com Victoria Forde (parceira em vários filmes e mãe da segunda filha, Thomasina) ganhava um salário de 17.500 dólares semanais (quase um milhão por ano), morava numa magnífica mansão em Sunset Drive, Beverly Hills e levava uma vida suntuosa que, aliada ao seu passado fictício, reforçava a imagem lendária do astro-cowboy.

Mas ele deu duro para ter direito a esse luxo, filmando em locações autênticas no Wyoming, Arizona, Utah, Death Valley, dispensando os stuntmen na maioria das vezes, comparecendo em público pessoalmente ao lado de seu cavalo Tony. Em Hollywood, Tom filmava numa aérea em Edendale, Califórnia que o estúdio batizou de Mixville, reservada para a unidade de produção dos seus westerns.

Mix preocupava-se com a concepção geral de seus filmes que, de certo modo, eram tão pessoais como os de William S. Hart. Ele dava sempre um jeito de introduzir lances arriscados curiosos – e até elementos modernos como aviões ou carros de corrida – no meio da narrativa, sem se preocupar com a verossimilhança ou continuidade, e seu personagem de western idealizado, possuía todas as virtudes e nenhum dos vícios.

Mix tinha uma idéia definida do tipo de cowboy que deveria interpretar: “Chego a um lugar com meu próprio cavalo, sela e rédeas. A briga não é minha, mas meto-me em complicações defendendo alguém. Quando as coisas entram nos eixos, jamais recebo recompensas em dinheiro. Posso me tornar o capataz do rancho ou ficar com a mocinha, mas nunca há uma ardente cena de amor”.

Conforme acentuaram George N. Fenin-William K. Everson (The Western from Silents to the Seventies, Penguin, 1973), “esta descrição simplista e aparentemente estereotipada não faz justiça aos filmes de Mix. Seus westerns podem não ter sido “poéticos” ou “adultos”, mas eram bem escritos, com personagens em três dimensões, motivações sensíveis e geralmente intrigas imaginosas”.

Cumpre ressaltar ainda a preciosa colaboração do cameraman Daniel B. Clark, que serviria ao astro também na fase da Universal e no seriado da Mascot, e dos diretores mais assíduos: Lynn Reynolds, John G. Blystone, Edward J. Le Saint, Eugene Forde, Lewis Seiler, George Marshall, Edward Sedgwick, além de Cliff Smith e Lambert Hillyer, ex-“alunos” de William S. Hart e Jack (John) Ford, então adestrando-se para se tornar o maior cineasta de seu país. Tom Mix também dirigiu e escreveu histórias para alguns de seus filmes.

Uma das fotos mais famosas (e controvertidas) de Tom Mix é aquela dele saltando sobre o Newhall Pass no filme Descendo Abismos / Three Jumps Ahead / 1923 sob direção de John Ford. Alguns historiadores dizem que o pulo foi apenas um truque de câmera; outros insistem que o pulo foi de verdade, mas executado por um stuntman chamado Ed Simpson. Ford afirmou durante anos que o próprio Tom Mix fez essa cena arriscada. Infelizmente o filme até o presente momento é considerado perdido.

Quando o contrato com a Fox terminou, Mix foi para a FBO (antiga Robertson-Cole), companhia independente dirigida por Joseph P. Kennedy, pai do Presidente John F. Kennedy, e a série de cinco filmes ali produzidos manteve bom nível, apesar dos orçamentos modestos. Com o advento do som, a FBO reorganizou-se como RKO e excluiu os faroestes da programação.

Nessa época, Mix casou-se com a trapezista Mabel Hubbel Ward e fez excursões com o Sells-Floto Circus, onde ambos trabalhavam, aparecendo diante dos fãs como atração especial.

Em 1932, voltou às telas em nove filmes sonoros da Universal, todos de bastante agrado popular: A Volta de Tom / Destry Rides Again, A Mina do Deserto / The Rider of Death Valley, O Malfeitor do Texas / Texas Bad Man, Meu Amigo, O Rei / My Pal, The King, O Quarto Cavaleiro / The Fourth Horseman, Ouro Oculto / Hidden Gold, Perigo Delicioso / Flaming Guns, A Trilha do Terror / Terror Trail e Mascarado Magnânimo / Rustlers Roundup. De início Tom sentiu alguma dificuldade em dizer as suas falas, quando a câmera estava rodando. Na verdade ele sempre ficava nervoso quando tinha que falar em público, porque há anos que usava dentadura e temia que os fãs pudessem notar o som estranho que ela fazia. Tom ficava aterrorizado com os diálogos, achando que não poderia dizer um texto muito longo sem problemas.

Sua trajetória no cinema sonoro foi interrompida quando o seu cavalo Tony Jr caiu com ele numa tomada de O Mascarado Magnânimo e Tom se machucou seriamente, tendo de deixar o Cinema. Nos oito anos seguintes, viajou com o gigantesco Sam B. Dill Circus, que havia comprado e transformado no Tom Mix Circus.

Apenas em 1935, precisando de dinheiro para manter o circo, Tom aceitou a oferta de Nat Levine e entrou num seriado da Mascot, O Cavaleiro / Alado / The Miracle Rider. Nos quinze capítulos ele interpretava um Texas Ranger seguindo a pista do vilão, Zaroff (Charles Middleton), que estava aterrorizando a população com um poderoso explosivo, conhecido como X-04. Aos 55 anos, Mix ainda montava bem, mas por causa da idade e dos vários ferimentos que sofrera no passado, foi dublado por Cliff Lyons em algumas cenas de ação. Após três temporadas seguidas com as rendas diminuindo, o circo teve que encerrar suas atividades e, nos últimos anos de vida, Mix exibiu-se com Tony II na Europa.

Em 12 de outubro de 1940, Tom Mix rumava em direção a Tucson, dirigindo seu automóvel amarelo marca Cord, feito sob encomenda, com um par de chifres engastado no radiador. Ele vestia um extravagante traje de cowboy, com a fivela do cinturão cravejado de diamantes, botas feitas à mão e chapéu Stetson branco. Na parte traseira do Cord havia duas maletas de metal. Perto de Florence, Arizona, ele não viu um grupo de operários trabalhando na estrada e, ao tentar se desviar, o Cord capotou. Umas das maletas voou longe, atingiu-o na nuca e quebrou seu pescoço. Quando retiraram o corpo debaixo do carro, ele estava morto.

Tom Mix foi o ídolo de uma Era, dos velhos tempos em que, batendo com as mãos nas pernas como se fosse o mocinho a cavalo, as crianças corriam pelas ruas pacatas da vizinhança atrás das fantásticas aventuras de faroeste que viam nas salas escuras dos cinemas. Um mundo mágico, desaparecido para sempre.

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes de Tom Mix exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa feita anos atrás com a colaboração de Gil Araújo e a ajuda inestimável de Danilo Diegues, na época o maior conhecedor dos filmes de TM no Brasil), que é a informação que o imdb não dá.  De TM conheço apenas: Pelas Alturas, Tony, O Passo da Morte, A Grande Emboscada, A Última Trilha, O Passo da Morte, A Mina do Deserto, O Malfeitor do Texas, A Volta de Tom, Meu Amigo, o Rei, Ouro Oculto, Perigo Delicioso, A Trilha do Terror e o seriado O Cavaleiro Alado. Assim sendo, não me sinto qualificado para afirmar quais os melhores filmes do grande cowboy. Entre os filmes que eu vi, O Passo da Morte (mudo) e A Mina do Deserto (sonoro) são os meus prediletos. Filmes na Selig: 1910 – DEVOÇÃO DE ESPOSA ÍNDIA / An Indian Wife’s Devotion; TREINANDO ANIMAIS SELVAGENS / Taming Wild Animals; ENFEITES COM FLORES SELVAGENS / The Trimming of Paradise Gulch. 1911 – SELVA DESAPARECIDA / Lost in the Jungle; TEMPOS PRIMITIVOS / Back to the Primitive; NOS DIAS DO OURO / In the Days of Gold; CORAÇÕES DO OESTE / Western Hearts. 1913 – COMO ISTO ACONTECEU / How It Happened; O FORA-DA-LEI / The Law and the Outlaw. 1914 – CARICATURISTA HERÓICO / Chip of the Flying U; UM TORNEIO REAL DE COWBOYS / The Real Thing in Cowboys; O MEXICANO / The Mexican; PARA A TERRA DO OURO / In the Days of the Thundering Herd (depois, Wagon Trail); COMPANHIAS RIVAIS / The Rival Stage Line; UMA CAÇADA DE BÚFALOS /  Buffalo Hunting; O SEDUTOR / The Lure of the Indigo. 1915 – ENLAÇANDO UMA NOIVA / Roping a Bride; CORAÇÃO DA FLORESTA / Hearts of the Jungle; O ROCEIRO TOM / Sagebrush Tom; A NOIVA DO BANDIDO / The Outlaw’s Bride; O HEROISMO DE TOM MIX, AMIGOS DA FILEIRA ou O SOLDADO / Pals in Blue; SALVA POR SEU CAVALO / Saved by her Horse; CORAÇÃO DE XERIFE / The Heart of the Sheriff; ROUBO NO RANCHO / The Foreman of Bar Z Ranch; A GUARDIÃ E O COWBOY / The Range Girl and the Cowboy; A MOÇA DO CORREIO / The Girl and The Mail Bag;  AMOR NO OESTE / The Stagecoach Driver. 1916 – PAI POR DESASTRE /; O Trilby’s Love Disaster; O TRANSVIADO / The Man Within; DUELO AO SOL / Some Duel; AVISO LEGAL / Legal Advice; ALMA DOS CAMPOS / An Angelic Attitude; A HISTÓRIA DO URSO / A Bear of a Story; ENLAÇANDO UMA NAMORADA / Roping a Sweetheart; ESTRATÉGIA DE TOM /  Tom’s Strategy; O ATAQUE / The Raiders; UM ERRO EM HOMENS ATIVOS / A Mistake in Rustlers; SACRIFÍCIO DE TOM / Tom’s Sacrifice; O ERRO DO XERIFE /  The Sheriff’s Blunder; COMO ISTO ACONTECEU / Mistakes Will Happen; CAMINHOS TORCIDOS / Twisted Trails; ERA APENAS DOURADO /  The Golden Tought;

O TEMERÁRIO / In the Days of Daring. 1917 – SELAS E BARRIGUEIRAS /  The Saddle Girth; INVEJADO POR TER SORTE E FORTUNA / The Luck that Jealousy Brought; NO CORAÇÃO DO TEXAS ou PAIXÃO DE GAUCHO / Single Shoot Parker ou The Heart of Texas Ryan. Filmes na Fox: O CAÇADOR SOLITÁRIO / The Lone Cowboy; CAIPIRAS E CAIPORAS / Hearts and Saddles; UM VAQUEIRO ROMANO / A Roman Cowboy; O MOÇO BONITO / Six Cilinder Love; ASTROLÁBIO DO RANCHO / A Soft Tenderfoot; JUSTA RETRIBUIÇÃO / Durand of the Bad Lands; OS DOIS RIVAIS / Tom and Jerry Mix. 1918 – CAPRICHOS DE CUPIDO / Cupid’s Roundup; AJUSTANDO CONTAS / Six Shooter Andy; SANGUE DE GAUCHO ou SANGUE DE COWBOY / Western Blood; A FILHA DA NEVE / Ace High; AMOR DE GAUCHO / Mr. Logan; FAMA E FORTUNA / Fame and Fortune. 1919 – PATRULHANDO / Treat’em Rough; RELIGIÃO À FORÇA ou BIBLIA À PISTOLA / Hell-Roarin Reform; SANGUE DE FIDALGO / Fighting for Gold; O IMPÉRIO DA LEI / The Coimng of the Law; NO DESERTO DO GÊLO / The Wilderness Trail; ROMANCE DO SERTÃO / Rough-Riding Romance; VERTIGEM DA VELOCIDADE ou O COMBATE / The Speed Maniac; ÓDIO FEUDAL / The Feud. 1920 –

CICLONE / The Cyclone; O DESTEMIDO DIABÓLICO  ou O ARRISCADO DIABÓLICO / The Daredevil; AMOR E JUSTIÇA /  Desert Love; O TERROR /  The Terror; AS TRÊS MOEDAS DE OURO / Three Gold Coins; O INDOMADO / The Untamed; O TEXANO / The Texan; ROMANCE DAS PLANÍCIES ou ROMANCE DAS CAMPINAS / Prairie Trails. 1921 – O DEMÔNIO DA ESTRADA / The Road Demon; AVENTURAS DO FAR-WEST / Hands Off; ROMEU CAVALEIRO / A Ridin’ Romeo; VAQUEIRO LUTADOR ou LUTADOR DOS CAMPOS / Big Town Roundup; NO SEU ELEMENTO / After Your Own Heart; OS CAVALEIROS DA NOITE / The Night Horsemen; DE ROCEIRO A GENERAL ou DE VAQUEIRO A GENERAL / The Rough Diamond; A VOZ DO SANGUE / Trailin’. 1922 – PELAS ALTURAS / Sky High; VIAGEM À ETERNIDADE ou O ENVENENADO / Chasing the Moon; O AVENTUREIRO / Up and Going; VICISSITUDES DE UM FERREIRO / The Fighting Streak; O REPENTINO / For Big Stakes; TONY / Just Tony; A PROVA DE FOGO / Do and Dare; O FILHO DO SULTÃO / Tom Mix in Arabia; A VOLTA DO VAQUEIRO / Catch My. Smoke. 1923 – MANIA ROMÂNTICA / Romance Land; DESCENDO ABISMOS / Three Jumps Ahead; TESOURO FATAL / Stepping Fast; O SANGUE CORRE NAS VEIAS / Soft-Boiled; ESTRELA SIMBÓLICA / The Lone Star Ranger; UM ROMEU A GALOPE / Mile-a-Minute Romeo; JORNADA DA MORTE / North of Hudson Bay; SENTINELA DAS MATAS / Eyes of the Forest. 1924 – RENEGADO A MUQUE / Ladies to Board; UMA AVENTURA GALANTE / The Trouble Shooter; MENSAGEM QUE SALVA / The Heart Buster; O FILHO DO VALENTÃO / The Last of the Duanes; UPA,UPA,TONY! / Oh, You Tony!; COLMILHOS /

Teeth; O TEIMOSO / The Deadwood Coach. 1925 –  BANDIDO MASCARADO / Dick Turpin; O PASSO DA MORTE / Riders of the Purple Sage; A TRILHA DA VINGANÇA / The Rainbow Trail; DON JUAN DE SEVILHA / The Lucky Horseshoe; MURMÚRIO ETERNO / The Everlasting Whisper; BANDOLEIRO POR ESPORTE / The Best Bad Man. 1926 – HERDEIRO PERDIDO / The Yankee Senor ou Conquering Blood; DE PEITO A PEITO / My Own Pal; O CAMPINEIRO / Tony Runs Wild; MÉDICO ENDIABRADO, PROFESSOR DE ENERGIA ou OH, DOUTOR! / Hard-Boiled; OURO SEM DONO / No Man’s Gold; A GRANDE EMBOSCADA / The Great K and a Train Robbery;

O HERÓI DESCONHECIDO / The Canyon of Light. 1927 – A ÚLTIMA TRILHA / The Last Trail; SUSTENTANDO A NOTA / The Broncho Twister; A MALTA DO RIO VERMELHO / Outlaws of Red River; O ÁS DO CIRCO / The Circus Ace; O RIO DAS SURPRESAS / Tumbling River; O VALE DA PRATA / Silver Valley; O GATO DO ARIZONA / The Arizona Wildcat. 1928 – DINHEIRO DE ARRELIA / Daredevil’s Reward; CAVALEIRO DAS PLANÍCIES / A Horseman of the Plains; ALÔ CHEYENNE / Hello Cheyenne; DINHEIRO É SANGUE / Painted Post. Filmes na FBO: O FILHO DO OESTE DOURADO / Son of the Golden West; O REI COWBOY / King Cowboy. 1929 – UM CONTRA TODOS / Outlawed; O PEREGRINO DAS MONTANHAS / The Drifter; O ROUBO DO DIAMANTE / The Big Diamond Robbery. Filmes da Universal: 1932 – A VOLTA DE TOM / Destry Rides Again; MINA DO DESERTO / The Rider of Desert Valley; O MALFEITOR DO TEXAS / Texas Bad Man; MEU AMIGO, O REI / My Pal, The King; O QUARTO CAVALEIRO / The Fourth Horseman; OURO OCULTO / Hidden Gold; PERIGO DELICIOSO / Flaming Guns. 1933 – A TRILHA DO TERROR / Terror Trail; MASCARADO MAGNÂNIMO / Rustlers Roundup. Filme da Mascot: 1935 – O CAVALEIRO ALADO / The Miracle Rider.

…E O VENTO LEVOU: O FILME MAIS FAMOSO DE TODOS OS TEMPOS

Anos atrás, ou mais precisamente em novembro de 1983, no nº 7 da extinta revista Cinemin, publicada pela editora Brasil-América, Sergio Leemann e eu escrevemos uma matéria com o título acima mas, por descuido do diagramador, não saíram os nossos nomes.

Aproveitando agora este blog, resolvemos pôr fim ao anonimato, assinando juntos este artigo, no qual revisamos o texto anterior  e introduzimos mais algumas informações.

David O. Selznick prometera a seu pai, Lewis J., que uma dia recuperaria o prestígio do seu nome no mundo do Cinema, abalado pela falência da Select Pictures, antiga companhia da família. Para tal, teve de passar por vários estágios dentro dos estúdios hollywoodianos, até chegar à formação de sua própria empresa, a Selznick International, surgida em 1935.

Os primeiros filmes da nova firma refletiam a preferência do produtor por adaptações de obras literárias, detectada desde os tempos em que trabalhava na Metro e assim não constituiu surpresa quando adquiriu, em meados de 1936, por 50.000 dólares, os direitos do romance Gone With the Wind de Margaret Mitchell, antes mesmo dele se tornar um êxito de vendas. A história tinha sido oferecida a Katherine Brown, chefe do escritório de Selznick em Nova York, por Annie Laurie Williams, agente literário da editora MacMillan e só foi aceita após certa hesitação motivada pelo tema (a Guerra Civil geralmente não garantia boa bilheteria) e pela própria grandiosidade do projeto.

Selznick contratou o consagrado escritor Sidney Howard para condensar as 1.037 páginas do caudaloso best seller, detentor do Prêmio Pulitzer de 1937. Outros membros vieram a compor a equipe: o diretor George Cukor, amigo pessoal de Selznick e o desenhista de produção William Cameron Menzies. Foram estes os principais responsáveis pela planificação do filme.

Paralelamente, Selznick imaginava quem poderia interpretar os papéis centrais. Para Rhett Butler, o personagem que arrebatava os corações femininos da América, ele pensou inicialmente em Gary Cooper, Ronald Colman e Errol Flynn enquanto Basil Rathbone era o preferido de Margareth Mitchell (e não Groucho Marx, como tem sido jocosamente divulgado); porém o escolhido pelo público era mesmo Clark Gable.

No lugar de Ashley Wilkes, Selznick tinha apenas um ator em mente, Leslie Howard (embora Melvyn Douglas e Jeffrey Lynn tivessem feito testes e Ray Milland e Lew Ayres chegassem a ser cogitados). Howard só aceitou o encargo quando lhe foi assegurada uma participação como produtor associado em Intermezzo, uma História de Amor / Intermezzo, a Love Story / 1939.

A contratação de uma atriz para Melanie não tardou, pois Olívia de Havilland logo ganhou o posto, sucedendo a Maureen O’ Sullivan, Janet Gaynor, Marsha Hunt, Geraldine Fitzgerald, Priscilla Lane, Dorothy Jordan, Elizabeth Allan, Andréa Leeds, Frances Dee, Ann Shirley e a irmã de Olívia, Joan Fontaine, na lista de candidatas.

Faltava apenas escolher a intérprete de Scarlett O’ Hara. A primeira cogitada, Norma Shearer, recusou o convite. A seguir, uma série infindável de estrelas (Bette Davis, Tallulah Bankhead, Paulette Goddard, Miriam Hopkins, Joan Crawford, Claudette Colbert, Margaret Sullavan, Carole Lombard, Jean Arthur, Loretta Young, Katharine Hepburn, Ann Sheridan Joan Bennett), algumas novatas (Lucille Ball, Doris Davenport) e centenas de desconhecidas (entre elas Margaret Tallichet, futura esposa do diretor William Wyler e Catherine Campbell, que viria a ser mãe de Patty Hearst) figuraram nos planos do produtor.

A fim de conseguir Clark Gable, Selznick teve de entrar em acordo como seu então sogro, Louis B. Mayer. A Metro cederia o astro, entraria com uma participação no valor da metade dos dois milhões e 250 mil dólares e, em troca, seria responsável pela distribuição e receberia 50% dos lucros. Em 1944, a marca do leão adquiriu direitos totais sobre o filme e Selznick deve ter se arrependido amargamente porque, com os vários relançamentos, o espetáculo tornou-se o “campeão de bilheteria de todos os tempos” (levando-se em conta o número de espectadores e o preço relativo dos ingressos).

Finalmente, a 10 de dezembro de 1938, nos velhos estúdios da RKO-Pathé, em Culver City, as filmagens começaram, mas não havia ainda Scarlett O’ Hara. Sob o comando de William Cameron Menzies, encenou-se diante das câmeras Technicolor a seqüência do incêndio de Atlanta, com a utilização de antigos cenários (de King Kong / King Kong / 1933, Jardim de Alá / Garden of Allah / 1936, etc.), disfarçados com falsas fachadas. Sete câmeras Technicolor fotografaram os dublês dos personagens de Rhett e Scarlett em planos médio e geral com o fogo ao fundo. Foi necessário filmar esta cena antes do verdadeiro início da produção, a fim de limpar a área para a construção do cenário de Tara, partes de Atlanta e vários outros exteriores.

A imprensa e a sociedade local estavam presentes e Selznick aguardava ansioso a vinda do irmão Myron, que chegou acompanhado do ator Laurence Olivier e sua namorada Vivien Leigh, uma jovem e promissora atriz inglesa. A apresentação de Vivien por Myron tornou-se célebre: “Quero que conheça Scarlett O’Hara”. A busca chegara ao fim.

Orientada por George Cukor, a filmagem propriamente dita iniciou-se a 26 de janeiro de 1939, porém o cineasta só dirigiu cerca de 5% do filme, incluindo as seguintes cenas: a de abertura com Scarlett e os gêmeos Tarleton; Mammy amarrando o espartilho de Scarlett antes do churrasco; Rhett visitando Scarlett com o chapéu parisiense; Scarlett ajudando o parto de Melanie; Scarlett enfrentando o desertor nortista; Scarlett sentada na escada ao lado de soldados sulistas sobreviventes dos campos de batalha. Cukor principiou também a seqüência do baile de Atlanta e, nessa ocasião, afastou-se da equipe. Segundo consta, houve divergência entre produtor e diretor com relação ao tom da narrativa, uma vez que Cukor imprimia estilo intimista, contrário à espetaculosidade desejada por Selznick (que havia até pensado em convocar D.W. Griffith para prestar consultoria)

Visando agradar Clark Gable, Selznick forneceu-lhe uma lista de nomes de diretores disponíveis: King Vidor, Jack Conway, Robert Z. Leonard e Victor Fleming. Sem vacilar, o galã optou por Victor, que estava ocupado com O Mágico de Oz / The Wizard of Oz / 1939 e teve de deixar as últimas duas semanas de trabalho aos cuidados de King Vidor, responsável pela sequência de Judy Garland cantando Over the Rainbow.

Victor Fleming dirigiu aproximadamente 45% do filme. À exceção da já mencionada passagem do chapéu parisiense, ele filmou toda a história principal envolvendo Rhett e Scarlett; as poucas cenas de Rhett sem Scarlett; o retorno de Scarlett a Tara; a declaração de amor de Scarlett a Ashley no barracão; a licença de Ashley; a colheita no campo de algodão e a morte de Melanie. Em meados de abril, esgotado pelos aborrecimentos seguidos com Vivien Leigh (que, a exemplo de Olívia de Havilland, ia ensaiar em sigilo na casa de Cukor) e insatisfeito com as reclamações de Selznick, Fleming sofreu um colapso nervoso. Concluindo que o cineasta não reunia condições de prosseguir, o produtor convocou Sam Wood e, a 1º de maio, este iniciava seus 15% de participação no filme com a seqüência em que Scarlett e Melanie saem da igreja em Atlanta e são abordadas na escadaria por Belle Watling. Seguiram-se a do período da Reconstrução; o casamento de Scarlett com Frank Kennedy; Scarlett na serraria; Índia Wilkes surpreendendo Scarlett com Ashley; o aniversário de Melanie; as mulheres reunidas na sala de estar de Tia Pittypat, aguardando a volta dos maridos; a conversa de Melanie com Mammy sobre a vida na mansão dos Butler após a morte de Bunnie Blue.  Com o auxílio imprescindível de Cameron Menzies, Wood manteve a unidade visual do filme. A parceria foi tão bem sucedida, que prosseguiria mais tarde em outras produções (Nossa Cidade / Our Town / 1940, Em Cada Coração um Pecado / Kings Row / 1942, Ídolo, Amante e Herói / Pride of the Yankees / 1942, Por Quem os Sinos Dobram / For Whom the Bells Toll / 1943, Ivy, a História de uma Mulher / Ivy / 1947). Quando Fleming se recuperou e voltou, Selznick conservou Wood e os astros passaram a ser mobilizados por cada um separadamente em horas e sets diferentes.

Na segunda unidade funcionaram James Fitzpatrick (conhecido produtor de shorts para a Metro), B. Reeves Eason, Chester Franklin e Cameron Menzies que, além da seqüência do incêndio, filmou Scarlett e o pai em silhueta; Scarlett e Melanie no hospital; Scarlett nas ruas de Atlanta durante o bombardeio de Sherman e o retorno de Scarlett a Tara após ser deixada por Rhett nos limites da cidade, num total de 15% da realização. Porém o mérito maior de Menzies foi tê-la planificado inteiramente, elaborando cada uma das suas quase 700 cenas em detalhados desenhos, que incluiam desde a concepção cenográfica até a seleção de ângulos de câmera. Eloqüente exemplo do pioneirismo de Menzies neste campo é a sequência em que Scarlett caminha entre os corpos dos sobreviventes da batalha de Gettysburg. A câmera acompanha a personagem num impressionante travelling aéreo, conseguido graças à utilização de um guindaste de 43 metros de altura, que rolava por uma rampa de cimento armado. Cerca de mil figurantes misturados com outros tantos bonecos de cera, contribuíam para a magnificência da tomada. O restante são efeitos especiais e transparência desenvolvidos por Jack Cosgrove, Lee Zavits e a equipe. Muito da suntuosidade de diversos trechos do filme resultou dos truques de laboratório.

Entretanto, apenas Fleming recebeu crédito pela direção o que, curiosamente, acarretou-lhe certa antipatia, sobretudo por ter aceitado substituir Cukor.  O roteirista John L. Mahin desmentiu que eles não se dessem bem, lembrando que ouvira Fleming dizer várias vezes: “George poderia ter realizado um trabalho tão bom quanto o meu. Ele provavelmente faria melhor as cenas intimistas. Acho que me dei bastante bem com o material mais espetaculoso”.

O roteiro escrito por Sidney Howard sofreu sucessivas alterações por Oliver H. P. Garrett, Jo Swerling, John Van Druten e pelo renomado romancista F. Scoot Fitzgerald, todos procurando cumprir as exigências do perfeccionista Selznick, que lhes ordenava, sobretudo, extrema fidelidade ao texto original. Com a demissão de Fitzgerald, o produtor continuou se servindo de roteiristas, que o ajudavam a reescrever o script como John Balrderston, Donald Ogden Stewart, John Lee Mahin, Edwin Justus Mayer, Winston Miller, Michael Foster, Charles Mac Arthur e, principalmente, Ben Hetch. Mas só o nome de Sidney Howard viria a figurar nos créditos, porque Selznick acabou compreendendo ser dele a contribuição mais importante e, ao mesmo tempo, queria prestar-lhe uma homenagem póstuma (Howard faleceu em agosto de 1939).

Selznick já havia produzido filmes em Technicolor (Jardim de Alá, Nasce uma Estrela A Star is Born / 1937, Nada é Sagrado / Nothing Sacred / 1937, As Aventuras de Tom Sawyer / The Adventures of Tom Sawyer / 1938) e estava convencido da eficiência do processo de três negativos monocromáticos. Pagando uma taxa adicional, obteve os serviços compulsórios de Natalie Kalmus, esposa do inventor da nova técnica, como consultora, além do habitual cameraman assistente especializado para atuar como assistente. Assim, Lee Garmes, o diretor de fotografia, teve a seu lado nos estúdios Paul Hill, Wilfrid M. Cline e Ray Rennahan, para aconselhá-lo na escolha de enquadramentos, filtros e iluminação e nos outros mistérios da cinegrafia em cores. Isto causou transtornos não apenas a Garmes como ao figurinista Walter Plankett, o diretor de arte Lyle R. Wheeler e Joe Platt (responsável pelos interiores), obrigando o produtor a eleger Cameron Menzies como árbitro nas diferenças de opiniões entre eles e o pessoal da Technicolor. “Trabalhei umas dez, doze semanas – afirmou Garmes. Usávamos um novo tipo de filme com tons suaves, mas David estava acostumado a cores de cartão-postal. Fotografei um terço do filme; cronologicamente, quase tudo até o parto de Melanie com exceção do incêndio, filmado antes por Ray Renahan”. As diferenças entre Selznick e Garmes culminaram com a demissão deste em março de 1939. Substituiu-o Ernest Haller (o favorito de Bette Davis), que nunca havia experimentado a cor, mas se entendeu melhor com Rennahan e o produtor. Na versão feita para o relançamento em cópias de 70 milímetros e som estereofônico em 1967 a Metro atenuou em laboratório as cenas originais tentando “modernizá-las” e desrespeitando a notável contribuição dos citados fotógrafos.

Selznick sempre admirou o compositor vienense Max Steiner, verdadeiro precursor da utilização de partituras sinfônicas como acompanhamento de diálogos e a ele confiou o departamento musical do seu estúdio. Porém o insaciável apetite de Steiner não se satisfazia com as poucas realizações da Selznick International e ele se transferiu para a Warner em 1936, entre empréstimos a outras companhias. O ano de 1939 foi o mais ativo de sua carreira: ele criou nada menos que doze partituras, inclusive a de…E O Vento Levou, uma das mais longas já concebidas para um filme (apenas 30 dos 222 minutos não possuem comentário musical). Cada personagem mereceu uma tema, o mesmo acontecendo com os três relacionamentos amorosos. Algumas canções sulistas e hinos patrióticos foram adicionados mas, predominante, é o “Tema de Tara”, motivo central da trama. Preocupado, Selznick pediu secretamente a Franz Waxman, que providenciasse um “score de segurança”, para o caso de Steiner não completar a tarefa a tempo e sondou Herbert Stothart a respeito de uma possível colaboração. Este cometeu a indiscreção de se proclamar publicamente o novo compositor e Steiner, ao tomar conhecimento disso, apressou seu ritmo de trabalho.

Em 1° de julho de 1939, terminou a filmagem e Selznick tinha diante de si uma montanha de celulóide revelado – cerca de 60.000 metros de filme, equivalente a 28 horas de projeção. Trancado dia e noite com o editor Hal C. Kern e seu assistente James Newcom, o produtor montou o filme sem consultar nenhum dos diretores que nela tomaram parte e ordenou a filmagem de cenas adicionais, como aquela em que Scarlett se esconde debaixo da ponte numa tempestade, enquanto uma tropa da União passa sobre a mesma. Sob o comando de Victor Fleming, a cena de abertura foi mais uma vez encenada. A montagem final redundou em 4 horas e 25 minutos de projeção. Efetuaram-se novos cortes e o filme terminou com a duração de 3 horas e 42 minutos.

A primeira apresentação ao público aconteceu em 9 de setembro de 1939, numa sneak preview em Riverside, Califórnia. David Selznick, sua esposa Irene Mayer Selznick, o sócio de Selznick, Jock Whitney e o montador Hal Kern chegaram ao Fox Riverside Theatre, onde estava programada uma sessão dupla com os filmes Noites Havaianas / Hawaiian Nights / 1939 e Beau Gest / Beau Geste / 1939. Quando terminou o primeiro filme, eles pediram ao gerente para exibir…E O Vento Levou. Ao ser anunciada a pré-estréia de surpresa, a platéia delirou. A resposta dos espectadores foi entusiástica. Mesmo assim, Selznick resolveu começar a segunda parte com a marcha de Sherman através da Geórgia e encomendou ao Departamento de Efeitos Especiais uma edição de trechos já filmados com efeitos sonoros de guerra.

Em novembro, o produtor convenceu o chefe da censura, Will Hays, a deixar passar a famosa frase final de Rhett Butler (“Frankly, my dear, I don’t give a damn” – Francamente querida, eu pouco me importo”). A palavra damn era considerada pesada na época, mas Selznick conseguiu sua liberação.

Organizada pelo diretor de publicidade do escritório de Nova York, Howard Dietz, a première teve lugar em Atlanta na noite de 15 de dezembro de 1939, com a frente do cinema Lowe’s Grand decorada como a mansão de Twelve Oaks. Encorajado por Dietz, o Governador da Geórgia, E. D. Rivers, tornou-se provavelmente o único a decretar feriado estadual em virtude do lançamento de um filme. Para não ficar atrás, o Prefeito de Atlanta, William B. Hartsfield, programou três dias de festividades, substancialmente patrocinadas pela Metro. A imprensa estimou em um milhão o número de pessoas aglomeradas na cidade – então habitada por 500 mil cidadãos – no dia da estréia de…E O Vento Levou.

No dia 12 de setembro de 1940, às 20h45m, o filme foi lançado no Cine Metro do Rio de Janeiro (na ocasião só existia o da Rua do Passeio), numa avant-première de gala, sob o patrocínio da Sra. Darcy Vargas, em benefício da Cidade das Meninas. Com os 1.400 lugares inteiramente ocupados, no único intervalo da sessão, às 23 horas, o príncipe D. João de Orleans e Bragança, auxiliado pelas Srtas. Perla Lucena e Maria da Penha Affonseca e pelo Sr. Carlos de Laet, coordenou o leilão de exemplares da obra de Margareth Mitchell, autografados pelos astros principais e em rica encadernação oferecida pela Casa Vallele. Na platéia, conforme um jornal da época, “a mais brilhante representação do nosso oficialíssimo Corpo Diplomtático e a elite patriota”, além do galã John Boles que, de passagem pela cidade, fez questão de participar da festa. No mesmo dia, diretamente de Hollywood, numa transmissão da Hora do Brasil, servindo de locutor Luis Jatobá, Clark Gable e Vivien Leigh e o produtor Selznick saudaram D. Darcy e contaram alguns detalhes da filmagem.

Na sexta-feira, 13, o filme iniciou sua exibição normal em sessões ao meio-dia, 16h e 20h a preços variados de acordo com o dia e a hora do ingresso no cinema, permanecendo oito semanas em cartaz. Nas telas das outras salas de projeção do Rio, Minha Esposa Favorita / My Favorite Wife / 1940, Carnaval de Veneza / Il Carnevale di Venezia / 1939, Rival Sublime / It’s a Date / 1940, A Bela Lillian Russell / Lillian Russell / 1940, Fogo nas Veias / Three Cheers for the Irish / 1940, Último Encontro / Till We Meet Again / 1940 e Charlie Chan e o Estrangulador / Charlie Chan’s Murder Case / 1940 disputavam a preferência do público, mas nenhum filme conseguia arrebatar multidões como…E O Vento Levou.

Os Prêmios:

Oscar de Melhor Filme, Direção (Victor Fleming), Atriz (Vivien Leigh), Atriz Coadjuvante (Hattie McDaniell), Roteiro (Sidney Howard), Fotografia em Cores (Ernest Haller e Ray Rennahan), Direção de Arte (Lyle Wheeler), Montagem (Hal C. Kern e James M. Newcom), Prêmio Irving Thalberg (David O. Selznick), Prêmio técnico-científico pelo pioneirismo no uso de equipamentos coordenados na produção de …E O Vento Levou (Don Musgrave e Selznick International Pictures), Prêmio especial pelo emprego da cor na dramatização das cenas de …E O Vento Levou (William Cameron Menzies).

A ÉPOCA DE OURO DAS REVISTAS DE FÃS AMERICANAS

Os industriais que organizaram o comércio de filmes achavam que estavam fabricando um produto e esperavam que o consumidor o procurasse pelo nome de sua marca. Não reconheciam a presença do ator no cinema. Por volta de 1910, ficou óbvio que os espectadores gostavam mais de certos atores e começaram a expressar suas preferências.  Mesmo assim, a identidade dos atores continuou no anonimato, porque os produtores tinham receio de que o reconhecimento e o clamor público resultassem em um pedido de aumento de salário por parte de seus contratados. Por outro lado, certos atores esperavam que sua participação nos filmes não fosse notada, com medo de que os produtores teatrais lhes pagassem menos ou não lhes dessem mais emprego, ao saberem de sua atuação em um estúdio de cinema.

Foi sob a pressão dos espectadores que os produtores começaram a revelar o nome de seus intérpretes. Centenas de cartas pediam cotidianamente o nome da Biograpgh Girl (Florence Lawrence), da Vitagraph Girl (Florence Turner), da Little Mary (Mary Pickford) ou do Dimples (Maurice Costello, chamado de Dimples por causa de suas covinhas) e outros favoritos. Até que Carl Laemmle atraiu a atriz Florence Lawrence da Biograph para a sua companhia e colocou seu nome verdadeiro nos créditos do filme, nascendo assim a primeira estrela de cinema. Laemmle conduziu pessoalmente a campanha de publicidade de outra aquisição sua, Mary Pickford, que se tornaria a atriz mais popular do cinema mudo americano. Esta prática tomou conta de toda a industria pois, como se constatou, a presença de um astro reduzia os riscos de financiamento, garantindo um certo retorno do capital investido nos filmes.

Enquanto os estúdios disputavam entre si os astros, os atores e atrizes viram o valor de seus salários elevar-se à razão vertiginosa de cinco a quinze dólares por dia antes de 1910 para duzentos e cinquenta a dois mil dólares por semana em 1914. Em seguida, todos os produtores passaram a incorporar o sistema de astros (star system), fazendo vastas campanhas publicitárias para seus principais contratados e fornecendo fotografias deles para serem expostas nos saguões dos cinemas. Alguns exibidores vendiam cartões-postais com as fotos dos astros e estrelas para os espectadores; outros promoviam bailes com a presença dos artistas.

As revistas de fãs surgiram logo em seguida, criando colunas para responder à correspondência dos leitores, publicando artigos sobre a vida particular dos artistas, ilustrando com fotos o resumo da historia de seus próximos filmes, fornecendo notícias sobre os filmes em produção bem como resenhas dos lançamentos. Essas revistas, sempre enfatizando o glamour, eram dirigidas para as mulheres, que costumavam copiar os modelos de vestidos ou os penteados das atrizes mais famosas, achando que assim ficariam iguais a elas. As revistas estampavam fotos das estrelas ao lado de anúncios de sabonetes como Lux ou Palmolive ou outros produtos de higiene feminina e até junto de suas receitas de culinária.

O alcance das revistas de fãs se estendia para países de além-mar. Anthony Slide, no seu livro, Inside the Hollywood Fan Magazine (University Press of Mississipi, 2010), estupenda pesquisa e percuciente estudo sobre o assunto (de onde extraímos informações para o nosso artigo), lembra que, no seu esconderijo em Amsterdam durante a ocupação nazista da cidade, Anne Frank colava fotografias de Deanna Durbin e outras atrizes, recortadas das revistas de fãs na parede de seu quarto. A revista de fãs – comentou Slide – podia não ocultar a tragédia da vida real, mas poderia oferecer pelo menos um escudo temporário contra ela. Essas revistas eram tanto uma fuga da realidade como a própria Hollyywood.

Certamente havia colunas de mexericos nas páginas das antigas revistas de fãs, porém elas nunca se rebaixaram ao nível do jornalismo marron, como faria depois, por exemplo, a Confidential, um “jornal de escândalos” típico. Pode-se argumentar que a maioria das entrevistas publicadas nessas revistas não tinha substância, porém os redatores quase sempre providenciavam um comentário intelectual sobre os depoimentos dos astros, que geralmente versavam sobre futilidades..

Assim como toda a comunidade de Hollywood necessitava daquelas revistas como um porta-voz coletivo, as ditas revistas dependiam da indústria do cinema para a sua sobrevivência. Sem as fotos de publicidade e acesso aos astros e ao processo de filmagem as revistas de fãs não teriam nada para oferecer. Ao mesmo tempo, não demorou muito para que Hollywood percebesse que a revista de fãs era um valioso instrumento de publicidade.

Muitos redatores delas estavam também a serviço dos astros ou dos estúdios dos quais os astros eram empregados. Este relacionamento nunca foi revelado aos leitores mas, no meio da indústria cinematográfica, vários redatores eram identificados como publicistas e vice versa.

Essa relação era baseada na confiança e na necessidade mútua. Mesmo no auge dos primeiros escândalos de Hollywood dos anos 20 – os julgamentos de Roscoe “Fatty” Arbuckle, o assassinato nunca solucionado do diretor William Desmond Taylor e a morte por indução de drogas do galã Wallace Reid – as revistas de fãs publicaram comentários comedidos ao contrário das reportagens exageradas dos jornais diários.

Nos anos 30, as revistas de fãs poderiam muito bem ter sido suplantadas pelos jornais diários, que estavam oferecendo cada vez mais cobertura sobre Hollywood, porém os estúdios mantiveram-se fiéis aos seus velhos e confiáveis amigos. Todavia, nos meados daquela década, os produtores estavam exercendo um controle mais intenso sobre as revistas de fãs, obrigando-as a submeter suas histórias à aprovação do estúdio, antes de sua publicação. A MGM elaborou uma lista do que não podia ser mencionado, incluindo, por exemplo, a notícia de que Norma Shearer e Robert Montgomery ambos tinham filhos, revelação que poderia prejudicar suas imagens românticas. Como resultado desse controle cerrado, as revistas de fãs adquiriram uma tal mesmice, que ficava difícil para os leitores distinguirem uma da outra.

Alguns anos antes do lançamento da primeira revista de fãs, diversos periódicos dedicados especificamente ao comércio do cinema, disseminavam informações sobre os filmes e seus realizadores como Views and Film Index (depois Film Index), cujo primeiro exemplar surgiu em abril de 1906; The Moving Picture World, difundido a partir de março de 1907 e seu maior rival, Motion Picture Views, inicialmente publicado com o título de Moving Picture News em maio de 1908. O Variety, apelidado de “Bíblia do Show Business”, data de dezembro de 1905 e começou a resenhar os filmes de maneira regular em janeiro de 1907. Outros periódicos tais como The Billboard, The New York Clipper, The New York Dramatic Mirror e The New York Morning Telegram começaram uma cobertura regular da indústria cinematográfica mais ou menos na mesma época. Nenhuma dessas publicações dirigia-se ao consumo do público, circulando apenas no âmbito empresarial. Havia ainda jornais editados pelos próprios produtores, para serem lidos somente pelos exibidores. Durante certo tempo nos meados dos anos 10, um grande estúdio, a Universal, converteu o seu jornal de uso interno, The Universal Weekly, numa semi-revista de fãs, The Moving Picture Weekly.

A Época de Ouro das revistas de fãs abrange três décadas: os anos 20, 30 e 40, uma era na qual os americanos reconheciam o cinema como sua principal fonte de entretenimento e o interesse do público em geral por qualquer coisa relacionada com os filmes estava no auge.

A primeira revista de fãs foi a Motion Picture Story Magazine, fundada em 1911 por J. Stuart Blackton, em colaboração com Eugene V. Brewster, ex-aluno da Universidade de Princeton, que havia trabalhado na campanha presidencial de Grover Cleveland em 1892. Filho de operários inglêses que imigraram para a América, Blackton, havia fundado a Vitagraph Company of América, a produtora e distribuidora mais importante nos primeiros anos do cinema.

Em setembro de 1915, a Motion Picture Magazine (novo nome da revista desde 1914) introduziu uma publicação semelhante, Motion Picture Supplement. Ela era publicada no décimo quinto dia de cada mês enquanto a Motion Picture Magazine saía no dia primeiro. A partir de dezembro do mesmo ano, a Motion Picture Supplement foi reintitulada Motion Picture Classic, continuando a ser uma companheira da Motion Picture Magazine até agosto de 1931, quando seu nome mudou para Movie Classic.

Outra publicação do mesmo grupo foi a Shadowland: Expressing the Arts, que começou a ser impressa em setembro de 1919. Esta nova revista, mais cara do que as outras, abordava não somente assuntos sobre cinema, mas também sobre artes em geral e era muito sofisticada, dando ênfase à qualidade literária e mostrando fotos ousadas de “nús” artísticos. Anunciada como “A Revista Mais Formosa do Mundo”, não seria exagêro identificar suas capas como obras de arte. Entre seus colaboradores estavam o romancista Louis Bromfield, Willard Huntington Wright (depois conhecido como S.S.Van Dine), e Frank Harris. Albert Vargas contribuiu com um poster e Anna Pavlova escreveu um artigo sobre dança, “The Dance”, em janeiro de 1921. Em novembro de 1923 Shadowland se fundiu com a Motion Picture Classic. O derradeiro número incluía crítica literária, ficção, poesia, e ensaios sobre arquitetura, drama , música, pintura, artes e ofícios e fotografia.

Em 1919, a Motion Picture Magazine e a Motion Picture Classic organizaram juntas os concursos Fame and Fortune que produziram duas grandes estrelas: Mary Astor e Clara Bow. Nos anos 30, faziam parte do júri, entre outros, Mary Pickford, Thomas H. Ince, Cecil B. DeMille e Maurice Tourneur.

A princípio, a Motion Picture Magazine dedicava-se a publicar histórias adaptadas dos filmes de um e dois rolos em cartaz. A partir de julho de 1916 sob o cabeçalho de “Photoplay Review”, a revista começou a fazer resenhas dos filmes em exibição. Na coluna mais popular, “The Answer Man”, as perguntas dos espectadores eram respondidas por um indivíduo com um conhecimento enciclopédico do assunto, no caso, uma mulher chamada Elizabeth M. Heinemann. Para provar aos anunciantes e aos produtores o poder e a circulação da revista, a Motion Picture Magazine inaugurou uma série de concursos de popularidade nos quais os leitores eram estimulados a votar no seu intérprete favorito.

Houve outras revistas de fãs na época como, por exemplo, a Picture-Play Weekly, porém a maior concorrente da Motion Picture Magazine foi a Photoplay, que começou a sair em agosto de 1911 e cujo crescimento e fama foi fruto em grande parte à orientação editorial de James R. Quirk.

O nome de Quirk (que nos anos 10 era mencionado apenas como vice-presidente e gerente comercial da empresa), surge como editor no número de janeiro de 1920. Quirk exerceu um poder considerável, usando seus editoriais mensais para lutar contra a censura, pedir o apoio do público para o que ele determinava serem “bons filmes” e louvar ou denegrir os líderes da indústria. Ele era tão importante no meio da indústria quanto Will Hays foi na formação da Motion Picture Producers and Distributors of América (MPPDA) e na posterior efetivação do Código de Produção. A missão de Hays não era apenas limpar a indústria ocinema, mas também enfrentar a ameaça de censura federal e a Photoplay defendia um ponto de vista parecido.

Se existe uma coisa nos anos 20 que se destaca em termos de legado de Quirk é o seu patrocínio de uma série sobre a História do Cinema, “The Romantic History of the Motion Picture” de Terry Ramsaye, publicada em 36 partes de 1922 a 1925. Sob a forma de livro como A Million and One Nights, esta é a primeira história clássica do cinema, que até hoje serve de guia para os estudiosos da 7ª Arte.

Uma das colunas principais da Photoplay era “The Shadow Stage”, na qual Julian Johnson (que foi editor da revista até 1919) estabelecera um padrão de crítica de cinema até então desconhecido pelas revistas de fãs. Seus comentários eram sérios, inteligentes e sem preconceitos. Nos anos 20, a página do editorial intitulava-se “Speaking of Pictures” e abordava uma variedade de assuntos. No final da década de vinte, a coluna editorial passou a se chamar “Close-Ups and Long-Shots”, com o hífen desaparecendo sem explicação nos anos 30.

Inovação importante foi a introdução da Photoplay Medal of Honour (depois conhecida como Photoplay Gold Medal), outorgada anualmente ao produtor do melhor filme do ano. Os leitores é que escolhiam o vencedor, votando por via postal e o primeiro ganhador do prêmio foi Adoração de Mãe / Humoresque, produzido por William Randolph Hearst  e dirigido por Frank Borzage.

A mulher mais famosa associada a Photoplay, onde ela ingressou em 1919, chamava-se Adela Rogers St. Johns, embora seja um erro classificá-la simplesmente como uma articulista de revista de fãs. Adela era uma estrela tal como aquelas cuja vida e carreira ela cobria e, por sua suposta intimidade com as mesmas, foi apelidada de “Mother Confessor of Hollywood”. Seu patrão na Photoplay, James R. Quirk, declarou que “Adela sabia mais sobre Hollywood  e sobre a colônia do cinema do que qualquer outra pessoa no mundo”.

Adela Rogers St. Johns desempenhou um papel importante na indústria cinematográfica de Hollywood. Ela escreveu vários argumentos ou fez adaptações para filmes silenciosos como The Red Kimona / 1925 e Entre Luvas e Baionetas / The Patent Leather Kid / 1927 e seu primeiro romance serviu de base para Dominada pela Vaidade / The Skyrocket / 1926, um dos  seus trabalhos levados à tela nos anos 20. Adela foi vivida na tela por Norma Shearer em Uma Alma Livre / A Free Soul /1931, adaptação de outro romance de sua autoria, tratando, de maneira ficcional, o seu relacionamento com o pai. Entre outras de suas contribuições para o cinema está Hollywood / What Price Hollywood? / 1932, pelo qual ela recebeu uma indicação para o Oscar de Melhor História Original.

Em agosto de 1935, a Photoplay foi comprada pela Macfadden Publications e, em janeiro de 1941, ela se fundiu com a Movie Mirror, outra publicação do grupo Macfadden.  Nesta ocasião, um editorial anunciou o acréscimo de uma nova seção de retratos em cores, utilizando as fotos Kodachrome dos estúdios juntamente com retratos especialmente fotografados por Hyman Fink, contatado com exclusividade pela revista.

No dia 15 de abril de 1980, Photoplay publicou seu último número, não com sua capa cor de rosa e escarlate mostrando um dos astros do cinema que ela ajudou a se tornar famoso, mas com duas atrizes da televisão, Victoria Principal e Charlene Tilton do seriado Dallas.

Fundada em 1931, dois anos depois a Modern Screen já havia se estabelecido como a única concorrente da Photoplay, orgulhando-se de ser a revista de fãs de maior circulação nos Estados Unidos. No seu número de setembro do mesmo ano, oferecia aos seus leitores o trabalho do mais célebre fotógrafo de glamour de Hollywood, George Hurrell, mostrando suas fotos sob o título de “A Great Photographer’s Greatest Portraits”. Entre os retratos incluíam-se os de Jean Harlow, Constance Bennett, Douglas Fairbanks Jr., Johnny Weissmuller, Joan Crawford, Carole Lombard, Helen Hayes, Sally Eilers e Joe E. Brown e seu filho.

Nos anos 40, Louella Parsons escrevia uma coluna de mexericos intitulada de forma variada “Good News” ou “Louella Parsons in Hollywood”, que continuou a ser publicada até os anos 70. As resenhas de filmes estavam a cargo de Christopher Kane e depois Florence Epstein. Em acréscimo, a revista recebia a colaboração esporádica de personalidades como o crítico do New York Times, Bosley Crother ou o dramaturgo Moss Hart.

No início dos anos 50, a revista oferecia artigos supostamente escritos pelas estrelas, porém redigidos por publicistas anônimos: “An Open Lettter from Judy Garland”, “Sex is not Enough” por Lana Turner, “What Men Have Done To Me?” por Joan Crawford  e  dois artigos “de autoria” de Marilyn Monroe: “I Am an Orphan” e “Who’d Marry Me?”.

Como não pretendo esgotar o assunto, mas apenas lembrar algumas revistas de fãs mais importantes da “Época de Ouro”, vou citar particularmente aquelas que chegaram aos anos 70 e 80 e que eu comprava nas nossas bancas de jornais  entre o final dos anos 40 e meados de 50, quando, aos poucos, fui encontrando outras publicações mais substanciosas como a Cahiers du Cinéma ou Télérama. Eram elas: a Photoplay (1911-1980) e a Modern Screen (1931-1985), já mencionadas; Movie Life (1937-1980), Screen Stories (1919-1975), Screenland (1920 até 1952, quando se fundiu com a Silver Screen) e Silver Screen (1930-1976). Quem quiser se aprofundar no assunto  procure o livro de Anthony Slide, o mais completo sobre revistas de fãs americanas.

Poderosos colunistas de mexericos era o que os jornais possuíam e as revistas de fãs não – e o que os estúdios temiam. Por exemplo, “Cal York” era o nome do colunista de mexericos da Photoplay, porém tal pessoa não existia – o “Carl” era abreviação de Califórnia e o “York” de Nova York, indicativo dos dois escritórios editoriais, que forneciam as fofocas para a coluna. Não existia nenhum “Carl York” escrevendo nos jornais, porém havia Louella Parsons no final dos anos 30 e também Hedda Hopper. O poder dessas duas mulheres é legendário e elas eram intocáveis pelos estúdios. Portanto, não foi surpresa as duas terem sido muito bem recebidas como colaboradoras pelas revistas de fãs. Antes de ser colunista, Hedda Hopper foi atriz desde o tempo do cinema mudo até 1966, quando teve uma participação em Confidências de Hollywood / The Oscar; porém vocês devem se lembrar mais dela na ponta que fez em Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard / 1950, jogando pôquer com Buster Keaton, H. B. Warner e Anna Q. Nilsson.

Uma terceira colunista, Sheila Graham, gostava de se colocar no mesmo nível de Louella Parsons e Hedda Hopper. Sheila manteve um relacionamento com F. Scott Fitzgerald, sobre o qual ela escreveu em Beloved Infidel. O livro se tornou um filme de 1959 (Ídolo de Cristal / Beloved Infidel), no qual Sheila foi protagonizada por Deborah Kerr, que ela havia entrevistado para a Photoplay em novembro de 1947. Tal como suas colegas Louella (The Gay Illiterate) e Hedda (Under my Hat), Sheila escreveu um livro de memórias (Confessions of a Hollywood Columnist). Ela trabalhou para a Photoplay de 1944 a 1963.

Em dezembro de 1952, o mundo das revistas de fãs mudou para sempre, quando apareceu o primeiro número da Confidential. Ela fez com os astros de Hollywood o que aquelas revistas não puderam fazer. Revelou os seus hábitos e costumes escandalosos, sem pedido de desculpas e sem constrangimento, “contando os fatos e dando os nomes”, como prometia o seu cabeçalho – e geralmente os fatos eram corretos e os nomes bem conhecidos.  A Confidential não deve ser confundida com uma revista de fãs, mesmo que sua influência sobre estas viesse a ser, no final das contas, devastadora.

Foi somente no seu terceiro número, de agosto de 1953, que a Confidential começou a dar prioridade a Hollywood com uma matéria sobre Robert Mitchum, visto completamente despido e todo coberto de ketchup, numa festa cujo anfitrião era Charles Laughton.

Houve vários processos judiciais nos quais a Confidential quase sempre ganhava as causas, mas a distribuição do seu número de julho de 1957 foi proibida pelo Procurador-Geral do Estado. Em setembro de 1957, a revista publicou uma declaração de duas páginas, intitulada “Hollywood vs. Confidential”, na qual anunciava: “A Califórnia nos acusou de um crime – o crime de dizer a verdade”.

As ações na justiça forçaram o fundador da revista, Robert Harrison, a vendê-la em julho de 1958 e o novo proprietário, Hy Steirman, tentou se manter afastado dos mexericos de Hollywood. Na realidade, a revista estava para ser ultrapassada por uma nova publicação, a National Enquirer. Tanto a Confidential como o seu fundador morreram no mesmo ano, 1978.

OS SUPER HERÓIS

O Super-Homem nasceu no número um da revista Action Comics, publicada pela Detective Comics, Inc (depois National Comics Publication) em junho de 1938, criado por dois jovens estudantes Jerry Siegel (texto) e Joe Shuster (desenhos). Siegel inspirou-se no romance de ficção científica, Gladiator, escrito por Philip Wylies em 1930 e baseou sua historia em três temas, que depois se tornaram clichês: o visitante de um outro planeta, a criatura super humana e a dupla identidade.

Pouco antes do Planeta Kripton ser destruído, um bebê, filho do cientista Jor-El, é enviado ao espaço num foguete.Aterrissando na Terra, o bebê é encontrado por um casal de fazendeiros, Jonathan e Martha Kent. Eles adotam a criança e logo descobrem que ela possui poderes sobrehumanos, como correr mais rápido do que um trem, saltar sobre edifícios, levantar pesos tremendos, etc. Aos poucos os poderes vão se tornado ilimitados: ser invulnerável a qualquer tipo de arma, voar com mais velocidade do que a luz ou possuir uma visão raio-X. Só um elemento é capaz de afetá-lo: a kriptonita, um minério do seu planeta natal.

Os Kent lhe dão o nome de Clark Kent e lhe dizem: “Esta sua força – você deve escondê-la  das outras pessoas porque senão elas ficarão com medo de você! Mas quando o momento certo chegar, deverá usá-la  em beneficio da humanidade!”

Após a morte de seus pais adotivos, Clark vai trabalhar como repórter no Planeta Diário, porque imagina que ali poderá ter conhecimento das notícias mais prontamente e assim ter melhores condições de ajudar, como Super-Homem, os oprimidos. Na redação Clark conhece a colunista Lois Lane e sempre que ela é molestada por bandidos, ele finge desmaiar e minutos depois surge como o Super-Homem para salvá-la das garras de seus agressores. Ironicamente, Clark Kent está em constante competição consigo mesmo pela mulher que ama.

O aparecimento dos quadrinhos do Super-Homem no Brasil aconteceu em 1939 no suplemento Gazetinha do jornal “A Gazeta”. Em 1940, Adolfo Aizen adquiriu os direitos de publicação e as aventuras do Homem de Aço passaram a sair na revista “O Lobinho”.  Clark começou se chamando Edu e Lois era Miriam.

O Super-Homem foi a suprema fantasia de todo leitor que sonhava ser alguém maior ou mais poderoso do que ele realmente era, uma combinação dos homens fortes da mitologia e os heróis da ficção e do cinema favoritos de Siegel e Shuster. O nome da cidade onde o Super-Homem vive suas aventuras, Metrópolis, vem do filme de Fritz Lang com este título e o nome de Clark Kent, dos atores de cinema, Clark Gable e Kent Taylor.

Artisticamente, a versão rudimentar e amadorística de Joe Shuster caiu no esquecimento, depois que ele deixou de desenhar o personagem. O traço de Wayne Boring, um dos vários desenhistas que o sucederam, foi o que prevaleceu, sendo considerado o melhor de todos.

O personagem chegou às telas em setembro de 1941 primeiramente sob a forma de desenhos animados, realizados por Max e Dave Fleischer e distribuídos pela Paramount. Eram ao todo 17 cartoons coloridos, exibidos no Brasil com títulos como Super-Homem, O Autobala, O Terremoto Elétrico, O Vulcão, A Mão Infalível, Sabotagem e Cia., O Segredo da Múmia, etc. e neles foi utilizada a voz de Clayton “Bud” Collyer, o Super-Homem da versão radiofônica.

Em 1940, a Republic Pictures tentara obter os direitos de produzir um seriado sobre o Super-Homem, mas seus esforços foram em vão. Até que, em 1948, Sam Katzman, um produtor que trabalhava para a Columbia, animou-se com o projeto, convocando para a direção Spencer Gordon Bennet e Thomas Carr.

Katzman tinha a fama de saber controlar muito bem os custos de produção e em O Super-Homem / Superman ele conseguiu isso, utilizando intérpretes relativamente desconhecidos, cenários já existentes e filmagens em locação, prática que, na época, era econômica.

Quanto aos efeitos especiais, Katzman experimentou inicialmente seqüências de vôo ao vivo, suspendendo o ator por fios e usando back projection de nuvens, porém como os fios apareciam na tela, terminou optando pelo desenho animado.O ator foi dublado em uma seqüência pelo stuntman Paul Stader.

Kirk Alyn foi escolhido para o papel principal, mas seu nome somente aparecia nos créditos relacionado a Clark Kent e, estranhamente, ali se dizia que o Super-Homem era interpretado …“por ele próprio”. Alyn faria depois mais três seriados na Republic, A Filha de Don Q / Daughter of Don Q / 1946, O Segredo dos Túmulos / Federal Agents vs. Underworld Inc./ 1949 e O Rei dos Espiões / Radar Patrol vs. Spy King / 1950 e um seriado na Columbia, O Falcão Negro / Blackhawk / 1952, tendo sido cognominado “O Último Rei dos Seriados”.

Nos outros papéis de destaque estavam Noel Neill (Lois Lane), Pierre Watkin (Perry White, redator-chefe do jornal O Planeta Diário), Tommy Bond /(Jimmy Olsen) e Carol Forman como a malvada “Spider Lady”, a rainha do submundo que ameaçava destruir toda a cidade de Metrópolis com um raio mortífero e acabava sendo vitimada por ele.

Em 1950, a Columbia fez uma continuação O Homem Atômico contra o Super-Homem / Atom Man vs. Superman com direção apenas de Spencer Bennet e ainda com Kirk Alyn e Noel Neill liderando o elenco. O vilão desta vez era o arquiinimigo do herói, Lex Luthor, vivido por Lyle Talbot (usando uma peruca de látex para esconder das câmeras os seus cabelos), coadjuvante de certo renome em longas-metragens na década de trinta.

No ano seguinte, os produtores Robert Maxwell e Bernard Luber associaram-se ao colega Barney Sarecky e, sob o pseudônimo coletivo de “Richard Fielding”, entregaram à Lippert o roteiro de um longa-metragem, Superman and the Mole Men. A Lippert  resolveu filmá-lo não com Kirk Alyn mas com George Reeves, ator que já tinha um razoável currículo cinematográfico pois havia participado de … E O Vento Levou / Gone with the Wind / 1939,  trabalhado ao lado de Merle Oberon, Claudette Colbert e Marlene Dietrich em filmes de prestígio, em séries como Hopalong Cassidy e Jim das Selvas e, finalmente, conquistado o papel principal no seriado Os Cavaleiros do Rei Artur / The Adventures of Sir Galahad / 1949. Na nova versão do Super-Homem, Lois Lane  era Phyllis Coates e , por motivo de poupança, as figuras de Perry White e Jimmy Olsen foram extirpadas.

Entretanto, na série de tevê que os mesmos produtores realizaram em seguida como o mesmo Reeves, eles voltaram, interpretados de Jack Larson e John Hamilton, criando-se ainda o personagem do inspetor William J. Hamilton da Polícia de Metrópolis, encarnado por Robert Shayne. Nas seqüências de vôo, George Reeves começou alçado por fios, como uma marionete e depois o técnico Si Simonson providenciou um optical work extremamente competente.

A versão oficial divulgada pela imprensa de que o pobre George Reeves ficou tão marcado como Super-Homem, que acabou se suicidando por não conseguir sobreviver no mundo do Cinema, tem sido contestada recentemente. Os autores Sam Kashner e Nancy Schoenberger (Hollywood Kryptonite: The Bulldog, the Lady , and the Death of Superman, Booksurge, 2006) sustentam que  a amante de Reeves,  Toni Mannix,  esposa do gerente geral da MGM, Eddie Mannix, planejou sua morte.  E.J. Fleming (The Fixers, McFarland, 2005) diz que a assassina foi uma outra amante de Reeves, Leonore Lemon.. Mas tudo não passa de especulação.

Quando a Fawcett Publishing decidiu publicar sua nova linha de histórias em quadrinhos, escolheu o escritor Bill Parker para liderar o empreendimento. Juntamente com o artista C.C. Beck (Charles Clarence Beck) ele criou o Captain Thunder para o número um da Whiz Comics, que afinal nunca entrou em circulação. Pouco antes do lançamento da revista, o personagem foi modificado para Capitão Marvel (Captain Marvel), surgindo pela primeira vez em fevereiro de 1940 no número dois da Whiz.

Vestindo um uniforme vermelho e dourado com capa branca curta e modelado na imagem física do ator cinematográfico Fred MacMurray, o novo herói tornou-se logo um enorme sucesso, ultrapassando em venda o seu antecessor e se tornando o personagem dos quadrinhos mais popular dos anos quarenta.

O herói surgiu assim: o jovem Billy Batson, pobre órfão que trabalhava como jornaleiro, estava vendendo seus jornais no metrô, quando uma figura misteriosa o chamou e mandou que o seguisse através de um túnel, até chegar a uma câmara na qual, sob um pomposo trono de mármore, estava sentado um ancião de longas barbas brancas. “Seja bemvindo, Billy Batson”. “Como o senhor sabe o meu nome?”, indagou o jovem surpreso. “Eu sei tudo. Eu sou Shazam!”, foi a resposta do velho. De repente, ouviu-se o barulho de um trovão, vindo não se sabe de onde, e uma inscrição explicando o significado de cada letra da palavra  Shazam, apareceu na parede daquele local subterrâneo: S tem a ver com Salomão (Sabedoria), H com Hércules (Força), A com Atlas (Resistência), Z com Zeus (Poder), A com Aquiles (Coragem) e M com Mercúrio  (Velocidade). O velho então explicou: “Durante 3.000 anos eu usei a sabedoria, a força, a resistência, o poder, a coragem e a velocidade que os deuses me deram, para combater as forças do Mal. Agora você vai ser o meu sucessor. Basta falar o meu nome e se tornará o homem mais forte e poderoso do mundo: o Capitão Marvel!”.

O êxito do personagem deveu-se não somente à indubitável identificação das crianças com o jovem Billy Batson como também às historias bem humoradas elaboradas por seus roteiristas (principalmente Otto Binder), à arte caricatural de C.C. Beck e à impressionante galeria de vilões, entre os quais se destacavam: Thaddeus Bodog Sivana, o Dr. Sivana (no Brasil, Dr. Silvana), descrito como o cientista mais louco do mundo; Mr.Mind (Sr. Cérebro), uma centopéia verde com óculos de grau que falava usando um pequeno rádio pendurado no pescoço e o tigre falante Tawky Tawny (Sr. Malhado). Além desses coadjuvantes pitorescos, foi criada uma Mary Marvel, um Capitão Marvel Jr., um Tio Marvel (Dudley) e até um Coelho Marvel (Hoppy), chamado aqui no nosso país de Joca Marvel.

Na sua primeira história, o Capitão Marvel desbarata um bando de sabotadores de estações de rádio comandados pelo Dr. Silvana. O proprietário da estação Amalgamated Broadcasting então oferece um emprego para Billy como repórter radiofônico como gratidão por seus esforços na luta contra os malfeitores.

No Brasil, o Capitão Marvel apareceu pela primeira vez em 1943 na revista “Gibi Mensal”, onde Billy Batson recebeu o nome de Billy Gordon.

Quando o Capitão Marvel da Fawcett começou a vencer nas vendas o Super-Homem da National Comics Publication, esta empresa iniciou um processo judicial contra a sua concorrente, alegando que o Capitão Marvel era um plágio do Super-Homem.

A batalha judicial prolongou-se durante anos, encerrando-se em 1953 com um acordo proposto pela Fawcett que, devido à queda de arrecadação de sua revista no começo dos anos cinqüenta, havia decidido dedicar-se a outras atividades. Assim, o Capitão Marvel ficou esquecido até 1973, quando a National Comics, justamente a editora responsável por sua retirada extemporânea de cena, adquiriu da Fawcett os direitos de publicação do personagem. No entanto, a nova revista teve que se chamar Shazam!, porque desde 1967 a Marvel Comics havia se tornado detentora da marca Capitão Marvel, abandonada pela Fawcett, e criara o seu próprio Capitão Marvel.

O seriado da Republic, O Homem de Aço / The Adventures of Captain Marvel / 1941, mudou um pouco o conceito humorístico de C.C. Beck e Otto Binder, que tornou a história em quadrinhos memorável; mas foi realizado com muito senso de profissionalismo e certamente está entre os melhores de todos os tempos.

O herói era personificado por Tom Tyler, cujo rosto angular e físico privilegiado (Tyler fora campeão mundial de levantamento de peso) ajustavam-se perfeitamente ao papel. O ator começara no Cinema no Ben-Hur silencioso, fizera inúmeros faroestes como mocinho, inclusive a famosa série Os Três Mosqueteiros / The Three Mesquiteers, ocasionalmente aparecera como vilão, tal como aconteceu, por exemplo, em No Tempo das Diligências / Stagecoach / 1939 e chegou mesmo a encarnar um dos clássicos monstros da tela, Kharis, a Múmia em A Mão da Múmia / The Mummy’s Hand / 1940.

Entre os outros seriados que ele fez incluem-se: As Aventuras de Buffalo Bill / Battling with Buffalo Bill / 1931, O Fantasma do Oeste / The Phantom of the West / 1932, O Mistério das Selvas / The Jungle Mystery / 1932, Aventuras do Sargento Clancy / Clancy of the Mounted / 1932, O Avião Fantasma / The Phantom of the Air / 1933, O Fantasma Voador / The Phantom / 1943 e tinha portanto respeitável folha de serviço no gênero. Em 1943 ele faria outro grande seriado, O Fantasma Voador / The Phantom.

O bandido que o Capitão Marvel enfrentava era o Escorpião, porém, nos créditos, não saia o nome do ator: usava-se a voz de Gerald Mohr e, no episódio final, descobria-se que ele era o disfarce do personagem Professor Bentley, vivido por Harry Worth.

O ponto alto do espetáculo, dirigido por William Witney e John English, eram as cenas em que o Capitão Marvel voava, nascidas da conjugação dos efeitos especiais providenciados por Harry Zydecker com as acrobacias do stuntman Dave Sharpe. Nas cenas de vôo utilizou-se um boneco feito de papel maché, suspenso por fios e os pulos de Sharpe de um trampolim escondido. Quando o herói aterrissava, Sharpe saltava de uma grande altura, filmado em câmera lenta e, ao tocar o solo, começava a dar uma cambalhota; após um breve corte, Tyler completava a cambalhota e enfrentava os bandidos.

No elenco, além de Frank Coughlin Jr. (como Billy Batson) e Louise Currie (como Betty Wallace), estava o veterano ator da cena muda, Nigel Brulier (como Shazam, o guardião de um mausoléu sagrado no Sião que outorgava os maravilhosos poderes ao jovem ajudante de operador de rádio).

O seriado terminava com o Escorpião sendo desintegrado pelo próprio raio mortífero que inventara e o Capitão Marvel voltava a ser Billy Batson numa nuvem de fumaça mágica.