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GLORIA SWANSON

Em 1922, a jovem e formosa Gloria Swanson declarou: “Passei por um longo aprendizado. Já fui uma ninguém o tempo suficiente. Decidí que, quando eu for uma estrela, serei totalmente e a todo momento a estrela! Todos, do porteiro do estúdio ao mais alto executivo, vão ficar sabendo disso”.

Por ocasião do falecimento de Gloria em 1983 o The New York Times publicou um editorial especial, intitulado “A Maior de Todas as Estrelas”, que confirmou a realização do seu sonho e a fama duradoura da atriz.

Gloria Josephine May Svensson nasceu em Chicago no dia 27 de março de 1897 -embora ela dissesse sempre que foi em 1899 – filha de Adelaide (nome de solteira Klanowski) e Joseph Theodore Svensson. Como seu pai era militar, Gloria viveu a maior parte de sua infância em vários lugares, até a família retornar à sua cidade natal. Em 1913, uma visita casual ao estúdio da Essanay de Chicago resultou na sua contratação como figurante e no seu encontro com o ator Wallace Beery, com quem se casou. Gloria contou na sua autobiografia (Swanson on Swanson, 1981) que Beery se embebedou na noite de núpcias e a estuprou. Noutra ocasião, provocou um aborto na esposa.

Ambos foram para Hollywood, onde Beery aceitou uma oferta da companhia Keystone de Mack Sennett, na condição de sua esposa também ser contratada. Ao contrário do que informam algumas fontes, Gloria nunca foi uma “Bathing Beauty” de Sennett; em vez disso, foi aproveitada ao lado de Bobby Vernon numa série de comédias românticas.

Gloria chegou a fazer um teste para o papel principal em Seu Novo Emprego / His New Job / 1915, dirigido e estrelado por Charles Chaplin, porém Chaplin deu-lhe apenas a chance de uma pequena participação no filme.

Divorciada de Beery, Gloria deixou a Keystone e aceitou a oferta de interpretar alguns papéis dramáticos para a Triangle Pictures. Depois, foi trabalhar para Cecil B. DeMille, que a escalou como heroínas glamourosas e vestidas provocantemente em produções luxuosas como Não Troqueis Vossos Maridos / Don’t Change Your Husband / 1919, A Renúncia / For Better, For Worse / 1919, Macho e Fêmea ou De Fidalga a Escrava / Male and Female / 1919, Por que Trocar de Esposa? Why Change your Wife? / 1920, Alguma Coisa em que Pensar / Something to Think About / 1920, Aventuras de Anatólio / The Affairs of Anatol / 1921, espetáculos classificados pelos críticos como “farsas de alcova sofisticadas”.

O mais famoso dos seis filmes dirigidos por DeMille foi Macho e Fêmea, versão livre de The Admirable Crichton de J.M. Barrie. William Crichton (Thomas Meighan) é mordomo de Lord Loam (Theodore Roberts) e sua família indolente. Ele está apaixonado em segredo por Lady Mary (Gloria Swanson), filha do patrão e, por sua vez, é amado por “Tweeny” (Lila Lee), criada da mansão do lorde. Num cruzeiro de férias, a família e a criadagem naufragam em uma ilha deserta. Eles descobrem que a posição social nada significa na selva. Pela sua liderança e habilidade de sobreviver naquele ambiente primitivo Crichton torna-se um “rei” na ilha. Quando ele está prestes a receber Lady Mary em casamento, surge uma navio e resgata os náufragos. De volta à Inglaterra, todos reassumem suas antigas posições na sociedade. DeMille e sua roteirista Jeanie Macpherson inventaram um final que não existia na peça de Barrie (Crichton casa-se com “Tweeny” e os dois vão morar numa fazenda na América) e uma seqüência de sonho típica do diretor.

Nesta seqüência onírica, apresentada por um flashback para o passado, Gloria é uma prisioneira que resiste à luxúria do rei Babilônio (Thomas Meighan), mordendo sua mão. Em consequência, ela é jogada numa cela à mercê dos “leões sagrados de Ishtar”. Gloria está deitada no chão, um leão de verdade se aproxima e põe as patas nas suas costas.  Quando a filmagem terminou, a atriz dirigiu-se ao escritório de DeMille e lhe informou que estava tremendo de medo e provavelmente não poderia vir trabalhar no dia seguinte. Segundo consta, DeMille então mostrou-lhe uma caixa cheia de jóias para que ela escolhesse algo que lhe acalmasse os nervos.”Eu peguei uma bolsa de malha dourada com um fecho de esmeralda e imediatamente me senti bem melhor”, disse ela ao se lembrar deste fato.

No espaço de dois anos, Gloria alcançou o estrelato e se tornou uma das atrizes mais requisitadas de Hollywood. Após ter adquirido boa experiência com DeMille, Gloria fez dez filmes sob a direção de Sam Wood, entre eles Esposa Mártir / Beyond the Rocks / 1922 ao lado de Rudolph Valentino. Este era um filme considerado perdido, mas foi redescoberto em 2004 na Holanda e hoje se encontra disponível em dvd.

Durante o apogeu de Gloria, o público ia assistir a seus filmes não somente para apreciar suas performances, mas também para ver o seu guarda roupa. Freqüentemente vestida de acordo com a alta costura extravagante da época, ninguém podia suspeitar de que ela tinha apenas um metro e cinquenta e dois centímetros de altura. Sua moda exagerada, tipos de penteados e jóias eram copiados pelas fãs, que também adoravam a decoração de interiores de seus filmes, principalmente os banheiros enormes e suntuosos – as cenas de banho tornaram-se uma marca registrada Swanson / DeMille.

Prosseguindo seu percurso artístico, Gloria fez sete filmes com Allan Dwan entre os quais se destacam Escravizada / Manhandled / 1924 e Stage Struck / Este Mundo é um Teatro / 1925. Em ambos a atriz mostrou suas qualidades de comediante.

Escravizada, mostra Gloria como Tessie McGuire, vendedora em uma loja de departamentos. Logo no início do filme ocorre uma seqüência engraçadíssima, quando Tessie após um dia de trabalho cansativo, volta para casa num trem do metrô superlotado. Suas atribulações dentro do vagão – os empurrões que leva dos outros passageiros; a bolsa que cai, espalhando seu conteúdo pelo chão; dois cavaleiros que se inclinam para a ajudá-la a apanhar seus pertences e acabam entrelaçando seus braços com os dela; suas inúmeras tentativas frustradas de sair do trem, quando este chega no seu destino, etc. – são mostradas em puro estilo de comédia pastelão e Gloria arranca risos do público a cada minuto.

Este Mundo é um Teatro, nos oferece Gloria como Jennie Hagen, garçonete de uma lanchonete que vende panquecas e sonha em subir num palco. O filme começa com uma magnífica seqüência em Technicolor, na qual ela aparece vestindo roupas fabulosas, supostamente retratando uma atriz famosa, que está recriando os grandes personagens do Teatro e da História, tais como Salomé por exemplo. É uma seqüência de sonho, ao fim da qual surge a jovem garçonete trajando roupas simples e praticando de forma hilariante suas lições de arte dramática, diante de um espelho que distorce as imagens.

Em 1924, Gloria foi à França para filmar Madame Sans-Gêne / Madame Sans-Gêne / 1925, dirigido por Léonce Perret. No decorrer da produção ela se casou com o Marquês Henri de la Falaise de la Coudraye, que havia sido originalmente contratado como seu intérprete. Após quatro anos de residência na França, Gloria retornou aos Estados Unidos como membro da nobreza européia. Nas suas memórias a atriz fala do seu retorno triunfante à América depois de um aborto quase fatal num hospital em Paris. Ela e o marido foram recebidos por uma banda de música e desfilaram de carro aberto pelas ruas de Los Angeles, aclamados por uma multidão. Este casamento terminou em divórcio em 1930, após o qual o Marquês iria contrair matrimônio com outra estrela de cinema, Constance Bennett.

Depois de ter se divorciado de Wallace Beery, Gloria havia se casado com Herbert K. Somborn, então presidente da Equity Pictures Corporation e posteriormente dono do famoso restaurante Brown Derby em Hollywood. O divórcio de Somborn e Gloria foi sensacional: Somborn acusou-a de adultério com treze homens, incluindo Cecil B.DeMille, Rudolph Valentino e Marshall Neilan.

Gloria ainda se casaria mais três vezes – com o esportista irlandês Michael Farmer, o corretor financeiro William Davey, o escritor William Duffy – e foi companheira de Joseph P. Kennedy, pai do Presidente John F. Kennedy. J. P. Kennedy deu apoio financeiro para Gloria fundar sua própria produtora, cujos filmes seriam distribuídos pela United Artists.

O primeiro filme produzido pela Gloria Swanson Corporation, O Amor de Sunia / The Loves of Sunya / 1927, foi um fracasso de bilheteria, mas depois vieram os grandes filmes da estrela, dois clássicos da História do Cinema: Sedução do Pecado / Sadie Thompson / 1928 e Minha Rainha / Queen Kelly / 1929 que hoje, infelizmente, só podem ser vistos de forma incompleta.

A nosso ver, a Sadie Thompson de Gloria Swanson é a melhor versão da história de Somerset Maugham e neste filme, dirigida por Raoul Walsh, ela tem um desempenho notável, reconhecido com uma indicação ao Oscar. A trama é bastante conhecida. Em síntese: uma prostituta chega em Pago Pago e sofre as ameaças de um pregador hipócrita (Lionel Barrymore) enquanto um sargento fuzileiro (Raoul Walsh) se apaixona por ela. “Quando Sadie se arrepende” – escreveu Jeanine Basinger – “Swanson interpreta-a de uma maneira muito original – ela simplesmente deixa toda a vida sair da personagem. Ela esvazia Sadie, tornando-a quase que um trapo”.

Na sua autobiografia, Each Man in his Time, publicada em 1974, Walsh lembrou quando Gloria, após ter comprado os direitos de filmagem da história de Maugham, lhe implorou: “Por favor, faça de mim uma boa prostituta. Vamos escrever mais algumas cenas de amor, cenas quentes, que façam os espectadores se levantarem de suas poltronas”. Ao ver uma das primeiras cenas de Gloria, Walsh percebeu que a Marquesa de la Falaise havia desaparecido. “No seu lugar estava Sadie Thompson, a jovem meretriz típica de qualquer cais do porto de San Francisco a Yokohama”, disse Walsh. Na única cópia original existente estão faltando os últimos minutos; mas em 1987 Dennis Doros recriou para Kino Video os momentos finais com fotografias fixas.

Em Minha Rainha, Gloria vive a personagem Patrícia Kelly, pensionista de um orfanato religioso, que é seduzida pelo Príncipe Wolfram (Walter Byron) e, depois de uma tentativa de suicídio frustrada, herda um bordel de sua tia na África. Insatisfeitos com os “excessos” do diretor, Kennedy e Swanson mandaram encerrar a produção, depois que um terço do roteiro já havia sido filmado por Stroheim. Gloria depois decidiu lançar, somente no exterior, uma remontagem com um desenlace diferente, daí a razão pela qual temos o título em português. Em 1985, Dennis Doros pôde restaurar Minha Rainha para a Kino, usando fotografias fixas e algumas cenas remanescentes passadas no lupanar africano, resultando uma versão de 97 minutos com o desfecho original.

Gloria adaptou-se facilmente ao cinema sonoro, pois tinha uma linda voz e cantava razoavelmente bem. No seu primeiro filme falado Tudo por Amor / The Trespasser / 1929 ela interpretou a canção “Love, Your Spell is Everywhere” e recebeu sua segunda indicação para o Oscar. Entretanto, nenhum de seus filmes subseqüentes – Que Viúva / What a Widow! / 1930, Indiscreta / Indiscreet /1931, Esta Noite ou Nunca / Tonight or Never / 1931, Casamento Liberal / A Perfect Understanding / 1933, Música no Ar / Music in the Air / 1934 – foram particularmente exitosos e nenhum deles contribuiu para revitalizar sua carreira. Ela ficou afastada das câmeras até 1941, quando retornou desastrosamente na comédia Papai vai Casar / Father Takes a Wife.

Finalmente, em 1951, Billy Wilder, depois de pensar em Pola Negri, Mary Pickford, Mae Murray e várias outras atrizes da fase silenciosa do cinema, contratou Gloria para Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard, no qual ela personifica Norma Desmond, uma estrela do cinema mudo no ostracismo, que se apaixona por um jovem roteirista, Joe Gillis, (William Holden). Norma vive no passado, assistida por seu mordomo Max (Erich Von Stroheim), ex-marido e diretor de seus filmes. Ela sonha com um retorno triunfante às telas e neste processo, enlouquece. Norma fica com ciúmes da namorada de Gillis e eventualmente o mata.

Gloria foi tão convincente neste papel, que muita gente ainda hoje pensa que ela era de fato Norma Desmond. Tudo nela parece autêntico: seu vestido de oncinha, sua piteira, suas pulseiras, sua cama em forma de um cisne dourado, seu conversível. E quando Norma entra no palco de filmagem do seu antigo estúdio Paramount e se encontra com seu velho diretor Cecil B.DeMille, parece que estamos vendo a realidade.

Por seu magnífico desempenho, Gloria ganhou sua terceira indicação para o Oscar, que deveria ter sido seu e não de Judy Holiday. Ninguém jamais se esquecerá daquele instante antológico do cinema, quando Norma se levanta na cabine de projeção e, atravessada pelo facho de luz vindo do refletor, exclama com paixão: “Nós não precisávamos de diálogo! Nós tínhamos rostos!”

As tentativas de Gloria para prolongar este seu êxito (Três é Demais / Three for Bedroom C / 1952 e Mio Figlio Nerone / Meu Filho Nero / 1956), não foram bem sucedidas, obrigando-a se dedicar a outras atividades como televisão, teatro, lançamento de uma linha de cosméticos orgânicos e adesão ao movimento de comida saudável dos anos 60. Nos anos 70, Gloria fez sua última aparição na tela, como ela própria, em Aeroporto 1975 / Airport  1975 / 1974. Sempre pronta para o seu close-up.

HAROLD LLOYD

Harold Lloyd é geralmente considerado um dos três mestres supremos da comédia cinematográfica ao lado de Charles Chaplin e Buster Keaton, mas não possuía o gênio criativo ou a visão artística dos dois eméritos contemporâneos.

Lloyd encarava a comédia de modo prático e, com a mentalidade organizacional de homem de negócios, controlava escrupulosamente a qualidade dos seus produtos. Para isso, mantinha a melhor equipe de inventores de gags na época, que o ajudavam na formulação de histórias e idéias. Esses homens eram creditados nos filmes de Lloyd como diretores ou roteiristas – Sam Taylor, Fred Newmeyer, Ted Wilde, Jay A. Howe, Lex Neal, Jean Havez, Thomas J. Crizer, Tim Whelan, Thomas J. Grey, John Grey, Clyde Bruckman, Howard Green, Howard Emmett Rogers. E Harley M. “Beanie” Walker, foi o criador dos saborosos intertítulos de praticamente todas as comédias de 1917 a 1923).

Entretanto, Lloyd supervisionava todos os estágios da produção, selecionava os melhores gags e praticamente dirigia todas as comédias, utilizando os diretores somente para cuidarem dos detalhes ou corrigirem falhas de interpretação.

Seu personagem mais famoso preenchia o Sonho Americano de que qualquer homem comum poderia obter tudo à custa de esforço. Era o herói cômico da classe média da geração da Era do Jazz, um simplório otimista, impetuoso, insolente, na sua frenética e agressiva busca de sucesso.

A receita de Lloyd baseava-se na velha idéia de um fraco e inocente rapaz enfrentando dificuldades num mundo cheio de gente esperta, vencendo-as com imprevista capacidade e coragem. Para o jovem de óculos com aros de tartaruga, chapéu de palha e dentes expressivos, não existia o impossível e essa impressionante disposição para triunfar sobre  as adversidades, sua desenvoltura e dinamismo, refletiam-se no ritmo dos filmes, principalmente nas perseguições vertiginosas dos desenlaces.

Muito lembrada é, por exemplo, aquela seqüência em O Maricas / Girl Shy / 1924, quando Lloyd, balconista de uma loja, para evitar o casamento da namorada com um vilão, atravessa toda a cidade em desabalada carreira e usa desde o automóvel ao cavalo, passando por motocicleta, bonde e carroça.

Se Lloyd foi pouco sutil como artista, compensou isto vivendo com muita graça as situações de perigo imaginadas por seus humoristas, realizando acrobacias incríveis, ainda mais quando se sabe que o ator perdera quase a metade da mão direita.

O acidente ocorreu ao posar para uma foto de publicidade, na qual acendia o cigarro no pavio de uma bomba de brinquedo. Por engano, deram-lhe uma bomba de verdade, que estava misturada entre os adereços no almoxarifado do estúdio. O ator só escapou com vida porque abaixou a mão que segurava a bomba no exato momento em que ela explodiu.

Nas suas “comédias de arrepios”, as virtudes atléticas do comediante se evidenciavam ainda mais. Vale a pena transcrever o trecho de James Agee sobre O Homem Mosca / Safety Last / 1923, em memorável ensaio: “Como mero amador Lloyd se vê obrigado a substituir um “mosca humana” e a escalar um edifício. Coisas terríveis lhe acontecem. Ele se embaralha numa rêde de tênis. Pipocas caem de uma janela sobre sua cabeça; pombos o tratam como se ele fosse uma mistura de carrinho de sorvete com São Franciso de Assis. Um rato entra por dentro da calça e a multidão, embaixo, aplaude a sua dança desesperada no peitoril de uma janela. Boa parte desse filme de longa-metragem se apóia nessa movimentação pela fachada do prédio. Cada andar é como uma nova estrofe de um poema; e quanto mais ele sobe e mais aterrorizante fica sua situação, mais divertido ele se torna”.

Harold Clayton Lloyd nasceu a 20 de abril de 1893 em Burchard, Nebraska, EUA, filho de James Darsie Lloyd e Elizabeth Fraser. Aos dez anos de idade, Lloyd  pisou pela primeira vez no palco no papel do filho de Banquo em Macbeth. Quatro anos depois, já como estudante na Burwood Stock Company de John Lane Connor, ele trabalhou na peça Tess of the D’Ubervilles. Daí para diante foi adquirindo muita experiência naquela escola de arte dramática e depois na Connor School of Expression em San Diego, Califórnia.

Um dia, uma equipe da firma Edison chega a San Diego para uma filmagem e vai até a escola de Connor a fim de contratar alguns alunos como figurantes. Lloyd foi um dos aprovados: “Escolheram-me para ser um índio seminu. Assim que me pintei todo de marrom, começou a chover”.

Após esta experiência, Lloyd partiu para Los Angeles e a primeira coisa que fez foi visitar a velha companhia Edison, onde ficou o tempo suficiente para sentir que o Cinema era um negócio fascinante.

Lloyd então começou a procurar trabalho num grande estúdio como a Universal. Ele percebeu que os atores usando maquilagem passavam tranqüilamente pelo portão do estúdio. No dia seguinte, usando alguma maquilagem no rosto, Lloyd se misturou entre os atores que voltavam do almoço num restaurante próximo e deu um jeito de permanecer lá dentro.

Lloyd atuou como figurante em vários filmes juntamente com Hal Roach, que também estava na firma de Carl Laemmle na condição de extra, e depois os dois tiveram oportunidade de interpretar pequenos papéis.

De repente, Roach recebe uma herança, funda a Rolin Film Company e chama Lloyd para fazerem comédias de dois rolos, alternando-as com comédias de um rolo. Lloyd era o comediante principal dessa nova companhia, que também incluía o ator dramático Roy Stewart e a “leading lady” Jane Novak. Nessa ocasião, Lloyd desenvolveu o seu primeiro personagem na tela, Willie Work, que era uma imitação de Carlitos. No futuro, Lloyd ficava sempre envergonhado quando se falava dessa sua fase imitativa e foi provavelmente um alívio para ele o fato de que apenas uma das comédias com Willie Work, Just Nuts / 1915, tenha sobrevivido.

Por causa de uma divergência com relação a salário – Roach pagava o dobro para Roy Stewart – Lloyd saiu da Rolin e arranjou emprego no famoso estúdio da Keystone, dirigido por Mack Sennett. Ali Lloyd participou de pelo menos seis filmes de fevereiro a julho de 1915.

Pouco depois, Roach o chamou de volta e foi desta vez que nasceu – no filme Spitball Sadie / 1915 – o personagem Lonesome Luke (personagem conhecido no Brasil como Hipólito), vestido com roupas bem justas e um bigodinho que consistia em dois pingos de maquilagem. Como observou Agee, embora Lonesome Luke fosse exatamente o oposto de Carlitos e seus gestos os mais antichaplinianos possíveis, Lloyd logo se deu conta de que fazer algo apenas em oposição ao outro era uma forma de aprisionamento.

Nos meados dos anos 10, quanto mais diferente o comediante fosse das pessoas reais, mais engraçado pareceria aos olhos do público. O cômico arrancava o riso pela sua aparência grotesca ou excêntrica e não necessariamente pelo personagem que interpretava. Lloyd queria mudar isso. Ele descobriu sua própria identidade cômica ao ver um filme de longa-metragem dramático. “O personagem principal, que era um pastor, usava óculos com aros de tartaruga. Este personagem chamou minha atenção na época, porque ele não correspondia á sua aparência. Você pensava que ele era um homem frágil, porém, na verdade, ele era um machão, que dava uma idéia falsa de si mesmo”.

Partindo desta idéia, Lloyd começou a construir um novo tipo, não grotesco nem excêntrico, mas um jovem comum que usava óculos. Era um personagem que parecia nunca ter a chance de superar quaisquer obstáculos. Porém ele tinha muita determinação e por mais difícil que fosse a situação na qual se via envolvido, ia em frente e eventualmente conseguia sair vitorioso. “Este rapaz de óculos poderia ser seu vizinho, alguém que você conhecia. Você poderia colocá-lo numa cena de romance e ao mesmo tempo numa cena de comédia de pastelão”.

E, o que era mais importante para Lloyd, ele seria capaz de atuar como ator e não se esconder (e ser definido) sob o vestuário e sob a maquilagem. Ele poderia vestir roupas normais, fazer coisas normais e parecer física e psicologicamente normal.

O Personagem de Óculos, que estreou em setembro de 1917 no filme Over the Fence, (uma das duas únicas vezes que Lloyd recebeu crédito como diretor; a outra foi em Just Neighbors / 1919) era bem diferente de Lonesome Luke.

Como sintetizou Annette D’Agostino Lloyd em seu magnífico livro Harold Lloyd – Magic in a Pair of Horn-Rimmed Glasses, BearManor Media, 2009), ele não usava mais roupas que enfatizavam as diferenças entre a platéia e o personagem – agora, o adorno da persona fílmica  espelhava a platéia; agora, o aspecto do personagem era representativo do próprio público que ele estava divertindo.

Os dois primeiros longas-metragens de Lloyd foram Marinheiro de Água Doce / A Sailor-Made Man / 1921 e O Predileto da Avozinha / Grandma’s Boy / 1922, mas nenhum dos dois começou como tal – seu primeiro filme premeditadamente de longa-metragem foi As Receitas do Dr. Jack / Dr. Jack, lançado em dezembro de 1922.

No final de sua vida, Lloyd costumava apontar como seus filmes favoritos, O Predileto da Avozinha, O Homem-Mosca / Safety Last / 1923, O Calouro / The Freshman / 1925, O Caçula / The Kid Brother / 1927. Quem quiser conhecer os filmes de Lloyd pode adquirir a excelente caixa com sete dvds, The Harold Lloyd Classic Collection,. da New Line.

Por volta de 1920, Lloyd estava consagrado como um astro importante e Roach ampliando seus próprios horizontes, produzindo as comédias com Os Peraltas (Our Gang), O Gordo e o Magro (Laurel and Hardy), Will Rogers, Snub Pollard e Charley Chase.  As preocupações de Roach combinadas com o desejo de Lloyd de exercer maior controle sobre seus filmes, precipitaram a separação dos dois após o término da filmagem de Milagres do Azar / Why Worry? / 1923.

Assim nasceu a Harold Lloyd Corporation, cujas operações começaram com a realização de O Maricas / Girl Shy / 1924. Em 1927 a companhia criou uma divisão denominada “Hollywood Productions”, com o propósito específico de produzir as comédias de Edward Everett Horton.

Em 23 de maio de 1926, Lloyd escreveu um artigo para o New York Times intitulado “O Público é o Doutor”, no qual mostrou uma faceta do seu estilo como realizador de filmes, que ele havia adotado uma década atrás, no tempo das comédias Lonesome Luke de um rolo: a pré-estréia. Ele escreveu: “O público sabe melhor do que ninguém o que é engraçado…se ele gostam do que você tem para oferecer, eles demonstram seu agrado com gargalhadas espontâneas. Se eles não gostam, você pode ficar sabendo pelos suspiros prolongados … o público é eminentemente justo”. Um grande número de comédias de Lloyd seria bem diferente se ele não tivesse utilizado a pré-estréia, ou um teste de reação do público antes do lançamento do filme. Algumas vezes Lloyd promovía cinco, seis, sete pré-estréias. Após cada uma, levava o filme de volta para o estúdio, cortava as cenas que não haviam agradado ou as refazia, aperfeiçoando sempre, até ter certeza de que o filme estava pronto para receber uma boa acolhida.

A parceira de Lloyd em muitas das comédias era a morena Bebe Daniels. Quando Bebe deixou Roach, a loura Mildred Davis ocupou o seu lugar e se casou com Lloyd, abandonando a carreira dois anos depois. “Uma pessoa engraçada na família é o bastante” – disse ela aos repórteres. Quem a substituiu foi Jobyna Ralston.

O casal viveu junto até a morte de Lloyd em 8 de março de 1971, na Califórnia, vitimado pelo câncer, e teve três filhos: Mildred Gloria, Harold Jr. e a adotiva Peggy.

.  A fórmula simples – “risos, emoção, um romance ingênuo e então mais risos” – fez de Lloyd uma tremenda atração de bilheteria e um dos astros mais ricos do Cinema. Ao falecer, deixou mais de cinco milhões de dólares para os três filhos e a neta Suzanne e dispôs por testamento que a sua fabulosa mansão em Beverly Hills, chamada de Greenacres, seria tranformada em museu.

Os filmes falados de Harold Lloyd foram melhores do que os filmes falados de Buster Keaton, mas também – salvo talvez Cinemaníaco / Movie Crazy / 1932 – não alcançaram o mesmo nível artístico de seus filmes mudos.

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Em 1952, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas outorgou a Harold Lloyd um Oscar especial com a inscrição: “Para Harold Lloyd, Mestre da Comédia e Bom Cidadão”.

Agee estava certo ao dizer que “se a grande comédia exige algo mais do que o riso, Harold Lloyd não foi um grande comediante, mas se o riso simples for o único critério, poucos o igualaram e ninguém jamais o superou”.

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes mudos de Harold Lloyd exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa feita anos atrás com a colaboração de Gil Azevedo Araújo). Não se sabe quantas comédias da série Willie Work foram feitas, porque os arquivos da Rolin eram desorganizados e muitos filmes não chegaram a ser vendidos ou nem mesmo lançados ou levados ao registro de propriedade autoral. Da série Lonesome Luke foram produzidas 67 comédias, sendo 53 em um rolo e 14 em dois rolos – nas comédias produzidas de agosto de 1915 a abril de 1916 foi usada a marca Rolin Phunphilms. As primeiras comédias com o personagem de óculos foram de um rolo e exibidas durante três meses em alternância com as comédias de dois rolos da série Lonesome Luke. 1917 – ASTÚCIAS DE VERGOTO / Lonesome Luke, Plumber; HIPÓLITO MENSAGEIRO / Lonesome Luke, Messenger; HIPOLITO MECÂNICO / Lonesome Luke, Mechanic; A LINHA ENCANTADA / Lonesome Luke’s Wild Women; DESTEMPERO DE UM PERALTA / Lonesome Luke in Love, Laughs and Lather / MARMELOS E MARMELÕES / Lonesome Luke in When Clubs are Trump; CAIPORA / Pinched; CENAS A BEIRA-MAR / By the Sad Sea Waves; NAMORANDO POR VÍCIO / The Flirt; A BORDO ou TODOS A BORDO / All Aboard; AVIA -TE LESMA / Move On; MENINO ASSANHADO / Bashful . 1918 – A GORJETA / The Tip; UMA GRANDE IDÉIA / The Big Idea; TÍMIDO COMO UM CORDEIRO / The Lamb; CASAMENTO A GASOLINA / A Gasoline Wedding; QUESTÃO DE JEITO / Here Come the Girls; SIGA A MULTIDÃO / Follow the Crowd; AS APARÊNCIAS ENGANAM / Sic’ Em Towser; É ELE / That’s Him; DELÍCIAS DAS PRAIAS / Why Pick on Me?; SEMPRE EM DIFICULDADES / Nothing but Trouble; COMO GRITAM AQUELES MALDITOS / Hear’ Em Rave. 1919 – PRECISA-SE DE MIL DÓLARES / Wanted $5000; FALE COM PAPAI / Ask Father; NO FOGÃO / On the Fire; CUIDADO LÁ EMBAIXO / Look out Below; PANCRÁCIO, EMPREGADO IMPROVISADO / Next Aisle Over; LEVANTA O PANO / Ring up the Curtain; SIM, SENHOR / Si Senor; CAÇAR E SAIR CASADO / Back to the Woods; PARTIU O BONDE / Off the Trolley; A FEBRE DA VADIAGEM / Spring Fever; VIZINHOS INSEPARÁVEIS / Just Neighbors; PORTA DO PALCO / At the Old Stage Door; UMA LUA-DE-MEL TEMPESTUOSA / A Jazzed Honeymoon; VÍTIMA DO BULDOGUE / Count Your Change; NO BAIRRO CHINÊS / Chop Suey and Company; CACIQUE PALERMA / Heap Big Chief; NÃO EMPURRA / Don’t Shove; QUERES SER MINHA ESPOSA? / Be my Wife; O RAJÁ ou LLOYD E O MACACO / The Rajah; DINHEIRO À BEÇA / Soft Money; APURANDO OS VOTOS / Count the Votes; PAGUE SUA CONTA / Pay Your Dues; SEU ÚNICO PAI / His Only Father; ATRAVÉS DA BROADWAY / Bumping into Broadway; A FILHA DO GRÃ-PIRATA / Captain Kidd’s Kids;  VIDA DE MILAGRES / From Hand to Mouth. 1920 – ORGIAS RERAIS / His Royal Slyness; A CASA DOS FANTASMAS / Haunted Spooks; UM ALMOFADINHA NO OESTE / An Eastern Western; A SONÂMBULA / High and Dizzy; O PRÍNCIPE MASCARADO / Get Out and Get Under; NÚMERO, FAZ FAVOR? / Number, Please?. 1921 – AGORA OU NUNCA / Now or Never; ALTA RODA / Among Those Present; CASA-TE E VERÁS / I Do; QUEM DISSE MEDO? / Never Weaken; MARINHEIRO DE ÁGUA DOCE / A Sailor Made Man. 1922 – O PREDILETO DA AVOZINHA / Grandma’s Boy; AS RECEITAS DO DR. JACK / Dr. Jack. 1923 – O HOMEM MOSCA / Safety Last; MILAGRES DO AZAR / Why Worry?.1924 – O MARICAS / Girl Shy; SOGRA FANTASMA / Hot Water. 1925 – O CALOURO / The Freshman. 1926 – O MILIONÁRIO GAIATO / For Heaven’s Sake. 1927 – O CAÇULA / The Kid Brother. 1928 – HAROLDO VELOZ / Speedy.

GEORGE FORMBY

“Eu não era bom, mas as pessoas parece que gostavam de mim”, exclamou George Formby e durante muitos anos  ele foi o astro mais popular do cinema britânico e um dos mais bem pagos.

Formby, cujo verdadeiro nome era George Hoy Booth, nasceu em Wigan, Lancashire em 26 de maio de 1904 . Seu pai, George Formy, Sr. (James Booth), cujo nome artístico foi inspirado pela cidade de Formby em Lancashire, havia sido um dos grandes artistas do music-hall de sua época. Formby, Sr, que não queria que seu filho nem sequer assistisse às suas representações, mudou-se com a família para Hindley, perto de Wigan. Em Hindley Formby Jr. aprendeu a profissão de jóquei, estreando nos prados aos dez anos de idade. Posteriormente, a família transferiu-se para Warrington e ali Formby, Jr. iniciou sua carreira no ramo do entretenimento.

Quando o pai faleceu em 1921, Formby abandonou o ofício de jóquei e iniciou sua própria trajetória no music hall. Em 1924, ele se casou com a dançarina Beryl Ingham e ela passou a gerenciar a carreira do comediante.

Formby cativou o público com o seu humor insolente e sua simpatia, personificando um rapaz modesto, propenso a sofrer acidentes, que tentava vencer em várias atividades (como, digamos, ciclista ou jóquei). Apesar de todas as expectativas em contrário, ele atingia sempre os seus objetivos, conquistando inclusive o coração de uma jovem invariavelmente assediada por um patife.

Entretanto, Formby se distinguia mais interpretando canções cômicas muito agradáveis, cheias de duplo sentido, acompanhando-se no banjolele, para o qual ele desenvolveu um estilo musical muito sincopado, a sua marca registrada.  Vale registrar que o conteúdo sexual malicioso de algumas de suas canções era neutralizado pelo seu ar inocente, seu sorriso dentuço e sotaque nasal típico de Lancashire.

Por outro lado, as narrativas simples e despretenciosas eram habilmente entremeadas com as canções, estabelecendo-se um equilíbrio perfeito entre as cenas de comédia rasgada e as cenas de ação. As cenas de amor, com parceiras como Phyllis Calvert, Dinah Sheridan, Linden Travis, Kay Walsh e Googie Withers eram, segundo consta, controladas cronometricamente pela sempre vigilante Beryl, que contracenou com o marido em Boots!, Boots! / 1934 e Off the Dole / 1935. Infelizmente o vício da bebida, contraído por sua falecida esposa, foi aos poucos corroendo o seu matrimônio.

Outra característica dos filmes de Formby eram os jargões que ele dizia durante o desenrolar das histórias. O mais famoso foi sem dúvida “Turned out Nice Again!” (Tudo acabou Bem!”) dito geralmente na primeira ou na última cena de cada filme. Formby costumava também exclamar: “Haha! Never touched me!” (Haha! Você não me pegou!”, após ter levado uma surra ou sofrido um acidente e “Ooh, mother!”, quando escapava de uma  encrenca.

Formby vinha gravando discos para o Gramofone desde 1926; seu primeiro sucesso ocorreu em 1932 com a Jack Hilton Band e seu filme de estréia, Boots!, Boots! em 1934. O espetáculo teve um grande êxito e ele assinou contrato para fazer mais onze com a Associated Talking Pictures, o que lhe proporcionou a renda então astronômica de cem mil libras por ano. Entre 1934 e 1945, Formby era o maior comediante do cinema britânico e, no auge de sua popularidade (1939, quando foi apontado como o astro número um de todos os gêneros), seu filme Let George Do It foi exportado para a América. Embora seus filmes sempre tivessem uma boa acolhida na Grã Bretanha e no Canadá, eles nunca “pegaram” nos Estados Unidos. Os seus últimos sete filmes, de  O Palhaço faz o Artista / South American George / 1941 a George in Civvy Street / 1946 foram produzidos pela Columbia Pictures e, aparentemente, não lançados por ela nos Estados Unidos.

Durante a Segunda Guerra Mundial, Formby prestou relevante serviço para a Entertainments National Service Association (ENSA) divertindo as tropas na Europa e no Norte da África. Seu filme mais popular e até hoje considerado como seu melhor trabalho, foi a comédia de espionagem, Let George Do It, no qual ele é um músico confundido durante um blecaute com um agente secreto, que é contratado para tocar banjolele na orquestra do navio, no qual entrara por engano. O músico vai parar na Noruega, onde acaba desbaratando um bando de espiões nazistas, que enviam mensagens em código através do rádio enquanto a orquestra está se apresentando. Uma seqüência de sonho na qual ele dá um sôco no nariz de Hitler é um dos momentos mais engraçados da comédia cinematográfica.

Formby sofreu seu primeiro ataque cardíaco em 1952. Sua esposa Beryl morreu de leucemia em 1960. Formby planejava casar-se com Pat Howson, uma professora vinte anos mais nova do que ele, na primavera de 1961, mas teve um outro ataque de coração e faleceu no hospital em 6 de março de 1961 aos 56 anos de idade.

Eu não conhecia os filmes de Formby, até que saiu em dvd uma caixa contendo sete dvds (No Limit / 1936, It’s in the Air / 1938, I See Ice / 1939, Come on George / 1939, Let George Do It / 1940, Tudo Acabou Bem / Turned Out Nice Again / 1941, Spare a Copper / 1941), imediatamente comprada por este fã de cinema, que lhes fala.

Para mim, além de Let George Do It, as melhores das sete comédias da caixa Formby são No Limit, It’s in the Air e Come on George.

Em No Limit George é um limpador de chaminés que constrói sua própria motocicleta e entra numa conhecida competição de ciclismo na Ilha de Mann. O clímax do filme ocorre quando o jovem amador está na reta final e fica sem gasolina. Estimulado pelo incentivo da multidão que assiste à corrida, ele empurra a motocicleta pelos derradeiros 50 metros até a linha de chegada, ultrapassando-a poucos segundos antes de seu rival anti-esportista passar por ele a toda velocidade.

Come on George mostra George como um vendedor de sorvetes na pista de corridas de cavalos. Ele eventualmente acalma um cavalo até então indomável e em conseqüência arruma emprego como cavalariço. Ele acaba montando o cavalo – um papel feito sob medida para o ex-joquei – e vencendo o grande prêmio numa corrida muito engraçada e excitante.

No enredo de It’s in the Air George sonha em ser piloto da RAF, mas não consegue nem ser admitido para servir na Defesa Civil. Depois de uma trapalhada no posto de recrutamente, George não resiste e veste o uniforme do namorado de sua irmã, que é piloto mensageiro da Força Aérea.Britânica. Num dos bolsos do uniforme George encontra uma correspondência oficial classificada como urgente e resolve entregá-la ele mesmo às autoridades. No decorrer dos acontecimentos George se vê dentro de um avião sem piloto, que, descontrolado, faz incríveis piruetas no ar. Finalmente, não se sabe como, o avião aterrissa, George é levado à presença do Comandante e este, impressionado com a suposta perícia do aviador, anuncia que George será aceito como piloto da RAF. Porém, na cena seguinte, vemos George no palco de um teatro, pilotando um avião de brinquedo e cantando uma das suas canções.

São, de fato, histórias típicas de baixa comédia, tantas vezes repetidas em filmes com outros cômicos, porém muito divertidas e movimentadas, constituindo-se num bom passatempo e numa mensagem de otimismo principalmente naqueles dias dolorosos para a Inglaterra.

AS RAINHAS DAS SELVAS

      Nos primórdios do filme seriado as mulheres estiveram em evidência. Naquela que muitos consideram a primeira fita-em-série, What Happened to Mary? / 1912 (mas que, a rigor, não é um serial porque cada um dos seus doze episódios contava uma história completa) Mary Fuller cativava os espectadores no papel de uma órfã, lutando contra mil e uma adversidades. Um ano depois, Kathlyn Williams em As Aventuras de Kathlyn / The Adventures of Kathlyn, no papel de uma herdeira, desafiava perversos bandidos que queriam tirar a posse de suas terras.

      Depois vieram Pearl White e Ruth Roland, as duas rainhas dos seriados na fase silenciosa do cinema e ainda Helen Holmes, Grace Cunnard, Eileen Sedgwick, Allene Ray, Helen Ferguson, Anita Stewart, Louise Lorraine, Marie Walcamp, Neva Gerber, Ethlyne Clair, Ann Little, Arline Pretty, etc.

PEARL WHITE EM PERIGO

      Aos poucos, porém, os mocinhos foram tomando os lugares de destaque das heroínas e, somente em 1941, alguém da Republic teve a idéia de retomar a velha fórmula de se colocar uma bela jovem como centro de atenção dos seriados, de preferência numa aventura passada na selva africana, tal como ocorrera esporadicamente nos anos 20 (A Cidade Perdida / The Lost City / 1920 com Juanita Hansen) e A Deusa do Sertão / The Jungle Goddess / 1922 com Elinor Field) e nos anos 30 (A Rainha das Selvas / Queen of the Jungle / 1933 com Mary Kornman).

      Assim nasceu A Filha das Selvas / Jungle Girl, seriado inspirado num romance de Edgar Rice Burroughs, o criador de Tarzan. O estúdio adquiriu os direitos do livro, mas aproveitou apenas o título, atribuindo aos seus roteiristas a tarefa de construírem os quinze emocionantes episódios.

      Na história de Burroughs havia um médico americano que combatia a desnutrição numa tribo perdida do Continente Negro. Este personagem foi extinguido e em seu lugar colocaram um aviador Jack Stanton (Tom Neal), que serve de companheiro à mocinha, cujo nome passou a ser Nyoka, logo depois famoso por causa de um subseqüente seriado.

      Nyoka Meredith é uma jovem criada nas selvas e o pai tem um irmão gêmeo (Trevor Bardette nos dois papéis), que se une a um curandeiro, Shamba (Frank Lackteen) e a um facínora americano, Slick Latimer (Gerald Mohr), a fim de se apoderarem de valiosos documentos.

frances gifford em A Filha das Selvas

      Com o auxílio de Stanton e do colega Curly Rogers (Eddie Acuff), Nyoka opõe-se ao trio de malfeitores e acaba derrotando-os, depois de quase cair nas profundezas de um abismo, ser alvejada por flechas envenenadas, incinerada num incêndio na floresta ou estraçalhada por um gorila (Emil van Horn).

A Filha das Selvas - lobbycard

      Sob os traços da Filha das Selvas, o estúdio colocou Francis Gifford mas, nas sequências de ação, a atriz era substituida pela excelente stuntwoman Helen Thurston. A grande atração do espetáculo, além das lindíssimas pernas da srta. Gifford, são as acrobacias de Nyoka nos cipós, muito mais sensacionais do que aquelas executadas por Johnny Weismuller nos filmes de Tarzan. A melhor delas é a seguinte: Nyoka vê o menino atacado pelo crocodilo, dá um salto mortal ao passar de um cipó para outro e depois, com a faca entre os dentes, mergulha no rio, para lutar contra a fera.

      Dirigido por dois especialistas, William Witney e John English, o seriado agradou ao público e, no ano seguinte, a Republic fez uma continuação, Os Perigos de Nyoka / The Perils of Nyoka com Witney sozinho na direção, escolhendo uma nova estrela, Kay Aldridge e um novo mocinho, Clayton Moore que, no futuro, se tornaria o Lone Ranger da televisão.

      Nas cenas arriscadas, Kay é substituída pelo dublê David Sharpe que, apesar de se sentir meio sem jeito com roupas femininas, proporciona aos espectadores alguns momentos espetaculares. O vilão desta vez é uma mulher, a malvada Vultura (Lorna Gray, cujo nome artístico mudaria depois para Adrian Booth), sempre cercada por fiéis capangas como o árabe Cassib (Charles Middleton, o imperador Ming de Flash Gordon) ou o gorila Satan (Emil van Horn de novo).

Kay Aldridge em Os Perigos de Nyoka

      Os facínoras querem se apoderar das Tábuas de Hipócrates, um papiro antigo que contém segredos medicinais prodigiosos e o mapa de um fabuloso tesouro. O arqueologista Dr. Campbell (Forbes Murray) e seu assistente Dr. Larry Grayson (Clayton Moore) chefiam uma expedição ao Deserto Arábico para encontrar Nyoka Gordon, a única pessoa capaz de decifrá-las. Nyoka por sua vez procura seu pai desaparecido, Henry Gordon (Robert Strange), que está vivendo numa tribo de beduínos.

      Depois de lances eletrizantes como escapar de uma carroça em chamas despencando de um desfiladeiro, de ser retalhada por uma lâmina em movimento pendular digna de Edgar Allan Poe, de cair num poço de lava derretida, de ser esmagada por pregos em forma de estalactite e, ainda, da traição de Torrini (Tristam Coffin), assecla de Cassib que se fazia passar por seu aliado, Nyoka trava no último capítulo uma luta corpo a corpo com Vultura, as duas atrizes de perninhas de fora entrelaçadas, excitando a meninada.

      Os Perigos de Nyoka fizeram mais sucesso que A Filha das Selvas e foi relançado anos depois como Nyoka and the Tigermen, tendo sido exibida na televisão uma versão em longa-metragem Nyoka and the Secrets of Hippocrates, que era um dos compactos oferecidos em 1966 às emissoras, inseridos num pacote de 26 serials da Republic, reeditados em 100 minutos, tal como a Leo Gutman Productions fez com vários seriados da Columbia.

       Quando Kay Aldridge deixou a Republic em 1944, parecia que não iria surgir uma sucessora, mas felizmente o estúdio encontrou aquela que seria aclamada “A Rainha dos Seriados Sonoros”: Linda Stirling.

        Linda, alta e esbelta, com habilidades atléticas, estreou em A Mulher-Tigre / The Tiger Woman, dirigido por Spencer Bennet e Wallace Grissell, seriado que gira em torno da rivalidade de duas companhias petrolíferas por jazidas situadas na selva sul-americana. O engenheiro de uma das firmas, Allen Saunders (Allan Lane, também chamado de “Rocky” Lane e depois popularizado como Red Ryder) e seu amigo José (Duncan Renaldo, o Cisco Kid da televisão), auxiliados pela Mulher-Tigre, misteriosa rainha branca, estranhamente civilizada, enfrentam os inescrupulosos rivais comandados por Morgan (o mexicano George J. Lewis, um dos vilões mais manjados da época).

Allan Lane e Linda Stirling em A MUlher Tigre

         A Mulher-Tigre é na realidade Rita Arnold, herdeira de uma grande fortuna, que se perdera na selva após um desastre de avião. Os bandidos querem matar a jovem e se apoderar da herança, mas Saunders e José frustram seus planos. Ação rápida e uma cativante e dinâmica heroína garantem um bom espetáculo. O instante de maior emoção é aquele em que o avião monomotor pilotado por um bandido, joga bombas sobre a cabana onde estão Saunders, José e a Mulher-Tigre. Saunders consegue alvejar o piloto porém este, mesmo ferido, faz com que o avião se choque contra a cabana, provocando uma explosão da qual, naturalmente, os três escapam no episódio seguinte.

        O seriado teve boa acolhida, tendo sido relançado como The Perils of the Darkest Jungle e fez de Linda Stirling estrela na Republic, que a colocou nos papéis principais de O Chicote do Zorro / Zorro’s Black Whip / 1944, O Segredo da Ilha Misteriosa / Manhunt of Mystery Island / 1945, Marte Invade a Terra / The Purple Monster Strikes / 1945, O Espírito Escarlate / The Crimson Ghost / 1946 e A Volta de Jesse James / Jesse James Rides Again / 1946, tornando-a uma nova Pearl White.

      Depois de A Mulher-Tigre, a Republic só abordaria o tema nos últimos anos de vida dos seriados em Tambores Feiticeiros / Jungle Drums of África / 1953 e A Mulher-Pantera / Panther Girl of the Congo / 1955, ambos com Phyllis Coates (a futura Lois Lane no Super-Homem da televisão), vestindo roupas bem parecidas com as usadas por Frances Gifford  em A Filha das Selvas, para poderem ser aproveitadas as tomadas de arquivo daquele outro seriado. Em A Mulher Pantera introduziu-se um elemento de ficção científica, quando a heroína tinha de lutar contra lagostas gigantescas, criadas por um cientista louco, que desenvolvera um hormônio para aumentar o tamanho de crustáceos.

      Já a Universal, em 1945, fez A Rainha das Selvas / Jungle Queen com Ruth Roman no papel de Lothel, jovem que tem os poderes de andar incólume sobre as chamas e de se tornar invisível, deixando os inimigos nazistas estupefactos.

      A intriga transcorre durante a Segunda Guerra Mundial e diz respeito a uma agente alemã, disfarçada sob a personalidade da cientista Dra. Elise Bork (Tala Birell) e seu subordinado Lang (Douglas Dumbrille), que tentam indispor as tribos Tongghili contra os aliados.Dois americanos, Bob Elliott (Edward Norris) e Chuck Kelly (Eddie Quillan), chegam para ajudar as forças britânicas. No caminho encontram Pamela Courtney (Lois Collier), uma jovem à procura do pai desaparecido nas selvas, e todos são ameaçados pelos espiões. No final, após garantir a vitória dos ingleses, Lothel some numa labareda, tão misteriosamente quanto aparecera.

        Entretanto, a atriz Ruth Roman surgiria novamente nas telas na década de 50, para mostrar sua capacidade dramática em filmes de prestígio, que também puderam destacar mais a sua beleza invulgar.

CURTAS-METRAGENS NA HOLLYWOOD DOS ANOS 30 / 40

Um grande desafio para o pesquisador de Cinema Americano dos anos 30 / 40 é a área dos curtas-metragens, não só porque as fontes sobre o assunto são escassas como também pela dificuldade de se identificar os títulos em português dos filmes. Este artigo não pretende focalizar todos os curtas-metragens produzidos naquelas décadas, mas apenas recordar os mais conhecidos.

De uma maneira geral, esses filmes, na sua maioria de dois rolos (duração aproximada de 17 a 18 minutos) denominavam-se shorts. Eles podiam ser nos gêneros comédia, musical, esportivo, turístico, curiosidades, etc. e nada tinham a ver com as séries de longa-metragem ou com os seriados. As séries eram um grupo de filmes de 55 a 90 minutos cada qual contando uma historia diferente, porém conservando sempre os mesmos personagens; nos seriados, a trama continuava em outros episódios.

Laurel e Hardy em A Caixa de Música

As comédias curtas de O Gordo e o Magro destacavam-se dos outros shorts, mostrando a maior dupla cômica do Cinema na sua forma mais completa. Com o advento do som, as vozes de Stan Laurel e Oliver Hardy acrescentaram uma nova dimensão às suas respectivas personalidades. Ao lado da comicidade visual, incluindo os célebres maneirismos, havia agora saborosos diálogos, ditos de maneira inimitável pelos dois artistas inesquecíveis. De 1929 a 1935, foram realizadas 40 comédias faladas nos estúdios de Hal Roach. Uma delas – Caixa de Música / The Music Box – ganhou o Oscar de 1931-32 na categoria.

Outros grandes comediantes da era silenciosa como Buster Keaton e Harry Langdon fizeram shorts falados, porém mais popular nesse formato foi outro contratado de Roach, Charlie (ou Charley) Chase. Com aqueles óculos inseparáveis e, às vezes, o banjo e a guitarra, Charlie participou de 190 comédias curtas, das quais alguém há de se lembrar, por exemplo, de Cartola Mágica / You Said a Hateful! / 1934, O Neto do Vovô / Southern Exposure / 1935 ou O Marido que virou Mulher / Okay Toots! / 1935, para citar apenas três que foram exibidos no cinema Metro do Rio de Janeiro. Em O Marido que virou Mulher, Charlie e sua esposa misteriosamente trocam suas personalidades – a voz e a mente dela no corpo dele, e vice-versa.

Vocês devem se lembrar de Charlie Chase naquela magnífica comédia de média -metragem, Os Filhos do Deserto / Sons of the Desert / 1933, que Roach produziu entre os seus two-reelers com Laurel e Hardy. Charlie tem uma breve, mas fulgurante, intervenção como o turbulento cunhado de Oliver Hardy, roubando a cena em que aparece.

CharleyChase_Vol2_DVD

Como diretor, Charlie Chase foi responsável por A Grande Pechincha / The Bargain of the Century / 1933, uma das comédias mais engraçadas da dobradinha Thelma Todd / ZaSu Pitts, outro achado de Hal Roach. Entre outras, na sua maioria dirigidas por Gus Meins, fizeram muito sucesso: Ora, Pílulas / Sneak Easily / 1932, Salão da Fuzarca / Asleep in the Fleet / 1933, Vestidas à Francesa / Maids à la Mode / 1933 e principalmente A Caminho de Hollywood / One Track Minds / 1933, na qual Thelma ganha a chance de fazer um teste para o cinema com o diretor Von Sternheim no Roaring Lion Studios; mas o trem vai para o Oeste, pondo fim à sua carreira. Thelma e ZaSu formavam um contraste perfeito para uma boa dupla cômica: a bela e agitada Thelma sempre conseguindo tirar as duas das situações encrencadas causadas pela ingenuidade da feiosa ZaSu.

Em 1933, Patsy Kelly entrou no lugar da veterana atriz dramática de Stroheim e arrancou boas gargalhadas dos espectadores com as piadas maldosas sobre a parceira. Entre os melhores filmes da dupla Thelma Todd-Patsy Kelly, podemos apontar: Natureza Torta / Backs to Nature / 1933, Verifiquem nossos Preços / Babies in the Goods / 1934, Distintas Senhoritas / Soup and Fish / 1934, todos sob direção de Gus Meins, e Viagem Acidentada / Bum Voyage / 1934. Neste filme, dirigido por Nick Grinde, Thelma e Patsy acham duas passagens para uma viagem de navio, sem saber que sua cabine é também habitada por um gorila.

Charlie Chase, Laurel e Hardy em Filhos do Deserto

Com a trágica morte de Thelma Todd, que até hoje constitui um dos enigmas indecifrados de Hollywood, logo se encerraria o ciclo de comédias, sempre elogiadas aquí no Brasil pelos comentaristas da revista Cinearte, que as consideravam um “bom complemento de programa”, como se dizia na época.

Produzida por Hal Roach de 1922 a 1938 e compreendendo ao todo 228 filmes, a série de curtas Os Peraltas / Our Gang jamais perdeu o encanto, porque o espírito das crianças é o mesmo em qualquer tempo. Dos componentes do vasto elenco infantil, que mudava constantemente, Jackie Cooper, Dickie Moore, Scotty Beckett e Mickey Gubitosi (depois conhecido como Bobby Blake, fazendo o papel do indiozinho nos faroestes de Red Ryder e como Robert Blake no seriado de televisão Baretta), alcançariam fama nos filmes de longa-metragem: porém, os mais amados pelos fãs eram o fofo Spanky McFarland, os pretinhos Billy “Buckwheat” Thomas e Mathew “Stymie” Beard, e Cal “Alfafa” Switzer, o Espeto, que esteve impagável em Alfafa, a Voz das Vozes / Our Gang Follies of 1938. Uma das comédias, Fugindo da Escola / Bored of Education, arrebatou o prêmio da Academia em 1936.

ZaSu Pitts - Thelma Todd

Patsy Kelly Thelma Todd

Em 1938, a MGM adquiriu os direitos de produzir a série e o de usar o título, razão pela qual, quando os filmes originais foram reprisados na televisão, as emissoras tiveram que apresentá-los como Os Batutinhas / The Little Rascals. Houve muitos imitadores da série como as comédias Mickey McGuire com Mickey Rooney ainda bem garotinho, The Kiddie Troupers com o então menino Eddie Bracken, e as Baby Burlesks, estreladas por Shirley Temple.

Roach realizou ainda, entre outros, os curtas-metragens Os Choferes de Praça / The Taxi Boys com Billie Gilbert e Ben Blue e The Boy Friends com Mickey Daniels e Mary Kornman, dois ex-integrantes do cast de Os Peraltas; David Sharpe, mais tarde competente stuntman nos seriados; e Grady Sutton, que era quem provocava mais gargalhadas na platéia

Os Peraltas

Ninguém pensa em Andy Clyde quando se fala nos grandes comediantes da tela, porém ele foi um ator talentoso e versátil, cuja popularidade ficou intata por quatro décadas, de 1929 a 1956. Depois de trabalhar com Mack Sennett e na Educational, Clyde instalou-se na Columbia, em 1934, e ali permaneceu por mais de 20 anos, elaborando um personagem com bigodão e óculos bifocais, que teve esta peculiaridade: começou interpretando-o ainda jovem e envelheceu no papel, até que, no final da carreira, não precisava mais de quase nenhuma maquilagem.

Clyde fez ao todo 146 comédias. Velhos Gaiteiros / He Done His Duty / 1937 e Atores e Impostores / Mr. Clyde Goes to Broadway / 1940 parece que foram as favoritas do público. Nos anos 40, o popular comediante lutou lado a lado com William “Hopalong Cassidy” Boyd em mais de trinta westerns classe “B” e depois foi o sidekick de outro mocinho, Whip Wilson de 1949 a 1951.

Andy Clyde

A respeito de Leon Errol, alguém fez a seguinte distinção: existem os comediantes, os cômicos, os palhaços e os homens engraçados. O homem engraçado é aquele que consegue ser engraçado em qualquer circunstância. Não precisa de histórias para sustentá-lo como os comediantes; não precisa de piadas, como os cômicos; e não precisa de certos cenários como os palhaços. Ele é engraçado por si mesmo. Errol era um homem engraçado e suas pernas “de borracha”, a sua peça de resistência – principalmente quando interpretava bêbados. Oriundo do Ziegfeld Follies, o careca australiano trabalhou durante dezesseis anos na RKO, onde também atuou na série de média metragem Mexican Spitfire em papel duplo (como o tio Matt e Lord Basil Epping), ao lado de Lupe Velez, que vivia a esquentada Carmelita. O leitor de cabelos grisalhos se recordará de alguns two-reels de Leon Errol como marido Desastrado / Home Work / 1942, Foi Caçar e Saiu Caçado / Dead Deer / 1942 ou Quando os Maridos têm Idéias / Double Up / 1943.

Leon Errol

Impulsionados por Jules White, chefe do Departamento de Curtas-Metragens da Columbia, Os Três Patetas / The Three Stooges levaram muita gente aos cinemas, para ver 190 comédias de dois rolos. E a explicação é simples: seu humor baseava-se na violência e na vulgaridade, coisas que a maior parte do público adora. Moe Howard (o de franjinha) era o membro dominador do trio, sempre dando as ordens e os tapas e recebendo o troco dos colegas Jerry “Curly” Howard, (irmão de Moe na vida real, depois substituído por outro irmão, Sam “Shemp” Howard ) e Larry Fine. Em 1955 Shemp faleceu, Joe Besser entrou em seu lugar e finalmente Besser foi substituído por Joe DeRita.

Antes de trabalhar na Columbia, a trinca fez, com Ted Healy, comédias curtas para a MGM, algumas em cores como Voando em Parafuso / Plane Nuts / 1933, No Olho da Rua / Beer and Pretzels / 1933 e Uma Idéia Genial / The Big Idea / 1934. Na lista de seus melhores pastelões na Columbia, Empapelando o Mundo / You Nazty Spy 1940, Encanadores da Fuzarca / A Plumbing We Will Go / 1940 e Cozinheiros Peritos / An Ache in Every Stake / 1941 têm lugar garantido. Típica propaganda de guerra, Empapelando o Mundo era uma gozação de Hitler e seus capangas com Moe como ditador de Moronica. Um letreiro de apresentação dizia: “Qualquer semelhança entre os personagens deste filme e quaisquer pessoas, vivas ou mortas, é um milagre”.

Os 3 Patetas em Empapelando o Mundo

A série de comédias curtas de Edgar Kennedy, inicialmente intitulada The Average Man, produzida pela RKO de 1931 a 1948, apoiava-se em situações e personagens do dia-a-dia – um casal, o cunhado e a sogra, interpretados pela ordem por Kennedy, Florence Lake William Eugene (depois Jack Rice) e Dot Farley – uma família de loucos. A marca registrada do comediante era o denominado slow burn, que consistia no seguinte: após um ato desastrado, Kennedy esfregava o rosto com as mãos, como se estivesse dizendo para si mesmo: “Não vou deixar que isto me aborreça”. Depois, vinha uma reação retardada ao acontecimento e ele esfregava novamente o rosto com desespêro.

Alguns títulos de comédias de Edgar Kennedy exibidas no Brasil: Relógio do Azar / Clock Wise / 1939, O Pintor saiu Pintado / Feathered Pests / 1939, Louco por Cachaça / Mad About Moonshine / 1941, Feriado Sossegado / A Quiet Fourth / 1941, Cozinheiros e Trapaceiros / Cooks and Crooks / 1942, Com Calma se Arranja Tudo / Hold Your Temper / 1943, O Cacique Fantasma / Índian Signs / 1943, etc. Por curiosidade, há um curta de Kennedy com o mesmo título original de uma comédia dos irmãos Marx, Duck Soup, só que traduzida como Sopa de Pato enquanto o filme dos Marx intitulava-se em português O Diabo a Quatro.

A partir de 1931, Pete Smith, diretor de publicidade da MGM, começou a produzir e narrar shorts para o estúdio. A série de curtas mais famosa, Uma Especialidade Pete Smith / Pete Smith Specialties, composta de 209 filmes e produzida entre 1936 e 1955, continha temas variados, que podiam ser: a história de um cego e seu cão (Verdadeiro Amigo / Friend Indeed / 1938 ou a do negro escravo que se tornou um grande cientista (A História do Dr. Carver / The Story of Dr. Carver / 1938); a historia da maquilagem feminina (Embelezando o Belo / Gilding the Lily / 1937 ou da batata (A História da Batata / Romance of the Potato / 1939); o arqueiro Howard Hill demonstrando sua habilidade (Arco e Flecha / Follow the Arrow / 1938 ou a técnica do boxeador Max Baer (A Arte de Esmurrar / Fisticuffs / 1938; um tributo aos metereologistas (Profetas do Tempo / Weather Wizzards / 1939 ou aos radioamadores (Radioamadores / Radio Hams / 1939); a audácia dos stuntmen (Os Temerários de Hollywood / Hollywood Daredevils / 1943) ou os exercícios físicos dos soldados no Exército (Campeões do Exército / Army Champions / 1941 e na Marinha (Fuzileiros Navais de Tio Sam / Marines in the Making / 1942 e até mesmo o cachorro do Presidente Roosevelt, Fala, o Cachorrinho do Presidente / Fala, the President’s Dog / 1943.

O curta-metragem mais estranho e interessante foi Ferro Velho / Scrap Happy / 1943, contando a história de curiosos pedaços de metal encontrados nas pilhas de ferro velho para a Vitória durante a Segunda Guerra Mundial.

Outra série produzida por Pete Smith, MGM Specials, apresentava três shorts relacionados com a 3ª Dimensão ou “em relêvo”, como se falava naquele tempo: Audioscópios / Audioscopiks /1935, A Nova Audioscopia / New Audioscopiks / 1938 e Assassinato Metroscópico / Third Dimensional Murder / 1941.

Pete Smith, George Sidney e Dave O' Brien

Mais de uma dúzia de shorts de Pete Smith receberam indicações para o Oscar, dos quais dois, Penny Wisdom / 1937 e Prodígios Fotográficos / Quicker’n a Wink / 1940, ganharam a estatueta. Em 1953, Pete Smith foi agraciado com um troféu especial da Academia. A partir de 1942, Dave O’Brien (O Capitão Meia-Noite do seriado da Columbia) tornou-se a atração da série, pondo seus recursos de atleta a serviço do humor visual. O filme mais original com Dave O’ Brien foi Os Cacetes do Cinema / Movie Pests / 1944, revelando os freqüentadores importunos dos cinemas.

Abramos um parêntese para dizer que o Departamento de Curtas-Metragens da MGM foi uma verdadeira escola de aprendizagem cinematográfica para muito diretores talentosos como George Sidney, Fred Zinnemann, David Miller, Jacques Tourneur, Joseph Losey, Jules Dassin, Cyril Endfield, sendo que os curtas também revelaram Leo McCarey, Gordon Douglas, George Stevens, Jean Negulesco e Don Siegel, em outras companhias.

Entre os atores e atrizes que adestraram suas aptidões nos shorts dos vários estúdios estavam, por exemplo: June Allyson, Betty Grable, Lucille Ball, Danny Kaye, Bob Hope, Red Skelton, Sammy Davis Jr., Barry Sullivan, Tony Martin, Dorothy Lamour, Betty Hutton, Dane Clark, John Payne, Nina Foch, Dorothy Malone, Robert Taylor, James Stewart, Judy Garland e Deanna Durbin (cantando juntas em Todos os Domingos / Every Sunday / 1936), etc.

A Marcha do Tempo / The March of Time, série de curtas-metragens realizados por Louis de Rochemont entre os anos 1935 e 1951 sob o patrocínio da revista Time e distribuída pela 20thCentury-Fox, revolucionou o jornalismo cinematográfico, provocando grande impacto. O estilo da série caracterizava-se por uma montagem dinâmica e corajosas reportagens, narradas pela voz ostentória de Westbrook Van Voohris, que foi parodiada por Orson Welles em Cidadão Kane / Citizen Kane / 1941. Primeiramente, cada filme tinha vários segmentos, mas, desde 1938, passou a abordar apenas um tópico, tornando-se valioso repositório dos fatos cotidianos da América do Norte. Em 1936, mereceu um Oscar da Academia.

O êxito de A Marcha do Tempo abriu caminho para outro short no gênero. A RKO lançou Assim é a América / This is América que, tal como a predecessora, procurou enfatizar o aspecto humano de cada matéria. Esta série foi supervisionada por Slavko Vorkapich, o mestre do montage (seqüência de montagem), teve como diretor mais assíduo Larry O’Reilly e deu a primeira oportunidade para Richard Fleischer atuar atrás das câmeras. Fleischer depois fez outra série, Retrorelâmpagos / Flicker Flashbacks, baseada em compilações de filmes mudos.

Poster de A Marcha do Tempo

Louis de Rochemont

Um dos grandes contadores de histórias através dos shorts chamava-se John Nesbitt. Este canadense criou na MGM a série Um Mistério Histórico / Historical Mysteries e depois A Parada da Vida / John Nesbitt’s Passing Parade, que compreendia basicamente três tipos de temas: fatos pouco conhecidos sobre grandes homens, homens que mudaram o mundo e acontecimentos extraordinários. Entre os mistérios históricos encontramos, por exemplo, Nostradamus / Nostradamus / 1938 ou O Enigma de Santa Helena / Man on the Rock / 1939 e na série de 72 Paradas da Vida, assuntos que iam de A História de Alfred Nobel / The Story of Alfred Nobel / 1939 ou Uma Estrada Luminosa / Stairway to Light / 1945 a respeito do Dr.Pinel até O Último Ato / Your Last Act / 1941 sobre os mais estranhos testamentos de todos os tempos ou Tesouro Esquecido / Forgotten Treasure / 1943 e O Filme Perdido / The Film that was Lost / 1942, mostrando o acervo da filmoteca do Museu de Arte Moderna de Nova York e os filmes raros por ela recuperados.

Os dois melhores curtas-metragens sobre a cidade do cinema foram Instantâneos de Hollywood / Screen Snapshots da Columbia e Parada de Hollywood / Hollywood on Parade da Paramount que, entre outras atrações, ofereciam Bing Crosby cantando “Auf Wiedersehn”, um quarteto de música country composto por Barton McLane, Buster Crabbe, Fuzzy Knigth e Randolph Scott e o evento anual da divulgação das Wampas Baby Stars, grupo de estrelinhas promissoras da tela que, em 1932, incluía: Ginger Rogers, Gloria Stuart, Mary Carlisle, Patrícia Ellis, Evalyn Knapp, Lillian Bond e Lona Andre.

Uma série de shorts de alta qualidade O Crime não Compensa ou O Crime Não Paga Dividendos / Crime Does Not Pay, produzida pela MGM entre 1933 e 1947, conquistou dois Oscar e deu chance para atores e diretores aprenderem o seu ofício. A tônica era a denúncia de crimes e desonestidades que afetavam a vida dos cidadãos americanos. A partir dos anos 40, a série voltou-se para a propaganda de guerra, alertando contra os espiões nazistas e a sabotagem. Muitas das histórias foram escritas por um policial aposentado, Karl Kamb, e mereceram o aplauso das autoridades inclusive do próprio chefão do FBI, J. Edgar Hoover. No primeiro filme, Tesouro Enterrado / Buried Loot / 1935, Robert Taylor mostrou que tinha pinta de galã e em Desatinos da Juventude / The Wrong Way / 1938 Gustav Machaty, o tcheco que orientou Hedy Lamarr em Êxtase / Ekstase / 1933, assinou a direção.

Na Warner, além das pioneiras Vitaphone Varieties, nas quais figuravam Hal Le Roy, Mitzi Mayfair, Ruth Etting, Russ Columbo, Jane Froman, Frances Langford, etc, havia os shorts que trouxeram de volta às telas Roscoe “Fatty” Arbuckle e os que promoviam as big bands de Artie Shaw, Eddie Duchin, Hal Kemp, Woody Herman, Vincent Lopes, Freddy Martin, etc. Mas isso não foi tudo.

O estúdio permitiu que o montador Don Siegel evidenciasse suas qualidades como diretor em Uma Estrela Luminosa / Star in the Night, parábola moderna sobre o Cristo e Hitler Vive! / Hitler Lives!, ambos premiados com o Oscar em 1945. A Warner produziu ainda uma série patriótica, filmada em cores, cujos três expoentes máximos – Sons of Liberty / 1939 (Dir: Michael Curtiz) com Claude Rains e Gale Sondergaad, Give me Liberty / 1936 (Dir: B. Reeves Eason) com Robert Warwick como George Washington e Declaration of Independence / 1938 (Dir: Crane Wilbur) com John Litel como Thomas Jefferson – também arrebataram o premio da Academia.

Muitas outras séries de curtas-metragens desfilaram nos cinemas nos anos 30 / 40 como, por exemplo: Viagens de Fitzpatrick / Fitzpatrick’s Traveltalks (cognominada em nosso país de “A Voz do Globo”) e que sempre terminava com a frase: “E agora dizemos adeus a …” e aí vinha o nome do lugar; O Romance do Celulóide / Romance of Celluloid; Ainda que Pareça Incrível / Stranger than Fiction; Ao Redor do Mundo / Going Places; Cinemaluco / Goofy Movies; Ocupações Inusitadas / Unusual Ocupations; Aventuras do Operador Cinematográfico / Adventures of the Newsreel Cameramen; Parada dos Esportes / Grantland Rice Sportlights; Cinescope / Cinescope; Ciência Popular / Popular Science; Washington em Desfile / Washington on Parade; O Mundo Canta / Community Sing; Parece Incrível / Believe it or Not; Tapete Mágico / Lowell Thomas Magic Carpet of Movietone; No Mundo dos Esportes / World of Sports; Uma Miniatura Carey Wilson / Carey Wilson Miniatures; Clube de Máscaras / Masquers Club; Comédias All Star / All Star Comedies; Tolos que Passaram à Posteridade / Fools who Made History; Hugh Herbert / Hugh Herbert; Robert Benchley / Robert Benchley, esta com um filme vencedor do Oscar, Arte de Dormir / How to Sleep / 1935 e outro apenas indicado, Noite no Cinema / A Night at the Movies / 1937, etc.

É impressionante a quantidade de curtas-metragens trazidos para o Brasil pelas distribuidoras norte-americanas, no período que estamos abordando. Isto sem falar nos desenhos animados e na centena de shorts de propaganda de guerra, que chegaram aquí por intermédio do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs, escritório criado em agosto de 1940 pelo governo americano, para promover as relações entre os Estados Unidos e a América Latina.

Existe ainda muita investigação a ser feita neste campo tão vasto de atividade filmíca, prato cheio para aqueles que gostam de examinar a História do Cinema com lentes de microscópio.