Embora Vincente Minnelli tivesse se expressado maravilhosamente no filme musical, onde a sua cultura, refinamento, predileção pela fantasia e pela estilização pictórica encontraram um terreno propício, ele também demonstrou aptidão excepcional para a comédia e o drama, deixando em cada obra a marca de um estilo incomparável.
A vida profissional de Minnelli foi sempre contratualmente ligada ao estúdio Metro-Goldwyn-Mayer onde, durante vinte e seis anos, todos, menos três de seus filmes, foram produzidos.
Antes de chegar a Hollywood em 1940 com a idade de 37 anos, Minnelli havia sido um diretor de teatro e cenógrafo bem sucedido na Broadway, especializado em comédias musicais e revistas. Seu relacionamento prévio com a indústria cinematográfica fôra apenas uma estadia de seis meses na Paramount três anos atrás.
Reconhecendo sua relativa inexperiência, a MGM impôs a Minnelli um período de aprendizado, durante o qual ele forneceu idéias para dois musicais de Busby Berkeley, o da orquestra de frutas no número “Our Love Affair” em O Rei da Alegria / Strike Up the Band / 1940 e o das imitações de Mickey Rooney e Judy Garland no número “Ghost Theatre” em Calouros da Broadway / Babes on Broadway / 1941.
Em seguida, convocado por Arthur Freed para ajudar a “salvar” Lourinha do Panamá / Panama Hattie / 1942 com Ann Sothern, cuja pré-estréia não agradara, Minnelli dirigiu os novos números, alguns com Lena Horne, enquanto Roy Del Ruth substituia Norman McLeod nas seqüências restantes.
Satisfeito com a colaboração de Minnelli, Freed encarregou-o (tendo Andrew Marton como consultor técnico a seu lado) da direção de um filme que representava um risco financeiro e criativo considerável: Uma Cabana no Céu / Cabin in the Sky / 1943, musical que havia sido um fracasso comercial no palco.
Tratava-se de uma fantasia musical folclórica em sépia, engendrando uma parábola sobre o Bem e o Mal e intrepretada por um elenco de artistas negros, tendo à frente Ethel Waters, Eddie “Rochester” Anderson, Rex Ingram, Lena Horne, Louis Armstrong, Duke Ellington, Butterfly McQueen, Kenneth Spencer e o coro de Hall Johnson.
O instinto fílmico do diretor e sua tendência pelo surrealismo e pelo onírico se manifestam desde a estréia, sendo surpreendente a mobilidade da câmera, inspirada, segundo ele declarou aos repórteres, nos filmes de Max Ophuls.
Assim começou a carreira cinematográfica de Vincente Minnelli, um grande diretor que desejo homenagear. Minnelli fez ao todo 34 filmes, se incluirmos na sua filmografia o episódio feérico “Mademoiselle” de A História de Três Amores / The Story of Three Lovers / 1952. Vou lembrar apenas 12 filmes dele, que são os meus preferidos; mas vocês têm todo o direito de discordar da minha escolha, mesmo porque Minnelli fez outros filmes apreciáveis como, por exemplo, O Ponteiro da Saudade / The Clock / 1945, Chá e Simpatia / Tea and Simpathy / 1956 ou Teu Nome é Mulher / Designing Woman / 1957.
O primeiro filme de Minnelli que quero destacar é Agora Seremos Felizes / Meet me in St. Louis / 1944, crônica nostálgica de uma família americana de classe média na cidade de St. Louis (Missouri) no começo do século, pouco antes da abertura da Feira Mundial, que ali seria realizada.
Esther Smith (Judy Garland) e suas irmãs Rose (Lucille Bremer), Tootie (Margaret O’Brien) e Agnes (Joan Carroll) e o irmão Lon Smith, Jr. (Henry Daniels, Jr.) vivem felizes junto da mãe (Mary Astor) e do pai (Leon Ames), quando este anuncia que vai ser transferido para um novo cargo em Nova York. Desespêro geral, pois cada um dos filhos tem um motivo para não querer sair da cidade. Porém o amor pelos seus entes queridos e pelo seu lar, faz o chefe da família mudar de idéia para felicidade de todos.
A história, baseada nas memórias de Sally Benson, uma escritora que crescera em St. Louis naquela época é narrada em tom de musical romântico, desenrolando-se em cenários finamente decorados, fotografados esplendidamente em technicolor por George Folsey. As canções entrosam-se na trama de maneira natural e pioneira e o elenco personifica a família Smith com muita sensibilidade.
Ainda hoje o filme comove as platéias por causa de seus temas simples de família e lar, pelo calor humano e por sua mensagem básica: a de que não há lugar melhor no mundo do que a nossa casa.
Particularmente memorável é a canção “Have Yourself a Merry Little Christmas”, interpretada magnificamente por Judy, que certamente teve um significado especial para os soldados e seus familiares na frente doméstica durante a Segunda Guerra Mundial, quando o filme foi feito.
A seqüência do Halloween foi a primeira deste tipo que Minnelli criou. Daí em diante quase não existe um filme dele que não tenha um sonho ou uma fantasia. Era a maneira do cineasta revelar o subconsciente de um personagem.
Farsa exuberante sobre as convenções da opereta e dos filmes de capa-e-espada, O Pirata / The Pirate / 1948 transcorre numa América Central do século XIX, bizarra e barroca.
O enredo diz respeito à jovem Manuela (Judy Garland), filha de uma família aristocrática que havia sido prometida em casamento ao prefeito da cidade, Don Pedro Vargas (Walter Slezak em deliciosa atuação) bem mais velho do que ela, feio e gorducho. Para esquecer sua desventura, Manuela sonha com um pirata aventureiro, o legendário Macoco (Gene Kelly), também conhecido como “Mack the Black”. Um ator itinerante cheio de energia, Serafin (Gene Kelly), apaixona-se por Manuela, mas ela está fascinada pela imagem do pirata. Para conquistar Manuela, o ator faz-se passar por Macoco, envolvendo-se em encrencas, até que o verdadeiro Macoco é desmascarado.
Judy Garland interpreta belas músicas de Cole Porter, mas o melhor número é “The Pirate Ballet” com Gene Kelly numa paródia de Douglas Fairbanks e John Barrymore em sensacional coreografia acrobática, fotografada por Harry Stradling no technicolor agressivo, deliberadamente escolhido para o filme.
Kelly se apresenta também em plena forma num número de dança incrível ao lado dos Nicholas Brothers e noutro, acompanhado por belas dançarinas com vestidos de cores ousadas, cantando uma música muito agradável intitulada “Nina”, sem falar no clássico “Be a Clown”.
A primeira atriz escolhida para interpretar a personagem de Flaubert em A Sedutora Madame Bovary / Madame Bovary / 1949 foi Lana Turner, porém o Código de Auto-Censura achou-a “demasiado sexy”. Minnelli sugeriu então Jennifer Jones e, com ela, expressou, à maneira de Hollywood naturalmente, a alma sonhadora da heroína e os falsos valores da burguesia.
Contracenando com Jennifer estavam Van Heflin (Charles Bovary), Louis Jourdan (Rodolphe), Christopher Kent (Léon) e Gene Lockhart (J. Homais) enquanto James Mason encarnava Flaubert, servindo como narrador da intriga.
Particularmente brilhante é a seqüência do baile sob o som da valsa “neurótica” de Miklos Rozsa com Emma excitada rodopiando pelo salão e o espelho projetando o seu poder de sedução e as aspirações românticas.
Jennifer Jones tem um desempenho soberbo como Emma Bovary, comunicando perfeitamente o tédio e o temperamento sonhador da personagem e o seu desejo insaciável de satisfazer as suas fantasias, que a levam à degradação moral e ao suicídio.
Pandro S. Berman, o produtor de A Sedutora Madame Bovary, propôs outro filme a Minnelli – desta vez uma comédia, O Papai da Noiva / Father of the Bride / 1950 com um roteiro espirituoso da dupla Francis Goodrich / Albert Hackett, a mesma de O Pirata.
Dore Schary, Vice-Presidente da MGM encarregado da produção, havia prometido a Jack Benny o papel do pai de Elizabeth Taylor, mas Berman dissuadiu-o da idéia. Spencer Tracy ocupou o lugar de Benny e teve uma atuação muito engraçada como o chefe de família burguês às voltas com os preparativos do casamento da filha.
Com uma interpretação minimalista, Tracy, nos faz acreditar que é aquele homem exasperado, que está perdendo sua filha e ainda tendo que pagar por isso no desenrolar inexorável das peripécias. A certa altura, seu personagem, o advogado Stanley T. Banks, desabafa lamentosamente: “O que as pessoas vão dizer quando eu estiver na sarjeta porque tentei realizar um casamento como um imperador romano?” O pesadelo expressionista de Banks concretiza e exacerba as frustações e as angústias do personagem.
Minnelli terminou o filme em 28 dias e imediatamente se debruçou sobre os preparativos de Sinfonia de Paris / An American in Paris / 1951, bela homenagem à tradição artística da Cidade-Luz, culminando com o melhor balé cinematográfico de todos os tempos.
São 17 minutos e dez segundos, inspirados sucessivamente nos estilos de Dufy, Utrillo, Rousseau, Renoir, Van Gogh e Toulouse Lautrec e na eletrizante partitura de George Gershwin, concebidos conjuntamente por Minnelli, Gene Kelly (coreografia com a preciosa assistência de Carol Haney e Jeanne Coyne), Preston Ames (direção de arte sob supervisão de Cedric Gibbons e assistência de Irene Sharaff para os figurinos) e John Alton (fotografia). Irene Sharaff e John Alton foram especialmente contratados para o balé.
Minnelli declarou numa entrevista: “A única ressalva que fiz durante as filmagens foi com relação ao trabalho do cinegrafista. Não tinha noção de clima. Por isso pedí que convocassem John Alton para fotografar o balé. Sabia que ele iria cuidar das mudanças de iluminação com a audácia – e a loucura – necessárias”.
O resto do filme é mais convencional com Gene Kelly namorando Leslie Caron (cogitadas, antes, Vera Ellen, Cyd Charisse, Sally Forest, Odile Versois), noiva de seu amigo (Georges Guetary).
O espetáculo ganhou seis Oscar: Melhor Filme, Roteiro Original (Alan Jay Lerner), Fotografia em Cores (Alfred Gilks, John Alton), Direção Musical (Johnny Green, Saul Chaplin), Direção de Arte em cores (Cedric Gibbons, Preston Ames; decoração de interiores: Edwin B. Willis, Keogh Gleason), Figurinos em cores (Orry-Kelly, Walter Plunkett, Irene Sharaff) além de uma estatueta especial para Gene Kelly e o Irving Thalberg Memorial Award para Arthur Freed.
Retrato amargo e autêntico sobre Hollywood e ao mesmo tempo reflexão sobre a criação artística, Assim estava Escrito / The Bad and the Beautiful / 1952 examina, em chave melodramática, a personalidade de um produtor inescrupuloso e inspirado, Jonathan Shields (Kirk Douglas), que trai os colaboradores mais íntimos, a fim de conseguir os seus objetivos.
Os três colaboradores, o diretor Fred Amiel (Barry Sullivan), a estrela Georgia Lorrison (Lana Turner) e o roteirista James Lee Bartlow (Dick Powell) são chamados pelo Chefe de Estúdio Harry Pebbels (Walter Pidgeon) para discutir a possibilidade deles voltarem a participar de um filme de Shields, com quem juraram jamais trabalhar novamente.
A historia é contada em retrospecto e cada qual relembra seu relacionamento com Shields e como foram eventualmente traídos por ele. Mas a ironia, como diz Pebbels, é que, apesar de tudo, eles obtiveram sucesso profissional graças a Shields. A questão levantada pelo filme é a seguinte: será possível perdoar uma conduta tão desrespeitosa como a de Shields? O sucesso de uma carreira é mais importante do que a amizade?
Com uma mise-en-scène irrepreensível, demonstrando conhecimento do tema e apresentando um sortimento de deslizantes movimentos de grua e travellings, admirável fotografia em preto e branco de Robert Surtees, inspirada partitura de David Raksin e os densos desempenhos do elenco principal (do qual fazem parte ainda Gloria Grahame e Gilbert Roland), o filme ocupa um lugar proeminente na filmografia Minnelliana, recebendo cinco Oscar da Academia: Melhor Roteiro Original (Charles Schnee), Fotografia em preto e branco (Robert Surtees), Atriz Coadjuvante (Gloria Grahame), Direção de Arte em preto e branco (Cedric Gibbons, Edward Carfagno; decoração de interiores: Edwin B. Willis, Keogh Gleason) e Figurinos em preto e branco (Helen Rose).
A Roda da Fortuna / The Band Wagon / 1953 é um musical de bastidores sofisticado, contendo uma sátira aos meios teatrais e à rivalidade entre o showbusiness e o teatro culto.
Tony Hunter (Fred Astaire), ex-astro de Hollywood, cuja carreira está em declínio, tenta recuperar seu prestígio na Broadway, numa adaptação do “Fausto”, sob a direção de um intelectual extravagante, Jeffrey Cordova (Jack Buchanan). A consequência de sua decisão é desastrosa; porém Hunter, inconformado, resolve remontar a comédia musical de acordo com as suas idéias, ajudado pelos mesmos colaboradores do espetáculo fracassado: Cordova, os autores Lester e Lily Marton (Oscar Levant, Nannette Fabray) e a dançarina clássica Gabrielle (Cyd Charisse).
Na medida em que o filme se desenrola, Tony passa de “perdedor” alienado a líder de um círculo de colegas, descobrindo assim o seu amor por Gabrielle. Ele dá ao “show-dentro-do show” a energia e o foco de que precisava para se tornar um grande sucesso e, graças à admiração de seus companheiros, restaura sua auto-estima.
O maior destaque é o balé “The Girl Hunt” dançado por Fred Astaire e Cyd Charisse e coreografado por Michael Kidd, parodiando o romance policial americano como uma homenagem a Mickey Spillane. Porém há outros números magníficos como “Dancing in the Dark” (“dois corpos que se descobrem pela magia da coreografia” – Jean Tulard) e “Shine on Your Shoes” (com a participação preciosa do dançarino negro Le Roy Daniels).
. Inspirando-se na biografia romanceada de Irving Stone, usando dois fotógrafos notáveis (Freddie Young, Russel Harlan), a música de Miklos Rozsa e a semelhança física de Kirk Douglas e Anthony Quinn com Van Gogh e Paul Gauguin, Minnelli conseguiu fazer de Sede de Viver / Lust for Life / 1956, um filme digno do grande pintor holandês.
O filme segue a trajetória de Van Gogh em suas diversas fases no Borinage, em Arles e em Anvers-sur-Oise e as pinturas vão surgindo naturalmente das paisagens e da construção dramática de certos episódios de sua vida, refletindo sua alma atormentada, a obsessão pelas luzes e pelas cores, o desequilíbrio mental, enfim o gênio de um artista trágico.
Kirk Douglas nunca penetrou tão profundamente na criação de um personagem como este: ele conseguiu captar a paixão frenética com a qual Van Gogh pintava e transmitir perfeitamente a agonia pessoal do grande pintor. Anthony Quinn emprestou todo o seu vigor ao tipo original e curioso que era Gauguin, arrebatando o Oscar de Melhor Coadjuvante.
Em 1958 veio a consagração máxima para Minnelli com o Oscar de Melhor Direção por Gigi / Gigi, comédia musical apoiada no estudo de costumes da escritora francêsa Colette.
Explorando magnificamente o universo da Belle Époque, Minnelli forjou, com a colaboração homogênea dos técnicos e dos intérpretes um espetáculo de encantamento visual, de preciosismo estético mesmo, que sintetiza perfeitamente o estilo do cineasta.
O romance de Colette é sobre uma adolescente, Gigi (Leslie Caron, após ter sido cogitada Audey Hepburn) treinada por uma tia (Isabel Jeans) e uma avó (Hermione Gingold) para ser uma grande cortesã. Gaston Lachaille (Louis Jourdan), rico, bonitão e entediado amigo da família que sempre tratara Gigi como uma irmãzinha mais nova, percebe de repente que ela cresceu e passou a despertar seu interesse como mulher. Maurice Chevalier interpreta o papel de Honoré, o tio de Gaston e é ao mesmo tempo o narrador da história.
O filme apresenta belas canções ressaltando-se “I Remember it Well”, interpretada por Chevalier e Hermione Gingold, quando os respectivos personagens recordam, sob um crepúsculo romântico, o seu antigo romance.
A Academia concedeu ainda os Oscar para Melhor Filme, Roteiro Adaptado (Alan Jay Lerner), Fotografia em cores (Joseph Ruttenberg), Direção de Arte (William A. Horning.
Preston Ames; decoração de interiores Henry Grace e Keogh Gleason), Figurinos (Cecil Beaton), Partitura de Musical (Frederick Lowe; direção musical de André Previn), Canção (Frederick Lowe com letras de A.J. Lerner), Montagem (Adrienne Fazan) além de um prêmio especial para Maurice Chevalier.
Numa declaração à imprensa a respeito do filme, Minnelli assim se manifestou: “Alan Jay Lerner tinha a maravilhosa qualidade de adaptar o trabalho de outras pessoas para um novo meio de expressão, conseguindo sempre manter o espírito da obra original. Agora estava assumindo a personalidade de Colette e não tive dúvida de que seria capaz de captar com perfeição o cinismo aborrecido da alta classe parisiense. Principalmente quando me mostrou o tratamento que dera a uma passagem do livro sobre os boatos acerca do suicídio frustrado de Liane (Eva Gabor) a cortesã, amante de Gaston antes do seu envolvimento com Gigi. Alan condensou todo o longo texto dialogado numa só frase maliciosa, de um personagem descrevendo como ela havia tentado acabar com a vida:“Oh, da maneira usual … veneno insuficiente”.
Deus Sabe Quanto Amei / Some Came Running / 1958, baseado no livro de James Jones (o autor de “From Here to Eternity”), é um melodrama estilizado que faz uma crítica da América do pós-guerra. É um retrato melancólico do cotidiano numa pequena cidade do meio oeste americano, enfocando o antagonismo entre a burguesia conservadora, hipócrita e intolerante e os marginais da sociedade.
Frank Sinatra encarna Dave Hirsch, escritor cínico e desiludido veterano da Segunda Guerra Mundial, que retorna malgré lui à sua terra natal, Parkham, Illinois. Ele transita por ambos os lados da linha divisória de respeitabilidade da cidade, relacionando-se com a família da alta-roda de seu irmão (Arthur Kennedy) e uma professora sexualmente reprimida, (Martha Hyer) e ao mesmo tempo com uma prostituta (Shirley MacLaine) e um jogador profissional (Dean Martin). Neste percurso entre dois mundos opostos e após um incidente trágico, Dave aprende o sentido da vida.
Minnelli usa admiravelmente a tela larga para revelar nas suas composições tanta informação sobre as relações entre os personagens quanto os diálogos e emprega a cor com sutileza durante todo o filme. Apenas na seqüência paroxística – quando a cidade é transformada em um verdadeiro parque de diversões fantasmagórico – as cores têm um rompante alucinatório, bem sublinhado pela música nervosa de Elmer Bernstein.
O filme deu a Shirley MacLaine um de seus melhores papéis. Na biografia, “Dance While You Can”, Shirley contou que o responsável por seu sucesso foi Frank Sinatra: “Sinatra disse para Minnelli e o chefe do estúdio: ‘Deixa a garota ser morta no final. Se ela morrer, ganhará mais simpatia e certamente será indicada para o Oscar’. Sinatra estava certo”.
A saga do Capitão Wade Hunnicut (Robert Mitchum), o patriarca texano todo-poderoso de Herança da Carne / Home from the Hill / 1960, que se vê atraído por um filho adulterino não reconhecido (George Peppard) após anos de desavenças com a mulher (Eleanor Parker) e o filho legítimo (George Hamilton), proporcionou a Minnelli nova oportunidade de demonstrar sua capacidade para lidar com o gênero melodrama, dando-lhe um esplendor pictórico em CinemaScope.
Um dos pontos altos do espetáculo é a caçada do javali selvagem, durante a qual o filho legítimo tenta provar que é tão varonil quanto o pai. A caçada foi filmada em duas locações distintas: nos pântanos sulfurosos fora de Paris e em Clarksville, no Texas.
O pequeno gabinete de Wade – cheio de troféus de caça, rifles na parede, poltronas de couro e três cães de caça deitados aos pés de seu dono no tapete de pele de urso – exprime muito bem o caráter do personagem. admiravelmente interpretado por Robert Mitchum..
Quando o filho legítimo confronta Wade a respeito do irmão e grita para ele:” Eu não quero nada de você” , a expressão facial de Mitchum diz tudo: o vazio de sua existência, a perda do amor, a perdição.
Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse / 1961, suntuosa adaptação atualizada do célebre romance de Vincente Blasco Ibáñez, é a história de uma família de origem argentina, dividida entre o ramo alemão, nazista, e o ramo francês durante a Segunda Guerra Mundial.
O casal Desnoyers (Charles Boyer, Harriet McGibbon) tem dois filhos, Julio (Glenn Ford) e Chi-Chi (Yvette Mimieux) e o casal Von Hartrott (Paul Lukas, Kathryn Givney) tem três: Heinrich (Karl Boehm), Franz (Richard Franchot) e Gustav (Brian Avery). Todos são descendentes do latifundiário argentino Julio Madariaga (Lee J. Cobb). Após uma discussão violenta com seu filho e netos alemães, Madariaga evoca Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte) e morre de uma crise cardíaca. O outro neto de Madariaga, Julio, é um playboy que só quer saber de festas e não tem o menor interesse pelo que está acontecendo na Europa. Porém ele se apaixona por Marguerite Laurier (Ingrid Thulin dublada por Angela Lansbury), esposa de um líder da Resistência, Etienne Laurier (Paul Henreid) e muda de atitude, engajando-se na luta contra os opressores.
A predileção de Minnelli pela forma se manifesta de maneira exuberante. Auxiliado pela esplêndida fotografia de Milton Krasner, ele inunda de beleza cada cena e insere com inteligência seqüências de montagem da guerra enquanto que a trilha musical de André Previn dá intensidade às cenas que mostram Os Quatro Cavaleiros e reforça o romance de Julio e Marguerite com um lindo tema de amor, tornando o melodrama absorvente.
Neste filme, bem como em toda a sua obra, sobressai o requinte de imagens de Minnelli, o artista que se convenceu, tal como Flaubert, de que o objetivo mais alto da Arte é fazer sonhar.