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VINCENTE MINNELLI, O CINEASTA DA BELEZA

Embora Vincente Minnelli tivesse se expressado maravilhosamente no filme musical, onde a sua cultura, refinamento, predileção pela fantasia e pela estilização pictórica encontraram um terreno propício, ele também demonstrou aptidão excepcional para a comédia e o drama, deixando em cada obra a marca de um estilo incomparável.

A vida profissional de Minnelli foi sempre contratualmente ligada ao estúdio Metro-Goldwyn-Mayer onde, durante vinte e seis anos, todos, menos três de seus filmes, foram produzidos.

Vincente Minnelli

Antes de chegar a Hollywood em 1940 com a idade de 37 anos, Minnelli havia sido um diretor de teatro e cenógrafo bem sucedido na Broadway, especializado em comédias musicais e revistas. Seu relacionamento prévio com a indústria cinematográfica fôra apenas uma estadia de seis meses na Paramount três anos atrás.

Reconhecendo sua relativa inexperiência, a MGM impôs a Minnelli um período de aprendizado, durante o qual ele forneceu idéias para dois musicais de Busby Berkeley, o da orquestra de frutas no número “Our Love Affair” em O Rei da Alegria / Strike Up the Band / 1940 e o das imitações de Mickey Rooney e Judy Garland no número “Ghost Theatre” em Calouros da Broadway / Babes on Broadway / 1941.

Em seguida, convocado por Arthur Freed para ajudar a “salvar” Lourinha do Panamá / Panama Hattie / 1942 com Ann Sothern, cuja pré-estréia não agradara, Minnelli dirigiu os novos números, alguns com Lena Horne, enquanto Roy Del Ruth substituia Norman McLeod nas seqüências restantes.

Agora seremos Felizes

Satisfeito com a colaboração de Minnelli, Freed encarregou-o (tendo Andrew Marton como consultor técnico a seu lado) da direção de um filme que representava um risco financeiro e criativo considerável: Uma Cabana no Céu / Cabin in the Sky / 1943, musical que havia sido um fracasso comercial no palco.

Tratava-se de uma fantasia musical folclórica em sépia, engendrando uma parábola sobre o Bem e o Mal e intrepretada por um elenco de artistas negros, tendo à frente Ethel Waters, Eddie “Rochester” Anderson, Rex Ingram, Lena Horne, Louis Armstrong, Duke Ellington, Butterfly McQueen, Kenneth Spencer e o coro de Hall Johnson.

O instinto fílmico do diretor e sua tendência pelo surrealismo e pelo onírico se manifestam desde a estréia, sendo surpreendente a mobilidade da câmera, inspirada, segundo ele declarou aos repórteres, nos filmes de Max Ophuls.

Assim começou a carreira cinematográfica de Vincente Minnelli, um grande diretor que desejo homenagear. Minnelli fez ao todo 34 filmes, se incluirmos na sua filmografia o episódio feérico “Mademoiselle” de A História de Três Amores / The Story of Three Lovers / 1952. Vou lembrar apenas 12 filmes dele, que são os meus preferidos; mas vocês têm todo o direito de discordar da minha escolha, mesmo porque Minnelli fez outros filmes apreciáveis como, por exemplo, O Ponteiro da Saudade / The Clock / 1945,  Chá e Simpatia / Tea and Simpathy / 1956 ou Teu Nome é Mulher / Designing Woman / 1957.

O primeiro filme de Minnelli que quero destacar é Agora Seremos Felizes / Meet me in St. Louis / 1944, crônica nostálgica de uma família americana de classe média na cidade de St. Louis (Missouri) no começo do século, pouco antes da abertura da Feira Mundial, que ali seria realizada.

A Sedutora Madame Bovary

Esther Smith (Judy Garland) e suas irmãs Rose (Lucille Bremer), Tootie (Margaret O’Brien) e Agnes (Joan Carroll) e o irmão Lon Smith, Jr. (Henry Daniels, Jr.) vivem felizes junto da mãe (Mary Astor) e do pai (Leon Ames), quando este anuncia que vai ser transferido para um novo cargo em Nova York. Desespêro geral, pois cada um dos filhos tem um motivo para não querer sair da cidade. Porém o amor pelos seus entes queridos e pelo seu lar, faz o chefe da família mudar de idéia para felicidade de todos.

A história, baseada nas memórias de Sally Benson, uma escritora que crescera em St. Louis naquela época é narrada em tom de musical romântico, desenrolando-se em cenários finamente decorados, fotografados esplendidamente em technicolor por George Folsey. As canções entrosam-se na trama de maneira natural e pioneira e o elenco personifica a família Smith com muita sensibilidade.

O Papai da Noiva

Ainda hoje o filme comove as platéias por causa de seus temas simples de família e lar, pelo calor humano e por sua mensagem básica: a de que não há lugar melhor no mundo do que a nossa casa.

Particularmente memorável é a canção “Have Yourself a Merry Little Christmas”, interpretada magnificamente por Judy, que certamente teve um significado especial para os soldados e seus familiares na frente doméstica durante a Segunda Guerra Mundial, quando o filme foi feito.

A seqüência do Halloween foi a primeira deste tipo que Minnelli criou. Daí em diante quase não existe um filme dele que não tenha um sonho ou uma fantasia. Era a maneira do cineasta revelar o subconsciente de um personagem.

O Pirata

Farsa exuberante sobre as convenções da opereta e dos filmes de capa-e-espada, O Pirata / The Pirate / 1948 transcorre numa América Central do século XIX, bizarra e barroca.

O enredo diz respeito à jovem Manuela (Judy Garland), filha de uma família aristocrática que havia sido prometida em casamento ao prefeito da cidade, Don Pedro Vargas (Walter Slezak em deliciosa atuação) bem mais velho do que ela, feio e gorducho. Para esquecer sua desventura, Manuela sonha com um pirata aventureiro, o legendário Macoco (Gene Kelly), também conhecido como “Mack the Black”. Um ator itinerante cheio de energia, Serafin (Gene Kelly), apaixona-se por Manuela, mas ela está fascinada pela imagem do pirata. Para conquistar Manuela, o ator faz-se passar por Macoco, envolvendo-se em encrencas, até que o verdadeiro Macoco é desmascarado.

Sinfonia de Paris

Judy Garland interpreta belas músicas de Cole Porter, mas o melhor número é “The Pirate Ballet” com Gene Kelly numa paródia de Douglas Fairbanks e John Barrymore em sensacional coreografia acrobática, fotografada por Harry Stradling no technicolor agressivo, deliberadamente escolhido para o filme.

Kelly se apresenta também em plena forma num número de dança incrível ao lado dos Nicholas Brothers e noutro, acompanhado por belas dançarinas com vestidos de cores ousadas, cantando uma música muito agradável intitulada “Nina”, sem falar no clássico “Be a Clown”.

A primeira atriz escolhida para interpretar a personagem de Flaubert em A Sedutora Madame Bovary / Madame Bovary / 1949 foi Lana Turner, porém o Código de Auto-Censura achou-a “demasiado sexy”. Minnelli sugeriu então Jennifer Jones e, com ela, expressou, à maneira de Hollywood naturalmente, a alma sonhadora da heroína e os falsos valores da burguesia.

Contracenando com Jennifer estavam Van Heflin (Charles Bovary), Louis Jourdan (Rodolphe), Christopher Kent (Léon) e Gene Lockhart (J. Homais) enquanto James Mason encarnava Flaubert, servindo como narrador da intriga.

Particularmente brilhante é a seqüência do baile sob o som da valsa “neurótica” de Miklos Rozsa com Emma excitada rodopiando pelo salão e o espelho projetando o seu poder de sedução e as aspirações românticas.

Jennifer Jones tem um desempenho soberbo como Emma Bovary, comunicando perfeitamente o tédio e o temperamento sonhador da personagem e o seu desejo insaciável de satisfazer as suas fantasias, que a levam à degradação moral e ao suicídio.

Assim estava Escrito

Pandro S. Berman, o produtor de A Sedutora Madame Bovary, propôs outro filme a Minnelli – desta vez uma comédia, O Papai da Noiva / Father of the Bride / 1950 com um roteiro espirituoso da dupla Francis Goodrich / Albert Hackett, a mesma de O Pirata.

Dore Schary, Vice-Presidente da MGM encarregado da produção, havia prometido a Jack Benny o papel do pai de Elizabeth Taylor, mas Berman dissuadiu-o da idéia. Spencer Tracy ocupou o lugar de Benny e teve uma atuação muito engraçada como o chefe de família burguês às voltas com os preparativos do casamento da filha.

Com uma interpretação minimalista, Tracy, nos faz acreditar que é aquele homem exasperado, que está perdendo sua filha e ainda tendo que pagar por isso no desenrolar inexorável das peripécias. A certa altura, seu personagem, o advogado Stanley T. Banks, desabafa lamentosamente: “O que as pessoas vão dizer quando eu estiver na sarjeta porque tentei realizar um casamento como um imperador romano?” O pesadelo expressionista de Banks concretiza e exacerba as frustações e as angústias do personagem.

Minnelli terminou o filme em 28 dias e imediatamente se debruçou sobre os preparativos de Sinfonia de Paris / An American in Paris / 1951, bela homenagem à tradição artística da Cidade-Luz, culminando com o melhor balé cinematográfico de todos os tempos.

A Roda da Fortuna

São 17 minutos e dez segundos, inspirados sucessivamente nos estilos de Dufy, Utrillo, Rousseau, Renoir, Van Gogh e Toulouse Lautrec e na eletrizante partitura de George Gershwin, concebidos conjuntamente por Minnelli, Gene Kelly (coreografia com a preciosa assistência de Carol Haney e Jeanne Coyne), Preston Ames (direção de arte sob supervisão de Cedric Gibbons e assistência de Irene Sharaff para os figurinos) e John Alton (fotografia). Irene Sharaff e John Alton foram especialmente contratados para o balé.

Minnelli declarou numa entrevista: “A única ressalva que fiz durante as filmagens foi com relação ao trabalho do cinegrafista. Não tinha noção de clima. Por isso pedí que convocassem John Alton para fotografar o balé. Sabia que ele iria cuidar das mudanças de iluminação com a audácia – e a loucura – necessárias”.

O resto do filme é mais convencional com Gene Kelly namorando Leslie Caron (cogitadas, antes, Vera Ellen, Cyd Charisse, Sally Forest, Odile Versois), noiva de seu amigo (Georges Guetary).

O espetáculo ganhou seis Oscar: Melhor Filme, Roteiro Original (Alan Jay Lerner), Fotografia em Cores (Alfred Gilks, John Alton), Direção Musical (Johnny Green, Saul Chaplin), Direção de Arte em cores (Cedric Gibbons, Preston Ames; decoração de interiores: Edwin B. Willis, Keogh Gleason), Figurinos em cores (Orry-Kelly, Walter Plunkett, Irene Sharaff) além de uma estatueta especial para Gene Kelly e o Irving Thalberg Memorial Award para Arthur Freed.

Retrato amargo e autêntico sobre Hollywood e ao mesmo tempo reflexão sobre a criação artística, Assim estava Escrito / The Bad and the Beautiful / 1952 examina, em chave melodramática, a personalidade de um produtor inescrupuloso e inspirado, Jonathan Shields (Kirk Douglas), que trai os colaboradores mais íntimos, a fim de conseguir os seus objetivos.

Sêde de Viver

Os três colaboradores, o diretor Fred Amiel (Barry Sullivan), a estrela Georgia Lorrison (Lana Turner) e o roteirista James Lee Bartlow (Dick Powell) são chamados pelo Chefe de Estúdio Harry Pebbels (Walter Pidgeon) para discutir a possibilidade deles voltarem a participar de um filme de Shields, com quem juraram jamais trabalhar novamente.

A historia é contada em retrospecto e cada qual relembra seu relacionamento com Shields e como foram eventualmente traídos por ele. Mas a ironia, como diz Pebbels, é que, apesar de tudo, eles obtiveram sucesso profissional graças a Shields. A questão levantada pelo filme é a seguinte: será possível perdoar uma conduta tão desrespeitosa como a de Shields? O sucesso de uma carreira é mais importante do que a amizade?

Com uma mise-en-scène irrepreensível, demonstrando conhecimento do tema e apresentando um sortimento de deslizantes movimentos de grua e travellings, admirável fotografia em preto e branco de Robert Surtees, inspirada partitura de David Raksin e os densos desempenhos do elenco principal (do qual fazem parte ainda Gloria Grahame e Gilbert Roland), o filme ocupa um lugar proeminente na filmografia Minnelliana, recebendo cinco Oscar da Academia: Melhor Roteiro Original (Charles Schnee), Fotografia em preto e branco (Robert Surtees), Atriz Coadjuvante (Gloria Grahame), Direção de Arte em preto e branco (Cedric Gibbons, Edward Carfagno; decoração de interiores: Edwin B. Willis, Keogh Gleason) e Figurinos em preto e branco (Helen Rose).

A Roda da Fortuna / The Band Wagon / 1953 é um musical de bastidores sofisticado, contendo uma sátira aos meios teatrais e à rivalidade entre o showbusiness e o teatro culto.

Tony Hunter (Fred Astaire), ex-astro de Hollywood, cuja carreira está em declínio, tenta recuperar seu prestígio na Broadway, numa adaptação do “Fausto”, sob a direção de um intelectual extravagante, Jeffrey Cordova (Jack Buchanan). A consequência de sua decisão é desastrosa; porém Hunter, inconformado, resolve remontar a comédia musical de acordo com as suas idéias, ajudado pelos mesmos colaboradores do espetáculo fracassado: Cordova, os autores Lester e Lily Marton (Oscar Levant, Nannette Fabray) e a dançarina clássica Gabrielle (Cyd Charisse).

Na medida em que o filme se desenrola, Tony passa de “perdedor” alienado a líder de um círculo de colegas, descobrindo assim o seu amor por Gabrielle. Ele dá ao “show-dentro-do show” a energia e o foco de que precisava para se tornar um grande sucesso e, graças à admiração de seus companheiros, restaura sua auto-estima.

O maior destaque é o balé “The Girl Hunt” dançado por Fred Astaire e Cyd Charisse e coreografado por Michael Kidd, parodiando o romance policial americano como uma homenagem a Mickey Spillane. Porém há outros números magníficos como “Dancing in the Dark” (“dois corpos que se descobrem pela magia da coreografia” – Jean Tulard) e “Shine on Your Shoes” (com a participação preciosa do dançarino negro Le Roy Daniels).

. Inspirando-se na biografia romanceada de Irving Stone, usando dois fotógrafos notáveis (Freddie Young, Russel Harlan), a música de Miklos Rozsa e a semelhança física de Kirk Douglas e Anthony Quinn com Van Gogh e Paul Gauguin, Minnelli conseguiu fazer de Sede de Viver / Lust for Life / 1956, um filme digno do grande pintor holandês.

O filme segue a trajetória de Van Gogh em suas diversas fases no Borinage, em Arles e em Anvers-sur-Oise e as pinturas vão surgindo naturalmente das paisagens e da construção dramática de certos episódios de sua vida, refletindo sua alma atormentada, a obsessão pelas luzes e pelas cores, o desequilíbrio mental, enfim o gênio de um artista trágico.

Kirk Douglas nunca penetrou tão profundamente na criação de um personagem como este: ele conseguiu captar a paixão frenética com a qual Van Gogh pintava e transmitir perfeitamente a agonia pessoal do grande pintor. Anthony Quinn emprestou todo o seu vigor ao tipo original e curioso que era Gauguin, arrebatando o Oscar de Melhor Coadjuvante.

Em 1958 veio a consagração máxima para Minnelli com o Oscar de Melhor Direção por Gigi / Gigi, comédia musical apoiada no estudo de costumes da escritora francêsa Colette.

Gigi

Explorando magnificamente o universo da Belle Époque, Minnelli forjou, com a colaboração homogênea dos técnicos e dos intérpretes um espetáculo de encantamento visual, de preciosismo estético mesmo, que sintetiza perfeitamente o estilo do cineasta.

O romance de Colette é sobre uma adolescente, Gigi (Leslie Caron, após ter sido cogitada Audey Hepburn) treinada por uma tia (Isabel Jeans) e uma avó (Hermione Gingold) para ser uma grande cortesã. Gaston Lachaille (Louis Jourdan), rico, bonitão e entediado amigo da família que sempre tratara Gigi como uma irmãzinha mais nova, percebe de repente que ela cresceu e passou a despertar seu interesse como mulher. Maurice Chevalier interpreta o papel de Honoré, o tio de Gaston e é ao mesmo tempo o narrador da história.

O filme apresenta belas canções ressaltando-se “I Remember it Well”, interpretada por Chevalier e Hermione Gingold, quando os respectivos personagens recordam, sob um crepúsculo romântico, o seu antigo romance.

A Academia concedeu ainda os Oscar para Melhor Filme, Roteiro Adaptado (Alan Jay Lerner), Fotografia em cores (Joseph Ruttenberg), Direção de Arte (William A. Horning.

Preston Ames; decoração de interiores Henry Grace e Keogh Gleason), Figurinos (Cecil Beaton), Partitura de Musical (Frederick Lowe; direção musical de André Previn), Canção (Frederick Lowe com letras de A.J. Lerner), Montagem (Adrienne Fazan) além de um prêmio especial para Maurice Chevalier.

Numa declaração à imprensa a respeito do filme, Minnelli assim se manifestou: “Alan Jay Lerner tinha a maravilhosa qualidade de adaptar o trabalho de outras pessoas para um novo meio de expressão, conseguindo sempre manter o espírito da obra original. Agora estava assumindo a personalidade de Colette e não tive dúvida de que seria capaz de captar com perfeição o cinismo aborrecido da alta classe parisiense. Principalmente quando me mostrou o tratamento que dera a uma passagem do livro sobre os boatos acerca do suicídio frustrado de Liane (Eva Gabor) a cortesã, amante de Gaston antes do seu envolvimento com Gigi. Alan condensou todo o longo texto dialogado numa só frase maliciosa, de um personagem descrevendo como ela havia tentado acabar com a vida:“Oh, da maneira usual … veneno insuficiente”.

Os Quatro Cavaleirtos do Apocalipse

Deus Sabe Quanto Amei / Some Came Running / 1958, baseado no livro de James Jones (o autor de “From Here to Eternity”), é um melodrama estilizado que faz uma crítica da América do pós-guerra. É um retrato melancólico do cotidiano numa pequena cidade do meio oeste americano, enfocando o antagonismo entre a burguesia conservadora, hipócrita e intolerante e os marginais da sociedade.

Frank Sinatra encarna Dave Hirsch, escritor cínico e desiludido veterano da Segunda Guerra Mundial, que retorna malgré lui à sua terra natal, Parkham, Illinois. Ele transita por ambos os lados da linha divisória de respeitabilidade da cidade, relacionando-se com a família da alta-roda de seu irmão (Arthur Kennedy) e uma professora sexualmente reprimida, (Martha Hyer) e ao mesmo tempo com uma prostituta (Shirley MacLaine) e um jogador profissional (Dean Martin). Neste percurso entre dois mundos opostos e após um incidente trágico, Dave aprende o sentido da vida.

Minnelli usa admiravelmente a tela larga para revelar nas suas composições tanta informação sobre as relações entre os personagens quanto os diálogos e emprega a cor com sutileza durante todo o filme. Apenas na seqüência paroxística – quando a cidade é transformada em um verdadeiro parque de diversões fantasmagórico – as cores têm um rompante alucinatório, bem sublinhado pela música nervosa de Elmer Bernstein.

O filme deu a Shirley MacLaine um de seus melhores papéis. Na biografia, “Dance While You Can”, Shirley contou que o responsável por seu sucesso foi Frank Sinatra: “Sinatra disse para Minnelli e o chefe do estúdio: ‘Deixa a garota ser morta no final. Se ela morrer, ganhará mais simpatia e certamente será indicada para o Oscar’. Sinatra estava certo”.

Herança da Carne

A saga do Capitão Wade Hunnicut (Robert Mitchum), o patriarca texano todo-poderoso de Herança da Carne / Home from the Hill / 1960, que se vê atraído por um filho adulterino não reconhecido (George Peppard) após anos de desavenças com a mulher (Eleanor Parker) e o filho legítimo (George Hamilton), proporcionou a Minnelli nova oportunidade de demonstrar sua capacidade para lidar com o gênero melodrama, dando-lhe um esplendor pictórico em CinemaScope.

Um dos pontos altos do espetáculo é a caçada do javali selvagem, durante a qual o filho legítimo tenta provar que é tão varonil quanto o pai. A caçada foi filmada em duas locações distintas: nos pântanos sulfurosos fora de Paris e em Clarksville, no Texas.

O pequeno gabinete de Wade – cheio de troféus de caça, rifles na parede, poltronas de couro e três cães de caça deitados aos pés de seu dono no tapete de pele de urso – exprime muito bem o caráter do personagem. admiravelmente interpretado por Robert Mitchum..

Quando o filho legítimo confronta Wade a respeito do irmão e grita para ele:” Eu não quero nada de você” , a expressão facial de Mitchum diz tudo: o vazio de sua existência, a perda do amor, a perdição.

Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse / The Four Horsemen of the Apocalypse / 1961, suntuosa adaptação atualizada do célebre romance de Vincente Blasco Ibáñez, é a história de uma família de origem argentina, dividida entre o ramo alemão, nazista, e o ramo francês durante a Segunda Guerra Mundial.

O casal Desnoyers (Charles Boyer, Harriet McGibbon) tem dois filhos, Julio (Glenn Ford) e Chi-Chi (Yvette Mimieux) e o casal Von Hartrott (Paul Lukas, Kathryn Givney) tem três: Heinrich (Karl Boehm), Franz (Richard Franchot) e Gustav (Brian Avery). Todos são descendentes do latifundiário argentino Julio Madariaga (Lee J. Cobb). Após uma discussão violenta com seu filho e netos alemães, Madariaga evoca Os Quatro Cavaleiros do Apocalipse (a Peste, a Guerra, a Fome e a Morte) e morre de uma crise cardíaca. O outro neto de Madariaga, Julio, é um playboy que só quer saber de festas e não tem o menor interesse pelo que está acontecendo na Europa. Porém ele se apaixona por Marguerite Laurier (Ingrid Thulin dublada por Angela Lansbury), esposa de um líder da Resistência, Etienne Laurier (Paul Henreid) e muda de atitude, engajando-se na luta contra os opressores.

A predileção de Minnelli pela forma se manifesta de maneira exuberante. Auxiliado pela esplêndida fotografia de Milton Krasner, ele inunda de beleza cada cena e insere com inteligência seqüências de montagem da guerra enquanto que a trilha musical de André Previn dá intensidade às cenas que mostram Os Quatro Cavaleiros e reforça o romance de Julio e Marguerite com um lindo tema de amor, tornando o melodrama absorvente.

Neste filme, bem como em toda a sua obra, sobressai o requinte de imagens de Minnelli, o artista que se convenceu, tal como Flaubert, de que o objetivo mais alto da Arte é fazer sonhar.

LOUIS JOUVET

Embora seja mais lembrado hoje pela suas aparições no cinema, a maior contribuição de Louis Jouvet foi para o teatro francês. Jouvet era não só um grande ator e diretor como um ensaísta atento a todos os aspectos da dramaturgia.

Entretanto, foram os filmes, muitos dos quais são clássicos inquestionáveis do cinema francês, que preservaram o seu talento para a posteridade e permitiram que as gerações subseqüentes pudessem apreciar as qualidades desse grande artista.

Louis Jouvet

Jules Eugène Louis Jouvet nasceu em Crozon, na Bretanha em 24 de dezembro de 1887. Órfão de pai aos 14 anos, o adoslecente foi morar com sua mãe na casa de um tio em Rethel, nas Ardenas. Sua família queria que ele fosse farmacêutico, mas sua vocação era para o teatro. A partir de 1904, Jouvet estuda na faculdade em Paris e, paralelamente, presta concurso para o Conservatório de Arte Dramática, tendo sido reprovado três vezes.

Em 1913, com seu diploma de farmacêutico no bolso, Jouvet é contratado, juntamente com seu amigo Charles Dullin, por Jacques Coupeau, diretor do Théâtre du Vieux-Colombier,

Em 1922, após ter servido como enfermeiro de ambulância durante a Primeira Guerra Mundial, Jouvet começa sua carreira de diretor, instalando sua própria companhia, a Comédie des Champs Elysées, onde obteve grande sucesso com a peça “Knock ou le triomphe de la médecine” de Jules Romains.

Edwige Feuillère e Louis Jouvet em Topaze

Gaston Baty, Charles Dullin, Georges Pitoeff e Louis Jouvet fundam em 1927 uma associação de ajuda mútua, o “Cartel des Quatre”, que durará até 1940, com o objetivo de “fazer com que o teatro crie uma poesia que lhe seja própria e encenar autores contemporâneos”.

Em 1928, Jouvet conhece Jean Giraudoux e, a partir de 1935, dirige o l’Athénée, onde triunfa com as peças de Molière, de Giraudoux (“La guerre de Troie n’aura pas lieu”, “Electre”, “Ondine”, etc.) e diversas outras do repertório clássico.

Apaixonado pelo teatro, Louis Jouvet não cessa de transmitir esta paixão, lecionando no Conservatório desde 1934. Cioso de sua independência, ele recusou o posto de administrador da Comédie Française, temendo sem dúvida perder a sua liberdade.

 Em junho de 1941, no contexto da guerra e da ocupação alemã, Jouvet e sua companhia partem para a América do Sul, chegando ao Rio de Janeiro, vinte dias depois, para a estréia da temporada. A tournée, prevista para durar pouco tempo, recebeu de início o patrocínio do governo de Vichy e posteriormente foi apoiada pelas forças da Resistência, tendo durado quase quatro anos. Apresentando-se por vêzes, em condições bastante precárias, Jouvet e sua troupe viveram situações difíceis, iguais àquelas por que passam os grupos mambembe.

Quem quiser saber mais sobre esse período da carreira de Jouvet procure na internet a interessantíssima monografia de Heloisa Pontes, “Louis Jouvet e Henriette Morineau, o impacto de suas presenças na cena teatral brasileira”, de onde colhemos os dados acima transcritos.

 

Jouvet voltou para a França em 1945 e retomou suas atividades no l’Athénée, que depois mudou o seu nome para l’Athénée Louis Jouvet. Ali ele criou “La Folle de Chaillot” e no dia 30 de julho de 1950 recebeu a Legion d’honneur.

 Doente do coração, Jouvet morreu no dia 16 de agosto de 1951 em conseqüência de um enfarto no seu teatro, quando ele dirigia um ensaio da peça “The Power and the Glory” de Graham Greene.

Em 1932, aos 45 anos de idade Jouvet penetrou com circunspecção nos estúdios da Paramount em Saint Maurice / Joinville, para personificar Topaze ao lado de Edwige Feuillère. Ele faria 32 filmes (dos quais eu tive a sorte de ver 25 – não conheço: Mister Flow /1936, A Marca do Fogo / Forfaiture / 1937, Ramuntcho / 1937, O Drama de Shanghai / Le Drame de Shanghai / 1938, Éducation de Prince / 1938, Sérénade / 1939, e Loucuras de uma Época / Lady Paname / 1948, mas ainda tenho esperança de vê-los).

 

Lembro-me muito bem de todos os personagens que ele interpretou nas telas nesses filmes que pude ver: Auguste Topaze, humilde professor em Topaze / 1932 (Dir: Louis Gasnier), doutor Knock em Knock (Dir: Louis Jouvet, Roger Goupillières) / 1933, capelão em A Quermesse Heróica / La Kermesse Héroique (Dir: Jacques Feyder) / 1935, Simonis, agente alemão em Mademoiselle Docteur / Salonique, nid d’espions ou Mademoiselle Docteur (Dir: G. W. Pabst), barão Débile, aristocrata arruinado em Basfonds / Les Bas-Fonds / 1936 (Dir: Jean Renoir), Pierre Verdier, chamado de Jo, advogado que se tornou chefe de uma quadrilha de assaltantes em Um Carnet de Baile / Un Carnet de Bal / 1937 (Julien Duvivier), Archibald Sope, arcebispo desconfiado e hipócrita em Família Exótica / Drôle de Drame / 1937 (Dir: Marcel Carné), Roederer em A Marsellhesa / La Marseillaise / 1937 (Dir: Jean Renoir), o chantagista Rossignol em Pecadoras de Tunis / La Maison du Maltais / 1938 (Dir: Pierre Chenal), comissário Calas em L’Alibi / 1938 (Dir: Pierre Chenal), M. Lambertin, professor de teatro em Entrée des Artistes / 1938 (Dir: Marc Allégret), o imponente e egoísta Saint-Clair, ex-Don Juan agora no retiro de velhos artistas em La Fin du Jour / 1938 (Dir: Julien Duvivier), M. Edmond, o rufião de Hotel do Norte / Hotel du Nord / 1938 (Dir: Marcel Carné), Georges, cocheiro da charrete fantasma em O Fantasma da Esperança / La Charrete Fantôme / 1939 (Dir: Julien Duvivier), Mosca em Volpone / Volpone / 1940 (Dir: Maurice Tourneur), Pierre Froment (o pai) e seu filho Félix em França Eterna / Untel Père et fils / 1940 (Dir: Julien Duvivier), Jean-Jacques, diretor de uma companhia de balé em Un Revenant / 1946 (Dir: Christian-Jaque), Gérard Favier, compositor célebre em Les Amoureux sont seuls au Monde / 1947 (Dir: Henri Decoin), M. Dupon, modesto empregado de uma fábrica de botões e seu sósia, Manuel Ismora, um ladrão audacioso em Estranha Coincidência / Copie Conforme / 1947 (Dir: Jean Dréville), inspetor Antoine em Crime em Paris / Quai des Orfévres / 1947 (Dir: Henri-Georges Clouzot), inspetor Carrel em Entre Onze e Meia-Noite / Entre Onze Heures et Minuit / 1948 (Dir: Henri Decoin), Monchablon, o pitoresco diretor de uma companhia de teatro ambulante em Miquette et sa Mère / 1949 (Dir: Henri-Georges Clouzot), Jean Girard, ex- prisioneiro de guerra em um esquete de Retour à la Vie / 1949 (Dir: Henri-Georges Clouzot), doutor Knock em Knock / 1951 (Dir: Guy Lefranc), inspetor Ernest Plonche em Romance Proibido / Une Histoire d’Amour / 1951 (Dir: Guy Lefranc).

ouis Jouvet e Erich von Stroheim em L'Alibi

Com um corpo longilíneo e um jeito de andar meio arrastado, Jouvet hipnotizava as platéias com uma maneira de atuar marcada antes de tudo por uma dicção sincopada. Esta singularidade o distinguia imediatamente (pode-se dizer a mesma coisa da voz de Sacha Guitry ) e foi em grande parte responsável pela sua celebridade.

Victor Francen, Louis Jouvet, Michel Simon em La Fin du Jour

Algumas cenas inesquecíveis do grande ator: a conversa entre Débile e o ladrão seu amigo (Jean Gabin) quando, deitados na relva, contam suas vidas em Basfonds; o célebre diálogo enigmático entre o arcebispo de Bedford e Molyneux (Michel Simon) em Família Exótica (“Eu disse bizarro, bizarro? Como é estranho … (…) Eu disse bizarro, como é bizarro”); o confronto entre o astucioso inspetor Calas e Winkler (Erich Von Stroheim), o assassino arrogante e zombeteiro em L’Alibi; Pierre Verdier em Um Carnet de Baile murmurando melancolicamente os versos de Verlaine, que ele dizia outrora para a mulher amada; o sermão que o professor Lambertin passa para os tios rabugentos em Entrée des Artistes, defendendo a causa de sua discípula na lavanderia: “Lavar em família a roupa suja dos outros, você chamam isso de profissão?”; em La Fin du Jour uma velha atriz que está no asilo, mostra a Saint-Clair o retrato do filho, lhe revela que ele é o pai, e que o rapaz morreu. Saint-Clair parece se comover e pergunta:”Quantos anos tinha?”. “Vinte e oito anos”, ela responde. “A idade de um jovem galã”, diz ele secamente e logo se afastando; e a mais famosa de todas em Hotel do Norte. Depois de uma briga, Edmond diz para Raymonde (Arletty), a prostituta que “trabalha” para ele: “Preciso mudar de atmosfera, e minha atmosfera é você”. Incapaz de compreender o que ele quis dizer, Raymonde toma a palavra atmosfera como um insulto e responde, exagerando as vogais abertas com seu estridente sotaque parisiense: “Atmosfera!Atmosfera! Eu tenho cara de atmosfera?”. São apenas alguns exemplos.

Louis Jouvet sempre esteve impecável em qualquer papel, mas o meu preferido é o do inspetor Antoine em Crime em Paris, uma das obras-primas de Henri-Georges Clouzot. Neste filme, Jenny Lamour (Suzy Delair), cantora de music-hall, é casada com Maurice Martineau (Bernard Blier), que a acompanha ao piano. Jenny aceita jantar com Brignon (Charles Dullin), velho produtor libidinoso que lhe prometera um emprego no mundo do cinema. Ao saber disso, o ciumento Maurice forja um álibi e corre para matá-los. Porém ele encontra o velho morto e foi Jenny que o matou. Pelo menos é isso que Jenny conta para sua amiga Dora, uma fotógrafa, que tem por ela um amor sem esperança. O inspetor Antoine investiga e, naturalmente, as suspeitas recaem sobre Maurice.

Renée Devillers, Louis Jouvet e Dany Robin em Les Amoureux sont seuls au Monde

Suzy Delair e Louis Jouvet em Crime em Paris

Durante o inquérito policial, desfila uma galeria de tipos humanos interessantes que são observados pelo lúcido inspetor. Ele educa um menino negro (“única lembrança trazida das colônias além do impaludismo”) e esconde sua humanidade sob uma máscara de frieza e de ironia. É respeitoso com seus superiores, jovial com sua equipe, ameaçador com as testemunhas e interrogador paciente (às vezes brutal). Antoine nunca conseguiu ser promovido a comissário, não por ser incompetente, mas simplesmente porque não possuía a postura necessária. A certa altura da narrativa, depois de ouvir Jenny lamentando-se de sua infância difícil, o inspetor retruca sarcasticamente: “Meu pai morava num belo castelo. Ele era um lacaio e pago para limpar as sujeiras dos outros. Eu seguí os seus passos”. Para compor um tipo como este, a arte de Jouvet chegou ao auge.

 

LÍDA BAAROVÁ E JOSEPH GOEBBELS

Lída Baarová, cujo verdadeiro nome era Ludmila Babková (1914-2000), foi uma das atrizes mais célebres da Checoslováquia nos anos trinta e trabalhou também em filmes alemães, italianos e espanhóis, conquistando maior popularidade no período em que atuou como contratada da UFA. Porém Lída ficou mais conhecida por sua vida fora das telas como amante de Joseph Goebbels, o poderoso Ministro da Propaganda e Informação do regime hitlerista.

A carreira de Lída Baarová começou em 1931, quando tinha 17 anos. Ela era muito bonita e possuía o que se chama hoje de sex appeal. Portanto não podia deixar de ser notada pelos realizadores de filmes. Lída queria ser atriz e foi estudar interpretação no Conservatório de Praga; mas não terminou o curso, porque foi convidada para fazer o primeiro filme no seu país natal, Kariéra Pavla Camrdy (ao pé da letra, A Carreira de Pavel Camrda), dirigido por Miroslav Krnansky.

Em 1935, Lída aceitou a oferta da UFA, o grande estúdio da Alemanha, para protagonizar, ao lado de Gustav Fröhlich, o filme Barcarola / Barcarole, dirigido por Gerhard Lamprecht, que se converteu num sucesso de bilheteria. O ator era casado e tinha uma filha, mas Lída e Gustav se apaixonaram e foram morar juntos.

O destino da jovem atriz poderia ter sido diferente se um dia ela não tivesse encontrado Joseph Goebbels, quando este acompanhava Hitler numa visita aos estúdios da UFA. Goebbels ficou fascinado pela jovem atriz e louco de amor por ela. Um dos personagens mais sinistros da Segunda Guerra Mundial, Goebbels tinha um corpo franzino, pequena estatura e um pé aleijado; porém, apesar destas desvantagens, ele fascinava as pessoas por seu carisma e sua inteligência incontestáveis.

Goebbels era casado e já pai de três filhos. Ele começou o seu plano de conquistar Lída, convidando o casal Baarová-Fröhlich para diferentes reuniões sociais e durante meses assediou Lída implacavelmente.

Em 1937, depois de ter feito dois filmes “patrióticos” sob a direção de Karl Ritter, muito apreciados no Brasil, Traidores / Verräter e Entre Duas Bandeiras / Patrioten, Lida recusou uma proposta vantajosa da Metro-Goldwyn-Mayer, decisão da qual se lamentaria anos mais tarde: “Eu poderia ter sido tão famosa quanto Marlene Dietrich”. Goebbels jamais a deixaria abandonar a UFA para fazer cinema em Hollywood e ela se conformou, alegando para a imprensa que não queria se separar de seus pais.

Lída Baarová, Gustav Froelich conversam com Goebbels

Finalmente, Goebbels deu um beijo em Lída, dizendo: “Nunca tive na minha vida um amor por uma mulher como o que tenho por você”. A atriz sucumbiu ao charme do braço direito de Hitler e os dois concordaram que continuariam se encontrando às escondidas de Magda e de Fröhlich.

Os rumores deste relacionamento chegaram até Magda que, a princípio, decidiu ignorar o fato, acostumada com as aventuras do marido. Os mesmos rumores chegaram também a Fröhlich, apesar dos esforços de Lída para manter sua relação com Goebbels em segredo. Diferentemente da esposa de Goebbels, Fröhlich não ficou de braços cruzados. Seguiu os dois amantes, surpreendendo-os na entrada do chalé que Goebbels tinha comprado para seus encontros amorosos.

 

A vida de Lída está cercada de lendas. Para um biógrafo, Lída contou que Fröhlich esbofeteou Goebbels e, para outro, que Fröhlich esbofeteou-a quando soube de tudo. Consta ainda que, por vingança, Goebbels suspendeu a isenção do serviço militar que Fröhlich tinha em virtude de sua condição de ator e mandou-o para a frente de batalha.

No outono de 1938, tocou o telefone de Lida: era Goebbels, que se encontrava muito excitado, porque acabara de confessar para sua esposa o romance que ele e Lída mantinham.

Mais adiante, Magda telefonou para Lída e tiveram uma conversa, na qual Magda disse: “Sou a mãe dos filhos dele e estou somente interessada no que ocorre na casa onde ele vive, tudo o que sucede fora dela não tem nada a ver comigo”. Magda só pediu a Lída uma coisa: “Deves prometer-me que não terás um filho dele”.

Patrioten

Passaram-se os dias, mas Magda sofria, vendo seu esposo loucamente enamorado de Lída Baarová. A situação terminou por explodir, quando Magda soube que Goebbels havia presenteado Lída com uma linda pulseira de ouro. A esposa do gênio da propaganda, com as provas do adultério colhidas pelo secretário de Goebbels, Hans Hanke (amigo íntimo de Magda e dizem que seu amante), resolveu então recorrer a Hitler, expondo-lhe todo o caso. Hitler se mostrou compreensivo, recusando a todo momento a sua proposta de divórcio, até convencê-la de que, para o bem do partido e de seus próprios filhos, deveria ficar junto de Goebbels.

Dois dias após o encontro com Magda, Hitler mandou chamar seu Ministro para reprovar a sua conduta. Para surpresa de Hitler, Goebbels se mostrou determinado a renunciar à sua carreira no partido nazista, oferecendo seus serviços como cônsul em Tóquio, para onde estava disposto a viajar, supostamente na companhia da jovem amante. Hitler rechaçou esta idéia absurda – não queria que o matrimônio dos Goebbels, que encarnava o protótipo da família nazista, se rompesse.

Lída Baarová e Willy Fritsch em Preussische Liebesgeschichte

Lída, que havia acabado de filmar Preussische Liebesgeschichte (História Prussiana de Amor), dirigido por Paul Martin e co-estrelado por Willy Fristch, foi chamada para uma delegacia de polícia, onde foi intimidada, proibida de trabalhar nos estúdios cinematográficos da Alemanha e de participar de qualquer ato social. Em março de 1941, desobedecendo às ordens de permanecer no país, Lída deixou Berlim, regressando para Praga. Ali, graças ao produtor Miloù Havel, participou de alguns filmes checos e peças teatrais. O filme com Fritsch foi proibido e seria lançado somente em 1950, recebendo outro título: Liebeslegend (Lenda de Amor).

Com a ocupação alemã na sua pátria, Lida foi proibida de trabalhar também em Praga e então viajou para a Itália, a fim de continuar sua carreira de atriz, vindo inclusive a fazer um filme com Fellini, Os Boas Vidas / Vitelloni em 1953. Depois, ela prosseguiria diante das câmeras no cinema espanhol até 1957.

Lída viu Goebbels pela última vez no Festival de Veneza de 1942. Segundo Baarová escreveu em suas memórias – “Die süsse Bitterkeit meines Lebens’ (A Doce Amargura de Minha Vida), publicada postumamente – Goebbels, ao vê-la, não lhe deu a menor atenção. Ela contou:“Ele deve ter me reconhecido, mas não fez o menor gesto. Era o mestre do auto-contrôle”.

Quando os russos estavam se aproximando, os Goebbels abandonaram sua residência em Schwanenwerder. Ajudado por um colega do partido, Goebbels eliminava a sua correspondência e certos documentos pessoais, entre os quais aparece uma foto que lhe havia sido dedicada por Lida Baarová. Antes de jogá-la no fogo, Goebbels teria exclamado: “Aquí está uma mulher de beleza perfeita”.

Lída Baarová

Em 1945, Lída foi presa pelos americanos e brevemente encarcerada por colaboração. Sua mãe teve uma crise cardíaca no curso do interrogatório. A irmã, Zorka Janú, que também era atriz, se suicidou em março de 1946. Goebbels e sua esposa ficaram com Hitler no bunker, tirando suas próprias vidas e as de seus seis filhos.

Em 1949, Lída casou-se com Jan Kopecký, do qual se divorciou em 1956. Em 1959, ela emigrou para a Áustria, onde contraiu matrimônio com o médico sueco, Dr. Kurt Lundwall, e permaneceu até o fim de seus dias.

Lida sofria da doença de Parkinson e faleceu no ano 2000, em Salzburg, na propriedade que herdou após a morte de seu último marido.

BUSTER KEATON

Buster Keaton era considerado um grande comediante nos anos 20. Mas somente a partir da década de 60 os críticos reconheceram que seus filmes possuíam tanto valor artístico quanto os de Chaplin e passaram a considerá-lo também um gênio do Cinema.

Buster Keaton

Ambos foram excelentes cineastas, porém Keaton, ao contrário de Chaplin, deixou de lado o sentimento e levou a comédia puramente física à sua maior expressão. Como disse James Agee, ele foi “um inventor maravilhosamente criativo de situações cômicas de características mecânicas”.

Como observou Imogen Sara Smith (Buster Keaton, The Persistence of Comedy, Gambit, 2008), as cenas acrobáticas de Keaton são únicas, porque ele era antes de tudo um ator e comediante. Como ele próprio explicou: “Stuntmen não provocam o riso”. Keaton nunca se contentava em empolgar o público com seu atletismo: ele usava o seu incrível equilíbrio, agilidade e contrôle muscular para comunicar, para contar a história com o seu corpo.

Buster Keaton, Fatty Arbuckle, Al St.John

Keaton quís simplesmente fazer graça inventando, com incrível meticulosidade e impecável noção de rítmo, gags que chegavam aos limites do absurdo e serviam tanto à narrativa quanto ao personagem.

Apesar de seu semblante rígido e impertubável, o herói keatoniano – autoconfiante, intrépido, infinitamente expedito e infatigável – não fica imóvel diante das adversidades extravagantes nas quais se vê envolvido. Ele age e, graças à sua extraordinária capacidade atlética e engenhosidade, triunfa sobre elas. Cada obstáculo o encontra sempre pronto para a ofensiva. Na maioria das vezes, o seu corpo de pernas curtas, mas flexível e eloqüente, trava épicas batalhas, quase sempre contra os objetos ou a natureza.

O Enrascado

Nas cenas estruturadas com rigor matemático e graça coreográfica (alguém chegou a chamá-lo de “Fred Astaire” do slapstick) seus inimigos podem ser um dinossauro (À Antiga e À Moderna ou A Idade da Pedra / The Three Ages / 1923), uma cachoeira (Nossa Hospitalidade / Our Hospitality / 1923), um navio abandonado (Marinheiro por Descuido / The Navigator / 1924), uma turba de mulheres assanhadas (Os Sete Amores / Seven Chances /1925), um rebanho de gado (Vaqueiro Avacalhado / Go West / 1925), uma locomotiva (O General / The General /1927), uma tribo de índios (A Prova de Fogo / The Paleface / 1922), um bando de chineses (O Homem das Novidades / The Cameraman / 1928), um furacão ((Marinheiro de Encomenda / Steamboat Bill Jr. / 1928), um massudo boxeador (Boxe por Amor / Battling Butler /1926), toda a fôrça policial de Nova York (O Enrascado / Cops / 1922) ou mesmo os precipícios, selvas e leões de um mundo que, como projecionista sonhador, encontra, penetrando através de uma tela de cinema (Bancando o Águia / Sherlock Jr. / 1924).

Nossa Hospitalidade

Diante das câmeras “O Homem que não Ri”, com sua máscara marmórea e melancólica, olhos grandes e tristes, colarinho folgado, enorme gravata e chapéu achatado, Keaton desafia a lei da gravidade, fazendo malabarismos espantosos. Atrás delas, revela-se um cineasta prodigiosamente moderno.

Joseph Frank Keaton nasceu em 4 de outubro de 1895, na aldeia de Piqua, Kansas, filho de artistas itinerantes. Aos seis meses de idade, ganhou o apelido de “Buster”, quando Harry Houdini, que trabalhava com seus pais, ao vê-lo rolar por uma escada, exclamou: “That’s some buster your baby took” (Que tombo incrível seu filho levou).

Bancando o Águia

Quase ao completar três anos foi levado da janela de um segundo andar, por um ciclone, sendo milagrosamente pousado no meio de uma rua deserta. Segundo uma boa anedota, alguém o encontrou e o trouxe de volta para seus progenitores dizendo: “Vocês não são do teatro? Isto aqui é seu?”.

Perto do quarto aniversário, ele se uniu aos pais (Joe e Myra) em um número de vaudeville, The Three Keatons, no qual, usando uma careca e suiças falsas, parecia indestrutível, ao ser usado como se fosse um “pano de chão humano” e depois sendo jogado nos bastidores ou no fosso da orquestra.

Numa entrevista feita em 1948, Alex Viany soube que o trio esteve no Rio de Janeiro em 1909, exibindo-se no Pavilhão Internacional existente no princípio do século no local onde, mais tarde, se ergueria o Cinema Central (depois Eldorado) e hoje é o edifício da Caixa Econômica Federal (Avenida. Rio Branco).

Aos 21 anos, o jovem resolveu tentar sozinho outro tipo de espetáculo, conseguindo ser admitido na revista The Passing Show of 17, encenada no Winter Garden de Nova York, cidade onde conheceu Roscoe Arbuckle, que o levou para o Cinema.

Marinheiro por Descuido

Em 1913, por causa da antipatia que o pai tinha pelas máquinas em geral, inclusive o cinematógrafo, Keaton havia perdido uma oportunidade de contato com o novo meio de expressão. William Randolph Hearst mandou convidar os Keaton para fazerem um seriado baseado na história em quadrinhos Bringing Up Father (Pafúncio e Marocas), de George McManus, mas o velho Joe recusou.

O primeiro filme de Keaton foi Com Culpa no Cartório / The Butcher Boy / 1917 e, até 1920, ele contracenou com Fatty Arbuckle, integrando a equipe da Comique Film Corporation de Joseph Schenck, que produzia para a Paramount.

As tramas das comédias eram bastante simples e, nelas, o personagem de Keaton ajudava o gorducho Fatty (conhecido no Brasil como Chico Bóia) a triunfar sobre seu rival (Al St. John) na disputa do coração da mocinha (Alice Lake).

Em 1920, após 16 curtas-metragens, nos quais aprendeu os segredos da câmera, Keaton separou-se de Arbuckle. Este passou a ser artista exclusivo de Adolph Zukor e Keaton, aceitando convite de Marcus Loew, fez para a Metro um longa-metragem, O Pesado / The Saphead.

Enquanto isso, Schenck alugou o antigo estúdio de Chaplin em Lillian Way, rebatizou-o de Buster Keaton Studio e se associou ao futuro parente (Keaton viria a se casar com Natalie Talmadge, irmã de Norma Talmadge, mulher de Schenck), incumbindo-o de escrever, produzir, dirigir e interpretar comédias para a Buster Keaton Film Company, retendo, para si e outros sócios, as ações da companhia.

A General

Keaton contava com uma equipe formidável: o cinegrafista Elgin Lessley, o diretor de arte Fred Gabourie, Eddie Cline (que ajudava Keaton nas funções de diretor) e os gagmen Jean Havez, Clyde Bruckman e Joseph Mitchell.

Entre as comédias curtas desta fase estavam várias obras-primas: Uma Semana / One Week / 1920, O Faz-Tudo / The Playhouse / 1921, Um Grande Navegante / The Boat / 1921, A Prova de Fogo / The Paleface / 1922, O Enrascado, A Casa Elétrica / The Electric House / 1922, Sonho e Realidade / Day Dreams / 1922, embora Keaton manifestasse posteriormente sua predileção por Com Pouca Sorte / Hard Luck / 1921.

Por volta de 1923, a popularidade de Keaton tornara-se imensa em todo o mundo. Artisticamente, ele começava a chegar ao auge e Schenck, percebendo que o comediante estava sendo desperdiçado em comédias curtas, mostrou-lhe a conveniência de realizar longas-metragens.

Todos os filmes deste período têm esplêndidos momentos, porém existe um consenso a respeito dos melhores: Nossa Hospitalidade, Bancando o Águia, Marinheiro Por Descuido, Os Sete Amores, Vaqueiro Avacalhado, A General, O Homem das Novidades e Marinheiro de Encomenda – se você não os conhece, eles estão na magnífica caixa com 11 discos da Kino Vídeo.

Então Keaton cometeria aquele que definiu como o pior erro de sua vida: Schenck, convenceu-o a ser astro contratado da Metro. A partir daí, esmagado pelo sistema de severa supervisão do estúdio, perdeu a liberdade e o entusiasmo e nunca mais alcançou o nível de seus filmes mudos.

Schenck prometeu a Keaton que ele iria trabalhar do mesmo jeito como vinha trabalhando; apenas sob a supervisão de seu irmão Nicholas, na ocasião um produtor da Metro. O contrato era lucrativo. Keaton ganharia três mil dólares por semana e uma percentagem sobre os lucros. Keaton tinha pouco dinheiro, pois gastara uma fortuna na compra de uma enorme mansão. De modo que não tinha condições de se tornar o seu próprio produtor como Charles Chaplin e Harold Lloyd. Ele também reconhecia que, ao contrário de seus famosos rivais, não tinha vocação para negócios. Chaplin e Lloyd tentaram convencer Keaton a não assinar contrato com a Metro advertindo-o de que perderia sua liberdade criativa. Mas o que ele podia fazer?

Em 1959, Keaton ganhou um prêmio especial da Academia por “ter realizado filmes que serão projetados enquanto durar o Cinema”. Em 1962, organiza-se uma retrospectiva de sua obra na Cinemateca Francesa e, homenageado no Festival de Veneza, o grande comediante recebe uma ovação estrondosa, começando, a partir desses acontecimentos, a sua ressurreição no âmbito cinematográfico.

Pouco tempo depois, em 1º de fevereiro de 1966, Keaton vem a falecer, vítima de um câncer no pulmão, na sua granja em Woodland Wills, no vale de San Fernando.

Na ocasião do tributo em Veneza, confidenciara amargamente a uma amiga: “Certo, isto tudo foi ótimo. Mas aconteceu com 30 anos de atraso”.

O Homem das Novidades

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes mudos que foram exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa feita anos atrás com a colaboração de Gil de Azevedo Araújo): 1917: COM CULPA NO CARTÓRIO / The Butcher Boy; ROMEU DE ESQUINA / A Reckless Romeo; A CASA DO SENHOR SANCHO / The Rough House; A NOITE DO CASAMENTO / His Wedding Night; O DR. JALAPA / Oh, Doctor!; FATTY EM CONEY ISLAND/ Coney Island/ 1918: O FISCAL FINÓRIO / Moonshine; PARODIANDO SALOMÉ / The Cook. 1919: FAZENDO CARREIRA TORTA / Back Stage; HERÓI DO DESERTO / A Desert Hero. 1920: O VENDEDOR DE AUTOMÓVEIS / The Garage; O PESADO / The Saphead; UMA SEMANA / One Week; O CONDENADO Nº13 / Convict 13; O ESPANTALHO / The Scarecrow; 1921: VIZINHOS VIGILANTES / Neighbors; A CASA MALUCA / The Haunted House; COM POUCA SORTE / Hard Luck; MELHOR QUE A ENCOMENDA / The High Sign; BODE EXPIATÓRIO / The Goat; O FAZ-TUDO / The Playhouse; UM GRANDE NAVEGANTE / The Boat. 1922: A PROVA DE FOGO / Paleface; O ENRASCADO / Cops; A PARENTELA DA ESPOSA / My Wife’s Relations; FERRADURAS MODERNAS / The Blacksmith; NO PAÍS DOS GELADOS / The Frozen North; SONHO E REALIDADE / Day Dreams; A CASA ELÉTRICA / The Electric House.1923: O AERONAUTA / The Balloonatic.

NO ALTO-MAR / The Love Nest; A IDADE DA PEDRA ou À ANTIGA E À MODERNA / The Three Ages; NOSSA HOSPITALIDADE / Our Hospitality. 1924: BANCANDO O ÀGUIA / Sherlock Jr.; MARINHEIRO POR DESCUIDO / The Navigator. 1925: OS SETE AMORES / Seven Chances; VAQUEIRO ESTILIZADO / Go West. 1926: BOXE POR AMOR / Battling Butler; O GENERAL / The General. 1927: AMORES DE ESTUDANTE / College. 1928: MARINHEIRO DE ENCOMENDA / Steamboat Bill Jr.; O HOMEM DAS NOVIDADES / The Cameraman. 1929: O NOIVO CARA…DURA / Spite Marriage.

WILLIAM S. HART

Desde os primórdios do Cinema, imersos na história e na lenda, os filmes de faroeste, por sua simplicidade e fotogenia e pelas emoções primárias e ingênuas que despertam, exercem imenso fascínio sobre o público.

Um vaqueiro galopando solitário pelos vales e pradarias; os ataques dos índios aos fortes e aos ranchos; o estouro da boiada e as perseguições eletrizantes; as brigas no tradicional saloon e os duelos entre xerife e pistoleiros nas ruas enlameadas e poeirentas; o extermínio brutal dos búfalos e a épica construção da ferrovia; a cavalaria chegando nos últimos instantes para salvar a caravana; os assaltos a bancos, trens e diligências; os massacres e os linchamentos; o bem e o mal em nítido confronto são visões excitantes por si mesmas, independentemente do enredo ou da cinestética.

Terra do Inferno

Além disso, houve sempre os mocinhos, cavaleiros andantes das planícies, que encarnavam nas telas a poesia da ação e ganharam, dos grandes cineastas, a sua alma e maior autenticidade.

Numa série de artigos vamos recordar os astros-cowboys “típicos”, reconhecidos facilmente pelos veteranos fãs do western, o gênero cinematográfico por excelência que, com toda a sua mística e encantamento, fez as delícias de muitas gerações.

William Surrey Hart nasceu em Newburgh, Nova York, a 6 de dezembro de 1864 (em algumas fontes, 1870), filho de James Howard Hart e Katherine Diedricht Hart. O pai viajou com a família pelos Estados de Illinois, Iowa, Minnesota, Wisconsin e Dakota, instalando maquinárias para moinhos. Nessas andanças pelo centro-oeste americano, o pequeno Bill conviveu com índios Minneconjou e Sioux e os poucos filhos de fazendeiros que viviam nos minúsculos povoados à beira dos rios. Ele aprendeu a cavalgar, nadar, tratar dos animais domésticos, lavrar a terra e a debulhar o milho.

Após certo tempo, voltaram todos para Newburgh, onde o jovem Hart frequentou a escola pública de West Farms, logo a abandonando para exercer sucessivamente os empregos de mensageiro de hotel e funcionário dos Correios.

Aos 23 anos, começou a estudar arte dramática, estreando nos palcos com a trupe de Daniel E. Dandmann. Nos anos seguintes integrou outras companhias, contracenando inclusive com Julia Arthur numa peça de Shakespeare.

Seus maiores êxitos na ribalta foram no papel de um “muscular e insolente” Messala em Ben-Hur, e depois como o vilão Cash Hawkins na versão teatral de The Squaw Man, “a primeira apresentação de um verdadeiro cowboy americano na Broadway”.

Numa turnê com a peça Trail of the Lonesome Pine, Hart assistiu a um filme de faroeste e descobriu que o Cinema era a sua vocação.

A chance chegou ao reencontrar Thomas Ince, antigo colega de teatro e companheiro de quarto, agora ocupando o cargo de supervisor da New York Motion Picture Company, sediada na Califórnia.

Ince colocou-o primeiramente como vilão em dois faroestes, His Hour of Manhood e Jim Cameron’s Wife, ambos de 1914 (Dir: Thomas Chatterton). No mesmo ano, deu-lhe o papel principal em The Bargain, dirigido por Reginald Barker, seguindo-se imediatamente On the Night Stag, igualmente sob direção de Barker.

As pré-estréias de The Bargain foram tão favoráveis que a New York Motion Picture preferiu vendê-lo à Famous Players, cuja subsidiária recém organizada, a Paramount, tinha grande capacidade de divulgação. Prevendo que Hart se tornaria astro, decidiram também guardar On the Night Stage nas prateleiras até que a Famous Players tornasse o nome do ator conhecido por todo o país.

Sem ainda ter percebido seu poder de atração sobre o público, Hart aceitou o salário de apenas 125 dólares semanais para funcionar como diretor e ator. Mudando-se para Los Angeles com sua idolatrada irmã, Mary Ellen, pôs-se a trabalhar com afinco nos estúdios de Santa Inez Canyon, conhecidos como Inceville.

Foram 18 faroestes de dois rolos e um de quatro rolos, O Lobo Ferido / The Darkening Trail para a New York Motion Picture até que, em setembro de 1915, Ince se uniu com Mack Sennett, Harry Aitken e D.W. Griffith e, juntos, fundaram a Triangle Film Corporation.

Twogunbill

Alto, forte, de olhos claros, rosto comprido e marmóreo, semblante taciturno, William Hart transmitia intensidade moral e dramática e encarnava as virtudes do homem do Oeste americano. Ele fazia questão de autenticidade na recriação dos ambientes. Queria fazer de seus filmes o equivalente cinematográfico das pinturas de Frederic Remington e as ilustrações de Charles Russell. As histórias de seus filmes eram simples, realistas, mas banhadas de sentimentalismo.

Hart desenvolveu e aperfeiçoou o tipo do “bom homem mau”, introduzido nas telas por G.M.Anderson (Broncho Billy), que, nos primeiros instantes da trama, começava mal-intencionado e depois se regenerava, praticando um gesto de bondade ou de nobreza pelo amor da mocinha ou por ter encontrado a fé na religião.

O toque romântico manifestava-se outras vezes na admiração que o herói despertava numa criança, na devotada afeição à irmã (reflexo da vida real) ou à memória dela, ou na amizade pelo seu cavalo malhado (Fritz), espécie de parceiro nas intrigas de seus filmes.

Com Ince na Triangle, Hart fez 17 faroestes de cinco rolos, destacando-se, neste período, Terra do Inferno / Hell’s Hinges / 1916 e Será Minha Escrava / The Aryan / 1916, dois clássicos da cena muda.

Será Minha Escrava

Hart começou então a sentir a popularidade, mas aparentemente não tinha noção dos lucros consideráveis que Ince vinha auferindo às custas de seu sucesso. Ele confiava na astúcia de Ince como realizador de espetáculos e homem de negócios e se sentia preso a ele por laços pessoais, recusando inclusive generosas ofertas de outros produtores, por lealdade ao amigo.

Hart foi com Ince para a Famous Player-Lasky em junho de 1917 e lá, finalmente,veio a receber um salário à altura do seu prestígio – 150 mil dólares por filme – repartindo ainda 35% dos rendimentos de cada filme com Ince que, na realidade, era “supervisor” apenas nominalmente.

William S. hart em açãoWilliam S. Hart e seu cavalo Fritz

Distribuídos pela Paramount-Artcraft, seguiram-se 25 filmes, muitos deles dirigidos por Lambert Hyllier, tendo Ince deixado a empresa após a 16ª produção. Nesta fase, salientam-se Meu Cavalo Malhado / The Narrow Trail / 1917, Afronta Injusta / Branding Broadway / 1918, Quero Morrer Lutando /The Toll Gate / 1920, Mãos Poderosas / The Testing Block / 1920 e Beijos que Torturam / Wild Bill Hickock / 1923.

Encantados com os filmes de Tom Mix, que já vinha subsituindo Hart como o astro do western número um, os chefões do estúdio, Zukor e Lasky, sugeriram uma mudança no critério de seleção das histórias.

Hart não cedeu à pressão e o fracasso comercial de Coragem, Crença e Afeições / Singer Jim McKee / 1924 acentuou o descontentamento mútuo. Hart então passou a funcionar com a United Artists, encerrando, com o épico O Rei do Deserto / Tumbleweeds / 1925 (Dir: King Baggott), o seu percurso cinematográfico.

williams hart , lamber hyllier

Sua última realização prenunciava os westerns “crepusculares” dos anos 60. Há uma cena no filme em que Don Carver, o vaqueiro interpretado por Hart, observa uma grande boiada sendo conduzida para fora das terras, que logo seriam oferecidas a todos os colonizadores. Ele tira seu chapéu e diz solenemente para os outros colegas: “Rapazes, é o fim do Oeste”. No final, vemos o tumbleweed (planta que se quebra e rola empurrada pelo vento), que simbolizava a mobilidade pessoal e a liberdade durante toda a narrativa, espetado em uma cerca de arame farpado.

Apesar da boa acolhida pelos críticos, a United não gostou do filme, tentou reduzir a metragem e se descuidou do lançamento. Hart recorreu à Justiça e ganhou a causa: mas o prejuízo já havia ocorrido.

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Desencorajado, retirou-se das telas e só voltaria como convidado especial em Fazendo Fita / Show People / 1928 de King Vidor, tendo sido também objeto de dois Instantâneos de Hollywood / Screen Snapshots da Columbia.

Fora de cena, Hart treinou Johnny MacBrown e Robert Taylor respectivamente em O Vingador / 1920 e Gentil Tirano / 1940, versões de Billy the Kid, e vendeu a história O’Malley of the Mounted à Fox, para uma refilmagem com George O’Brien.

Escreveu também alguns livros, entre eles a autobiografia My Life East and West e, em 1939, quando O Rei do Deserto foi relançado pela Astor Pictures com música, efeitos sonoros e um prólogo de oito minutos, Hart, vestido de cowboy, surgiu em alguns planos, dirigindo-se aos espectadores de forma comovente, chorando ao se lembrar de seu famoso cavalo Fritz e lamentando o fato de que já estava muito velho para fazer westerns.

William S. Hart faleceu em Los Angeles a 23 de junho de 1946 aos 81 anos. Ele havia doado sua propriedade ao Los Angeles County, para servir como centro de recreação, justificando assim o ato generoso: “Enquanto estava fazendo filmes, os fãs me deram os seus níqueis e centavos. Quando partir para sempre, quero que fiquem com o meu lar”.

Poster

FILMOGRAFIA

Vou mencionar apenas os filmes exibidos no Brasil com os respectivos títulos em português (fruto de uma pesquisa realizada anos atrás com a colaboração de Gil de Azevedo Araújo): 1914: O CONVERTIDO / The Conversion pf Frosty Blake; SR. NINGUÉM / In the Sage Brush Country. 1915: BANDIDO REGENERADO / The Scourge of the Desert; CORAÇÃO DE BANDIDO / Mr. “Silent” Haskings; O FUGITIVO / The Taking of Luke McVane; UM FALSO AMIGO / The Man from Nowhere; O LOBO FERIDO / The Darkening Trail; O GARIMPEIRO / A Knight of the Trails; SUPREMA REVOLTA / The Disciple; PRÉLIO DE GIGANTES / Between Men. 1916: TERRA DO INFERNO / Hell’s Hinges

; SERÁS MINHAS ESCRAVA / The Aryan; VINDITA DE AMOR / The Primal Lure; O DEUS CATIVO / The Captive God; AURORA NOVA / The Dawn Maker; ALGEMAS DO PASSADO / The Return of Draw Egan; CORAÇÃO DE GUERREIRO / The Patriot; SATANÁS NA TERRA / The Devil’s Double; APÓSTOLO MODERNO / Truthful Tulliver; TERRA DE SANGUE / The Gun Fighter; RUMO NOVO / The Square Deal Man. 1917: O HOMEM DO DESERTO / The Desert Man; AMOR DE LOBO / Wolf Lowry; TRUNFO É PAU ou BRAÇO FORTE / The Cold Deck; MEU CAVALO MALHADO / The Narrow Trail; BRAÇO DE FERRO / The Silent Man. 1918: LOBOS DE ESTRADA ou MANIFESTAÇÃO DE FÔRÇA / Wolves of the Rail; VITÓRIA E DERROTA / Blue Blazes Rawden; EU ACIMA DE TUDO / Selfish Yates; A VITÓRIA DO SENHOR / Staking his Life; O INIMIGO AMADO / Shark Monroe; O HOMEM TIGRE / The Tiger Man;

A LEI DA COMPENSAÇÃO / Riddle Gawne; AFRONTA INJUSTA / Branding Broadway. 1919: O HOMEM DO POVO / Breed of Men; MINHA ADORAÇÃO / The Poppy Girl’s Husband; FADOS ADVERSOS / The Money Corral; JUSTO PRESTÍGIO / Square Deal Sanderson; MISSÃO DE VINGANÇA / Wagon Tracks; UM AMIGO PRECIOSO ou JOÃO DAS SAIAS / John Petticoats; AMIZADE INDISSOLÚVEL / Sand. 1920: QUERO MORRER LUTANDO / The Toll Gate; BATISMO DE FOGO / The Cradle of Courage; MÃOS PODEROSAS / The Testing Block; MARTÍRIO / O’ Malley of the Mounted. 1921: O APITO / The Whistle; O CORAJOSO / White Oak; MEU CAVALO FIEL / Travelin’on; O HOMEM DAS TRÊS PALAVRAS / Three Word Brand. 1923: BEIJOS QUE TORTURAM / Wild Bill Hickock. 1924: CORAGEM, CRENÇA E AFEIÇÕES / Singer Jim McKee. 1925: O REI DO DESERTO / Tumbleweeds.

OS SERIADOS DE ANTIGAMENTE

Para quem teve a sorte de ser criança nas décadas de 30, 40 e 50, acontecia uma coisa mágica nas sessões dos sábados e domingos dos cinemas de bairros: os seriados.

Era um mundo fantástico de cidades perdidas e tesouros escondidos, passagens secretas e armadilhas traiçoeiras, perseguições eletrizantes e perigos fatais, vilões misteriosos e heróis mascarados – puro escapismo, sim, mas irresistível.

A trama continuava em outros capítulos (chapters), geralmente 12 ou 15, terminando cada um por um lance de suspense (cliffhanger), para forçar o espectador a assistir aos subseqüentes. No final de cada capítulo, o mocinho ou a mocinha ficavam à mercê de uma situação mortífera da qual a rigor não poderiam escapar, mas, no início do capítulo seguinte, exibido somente “na próxima semana”, conseguiam sair milagrosamente ilesos.

 

A fórmula continha ainda os seguintes atrativos: um mínimo de diálogos, muita ação e estreito relacionamento com as histórias em quadrinhos. Era um esquema infalível que funcionou desde a época silenciosa do Cinema, porém a idade de ouro dos serials deu-se na fase sonora, quando foram produzidos 231 filmes deste tipo, sendo 69 pela Universal, 66 pela Republic, 57 pela Columbia, 24 pela Mascot e 15 por outras companhias.

A partir do final da Segunda Guerra Mundial, o gosto do público foi mudando, advieram dificuldades econômicas e a concorrência da televisão e, em 1949, a Universal parou de produzí-los, deixando o mercado para a Republic e a Columbia (que a esta altura já havia incorporado a Mascot), persistindo ambas em funcionamento até 1956.

O ator mais lembrado pelos fãs nostálgicos dos serials foi Buster Crabbe (1908-1983), que chegou a ser chamado de “O Rei dos Seriados”.

 

Nascido em Oakland, Califórnia, Clarence Linden Crabbe foi criado no Havaí e mais tarde voltou para os EUA, ingressando na Universidade, para seguir o curso de Direito. Lá transformou-se no campeão olímpico de 1932 (Crabbe bateu o recorde de 400 metros, nado livre, vencendo o francês Jean Taris, favorito da prova, por 1/10 de segundo) e começou a trabalhar em espetáculos em piscinas denominados acquacades.

Ainda nesse tempo, arrumou emprego no cinema como figurante e dublê (foi ele quem substituiu Joel McCrea nas cenas arriscadas de Zaroff, o Caçador de Vidas / The Most Dangerous Game / 1932) e se apresentou depois à MGM, a fim de ser testado para o papel de Tarzan; mas o estúdio preferiu Johnny Weissmuller.

A Paramount acabou contratando Crabbe para encarnar Kaspas, o Homem-Leão / King of the Jungle / 1935 e, no mesmo ano, ele aceitou fazer para a Principal Pictures o seu primeiro seriado, Tarzan, o Destemido / Tarzan, the Fearless. Crabbe fez alguns filmes de segunda categoria até 1936, quando se tornou o ator principal de Flash Gordon / Flash Gordon.

O seriado com o célebre personagem dos quadrinhos teve duas continuações, Flash Gordon no Planeta Marte / Flash Gordon’s Trip to Mars / 1938 e Flash Gordon Conquistando o Mundo / Flash Gordon Conquers the Universe / 1940, ambas com Crabbe, que viveu ainda outras figuras dos comics como Red Barry / Red Barry / 1938 e Buck Rogers / Buck Rogers / 1939.

 

Nos anos seguintes, o simpático ator encabeçou os elencos de faroestes de orçamento reduzido entre eles duas séries da PRC, Billy the Kid (13 filmes) e Billy Carson (22 filmes) e dos seriados O Terror dos Mares / The Sea Hound / 1947, Piratas do Alto-Mar / Pirates of the High Seas / 1950 e Os Mistérios da África / King of the Congo / 1952.

Talvez tenha sido Flash Gordon o mais famoso seriado de todos os tempos. Impressionados com o sucesso da história em quadrinhos de Alex Raymond, cuja publicação no jornal começara em 1934, os chefões da Universal resolveram filmá-la em 13 episódios, pondo à disposição do produtor Henry McRae um orçamento de um milhão de dólares, soma espantosa, levando-se em conta a época e a espécie de filme que ia ser feito.

 

Para reconstituir economicamente a estranha paisagem do Planeta Mongo, tal como ilustrada pelo excelente desenhista, o estúdio apelou para o seu próprio Departamento de Adereços, utilizando em Flash Gordon muitos cenários e objetos de filmes anteriores como Frankenstein / Frankenstein / 1931, A Múmia / The Mummy / 1932 e O Poder Invisível / The Invisible Ray / 1936 e retirando do arquivo sequências de filmes mudos como O Sol da Meia-Noite / The Midnight Sun / 1927.

Na seleção da música também houve poupança, tendo sido aproveitados partes de trilhas sonoras de filmes de horror produzidas anteriormente como O Homem Invisível / Invisible Man / 1933, O Lobishomem de Londres / Werewolf of London / 1935, A Noiva de Frankenstein / Bride of Frankenstein / 1935, etc. às quais adicionaram música de Tchaikovski. para o balé “Romeu e Julieta”.

Curiosamente, estas composições, feitas para transmitir terror, melodrama ou romance, funcionaram muito bem como pano de fundo para lutas de espada e perseguições de foguetes tanto que nas continuações prosseguiram usando musical scorings de filmes antigos da companhia.

Conseguiu-se mais economia ao filmar-se a maioria das cenas de Flash Gordon em interiores ou nos terrenos da Universal com exceção de algumas locações distantes no Bronson Canyon, área cheia de paredões rochosos e cavernas, ideal para reconstituir o pré-histórico panorama de Mongo.

Flash Gordon

Os roteiristas Frederik Stephani (que acumulou a função de diretor), George Plymptin, Basil Dickey e Ella O’Neill inspiraram-se nos textos de Alex Raymond, procurando seguí-los o mais fielmente possível e os vestuários foram confeccionados meticulosamente pela Hollywood Western Costume Company.

Nas cenas de briga atuou o stuntman Eddie Parker e, no elenco, Buster Crabbe / Flash Gordon; Jean Rogers / Dale Evans; Frank Shannon / Dr. Zarkov; Charles Middleton / Ming; Priscilla Lawson / Princesa Aura); Richard Alexander / Príncipe Barin, John “Tiny” Lipson / Vultan; Duke York Jr./ Kala; James Pierce / Príncipe Thun, o Homem-Leão; Glenn Strange / Homem-Dinossauro e Ray “Crash” Corrigan oculto sob a fantasia de um oragotango peludo, sem dizer palavra.

No decorrer dos anos houve outras versões de Flash Gordon no cinema, no rádio e na TV. Infelizmente, em todas elas, faltou a presença de Buster Crabbe, um dos poucos atores que parecia mesmo um herói do gibi.

Outra cena de Flash Gordon

ANITA PAGE

Na minha vida de fã de cinema não tenho feito outra coisa senão procurar filmes dos anos 20 a 50, que ainda não conheço, pois me interesso sobretudo pelo cinema clássico dos Estados Unidos, França e Inglaterra. Tendo nascido em 1938 e depois com a ajuda do dvd, de muitos amigos e colecionadores daquí e do estrangeiro, conseguí ver boa parte da produção americana, francesa e inglesa daquela época. Porém a todo momento surge mais uma obra que não tinha assistido.

Anita Page

Meses atrás recebí cinco desses filmes: Enquanto a Cidade Dorme / While the City Sleeps / 1928 (Dir: Jack Conway), Asas Gloriosas / Flying Fleet / 1929 (Dir: George Hill), Enfermeiras de Guerra / War Nurse / 1930 (Dir: Edgar Selwyn), Injustiça / Night Court / 1932 (Dir: W.S.Van Dyke) e Almas de Arranha-Céus / Skyscraper Souls / 1932 (Dir: Edgar Selwyn). Na mesma ocasião, chegou Broadway Melody / Broadway Melody / 1929 (Dir: Harry Beaumont) em ótima cópia apresentada pela Warner.

Por coincidência, todos esses filmes, dos quais gostei muito, eram com Anita Page, a estrelinha loura de olhos azuis que brilhou em Hollywood nos primeiros anos do Cinema Falado.

Nessa época Anita estava recebendo dez mil cartas de fãs por semana, perdendo apenas para Greta Garbo em popularidade epistolar – um admirador particularmente obsessivo era Benito Mussolini, que lhe mandara diversas propostas de casamento. O compositor Nacio Herb Brown, marido de Anita por alguns meses em 1934, dedicou-lhe a canção “You Were Meant For Me”, que foi cantada para ela por Conrad Nagel em Hollywood Revue / The Hollywood Revue of 1929 / 1929.

De descendência espanhola, Anita Evelyn Pomares (1910-2008) nasceu em Flushing, Nova York, filha de um engenheiro eletricista. A estrela do cinema silencioso Betty Bronson era vizinha da família e Anita fez sua estréia como figurante em um filme de Bronson, Os Mil Beijos da Cinderella / A Kiss for Cinderella / 1926.

Posteriormente, Anita estudou dança com Martha Graham e trabalhou como modelo, antes de ingressar numa companhia de cinema independente de propriedade de Harry T. Thaw, o magnata que havia sido réu numa famosa ação criminal, vinte anos atrás, quando ele matou o amante de sua esposa, a corista Evelyn Nesbitt. Anita viajou com Thaw e sua companhia para Hollywood, mas o filme que fizeram nunca foi lançado.

Anita Page e William Haines em O Turuna da Marinha

Anita Page e Ramon Novarro em Asas Gloriosas

Anita voltou para Nova York e, com a ajuda de Bronson, conseguiu que suas fotografias fossem vistas pelos principais agentes de Hollywood. A MGM deu-lhe um contrato e o nome de Anita Page. Seu primeiro sucesso foi ao lado de William Haines (Dom Piratão / Telling the World / 1928) com quem estaria de novo em O Turuna da Marinha / Navy Blues / 1929. Pelo comentário do resenhista da revista Cinearte a respeito de Dom Piratão percebemos que Anita já começou abafando: “William Haines teve a mais encantadora heroína do mundo – Anita Page, que estreou neste filme”.

No seu próximo compromisso, Filhas Modernas ou Garotas Modernas / Our Dancing Daughters / 1928, um dos três filmes nos quais contracenou com Joan Crawford, Anita chamou a atenção como a garota que rouba o namorado de Joan. Este desempenho fez com que o estúdio a colocasse ao lado de dois de seus maiores astros, Lon Chaney em Enquanto a Cidade Dorme e Ramon Novarro em Asas Gloriosas. Enquanto a Cidade Dorme trouxe Lon Chaney de “cara limpa” como um detetive irlandês veterano da polícia que protege uma jovem (Anita Page) envolvida com gângsteres; Asas Gloriosas, gira em torno de dois amigos, pilotos da Aviação Naval (Ramon Novarro, Ralph Graves), que se apaixonam pela mesma garota (Anita Page), ocorrendo a rivalidade entre ambos. No primeiro filme, Anita causou o seu primeiro grande impacto na tela, situando-se no mesmo plano que Chaney em termos de interpretação. No segundo, apenas mostrou sua beleza e graciosidade, pois o verdadeiro trunfo do espetáculo eram as impressionantes seqüências de fotografia aérea.

Lon Chaney e Anita Page em Enquanto a Cidade Dorme

Dorothy Sebastian, Joan Crawford e Anita Page em Garotas Modernas

Seu papel em Broadway Melody como Queenie, cujo número de vaudeville com a irmã (Bessie Love) é ameaçado quando ambas se apaixonam pelo mesmo homem, é o mais lembrado pelo público. Este filme, o primeiro falado exibido no Brasil, foi uma surpresa agradável, pois eu esperava um daqueles musicais chatérrimos do início do som.

Bessie Love e Anita Page em Broadway Melody

Anita esteve com Joan Crawford novamente em Donzelas de Hoje / Our Modern Maidens / 1929 e Noivas Ingênuas / Our Blushing Brides / 1930; com Buster Keaton em O Jeca de Hollywood / Free and Easy / 1930 e Ruas de Nova York / Sidewalks of New York / 1931; com John Gilbert em O Destino de um Cavalheiro / Gentleman’s Fate / 1931; com Robert Montgomery em Tentação do Luxo / The Easiest Way / 1931, etc. Em seguida a MGM começou a emprestá-la para companhias de porte menor como a Universal e a Columbia e outras ainda mais modestas como Invincible ou Chesterfield, retendo-a apenas para filmes que eles chamavam de programmers (produções de orçamento médio que podiam substituir tanto um filme A como um filme B na programação dos cinemas).

Anita participou de três ótimos programmers, que estão entre esses que eu recebi: Enfermeiras de Guerra / War Nurse / 1930, Injustiça / Night Court / 1932 e Almas de Arranha-Céus / 1932.

Warren William e Maureen O' Sullivan em Almas de Arranha-Céus

Enfermeiras de Guerra e Almas de Arranha-Céus revelaram um diretor até então desconhecido por mim, Edgar Selwyn. O primeiro filme ilustra os horrores da Primeira Guerra Mundial, celebrando as enfermeiras militares. Anita tem um desempenho louvável como a enfermeira inocente que se entrega a um aviador e depois sofre uma amarga desilusão. O segundo é um pre code (filme realizado antes da criação do Código de Auto-Censura de Hollywood) com múltiplas tramas bastante ousadas, que se entrecruzam harmoniosamente num gigantesco arranha-céu. Alí, Dave Dwight, empresário astuto e sem escrupúlos (interpretado admiravelmente por Warren William) manipula a cotação das ações e trai suas amantes na ambição de controlar o edifício de cem andares. Anita é Jennie LeGrande, uma garota que dorme com qualquer homem por dinheiro, um papel pequeno, pois a atriz principal é Maureen O’ Sullivan.

Fiquei tão entusiasmado com Edgar Selwyn, que recorrí logo aos meus fornecedores e eles me mandaram: O Pecado de Madelon Claudet / The Sin of Madelon Claudet / 1931, Lição ao Mundo / Men Must Fight / 1933, Voltando ao Passado / Turn Back the Clock / 1933, Pela Vida de um Homem / Penthouse / 1933 e O Mistério de Mr. X / The Mystery of Mr. X / 1934, todos aprovados com louvor por este insaciável amante de cinema que lhes fala. Com esses filmes preenchí uma lacuna na minha educação cinematográfica.

Injustiça, outro pre code, mostra um juiz corrupto (Walter Huston) que manda prender por prostituição a mulher (Anita Page) de um chofer de taxi (Phillips Holmes), porque ela acidentalmente tivera acesso ao extrato bancário do magistrado. O juiz depois manda seqüestrar o chofer, até que acontece um final surpreendente, muito bem armado pelo competente W.S. Van Dyke.

Walter Huston e Anita Page em Injustiça

Quando seu contrato expirou em 1933, Anita anunciou seu afastamento das câmeras aos 23 anos de idade. Numa entrevista concedida anos depois ao autor Scott Feinberg, Anita admitiu que a verdadeira causa de sua “aposentadoria” foi o assédio que sofreu por parte de Irving Thalberg. Indignado pela recusa de Anita em ceder aos seus avanços, Thalberg, apoiado por Louis B. Mayer, convenceu os chefes dos outros estúdios a fechar suas portas para a atriz.

Em 1937 Anita casou-se com um oficial da Marinha, Herschel House e só voltaria às telas em 1996, aparecendo em filmes de horror de baixa qualidade. Ela estaria em dificuldades financeiras aos 86 anos de idade ou teve saudade dos seus dias de glória?