Até que enfim achei em Paris o dvd de The Saga of Anatahan / 1953, que lá saiu com o título de Fièvre sur Anatahan, e pude ver um filme único, obra-prima de seu realizador, Josef von Sternberg.
A derradeira realização de Josef von Sternberg inspira-se num fato real – sobreviventes de um avião de guerra japonês recusaram-se a acreditar na capitulação de seu país e passaram sete anos numa ilha deserta, até serem recolhidos por um avião americano – acrescentando um casal, cuja mulher, Keiko (Akemi Negishi), apesar da vigilância do companheiro (Tadashi Suganuma), desperta o desejo dos homens, levando-os à luta pelo poder, à deterioração moral e à morte.
A tensão cresce quando um avião cai na ilha. Os corpos dos passageiros sumiram, mas entre os destroços encontram-se pistolas, munição, fios para fazer um shamisen (tradicional instrumento de cordas) e um pára-quedas, que Keiko transforma em roupas atraentes.
A ação transcorre numa selva fantástica, constituída de gigantescas raízes de cedros, musgos e trepadeiras entrelaçados, formando sombras intrincadas, no meio das quais aparece e desaparece a jovem sensual – consagrada como “Rainha das Abelhas” por um dos que queriam possuí-la -, atiçando os instintos da vida e da morte.
Neste cenário propositadamente irreal, que serve como microcosmo da sociedade, o diretor – tal como explicou na sua autobiografia Fun in a Chinese Laundry (Mercury House, 1988) – faz uma experiência da psicologia indireta de massa, alertando-nos para a necessidade de “reinvestigarmos nossas emoções e a confiabilidade de nosso controle sob circunstâncias desfavoráveis”.
Instalado com toda a sua família no Japão, Sternberg realizou aquele que deveria ser o seu filme predileto com toda liberdade e em condições para ele ideais, ou seja, inteiramente dentro de um estúdio em Kyoto, onde foi construída aquela selva totalmente falsa. Isto lhe permitiu praticar uma encenação fulgurante, manejando com virtuosismo a luz e a sombra, o preto e o branco.
Encontramos poucos exemplos na História do Cinema de um filme tão original quanto Anatahan: a voz de Sternberg, falando em inglês, cobre os diálogos, que são ditos em japonês, sem serem traduzidos por legendas. O diretor narra a história em tom de pseudo-reportagem, algumas vezes antecipando os acontecimentos, advertindo a platéia do que vai acontecer e em outras vezes contradizendo o que a gente vê. Ele relata certos episódios, tirando deles uma lição, situando-se em alguns momentos no centro do drama e logo se afastando, deixando para a câmera a incumbência de mostrar aquilo que ele não testemunhou.
A única mulher do filme foi escolhida entre as coristas de um teatro, após cada geisha de Tóquio ter desfilado diante do diretor. Três veteranos do Kabuki foram acrescentados ao elenco e o resto dos homens selecionados em escolas de dança com exceção de um, recrutado em um restaurante.
Além da narração em voz over, Sternberg acumulou as funções de diretor, roteirista e cameraman, revelando-se mais uma vez, um autor completo e um cineasta que tem lugar garantido entre os grandes artistas do Cinema.
Strenberg trabalha a imagem como poucos! Seus filmes são aulas de estilo e senso visual. Até mesmo trabalhos inferiores como Jet Pilot, malfadada incursão do diretor na RKO de Howard Hughes, conseguem ter uma graça a mais. Anathan é um desbunde visual obrigatório!
Você tem toda razão