Arquivo diários:fevereiro 21, 2010

ESPADACHINS DE HOLLYWOOD E SEUS TREINADORES

Desde os primórdios do Cinema, os filmes de capa-e-espada empolgaram os fãs. A figura central destes filmes é um espadachim intrépido, que combina beleza máscula e agilidade corporal, charme e espírito de aventura. Em relatos aos quais não pode faltar energia dramática, vive intrigas rocambolescas, inseridas num contexto romântico e inspiradas geralmente em novelas históricas, folhetins popularescos ou contos orientais.

As peripécias são descritas em puro estilo visual, construído com o colorido dos trajes de época, a opulência dos cenários e, sobretudo, emocionantes lutas de esgrima.

Quem primeiro dotou o espadachim de um fascínio irresistível foi Douglas Fairbanks numa série de filmes que inclui A Marca do Zorro / The Mark of Zorro / 1920, Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeers / 1921, Robin Hood / Robin Hood / 1922, O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1924, Don Q, Son of Zorro / O Filho do Zorro / 1925, O Pirata Negro / The Black Pirate / 1926, O Máscara de Ferro / The Iron Mask / 1929. Saltitante e sorridente, Douglas dominava o espaço com suas fabulosas piruetas e contagiante dinamismo, tornando-se um dos grandes ídolos do público.

Douglas Fairbanks em A Marca do Zorro

Douglas Fairbanks não dirigia os filmes, porém supervisionava cuidadosamente as produções, escrevia roteiros (sob o pseudônimo de Elton Thomas), selecionava elencos e colaborava no planejamento das cenas de ação, que fazia questão de executar sem ajuda de substitutos.

Em A Marca do Zorro aprendeu os rudimentos da esgrima com o belga Henry J. Uyttenhove, que continuou a assessorá-lo em Os Três Mosqueteiros e Robin Hood. Uyttenhove, pioneiro dos treinadores de luta de espada em Hollywood, teria como sucessor Fred Cavens, também nascido na Bélgica e formado no Instituto Militar de Educação Física e Esgrima daquele país.

Cavens trabalhou com Fairbanks em O Filho do Zorro, O Pirata Negro e O Máscara de Ferro, encenando, no segundo filme, um duelo sensacional de florete e punhal entre Fairbanks e Anders Randolf, superior a todos relizados até então. Os atores fizeram as cenas sozinhos e, no final, Randolf caía sobre o punhal que Fairbanks, num lance anterior, fincara na areia com a ponta voltada para cima.

O Pirata Negro

No mesmo ano, Cavens preparou para John Barrymore e Montagu Love outra luta com as mesmas armas. No desenlace, Barrymore joga o florete no chão e pula de uma enorme escadaria sobre o corpo de Love, matando-o com o punhal. Este duelo de Don Juan / Don Juan / 1926 foi o mais longo e eficiente de todo o período silencioso. Pela primeira vez houve uma alternação rápida dos planos afastados da luta com os close-ups dos litigantes, para aumentar a dramaticidade

Outros duelos que chamaram a atenção nos anos 20 foram os de Ramon Novarro e Lewis Stone em O Prisioneiro de Zenda e Scaramouche, ambos realizados sem dublê sob orientação de Uyttenhove.

No cinema falado, Errol Flynn consagrou-se como a maior personalidade romântica do filme de aventura. Bonitão e de porte atlético, transmitindo vitalidade e simpatia, inaugurou com Capitão Blood / Captain Blood / 1935 sua incursão pelo gênero, enfrentando Basil Rahtbone em cena inesquecível rodada numa praia rochosa da ilha de Catalina.

Errol Flynn e Basil Rathbone em Capitão Blood

Fred Cavens ensinou os dois atores a manejarem as espadas, repetindo a dose em As Aventuras de Robin Hood / The Adventures of Robin Hood / 1938. Neste filme, os golpes do duelo no desfecho, com efeitos expressionistas de luz-e-sombra, permanecem na memória dos espectadores. Como a ação transcorria na Idade Média, foram usadas espadas de lâmina larga, mas, no que diz respeito à técnica de esgrima, não houve a mesma preocupação de autenticidade, inserindo-se, por exemplo, a estocada, que só seria desenvolvida muitos séculos depois.

Aventuras de Robin Hood

Errol Flynn e Basil Rathbone em Aventuras de Robin Hood

Para Cavens, o ator precisa saber esgrimir com graça e projetar sua presença na tela, o que é desnecessário nas competições de verdade. “Conhecí campeões olímpicos que tinham uma aparência atroz, e não podiam aparecer nos filmes, porque o público ia rir deles. Mas, num duelo pra valer, eram extremamente perigosos”, dizia Cavens.

Em O Gavião do Mar/ The Sea Hawk / 1940 Flynn foi substituído em algumas cenas por Don Turner e Henry Daniell por Ned Davenport e Ralph Faulkner. Mais tarde, em As Aventuras de Don Juan / The Adventures of Don Juan /1949, travaria excitante luta contra Robert Douglas (substituido por Cavens) passada no cenário grandioso do palácio real. A queda espetacular de Don Juan em cima de seu oponente, cópia da de John Barrymore na primeira versão, foi executada por Jock Mahoney, único stuntman que topou se arriscar no lugar do artista principal.

Três anos depois, em Contra Todas as Bandeiras / Against All Flags, um dublê substituiu Flynn numa cena idêntica à de Douglas Fairbanks em O Pirata Negro, quando o herói desce do mastro até o convés, rasgando a vela da embarcação

Em 1940, Darryl F. Zanuck contratou Basil Rathbone para a refilmagem de A Marca do Zorro. Além de ter sido excelente vilão, Rathbone foi um dos poucos atores que sabia realmente esgrimir. No longo duelo de sabre, ele luta contra o filho de Cavens, Albert, que serviu como dublê de Tyrone Power. Em outras cenas, adestrado por Cavens pai, Tyrone não deu vexame, mas ficou claro que Rathbone possuía melhores dotes de espadachim.

Tyrone Power e Basil Rathbone em A Marca do Zorro

Tyrone Power treinando com Fred Cavens

Fred Cavens treina Basil Rathbone

Em O Cisne Negro / The Black Swan / 1942 Tyrone duelou com George Sanders no tombadilho de um navio de bandeira negra, porém a luta teve pouca vibração, o mesmo ocorrendo com a do desfecho de O Capitão de Castela / Captain from Castile / 1947, no qual despachava John Sutton para o outro mundo.

O Cisne Negro

Luta de sabre muito lembrada, ainda nos anos 30, foi a de Ronald Colman (Rudolf Rassendyl) e Douglas Fairbanks Jr. (Rupert de Hentzau) em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1937; nova versão produzida por David O. Selznick, teve como consultor Ralph Faulkner, que no filme fez também o papel de Bersonin.

Douglas Fairbanks Jr. e Ronald Colman em O Prisioniero de Zenda

Ronald Colman treina com Ralph Faulkner

Faulkner, campeão olímpico de sabre e espada em 1928 e 1932, já vinha trabalhando com Cavens e virou seu rival na profissão. Tinha uma escola de esgrima em Hollywood e viveu, como ator, a figura de treinador deste esporte em dois filmes: Berço de Estrelas / The Star Maker / 1939 e Débil é a Carne / The Foxes of Harrow / 1947.

O principal defeito do duelo entre Colman e Fairbanks Jr. é a discrepância entre as tomadas obviamente aceleradas e as de velocidade normal, mas o combate vale pela força de diálogos sarcásticos entre os contendores e pela boa estampa dos dois astros.

Douglas Fairbanks Jr. teve uma luta contra Akim Tamiroff em Os Irmãos Corsos / The Corsican Brothers / 1941 (ambos substituídos por Cavens) e apareceu em outros capa-e-espada – Sinbad, o Marujo / Sinbad the Sailor /1947; O Exilado / The Exile / 1947 e Amor e Espada / The Fighting O’ Flynn / 1948 -, sempre agitado e com o sorriso do pai nos lábios.

Considerado um dos melhores atores de filmes de espadachim no período sonoro, depois de Errol Flynn, Fairbanks Jr. distinguia-se mais pela boa forma física e a maneira inteligente e fluente como dizia as gabolices dos heróis que personificava do que propriamente pela capacidade como esgrimista.

O modo pelo qual os duelos cinematográficos eram concebidos, ensaiados e executados variava ligeiramente de um estúdio ou de um instrutor de esgrima para outro. De uma maneira geral, os atores ficavam primeiro sob os cuidados do instrutor durante algumas semanas e até meses, a fim de conhecerem o alfabeto da arte da esgrima. Depois, o instrutor preparava a continuidade das cenas de comum acordo com o diretor e o cenógrafo do filme. Quando a continuidade – a “rotina” do duelo – estava estabelecida, o expert ensinava-a para um dublê, cruzando espadas com ele diante dos atores. Estes então aprendiam a rotina por partes, chamadas “frases”, com o instrutor.

Nos anos 40 merecem ser mencionados os magníficos duelos de Gene Kelly em Os Três Mosqueteiros / The Three Musketeers / 1948, supervisionados por Jean Heremans, mais um mestre de esgrima belga, que sucedeu a Uyttenhove e Cavens como instrutor no Los Angeles Athletic Club.

As cenas de lutas de espada contra os guardas de Richelieu, filmadas nos jardins Busch de Pasadena, distinguiam-se pela coreografia cômico-acrobática acompanhada pela música de Tchaikowsky, num arranjo barroco. Heremans aparece no desenrolar do filme interpretando diversos adversários de D’Artagnan, inclusive no duelo de cinco minutos na praia – outro ponto alto do espetáculo.

Nos anos 50 surge Stewart Granger. Coube a Granger fazer a melhor e mais longa luta de esgrima do Cinema, na refilmagem de Scaramouche / Scaramouche, obra-prima de George Sidney, produzida em 1952. Subscrita por Heremans e com a duração de seis minutos e trinta segundos, ela tem lugar no Ambigu Theatre. Granger (André Moreau / Scaramouche) e Mel Ferrer (Marquês de Meynes) duelam pela borda dos camarotes, pelos corredores, escadas e saguão, no palco, sobre as poltronas, nos bastidores. Quando André tem o Marquês à sua mercê, uma força íntima impede de matá-lo. Fica sabendo logo depois que o adversário é, na realidade, seu meio-irmão. Na primeira versão, André (Ramon Novarro) descobria que o Marquês (Lewis Stone) era seu pai. Não havia música. Os únicos sons ouvidos durante a luta eram o tinir das lâminas, a respiração ofegante e os grunhidos dos contendores, e a reação vocal da platéia do teatro.

Mel Ferrer treina com Jean Heremans

Mel Ferrer e Stewart Granger em Scaramouche

Heremans orientou de novo o ator inglês em O Prisioneiro de Zenda / The Prisoner of Zenda / 1952, mas o duelo de Granger (Rassendyl) contra James Mason (Hentzau) com sabres de cavalaria não foi tão longo e espetacular como o de Scaramouche.