Arquivo diários:fevereiro 13, 2010

AS DUAS VERSÕES DE VÍTOR OU VITÓRIA

Finalmente pude ver as duas versões anteriores de Vítor ou Vitória / Victor / Victoria, a divertida comédia musical realizada por Blake Edwards em 1982 com Julie Andrews e Robert Preston nos papéis que dão nome ao título do filme.

Uma versão é alemã, Viktor und Viktoria / 1933 (Dir: Reinhold Schunzel) com Renate Müller e Hermann Thimig e outra inglesa, Mulher antes de Tudo / First a Girl / 1935 (Dir: Victor Saville) com Jessie Mathews e Sonnie Hale. Curiosamente Viktor und Viktoria só foi exibido no Sul do Brasil. No resto do país passou a versão francesa, George e Georgette / Georges et Georgette com Meg Lemonnier e Julien Carette substituindo Renate Müller e Hermann Thimig.

Renate Muller

As duas versões são parecidas. Muitas cenas como, por exemplo, a dos gansos no camarim ou aquela em que Vitória vai beber no bar do hotel, são quase idênticas. Em ambas, ao contrário do filme de Blake Edwards, não há alusão ao mundo gay (Víctor, o amiguinho transformista de Victória, é hetero e dá em cima das moças). Tanto uma como a outra apresentam coreografias inspiradas nas criações de Busby Berkeley e canções típicas dos anos trinta.

O filme alemão foi um grande sucesso de bilheteria, mas eu prefiro a produção britânica, mais animada e com melhores números musicais. Logo no início o desfile de modas alternando com a rumba dançada por Jessie e suas colegas funcionárias do atelier de alta costura de Madame Seraphina; o sapateado de Jessie e Sonnie no “Casino des Folies”, a dança de Jessie rodopiando cheia de plumas até ser erguida para o alto de uma imensa gaiola; o número mais influenciado por Berkeley com as coristas vestidas de saiotes e chapéus listrados são os momentos mais eufóricos do espetáculo.

Jessie Matthews

A dupla Renate Muller – Hermann Thimig dançam e cantam satisfatoriamente, porém não têm a alegria contagiante de Jessie Mathews – Sonnie Hale. Fiquei fascinado por Jessie e Sonnie, principalmente Jessie, que eu já conhecia do filme Sempre Viva / Evergreen. Agora ela me impressionou demais. Graciosa e brincalhona (inesquecível a piscadela de olho em close-up para a platéia) com seu corpinho pequenino e rosto de menina travessa Jessie está simplesmente encantadora.

Renate Müller era uma das atrizes mais formosas do cinema alemão do início da década de trinta e chegou a ser apontada como sucessora de Marlene Dietrich, depois que esta partiu para a América. Quando Renate se recusou a participar de filmes de propaganda dos ideais nazistas e a se afastar do seu amante judeu, foi perseguida pela Gestapo e se suicidou aos 31 anos de idade.

JOHN GILBERT REDESCOBERTO

John Gilbert parece que está esquecido hoje ou, quando se lembram dele, é como um astro do cinema mudo que não se adaptou aos filmes sonoros. É uma pena, porque Gilbert era um ator muito talentoso e seus melhores filmes como A Viúva Alegre / The Merry Widow / 1925 (Dir: Erich Von Stroheim), O Grande Desfile / The Big Parade / 1925 (Dir: King Vidor), O Diabo e a Carne / The Flesh and the Devil / 1926 (Dir: Clarence Brown) são verdadeiras obras-primas da 7ª arte.

Embora o declínio artístico do maior galã romântico de sua época após a morte de Rudolph Valentino tivesse sido atribuído publicamente à sua voz estridente e incompatível com a imagem que criara na tela, quem estava por dentro dos bastidores de Hollywood sabia da verdade – Gilbert foi vitima do enorme poder e influência de Louis B. Mayer, que sempre o odiara.

Anos depois de sua morte, o roteirista e produtor contratado da MGM, Carey Wilson, contou a Leatrice Fountain, filha de Gilbert, que Mayer havia lhe dito: “Eu odeio o bastardo porque ele não gosta da mãe dele”. Carey acrescentou para Leatrice: “Nunca vi tanto ódio na minha vida. Era algo assustador”.

Portanto, Mayer já não ia com a cara de Gilbert há muito tempo e aquele murro que levou do ator, quando fez um comentário desagradável sobre Greta Garbo, depois que esta deixou o seu apaixonado Gilbert esperando no altar, foi o apenas o estopim que desencadeou a vingança. Mayer fez de tudo para arruinar a carreira de Gilbert (maiores detalhes no livro de Leatrice Gilbert Fountain, “Dark Star:The Untold Story of the Meteoric Rise and Fall of John Gilbert”, St. Martin Press, 1985) e este acabou morrendo de um ataque cardíaco aos 38 anos de idade.

Bardelys

Estou me lembrando de John Gilbert ainda sob a emoção de ter assistido dois filmes dele absolutamente imperdíveis: O Cavalheiro dos Amores / Bardelys the Magnificent /1926 (Dir. King Vidor), dado como perdido mas recentemente restaurado a partir de uma cópia em 35 mm encontrada na França e Madame e seu Chauffeur / Downstairs / 1932.
O primeiro é um capa-e-espada baseado em um romance de Rafael Sabatini com a dose exata de ação, romance e humor para criar um espetáculo muito agradável. Gilbert assume magnificamente as feições de um inveterado conquistador e exímio espadachim, nada ficando a dever ao Douglas Fairbanks. No meio da trama, surge aquela seqüência antológica do passeio de barco, filmada por Vidor com intuição poética e pictórica.

O segundo é um melodrama mordaz sobre diferenças de classe filmado com a liberdade de um filme pre code, ou seja, anterior a 1934, quando foi adotado o Código de Auto Censura. Desta vez Gilbert compõe de maneira irretocável um personagem contra o seu tipo, um gigolô que usa a chantagem e o charme para conseguir o que quer.

A história foi escrita pelo próprio John Gilbert (ele queria tanto fazer este filme que a vendeu por um dólar para a MGM). E querem saber de uma coisa? Não há nada de errado com a sua voz.

UM CURIOSO MOMENTO NA HISTÓRIA DO CINEMA

Nos anais da História do Cinema existe um curto porém fascinante fenômeno que merece ser melhor conhecido: os chamados Soundies.

Estes Soundies eram filmes de breve duração, exibidos em uma máquina parecida com as juke boxes (vitrolas de pé, muito comuns em bares e restaurantes na década de 40), de uns dois metros de altura aproximadamente.

A firma Mills de Chicago, uma das maiores fornecedoras de juke boxes nos EUA, teve a idéia de lançar no mercado esta máquina – a Mills Panoram Soundies Machine – que proporcionava aos fregueses não somente ouvir as músicas populares em evidência como também vê-las, sendo executadas por intérpretes de sucesso.

Bastava colocar uma moeda de dez centavos na máquina (basicamente um projetor de 16mm embutido em um móvel, que funcionava com um complexo de espelhos) e durante três minutos, assistir, numa telinha de 40×50 cm, o transcorrer de um número musical.

Panoram

A máquina permitia a visão de oito números musicais diferentes, mas estes eram montados num único rolo de modo que, se o nº 4, por exemplo, já tivesse sido escolhido por determinada pessoa, e se ela, ou outra, quisesse assistir ao n° 8, era necessário assistir também (e pagar mais por isto) aos nºs 5, 6 e 7, antes de ver o oitavo.

Formou-se então uma companhia, a RCM Productions Inc.(pela associação de James Roosevelt, filho do presidente F.D.Roosevelt e do compositor Sam Coslow com a fábrica Mills), para produzir filmes musicais, que alimentariam as máquinas, tendo sido utilizados os antigos estúdios da Eagle Lion, situados no Santa Monica Boulevard de Hollywood.

Alguns dos mais destacados cartazes da música popular aceitaram aparecer nos Soundies, tais como Louis Armstrong, Count Basie, Stan Kenton, Nat King Cole, Fats Walker, Gene Krupa, Glenn Miller Modernaires, etc.; porém, mesmo assim, foi preciso contratar outros artistas menos conhecidos para equilibrar os custos da empresa.

soundies king cole

Entre estes estavam atores e atrizes que mais tarde alcançariam a fama no cinema como Doris Day, Cyd Charisse, Yvonne De Carlo, Ricardo Montalban, Alan Ladd, Dorothy Dandridge, Gloria Grahame, Evelyn Keyes e, até mesmo, um grande cÔmico do cinema mudo: Harry Langdon.

Entre 1940 e 1946 foram produzidos mais de 1.800 Soundies. Entretanto, os donos de cinemas nunca gostaram da concorrência e viviam pressionando os legisladores, para que impuzessem pesados impostos às firmas produtoras. Quando veio o racionamento de matérias primas forçado pela Segunda Guerra Mundial, os funcionários do governo americano cortaram o fornecimento de metais para as máquinas, ocasionando uma redução drástica da sua produção.

Em 1943 toda a equipe da RCM foi contratada pela Metro-Goldwyn-Mayer para fazer musicais de dois rolos, o primeiro dos quais, Música no Céu / Heavenly Music, ganhou um prêmio da Academia.

No final da década, com a volta dos cinemusicais e o incremento da televisão, os Soundies tornaram-se obsoletos e foram absorvidos aos lotes pelo mercado de filmes para domicílio, inclusive pela conhecida Castle Films, que os oferecia dentro da série “Music Album”.