RESUMO DO ARGUMENTO
Terry Malloy (Marlon Brando) vagueia pelas docas de Nova York, fazendo pequenos serviços para Johnny Friendly (Lee J. Cobb), o desonesto chefão do sindicato local. Ele sonha com o mundo do boxe profissional, do qual participou por pouco tempo, enquanto cuida dos pombos que mantém no terraço do prédio onde mora. Certo dia, segue as ordens de Friendly e somente depois percebe que foi usado para atrair um homem à morte. Mais tarde, sente-se ainda mais perturbado, quando conhece Edie (Eva Marie Saint), a irmã do rapaz assassinado, por quem se apaixona. Sem saber do envolvimento de Terry, ela lhe pede ajuda para descobrir os responsáveis. Um deles, é Charley (Rod Steiger), irmão de Terry, advogado sem escrúpulos, que se tornou um simples capanga de Friendly. Terry se afasta deles, apoiado pelo Padre Barry (Karl Malden), um corajoso sacerdote do cais, que procura aliados contra a corrupção. Quando Friendly sabe da mudança de Terry, instrui Charley para que ele consiga o silêncio do rapaz. Como Charley não consegue cumprir a missão, Friendly manda matá-lo. Terry presta declarações à Comissão contra o Crime e, após um confronto brutal entre ele e Friendly, mesmo depois de ser espancado pelos asseclas deste, conduz heroicamente os estivadores para o trabalho, livres da exploração e do controle dos gângsteres.
CONTÉUDO
O filme, em primeiro lugar, é uma transposição de fatos reais. O roteiro foi baseado numa série de reportagens, intitulada “Crime on the Waterfront”, premiada com o Pulitzer, feita em 1949 pelo jornalista Malcolm Johnson sobre a situação dos estivadores do porto de Nova York, explorados e atemorizados por uma quadrilha que dominava os sindicatos. O padre Barry do filme foi inspirado no padre John Corridan, que realmente existiu e prestou várias informações ao Kazan e ao roteirista Budd Schulberg.
O tema social aproxima Sindicato dos Ladrões dos filmes de tese que Kazan havia feito no final dos anos 40 como O Justiceiro / Boomerang, sobre erro judiciário, A Luz é Para Todos / Gentleman’s Agreement, sobre anti-semitismo, e O Que a Carne Herda / Pinky, sobre discriminação racial dos negros.
O roteirista Budd Schulberg, com base nos mesmos fatos, escreveu o romance intitulado “Waterfront”, que é mais fiel à realidade. O personagem central é o padre e não o jovem estivador e o desenlace é de um pessimismo completamente escamoteado no filme: o gângster denunciado continua à frente do sindicato, o padre é transferido para outra paróquia, após ter sido repreendido pelo bispo e, algumas semanas mais tarde, o corpo de Terry Malloy é encontrado numa lata de lixo, perfurado com 27 golpes de um pegador de gelo. Já o filme tem um final feliz de acordo com as regras impostas por Hollywood e nele os autores se interessaram menos pela denúncia social do que pelo drama de consciência do delator.
A ação do filme assemelha-se com a dos filmes de gângster, tem toda a iconografia do gênero; mas, além dessa aventura exterior e policial há uma Aventura Interior, que é a alma sobressaltada do jovem estivador, diante do dilema de delatar ou não a quadrilha da qual faz parte o seu próprio irmão e da qual e ele é ao mesmo tempo protegido e ingênuo comparsa. Enfim, mais do que um filme de gângster Sindicato de Ladrões é a Análise De Uma Consciência Que Desperta, daí a sua significação humana e cristã. Este é o primeiro tema do filme.
Aos poucos, duplamente influenciado pelo padre e pela moça que ama, Terry adquire a noção de um dever pessoal para com a coletividade, para com a justiça e com a verdade e, ao enfrentar com esforço sobrehumano a gangue sindical, ele se torna um mártir. Aquela caminhada final é sem dúvida uma via crucis, um calvário. Mas também por um desejo de vingança: ele fôra vendido pelos dois “pais”, o irmão mais velho (alguns anos antes Charley tinha manipulado o resultado da luta que afastara Terry dos ringues, provocando sua derrota) e o “meta-pai”, o Johnny Friendly (que de amigo não tinha nada). Numa das cenas memoráveis do filme, Terry pronuncia as frases que ficaram famosas, no seu jeito de falar, quase resmungando: “Eu poderia ter sido um lutador, em vez de um vagabundo. Que é o que eu sou”.
Uma originalidade do filme são os personagens da moça e do padre. O comportamento da moça (Edie) transgride uma das regras da moral social americana sempre ilustrada no cinema – em vez de se aproveitar da possibilidade de sucesso individual que lhe dá a instrução que recebeu, ela se volta para o seu meio humilde, chama a atenção do padre sobre a situação dos estivadores e até o recrimina, de forma brutal, dizendo-lhe: “O senhor fica na sua igreja enquanto sua paróquia é no cais”. É sem dúvida uma personagem pouco comum nas telas americanas na época em que o filme foi feito. O padre, por sua vez, é um padre também diferente do que o público estava acostumado a ver nos filmes americanos. É um padre moderno. Não prega a resignação e o amor ao trabalho qualquer que ele seja e se posiciona publicamente contra a opressão. “Aproveitar-se do trabalho dos outros para se enriquecer sem trabalhar é colocar de novo o Cristo na cruz”, diz o sacerdote a certa altura da trama. É um padre progressista ou operário, como dizem.
FORMA
O filme vale sobretudo, e por mais paradoxal que pareça, pelo seu lado teatral, isto é, pelas grandes confrontações de personagens, pela qualidade dos diálogos e pela interpretação. E aí nós temos o desempenho extraordinário de Marlon Brando, que aliás é mais do que uma interpretação, é uma verdadeira encarnação. É uma maravilha como ele transmite os gestos e o andar de um ex-boxeur, a maneira lenta de pensar e de falar. Ele fica como que procurando as palavras e titubeando, antes de pronunciá-las. Enfim, ele se identifica com o personagem confuso e iletrado, dando um exemplo perfeito de aplicação do método Stanislavski. É com uma sinceridade profunda que passa de fracassado a justiceiro.
Kazan sempre teve muita habilidade para conduzir atores e um dom especial para dramatizar o relacionamento entre os personagens. Temos dois exemplos marcantes na cena do taxi, quando Terry conversa com o irmão e naquela outra cena em que faz um convite tímido e embaraçado à moça para tomar uma cerveja. E a idéia de botar Rod Steiger como irmão de Brando foi um achado genial, porque Steiger usava os maneirismos de Brando. De modo que assim os dois ficaram bem parecidos.
Podemos perceber também no filme algumas metáforas: 1. O símbolo dos pombos. Talvez eles queiram simbolizar a liberdade, ou a gentileza interior do Terry ou mesmo a traição (stool pigeon, ou seja, delator em inglês); 2. A metáfora arquitetônica daquele portão de aço que se fecha no final, significando talvez que as docas são uma prisão, ou que a luta estava apenas começando. Digo talvez, porque são meras suposições do crítico; 3. E há aquele objeto simbólico da jaqueta, que passa deum morto para outro, um prenúncio de uma provável morte do Terry.
O filme se passa grande parte em cenários naturais fotografados por Boris Kaufman, irmão do famoso Dziga Vertov. Filmar em pleno inverno, com neve de verdade, foi um grande desafio para o cinegrafista. A foto é rica em contrastes, reforçando o sentido trágico do filme. Já a música de Leonard Bernstein alterna estridência e ternura. Os ruídos criam o ambiente portuário, mas há também o uso do som como contraponto. Por exemplo: na cena em que Terry conta tudo a Edie, ouve-se o barulho estridente dos ruídos do cais.
O filme recebeu oito prêmios da Academia: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Melhor Fotografia em preto-e-branco (Boris Kaufman), Melhor História e Roteiro (Budd Schulberg), Melhor Montagem (Gene Milford), Melhor Direção de Arte em preto-e-branco (Richard Day), tendo indicados Rod Steiger, Karl Malden e Leornard Bernstein.