HEINRICH GEORGE

Em todos os sentidos um peso-pesado no teatro de esquerda durante a República de Weimar, ele se tornou um defensor da indústria de propaganda nazista.

Heinrich George

Georg August Friedrich Hermann Schulz (1893-1946) nasceu em Stettin (Alemanha, hoje Szczecin, Polônia). Após abandonar o ensino médio em Berlim, George frequentou aulas de interpretação na sua cidade natal de Stettin, e começou a trabalhar em teatros regionais em 1912. Ele se alistou voluntariamente no início da Primeira Guerra Mundial e serviu no exército alemão entre 1914 e 1917, quando ficou gravemente ferido.

George retornou ao palco em Dresden e Frankfurt am Main de 1917 a 1921. Neste período realizou participações especiais em Berlim em 1920 e seus primeiros papéis no cinema no ano seguinte. Juntamente com Alexander Granach, Elisabeth Bergner e outros luminares do teatro, Geroge fundou o Schauspielertheater em 1923, e esteve no Volksbühne (Teatro do Povo) com Erwin Piscator de 1925 a 1928.Ele se tornou um frequentador assíduo do Festival de Heidelberg entre 1926 e 1938, e também dirigiu suas primeiras produções partir de 1927. Na maioria das vezes encarnando proletários de físico forte no cinema de Weimar, tais como o contramestre Grot em Metrópolis / Metropolis / 1927 de Fritz Lang ou Franz Biberkopf em Berlin -Alexanderplatz / 1931 de Phil Jutzi, George também emprestou seu corpo robusto para momentos teatralmente inspirados tais como o discurso de Émile Zola em Dreyfus / Dreyfus / 1930 de Richard Oswald.

HG em Metrópolis

Em 1930, George apareceu em Menschen Im Käfig, a versão alemã do filme britânico Cape Forlorn dirigido por E. A. Dupont e em 1930-31, o ator viajou para Hollywood a fim de estrelar duas versões alemães na MGM: Wir Schalten Um Auf Hollywood (baseada em Hollywood Revue / The Hollywood Revue of 1929) e Menschen Hinter Gittern (baseada em O Presídio / The Big House / 1930).

HG em Mocidade Heróica

HG em O Judeu Suss

Durante o Terceiro Reich, George tornou-se um dos rostos mais reconhecíveis do Cinema Nazi, interpretando um comunista convertido ao Nacional Socialismo em Mocidade Heróica / Hitlerjunge Quex / 1933 de Hans Steinhoff, o duque decadente em O Judeu Suss / Jud Süss / 1940, e o prefeito local inabalável na exortação da guerra total de Veit Harlan, Kolberg /1943-45. Ele também assumiu papéis autoritários em cinebiografias em Friedrich Schiller – Der Triumph Eines Genies 1940, no qual interpretava o Duque de Wuttemberg e Andreas Schlüter / 1941-1942, no qual era o escultor e arquiteto barroco alemão.

George apresentou performances um pouco mais variadas em uma série de filmes adaptados de fontes literárias como Os Pilares da Sociedade / Stützen Der Gesellschaft / 1935 de Detlef Sierk (Doulas Sirk), baseado na peça teatral de Henrik Ibsen; Der Biberpelz / 1937 de Jürgen von Alten, baseado na peça de Gerhard Hauptmann; e particularmente Caminho da Perdição / Der Postmeister / 1939-40 de Gustav Ucicky, baseado no conto de Pushkin. Em 1937 ele foi designado Staatsschauspieler (ator de importância nacional). Nomeado diretor do Schiller-Theater de Berlim em 1938, ganhou também sua própria unidade produtora na Tobis em 1942.

HG em Caminho da Perdição

No final da Segunda Guerra Mundial, as forças soviéticas internaram-no no campo de Hohenschönhausen, depois em Sachsenhausen, onde ele faleceu após uma operação para extração do apêndice. Seu último filme, a comédia romântica Das Mädchen Juanita de Wolfgang Staudte, foi filmada entre novembro de 1944 e janeiro de 1945 e deveria chegar às telas germânicas no final da primavera de 1945, porém só foi exibida sete anos depois quando George já estava preso e a estrela do filme, Charlotte Shellhorn havia se suicidado aos 23 anos de idade, com medo de ser estuprada pelos soldados soviéticos.

Em 1997 o diretor Hans-Christoph Blumenberg filmou a co-produção Germano-Polonesa Dies Verlauste, Nackte Leben / To Wszawe, Nagie Zycie, um filme biográfico para a TV sobre os últimos dias de George na prisão.

CLAUDE AUTANT-LARA

CLAUDE AUTANT-LARA

Tal como Jean Delannoy, ele foi um dos principais alvos dos críticos da Nouvelle Vague no seu combate à “tradição de qualidade”. Cineasta típico da “qualidade francesa”, Claude Autant -Lara (Luzarches, 1901- Antibes, 2000) estudou na École des Beaux-Arts e começou no cinema em 1919 como cenógrafo de vários filmes de Marcel l’Herbier. Depois trabalhou como assistente de René Clair (Paris qui Dort, Le Voyage Imaginaire) e realizou dois curtas-metragens de vanguarda: Fait-Divers / 1923 e Construire un Feu / 1925, primeiro ensaio de “filme largo” com o processo do professor Chrétien, que se tornaria, 28 anos mais tarde, o Cinemascope.

Claude Autant-Lara

Em 1930, foi contratado pela MGM para dirigir versões francesas de filmes americanos. De retorno à Europa, fez um longa-metragem na França (Ciboulette / 1933), outro na Inglaterra (My Partner, Mr. Davis / 1936), e apareceu   nos créditos como consultor técnico ede O Crime do Correio de Lyon / L’Affaire du Courrier de Lyon / 1937, Le Ruisseau / 1938 e Fric-Frac (na TV) / Fric-Frac / 1939, na verdade dirigidos em parceria com Maurice Lehmann.

Sua carreira como diretor de primeira linha começou na Paris ocupada e submetida à ordem moral de Vichy, quando fez três filmes – Lettres d’Amour / 1941, Casamento de Chiffon / Le Marriage de Chiffon / 1942 e Dulce, paixão de uma noite / Douce / 1943 -, nos quais, sob o charme adocicado da Belle Époque, mal se escondia uma crítica social corrosiva.

Selecionei estes seis filmes relevantes do diretor:

Odette Joyeux e André Luguet em Casamento de Chiffon

CASAMENTO DE CHIFFON / LE MARRIAGE DE CHIFFON / 1941

A Marquesa de Bray (Suzanne Dantès) quer casar sua filha Corysande (Odette Joyeux) – chamada de Chiffon – com o quinquagenário coronel duque d’Aubières (André Luguet), mas a moça ama em segredo o irmão de seu padrasto, Marc (Jacques Dumesnil), um apaixonado pela aviação. Chiffon aceita o casamento, a fim de dispor de seu dote, para ajudar Marc. Alice de Liron (Monette Dinay), amante de Marc, observa as atitudes de Chiffon para com Marc com despeito. Jean (Pierre Larquey), o velho doméstico da marquesa, descobre uma carta de amor escrito por Chiffon para Marc e a coloca em um álbum de fotos que ele dá para o duque olhar. Com a cumplicidade deste, Chiffon e Marc se casam.

Chiffon torna-se uma jovem e quer se fazer reconhecer como tal por aquele que a considera ainda uma menina. O militar que se apaixonou seriamente por Chiffon percebe que não tem mais a idade que convém às tormentas do coração. Assim, o filme está construído sobre o desenvolvimento dessa dupla crise, retratada por Claude Autant-Lara com muita sensibilidade. Ele recria admiravelmente a Belle Époque, fazendo uma observação irônica de seus ambientes íntimos (os salões da pequena burguesia provinciana, a visita à pâtisserie no domingo após a missa) e refletindo sobre ela (os preconceitos sociais, a opressão da educação burguesa). Nessa reconstituição, o diretor se distingue por sua elegância e virtuosidade decorativa.

Odette Joyeux em Dulce, Paixão de uma Noite

DULCE, PAIXÃO DE UMA NOITE / DOUCE / 1943

Em uma rica mansão, vivem três personagens da aristocracia do século XIX.  Douce (Odette Joyeux), uma adolescente romântica; seu pai, o conde Engelbert de Bonafé (Jean Debucourt), antigo oficial da cavalaria; e sua avó autoritária, a condessa de Bonafé (Marguerite Moreno). Douce se apaixona pelo secretário de seu pai, Fabien Marani (Roger Pigaut), e sonha em partir com ele. Irène (Madeleine Robinson), a governanta de Douce, é amante de Fabien, mas ambiciona casar-se com Engelbert, a quem agrada. Fabien, por despeito, leva Douce consigo. Eles vão ao teatro. Irrompe um incêndio e Douce morre. A velha condessa expulsa os dois empregados da mansão.

Através dos personagens são postos em conflito os dois mundos aos quais eles pertencem. O tema do filme é essa luta de classes sorrateira, esse ódio escondido que acaba por explodir. E o resultado desse combate parece igualmente desfavorável às duas partes, pois uns vêem suas ambições malogradas e o conde e sua mãe ficam sós após a morte de Douce, talvez com remorso por não terem sabido comprendê-la ou educá-la. A cena mais famosa do filme é a “visita aos pobres. Para eles a condessa deseja “paciência e resignação”. “E a você, minha pequena dama”, pergunta uma mulher para a governante, “que é que é preciso desejar?”. “Deseje a ela a impaciência e a revolta”, responde Fabien. É uma réplica brihante, que dá o tom dessa sátira social finamente arquitetada.

Gérard Philipe e Micheline Presle em Adúltera

ADÚLTERA / LE DIABLE AU CORPS / 1946

No enterro de Marthe Lacombe (Micheline Presle), um rapaz, François Jaubert (Gérard Philipe), cheio de tristeza, recorda o passado. Em 1917, ele conheceu e se apaixonou por Marthe, mas ela estava noiva. Alguns meses mais tarde, François reencontra Marthe já casada e os dois se tornam amantes enquanto o marido dela, Jacques (Maurice Lagrené), está lutando na guerra. Marthe fica grávida. François hesita em assumir suas responsabilidades. Marthe morre de parto, pronunciando o nome do amante. Jacques vai educar a criança, sem saber que ela não era sua.

Tal como o romance de Raymond Radiguet no qual se baseia, o filme provocou escândalo por abordar uma relação de adultério entre dois jovens enquanto milhares de homens estavam morrendo para salvar a pátria. Os defensores da moral não perceberam que tanto o livro como o filme proclamavam antes de tudo o direito ao amor e ao prazer reprimidos pelas guerras e que os dois amantes eram vencidos pelo que Jean Cocteau chamou de “furor público contra a felicidade”. A adaptação e a realização são impecáveis, sobressaindo a utilização muito feliz do retrospecto por meio da diminuição muito do som dos sinos da igreja. Micheline Presle e Gérard Philipe transmitem com emoção um relacionamento ao mesmo tempo tórrido e imaturo.

Jean Desailly e Danielle Darrieux em Meu Amigo, Amélia e Eu

MEU AMIGO, AMÉLIA E EU / OCCUPE-TOI D’AMÉLIE / 1949

No começo do século XX, Amélie Pochet (Danielle Darrieux), outrora camareira, é agora Amélie d’Avranches, graças à proteção e às liberalidades de seu amante Étienne de Milledieu (Andre Bervil), um tenente dos hussardos. Marcel Courbois (Jean Desailly) necessita de dinheiro e pede Amélie “emprestada” ao seu amigo Étienne, para um casamento branco. Assim, seu tio poderá lhe transmitir a herança que o falecido pai de Marcel havia reservado ao filho para o dia de seu matrimônio. Étienne, que está de partida para o período de serviço militar, aceita. Retornando de imprevisto, ele percebe, consternado, que Marcel se ocupou demais de Amélie…

Releitura da peça de Georges Feydeau, mantendo intactos seus diálogos maliciosos, sua incessante e agitada movimentação, sua alegria contínua, seus quiproquós e acontecimentos imprevistos. Autant-Lara encontrou a maneira cinematográfica de reproduzir a vivacidade do texto original e de manter os espectadores rindo o tempo todo. E há também uma novidade foral: o roteiro mistura os atores do teatro Palais-Royal e a plateia que assiste à representação nesse mesmo teatro. Por exemplo: uma personagem nos é apresentada como ator, antes que comece a interpretar o papel que lhe foi atribuido. Uma família burguesa que assiste ao espetáculo acaba por invadir a ribalta, a fim de moralizar o desenlace da peça.

Françoise Rosay e Fernandel em em Estalagem Vermelha

ESTALAGEM VERMELHA / 1951

Em 1883, uma diligência e depois monge (Fernandel) um noviço, Jeannou (Didier D’Yd), chegam a uma hospedaria em Peyrebeille no planalto de Ardèche. O hospedeiro, Pierre Martin (Julien Carette), sua esposa, Marie (Françoise Rosay), e um criado negro, Fétiche (Lud Germain), por cupidez, matam todos os viajantes que ali costumam pedir abrigo. A filha dos Martin, Mathilde (Marie-Claire Olivia), parece saber de tudo. Os escrúpulos atormentam a hospedeira e ela exige que o monge ouça sua confissão. Este, impedido pelo segredo da confissão de revelar aos visitantes o perigo que eles correm, tenta desesperadamente salvá-los por outros meios.

Farsa macabra, satirizando com espírito voltairiano e de maneira burlesca o sentimento melodramático e o religioso através, respectivamente, do comportamento dos assassinos e do monge. Nota-se também, uma crítica da estupidez burguesa (representada pela conduta dos viajantes) e da candura da adolescência (a heróina pura tradicional é cúmplice dos pais). Autant-Lara consegue equilibrar o elemento trágico e o cômico, extraíndo de uma cena aparentemente trágica uma força cômica ou de uma cena aparentemente cômica uma fatalidade trágica. No final da farsa, os celerados são presos, e os viajantes -os hipócritas, os inúteis, os ridículos – encntram a morte logo em seguida.

Bourvil e Jean Gabin em A Travessia de Paris

A TRAVESSIA DE PARIS / LA TRAVERSÉE DE PARIS / 1956

Em 1943, Martin (Bourvil), chofer de taxi desempregado, transporta clandestinamente carne destinada ao mercado negro. Como o seu auxiliar foi preso, ele pede ajuda a Grandgil (Jean Gabin), um desconhecido com quem fez amizade. Grandgil na verdade é um pintor célebre e rico que aceitou participar da aventura apenas ara experimentar até que ponto se pode abusar de uma situação mesmo correndo o risco de ser preso pelos alemães, e viver alguns momentos de emoção. No decorrer do trajeto, uma patrulha os prende. Grandgil é reconhecido por um oficial amante da pintura e é solto. Somente Martin será deportado.

Crônica do tempo da Ocupação, retratando uma certa mentalidade francesa dos anos 1940 em um tom de humor amargo bem característico do espírito de Autant-Lara. A perfeita reconstituição da época cria um ambiente realista conforme as necessidades do relato. Alguns excelentes achados dramáticos surgem durante o percurso dos dois pequenos traficantes: a morte do porco abafada pelo som do acordeão; o instante no qual um cão fareja as malas onde estão os pedaços do porco, dois guardas seguem nossos “heróis” e Grandgil recita um poema alemão em voz alta. O reencontro de Grandgil e Martin na estação ferroviária, onde Martin passa a trabalhar como carregador. Da janela do vagão de primeira classe, Grandgil diz para Martin: “Você sempre carregando malas”, e este responde: “Sim, só que agora são as malas dos outros”.

JEAN DELANNOY

Após se formar no Lycée Louis-le-Grand em Paris, Jean Delannoy (Noisy-le-Sec, 1908 – Guainville, 2008) inscreveu-se na Sorbonne para seguir o curso de letras, porém o cinema o atraiu. Apoiado pela irmã Henriette, que era atriz, ele fez pequenos papéis em dois filmes mudos. Interessando-se pela técnica, Delannoy começou a trabalhar no estúdio da Paramount em Saint-Maurice, onde montou cerca de 75 filmes, passando depois a assistente de direção de Jacques Deval e Felix Gandera. Em 1932, realizou seu primeiro filme curto, Franches Lippées. No ano seguinte, estreou no longa-metragem com Paris-Deauville, mas somente em 1942 com Pontcarral, Colonel d’empire começou a chamar a atenção como diretor no meio cnematográfico.

Jean Delannoy

Delannoy adquiriu fama como profissional competente e meticuloso, porém sem personalidade. Seu academicismo e sua dependência de bons textos literários, diálogos de eficientes roteiristas e astros famosos fizeram com que críticos da Nouvelle Vague o colocassem como um dos principais alvos – juntamente com Claude Autant-Lara – no seu combate à “tradição de qualidade”. Por mais corretas que possam ser essas observações, o fato é que os melhores filmes do cineasta, como Além da Vida / L’Eternel Retour / 1943 e outros que realizou posteriormente resistiram mais ao tempo do que muitos filmes feitos pelos seus detratores.

No meu livro Uma Tradição de Qualidade O Cinema Clássico Francês 1930-1959, (ed. PUC-Contraponto, 2010), selecionei estes cinco filmes relevantes do diretor.

Madeleine Sologne e Jean Marais em   Além da Vida

ALÉM DA VIDA / L’ÉTERNEL RETOUR / 1943

Patrice (Jean Marais) mora na Bretanha no castelo de seu tio Marc (Jean Murat), que é viúvo. Gertrude Frossin (Yvonne de Bray), cunhada de Marc, seu marido Amédée (Jean d’Yd) e o filho deles, o anão Achille (Pierre PIéral), vivem no castelo. Os Frossin detestam Patrice. Patrice decide procurar uma nova esposa para o tio. Em uma ilha de pescadores ele salva a loura Nathalie (Madeleine Sologne) das garras de um bruto. Nathalie aceita casar-se com Marc. Mas Anne (Jane Marken), a velha ama de Nathalie, lhe dá um filtro de amor. Patrice e Nathalie bebem o conteúdo do frasco e descobrem sua paixão…

Transposição céltica de Tristão e Isolda para o século XX, transformando Jean Marais e Madeleine Sologne em “heróis românticos” da juventude da época. A idéia do amor mais forte que as forças do mal já havia sido utilizado por Jacques Prévert e Marcel Carné em Os Visitantes da Noite / Les Visiteurs du Soir / 1942, mas isso não tira o mérito da realização de Cocteau (autor do roteiro e diálogos) -Delannoy, que ficou célebre pela utilização poética dos exteriores, os grandes cenários (direção de arte de Georges Wakhevitch), a beleza plástica das Imagens (foto de Roger Hubert) e os diálogos refinados. Delannnoy foi criticado pela aparência glacial que deu ao universo de Cocteau, porém os artifícios do poeta pediam essa encenação, que lhe serviu muito bem.

Pierre Banchar e Michèle Morgan em Sinfonia Pastoral

SINFONIA PASTORAL / LA SYMPHONIE PASTORALE / 1946

O pastor Jean Martin (Pierre Blanchar) recolhe, em uma cabana isolada no meio da neve, uma menina órfã cega e meio selvagem.  Apesar da oposição de sua esposa Amélie (Line Noro), ele decide educá-la com seus filhos. Gertrude (MIchèle Morgan) torna-se uma bela jovem. O filho mais velho do pastor, Jacques, tem uma amiga de infância Piette Castéran (Andrée Clément), que o ama, mas ele se interessa por Gertrude. Seu pai, confusamente ciumento, lhe faz entender que não pode se casar com uma cega. Gertrude é operada e recobra a visão.  Incapaz de aceitar o amor de Jacques e desapontada com a afeição que Martin lhe devota, Gertrude foge. O pastor sai à sua procura e a encontra morta.

Na obra de Gide – com um sugestivo título beethoviano -, o pastor vai reler o Evangelho, para confirmar sua intuitiva convicção de que um sentimento tão natural e puro como o amor que sente por Getrude não pode ser um pecado. Porém, no filme o conflito religioso foi atenuado, acentuando-se as reações psicológicas dos personagens. A direção de Delannoy é sóbria e límpida, ensejando bons momentos de cinema, como a entrada de Gertrude na igreja já com a visão recuperada e a corrida do pastor até encontrar o grupo carregando o corpo de Gertrude. Em um gesto autoritário, Martin afasta os circunstantes gritando: “Vão embora! Ela é minha! Logo depois, a câmera mostra o rosto inerte de Gertrude com os olhos abertos e a mão do pastor que desce para fechá-los.

DEUS NECESSITA DE HOMENS / DIEU A BESOIN DES HOMMES / 1950

Em1859, o vigário da ilha de Sein, na Bretanha, desencorajado pela atitude de seus paroquianos, que roubam os destroços dos navios naufragados, retorna ao continente. No domingo seguinte, os habitantes da ilha “elegem” como padre o sacristão Thomas Gourvennec (Pierre Fresnay). Este, crente a atraído pelo cerimonial religioso, tenta suprir a ausência do vigário. Para cumprir sua missão, ele chega até a romper seu noivado com Scholastique (Andrée Clement). Thomas solicita em vão a ajuda do prior de Lescoff (Jean Brochard). Um pescador, Joseph Le Berre (Daniel Gélin), mata sua mãe por piedade. Thomas o absolve, mas o prior, que finalmente chegara, não permite que ele seja enterrado no solo da igreja.

Drama religioso colocando o problema da necessidade que uma população primitiva e sem padre tem de receber todos os sacramentos. Em princípio, um eloquente testemunho dado à indestrutibilidade da fé mesmo entre as almas ainda grosseiras e submetidas a instintos elementares. Porém o espetáculo começa pela visão de um padre que abandona seu posto justamente quando seus paroquianos mais precisam dele, e termina pela recusa da Igreja em reconhecer a vocação sincera consagrada pelos fiéis. Sem falar na atitude do prior que, jogando no chão as hóstias preparadas com tanta devoção pelas mulheres da ilha, age como um agente brutal da ordem hierárquica.

Jean Gabin e Michèle Morgan em Amar-te é Meu Destino

AMAR-TE É MEU DESTINO / LA MINUTE DE VERITÉ / 1952

Casado com Madeleine (Michèle Morgan), uma atriz de teatro, o doutor Pierre Richard (Jean Gabin) é chamado para atender um jovem pintor, Daniel Prévost (Daniel Gélin), que tentou o suicídio ligando o gás. Prestando-lhe os primeiros socorros, o médico descobre, ao lado da cama do rapaz, uma foto do moribundo em companhia de Madeleine, abraçados ternamente. Naquela mesma noite, Pierre pede explicações à sua esposa e o casal faz um balanço de sua vida sentimental.

Estudo psicológico sobre o ponto culminante de uma crise conjugal. O filme é uma inquirição e um depoimento, durante os quais a ação passa do presente para o passado em um vaivém constante, habilmente forjado pela decupagem e pela montagem. Os diálogos são humanos, sóbrios, comoventes, salientando-se os contra-ataques irônicos ou amargos do marido depois de ouvir em silêncio, angustiado, as revelações de sua mulher. MIchèle Morgan e Jean Gabin expõem o drama íntimo do casal da alta burguesia de maneira um tanto contida, sem o ardor que talvez pudesse impressionar mais o público.

Jean Gabin e e Jean Desailly em Assassino de Mulheres

ASSASSINO DE MULHERES / MAIGRET TEND UM PIÈGE / 1958

Perto da Place des Vosges, uma mulher é encontrada morta com as roupas rasgadas. Outras três mulheres são apunhaladas. O comissário Maigret (Jean Gabin) arma uma cilada para tentar descobrir o assassino. No curso da reconstituição do crime, o inspetor Lagrume (Olivier Hussenot) repara o estranho comportamento de Marcel Martin (Jean Desailly), que conhece bem a praça, onde sua mãe possui um imóvel. Maigret fica convencido da culpabilidade de Marcel, decorador fracassado e impotente sexual. Mas enquanto Marcel está deitdo na delegacia, um novo crime é cometido. A esposa de Marcel, Yvonne (Annie Girardot), é a chave do mistério.

Dessa vez o comissário Maigret (personagem de ficção de novelas policias criadas pelo escritor belga Georges Simenon) está às voltas com um caso de mortes de mulheres repetidas a intervalos regulares e visivelmente cometidas por um mesmo criminoso. No desenrolar da investigação surgem tipos duvidosos e, como de costume, um deles é o verdadeiro assassino. Jean Delannoy dirige esta aventura policial solidamente construída, sem esquecer a dimensão humana, as relações psicológicas entre os personagens, sempre presentes na obra de Simenon. Gabin se parece muito consigo mesmo, para assumir a identidade de outro, mas em todos os seus filmes, ele dá um jeito de entrar na pele do personagem que interpreta.

JOHN BRAHM

Hans Brahm (1893-1982) nasceu em Hamburgo, Alemanha. Montador e roteirista na França e depois na Inglaterra, estreou atrás das câmeras em 1936 dirigindo a refilmagem de Lírio Partido / Broken Blossoms (que David Wark Griifith realizara em 1919). Foi para Hollywood, onde realizou, entre 1937 e 1943, apenas filmes de mercado, alguns interessantes, mas sem grandes valores artísticos: Defensor Impune / Counsel for Crime, Penitenciária / Penitentiary, Flores da Primavera / Girl’s School, Deixai-nos Viver! / Let us Live, Tortura de uma Alma / Rio, Rumo ao Oeste / Escape to Glory, Vida Sem Rumo / Wild Geese Calling, O Segredo do Monstro / The Undying Monster, Esta Noite Bombardearemos Calais / Tonight We Raid Calais, Flor de Inverno / Wintertime.  Ao realizar Ódio Que Mata / The Lodger / 1944, A Hipócrita / Guest in the House / 1944, Concerto Macabro / Hangover Square / 1945 e Angústia / The Locket / 1946 tornou-se um cineasta importante.

John Brahm

Ódio Que Mata é refilmagem de um filme de Alfred Hitchcock com uma atmosfera extremamente angustiante, imagem emocionante do assassinato de uma cantora de rua e composição impressionante do ator Laird Cregar como o assassino, principalmente nas últimas sequências do espetáculo.

Laird Cregar em Ódio que Mata

Laird Cregar e George Sanders em Concerto Macabro

Concerto Macabro focaliza o alucinante destino de um compositor de música clássica (também interpretado por Laird Cregar), sobrecarregado pela composição de um concerto, que é vítima de crises de loucura criminal e é assim que ele assassina um antiquário e uma cantora de cabaré, que tentara explorar seu talento. Nestes dois filmes percebe-se a influência do filme noir, então no seu apogeu, pois oferecem uma antologia de cenas invariavelmente noturnas com iluminação muito trabalhada. A fotografia de Lucien Ballard para Ódio Que Mata e a de Joseph LaShelle para Concerto Macabro são soberbas.

Anne Baxter em A Hipócrita

A Hipócrita é um melodrama tendo com centro das atenções uma jovem neurótica (Anne Baxter), que tem uma fobia bizarra de pássaros, e seu plano de destruir a harmonia da família feliz de seu noivo. Eventualmente as pessoas da casa percebem o que está ocorrendo e como ela está manipulando todos, o que leva a um fim trágico. Não é uma história de crime, mas foi filmada no estilo noir e tem uma mulher fatal.

Angústia é um melodrama freudiano contendo elementos noir entre eles a construção dramática cheia de retrospectos dentro de retrospectos e a iluminação contrastada. No día de seu casamento com Nancy Blair (Laraine Day), John Willis (Gene Raymond) recebe a visita do ex-marido de Nancy, um psiquiatra. Este lhe conta que Nancy é cleptomaníaca, problema causado por um incidente ocorrido na infância: filha de uma criada de gente rica, ela foi falsamente acusada de ter roubado um medalhão. Ele também não tinha conhecimento disto até que um pintor, Norman Clyde (Robert Mitchum), o informou da infelicidade que Nancy lhe trouxe. Angustiado, Clyde cometeu suicídio, tendo antes revelado ao Dr. Blair (Brian Aherne) que Nancy matou Mr. Bonner (Ricardo Cortez), um mecenas apaixonado por ela, e deixou um inocente levar a culpa.

O enredo mostra a progressiva insanidade da personagem até se desintegrar emocionalmente. Brahm joga de maneira inteligente com os laços que coexistem entre o passado e o presente, a realidade e o mistério, a loucura e a verdade. “A Verdade está fora do alcance de Nancy”, explica o Dr. Blair, ao tentar convencer Willis de que vai cometer os mesmos erros que ele e Clyde cometeram. No final, o psiquiatra conclui: “O medalhão é apenas um símbolo. Era de amor que ela precisava”.

Em alguns momentos, como o da cerimônia do casamento, com o magistral emprego da câmera subjetiva-psicológica, o diretor alcança o mesmo brilho de seus melhore filmes, Nancy desce a escadaria da mansão com um buquê nas mãos e caminha para o altar improvisado. De repente, tem alucinações, ouvindo as vozes e vendo, em sobreimpressão, a imagens de Clyde, da patroa acusadora e dela mesma quando menina. A objetiva, colocada diretamente do alto, focaliza seus pés pisando no tapete estravagante até que encara o noivo dá um grito e cai sem sentidos.

Florence Bates e George Montgomery em A Moeda Trágica

Moeda Trágica / The Brasher Doubloon/1947 já é um filme noir puro, baseado no romance “The High Window” de Raymond Chandler. No relato o detetive particular Philip Marlowe (George Montgomery) chega à residência de Mrs. Murdock (Florence Bates), onde é recebido por sua secretária, Merle Davis (Nancy Guild). A velha quer contratá-lo, para recuperar uma antiga moeda de ouro espanhola, que lhe fora roubada. No desenrolar da investigação, Marlowe se depara com vários personagens e várias mortes até chegar a Rudolph Vannier (Fritz Kortner), um cinegrafista que está chantageando Mrs. Murdock com algo que teria filmado. O filme revela que foi Mrs. Murdock quem matou seu marido com ciúmes de Merle. A moeda supostamente roubada estava sendo utilizada por  Leslie ( Conrad Janis), o filho mimado de Mrs. Murdock, para pagar uma dívida de jogo.

Apesar da simplificação que os roteiristas fizeram do romance de Raymond Chandler, o espetáculo não compromete como filme noir puro. Aí estão a mulher fatal (Mrs. Murdock), o herói hard-boiled (apenas suavizado na interpretação bastante razoável de George Montgomery), a trama complexa, a narração em voz over, personagens grotescos, cenários ameaçadores (o vento que agita as árvores e provoca sombras sobre Marlowe no interior da mansão; o aposento da asmática Mrs.Murdock decorado com plantas equatoriais), diálogos e situações eróticas.

Há uma cena em que Marlowe vê uma arma em uma gaveta aberta. “Pensando em matar alguém?”, ele pergunta a Merle. Quando coloca a mão nos ombros da jovem, ela se retrai como se estivesse fugindo de uma cobra. “Não gosto de ser tocada por um homem”, Merle explica, mas acrescenta maliciosamente: “Isto não quer dizer que não quero ficar curada disto”.

Os filmes seguintes de Brahm, tal como os da sua primeira fase como cineasta em Hollywood, são corriqueiros, mas quase todos interessantes como Singapura / Singapore / 1947; Caminhos da Aventura / Face to Face / 1952 (composto por duas histórias, The Secret Sharer e The Bride Comes to Yellow Sky); O Ladrão de Veneza / The Thief of Venice / 1950; A Virgem de Fátima / The Miracle of Our Lady of Fatima / 1952; A Máscara do Mágico / The Mad Magician / 1954 em 3-D com Vincent Price; As Fraldas do Embaixador / Special Delivery / 1955 e Die Goldene Pest / 1955 (filmado na Alemanha Ocidental. Exceções: Terras Escaldantes / Bengazi / 1955 e 52 Milhas de Terror / Hot Rods to Hell / 1967).

Durante as décadas de 1950 e 1960 Brahm trabalhou muito na televisão, dirigindo, por exemplo, episódios da série Alfred Hitchcock Apresenta / Alfred Hitchcock Presents, Além da Imaginação / Twilight Zone, O Agente da U.N.C.L.E. / The Man from U.N.C.L.E., A Quinta Dimensão / The Outer Limits, Gunsmoke / Gunsmoke etc.

DOUGLAS SIRK

Hans Detlef Sierck (1897-1987) nasceu em Hamburgo na Alemanha, filho de pais dinamarqueses. Serviu na Marinha na Primeira Guerra Mundial e estudou Direito, Filosofia e História da Arte em várias universidades na Alemanha. Assistente de diretor no teatro Deutsches Schauspielhaus em Hamburgo, começou a dirigir em 1923. Até 1938 Sierck trabalhou como diretor em teatros em Chemnitz e Bremen. Entre 1929 e 1935 foi gerente e diretor artístico do Altes Theater em Leipzig, mas por problemas com os nazistas, em parte devido ao fato de que sua esposa, Hilde Jary, era judia, rescindiu seu contrato.

Douglas Sirk

Em1934 /35 ele realizou três filmes curtos para a Ufa, seguidos por uma comédia, April, April! e dois dramas passados na Escandinavia: a adaptação da peça teatral de Henrik Ibsen, Stützen Der Gesellschaft e Das Mädchen Vom Moorhof, um Heimat film (gênero muito popular na Alemanha do final dos anos 40 ao início dos anos 60, que pode ser traduzido como Filme de Pátria) baseado numa história de Selma Lagerlöf.

Seu primeiro grande sucesso foi o melodrama A Nona Sinfonia de Beethoven ou Últimos Acordes / Schlussakkord / 1936, sobre um maestro dividido entre sua esposa e a babá do filho adotivo deles que vem a ser a mãe da criança. No mesmo ano fez A Canção da Lembrança / Das Hofkonzert, que teve também uma versão francesa, La Chanson du Souvenir.

Subsequentemente, Sierck foi fundamental em transformar a cantora sueca Zarah Leander em uma das maiores estrelas da Ufa em dois melodramas exóticos. Em Recomeça a Vida / Zu Neuen Ufern, Leander interpretou uma cantora inglesa do século XIX que é inocentemente enviada para uma colônia penal na Australia enquanto em La Habanera / La Habanera (ambos de 1937), ela foi escolhida para ser uma turista sueca que se apaixona por um proprietário de terras impetuoso em uma viagem a Puerto Rico.

Cena de La Habanera

Após uma viagem a Roma em 1937, Sierck não retornou para a Alemanha, deixando para trás seu filho de seu primeiro casamento, Klaus Detlef Sierck (1925-1944), que atuou em vários filmes de propaganda nazista no final dos anos trinta e início dos anos quarenta, e morreu como soldado no na Frente Oriental.

Cena de O Capanga de Hitler

Enquanto estava filmando Boefje / 1939 na Holanda obteve um contrato com a Warner Bros e partiu para os Estados Unidos. Mudando seu nome para Sirk, foi escolhido pelo produtor emigrado Seymour Nebenzahl como diretor de O Capanga de Hitler / Hitler’s Madman / 1942, filme que relatou o assassinato do oficial superior alemão governador de Praga Reinhard Heydrich (John Carradine) e o subsequente massacre nazista na aldeia theca de Lidice.

 

Cena de Vidocq – Um escândalo em Paris

No restante dos anos quarenta Sirk manteve-se ocupado dirigindo O Que Matou Por Amor / Summer Storm / 1944, Vidocq – Um Escândalo em Paris / A Scandal in Paris / 1946, Emboscada / Lured / 1947, Sonha, Meu Amor / Sleep, My Love / 1948, Era Somente Amor / Slightly French /1949 e Apaixonados / Schockproof / 1949. Os dois melhores são VidocqUm Escândalo em Paris, baseado nas memórias de Eugène-François Vidocq, o criminoso que se tornou policial e inspirou escritores como Victor Hugo, Balzac, Edgar Allan Poe e Conan Doyle e Emboscada, refilmagem de Ciladas / Pièges / 1939 de Robert Siodmak, que tem como figura central uma jovem recrutada pela polícia para servir de isca na tentativa de captura de um assassino em série.

Seus filmes realizados na metade dos anos cinquenta foram O Poder da Fé / The First Legion / 1950, Fantasma do Mar / Mystery Submarine / 1950, Agonia de uma Vida /  Thunder on the Hill / 1951, Resgate Sublime / The Lady Pays Off / 1951, Feitiço de Amor / Weekend With Father / 1951, Sinfonia Prateada /  / Has Anybody Seen My Gal / 1952, E O Noivo Voltou / No Room for the Groom / 1952, Música e Romance / Meet Me at the Fair / 1953, Mulher de Fogo / Take me To Town / 1953, Desejo Atroz / All I Desire / 1953, Herança Sagrada / Taza, Son of Cochise / 1945, Sublime Obsessão / Magnificent Obsession / 1954, Átila, Rei dos Hunos / Sign of the Pagan / 1954, distinguindo-se: O Poder da Fé, sobre um padre jesuíta (Charles Boyer) que tem dúvidas sobre um milagre que teria ocorrido em sua cidade; Agonia de uma Vida, sobre uma freira (Claudette Colbert) que procura provar a inocência de uma jovem acusada de assassinato e, principalmente, Sublime Obsessão, com o qual Sirk provou ser um especialista em melodramas lacrimogêneos exuberantemente produzidos, digno sucessor de John M. Stahl, mestre do melodrama do Cinema dos anos trinta e quarenta.

Cena de Imitação da Vida

No restante dos anos cinquenta, entre alguns filmes de outros gêneros (Sangue Rebelde / Captain Lightfoot / 1955, Hino de Uma Consciência / Battle Hynn / 1957), Sirk dirigiu uma série de melodramas (Tudo Que o Céu Permite / All That Heaven Allows / 1955, Chamas Que Não se Apagam / There’s Always Tomorrow / 1956, Palavras ao Vento / Written on the Wind / 1956, Sinfonia Interrompida / Interlude / 1957; Almas Maculadas / The Tarnished Angels / 1957; Amar e Morrer / A Time to Love and a Time to Die / 1958; Imitação da Vida / Imitation of Life / 1959). Este último foi seu  filme derradeiro em Hollywood e muitos o consideram sua obra mais bem realizada.

Deixando Hollywood por Lugano em 1959, Sirk dirigiu ocasionalmente produções teatrais em Munique e Hamburgo entre 1963 e 1969. Em 1971, o livro de entrevista “Sirk on Sirk” de Jon Halliday deu início a uma série de retrospectivas, redescoberta internacional e atenção acadêmica.

De 1975 a 1978, supervisionou a produção de três filmes de curta-metragem realizados pelos estudantes da Academia de Televisão e Cinema de Munique: Sprich zu mir wie der Regen, Sylvesternacht e Bourbon Street Blues, trabalhando com Rainer Werner Fassbinder, que o adotou como figura paterna artística e se tornou seu amigo íntimo.

 

PAUL CZINNER E ELISABETH BERGNER

Marido da atriz Elisabeth Bergner, Czinner (1890-1972), nascido em Budapeste, Austria-Hungria, hoje Hungria, desfrutou de uma carreira de cinquenta anos no teatro e no cinema, trabalhando na Áustria, Alemanha, Grã-Bretanha e Estados Unidos.

Paul Czinner

Filho de um industrial, criança prodígio do violino, obteve seu doutorado em teoria literária e filosofia, antes de se tornar um dramaturgo no Deutsches Volkstheater em Budapeste. Em 1914, mudou-se para Viena, Austria onde trabalhou como jornalista e conheceu Carl Meyer, com quem colaboraria regularmente em roteiros de filmes. Czinner também escreveu peças como “Satans Maske” e dirigiu seus primeiros filmes, os influenciados pelo expressionismo, Homo Immanis e Inferno, ambos de 1919.

Cena de Liebe

Em Berlim a partir de 1924, dirigiu uma série de filmes estrelados pela atriz treinada por Max Reinhardt, Elizabeth Bergner: Maridos ou Amantes / Nju / 1924; Der Geiger von Florenz / 1926; Amores de Duquesa / Liebe / 1927 (baseado no romance de Balzac “La Duchessse de Langeais”); Doña Juana / 1928; Fräulein Else / 1929; Ariane / 1931; Der Träumende Mund / 1932. Doña Juana, como roteiro de Béla Balázs, e Fraulein Else com roteiro de Arthur Schnitzler, foram produzidos pela sua própria companhia, Poetic-Film GmbH.

Cena de A Rainha Imortal

Em 1932 Czinner e Bergner viajaram para Londres a fim de participar de uma produção da London Films de Alexander Korda, A Rainha Imortal / The Rise of Catherine the Great, co-protagonizado por Douglas Fairbanks Jnr. Após a ascenção dos nazistas ao poder na primavera de 1933, como ambos eram judeus, o casal decidiu continuar sua carreira na Inglaterra. Eles haviam se casado em 9 de janeiro de 1933 e se tornaram cidadão britânicos em 1938. Na Inglaterra Czinner fez ainda: Contudo És Meu / Escape Me Never / 1935; Como Gosteis / As You Like It /1936; Lábios Pecadores / Dreaming Lips / 1937, Vida Roubada / Stolen Life / 1938, todos com Elizabeth Bergner no papel principal feminino. Ela recebeu uma indicação para o Oscar por seu trabalho como Rosalind em Como Gosteis, baseado na peça de Shakespeare, no qual Laurence Olivier era seu parceiro no papel de Orlando.

Logo depois do começo da Segunda Guerra Mundial, o casal partiu para Hollywood, porém os produtores não estavam interessados em Bergner, enquanto Czinner se recusava a trabalhar sem ela. Os dois se transferiram para Nova York, onde Czinner se tornou produtor teatral e foi capaz de incluir Bergner na Broadway em algumas produções, inclusive o thriller de suspense de Martin Vale, “The Two Mrs. Carroll” (levado à tela em 1947 como Inspiração Trágica com Humphrey Bogart e Barbara Stanwyck) e “The Duchess of Malfi”, adaptação da peça de John Webster por W. A. Auden e Bertold Brecht. Bergner apareceu em apenas um filme, Paris Está Chamando / Paris Calling / 1941, dirigido por Edwin L Marin e ao lado de Randolph Scott.

Cena de Pari s Está Chamando

Czinner retornou à Austria em 1949 e depois para Londres em 1950, onde fundou uma nova companhia chamada Poetic Fims, que produzia filmes de ópera e balé para a Organização Rank. Em 1967 ele recebeu o “FiImband in Gold”, por sua contribuição para o cinema germânico.

Elisabeth Bergner

Elisabeth Bergner (1897-1986) nasceu em Drohobycz, Austria-Hungria hoje Drogobych, Ucrânia. Treinada no Conservatório de Viena entre 1912 e 1915 nos próximos dez anos apareceu no teatro em Innsbruck, Zurique, Viena e Munique, mas foi em Berlim que obteve seu maior sucesso. Sua Rosalind na produção de Max Reinhardt em 1923 de “As You Like It” no Deutsches Theater foi festejada como um triunfo da técnica moderna de teatro, e uma associação com Reinhardt e este palco continuou por muitos anos.

Cena de Ariane

O filme de estréia de Bergner foi num papel secundário em Der Evangelimann / 1924 (Dir: Holger-Madsen). Entretanto, ela logo surgiu exclusivamente como estrela sob a direção de Paul Czinner em vários filmes, que já citamos ao falarmos sobre este diretor. O filme silencioso deles mais exitoso foi Fräulein Else e seu primeiro filme falado, Ariane, seria refilmado por Billy Wilder em 1957 como Amor na Tarde / Love in the Afternoon com Audrey Hepburn no antigo papel de Bergner.

Bergner voltou para Londres em 1951, onde atuou no teatro, no cinema e na televisão. A partir de 1954 tez também certo número de apresentações no teatro na Alemanha Ocidental. Ela ganhou um “Filmband in Gold’ pelo seu papel em The Glücklichen Jahre Der Thorwalds / 1921, a saga familiar de John Olden e Wolfgang Staudte e apareceu frequentemente na televisão alemã entre os anos sessenta e oitenta. Em 1978 recebeu o “Filmband in Gold” por sua contribuição para o cinema germânico.

JOAN HARRISON

Aqueles que pensam que não havia mulheres produtoras no antigo sistema de estúdio de Hollywood talvez nunca tenham ouvido falar dela.

Joan Harrison

Nascida em Guildford, Surrey na Inglaterra, Joan Harrison (1907-1994), filha do editor de dois jornais locais, estudou no St. Hugh’s College, Oxford e fazia crítica de filmes para o jornal dos estudantes da escola. Em 1933 tornou-se secretária de Alfred Hitchcock, após responder a um anúncio de jornal. Trabalhando para Hitchcock na indústria cinematográfica britânica, ela aproveitou para invadir todos os departamentos, e aprender todos os aspectos do negócio, de modo que, quando surgiu sua oportunidade de se tornar uma produtora de Hollywood, ela estava mais que preparada.

Harrison com Hitchcock e família

Harrison tornou-se amiga íntima do casal Hitchcock-Alma Reville e frequentemente os acompanhava nas suas férias durante os anos trinta. Quando os Hitchcocks se mudaram para a América em março de 1939 e assinaram contrato com a Selznick International, o diretor insistiu que nele constasse uma cláusula estipulando um salário para Harrison.

Nos seus oito anos com Hitchcock ela colaborou com ele em vários de seus roteiros: A Estalagem Maldita / Jamaica Inn / 1938, Rebecca, A Mulher Inesquecível / Rebecca / 1940, Correspondente Estrangeiro / Foreign Correspondent / 1940, Suspeita / Suspicion / 1941, Sabotador / Saboteur / 1942 entre eles.

Seu primeiro filme trabalhando como independente em Hollywood foi como roteirista (com Francis e Marian B. Cockrell) em Águas Tenebrosas / Dark Waters / 1944, dirigido por André de Toth e seu primeiro filme como produtora foi o filme noir típico de baixo orçamento A Dama Fantasma / Phantom Lady / 1944, dirigido por Robert Siodmak. Outros filmes que ela produziu foram: Caprichos do Destino / The Strange Affair of Uncle Harry / 1945, Noturno / Nocturne / 1946, Do Lodo Brotou Uma Flor / Ride the Pink Horse / 1947, Rua das Almas Perdidas / They Won’t Believe Me / 1947 Nascida para Amar / Once More, My Darling / 1949, A Testemunha Oculta / Your Witness / 1950, Círculo de Ferro / Circle of Danger / 1951.

Nos anos cinquenta Harrison dedicou-se à produção para a televisão, tornando-se uma escolha ideal para produzir a série Alfred Hitchcock Presents que teve início em outubro de 1955. Em 1956 Norman Lloyd foi contratado como co-produtor da série. Ela exerceu a função de produtora em outras séries de televisão, tal como, por exemplo, Suspicion (1957-58), na qual também atuaram outros produtores, inclusive o próprio Hitchcock e The Alfred Hitchcock Hour (1962-1963.

Harrison foi indicada duas vezes para o Oscar da Academia de 1940: Melhor Roteiro Original (com Charles Bennett) de Correspondente Estrangeiro; Melhor Roteiro Adaptado (com Robert E.Sherwood) de Rebecca,  A Mulher Inesquecível.

Em 1959 Harrison casou-se com Eric Ambler, o conhecido escritor britânico de romances de espionagem e, no início do anos setenta, o casal voltou para a Inglaterra e se aposentaram.

PIERRE CHENAL

Pierre Cohen (Bruxelas, 1904 – Paris, 1990), conhecido no mundo artístico como Pierre Chenal, pode não ter atingido a mesma estatura artística de seus renomados colegas do cinema francês clássico, mas chegou bem perto deles.

Pierre Chenal

Inicialmente jornalista e desenhista especializado em pôsteres, começou sua carreira cinematográfica realizando documentários curtos de cunho didático (Une Cité du Cinema / 1930, surrealista (Un Coup de Dés / 1930), urbanístico (Architecte d’aujourd’hui / 1931) ou romântico social (Les Petits Métiers de Paris / 1932).

A estréia no longa-metragem deu-se em Le Martyre de l’Obese / 1933. Este primeiro filme, supervisionado por Marcel L’Herbier, segundo os comentaristas da época, era nada mais nada menos que uma cómedia divertida extraída do romance de Henri Béraud, destacando-se a interpretação do “gordo” André Berley, ator conhecido pelo seu desempenho em O Martírio de Joana D’Arc / La Passion de Jeanne D’Arc / 1928 de Carl Dreyer.

Cena de La Rue Sans Nom

Seguiu-se La Rue Sans Nom / 1933, adaptação de um romance de Marcel Aymé, no qual ele procurou criar o ambiente carregado e mórbido dos filmes alemães, sempre presente na sua obra. A intriga de La Rue Sans Nom é tratada de tal maneira que muitos historiadores do cinema viram neste filme um elo precursor do Realismo Poético e também do Neo-Realismo italiano do pós-guerra. O filme foi um sucesso. Ficou onze semanas em cartaz no cinema Studio des Ursulines em Paris.

Os trabalhos subsequentes de Chenal, alguns baseados em obras literárias famosas, projetaram-no como diretor de primeira classe do cinema francês, destacando-se: Assassino sem Culpa / Crime et Châtiment / 1935, O Homem Que Voltou do Outro Mundo / L’Homme de Nulle Part / 1937; L’Alibi / 1937; L’Affaire L’Afarge /1938; Pecadoras de Túnis / La Maison du Maltais / 1939; e Paixão Criminosa / Le Dernier Tournant / 1939

Harry Baur e Pierre Blanchar em Assassino sem Culpa

Em O Assassino sem Culpa, baseado em “Crime e Castigo” de Fiódor Dostoiévski, Chenal compreendeu que era difícil reproduzir a significação metafísica da obra literária e preferiu fazer uma adaptação cinematográfica dramática, usando a iluminação e os enquadramentos expressionistas para criar uma atmosfera russa estilizada, carregada de tristeza, sordidez e miséria. Porém, o ponto alto do filme é a confrontação psicológica em um jogo de gato e rato, entre o juiz astuto tentando obter uma confissão do criminoso e o estudante atormentado que, no fundo, deseja se liberar do seu segredo. A interpretação de Pierre Blanchar (Raskolnikoff), com aquele olhar alucinado, a dicção estranha, os risos nervosos, contrasta com a atuação mais sutil e contida de Harry Baur (juiz de Instrução Porfirio), ambos magníficos atores.

Pierre Blanchar (à esquerda) em O Homem Que Voltou do Outro Mundo

Cineasta agora estimado, Chenal mostrou o ecletismo de seu talento, levando mais uma vez à tela O Homem Que Voltou do Outro Mundo, baseado no romance “Feu Mathias Pascal” de Luigi Pirandello, que havia sido filmado no tempo do cinema mudo (1925) por Marcel L’Herbier. Pierre Blanchard assumiu o papel de Mathias Pascal, desempenhado por Ivan Mosjoukine na primeira versão e teve a seu lado Isa Miranda, Ginette Leclerc e Robert Le Vigan.

Louis Jouvet e Erich von Stroheim em L’Alibi

Em L’Alibi o professor Winkler (Erich von Stroheim), telepata célebre que executa seu número em um cabaré, mata um homem e oferece boa soa de dinheiro à dançarina Hélène (Jany Holt) para ela dizer que estava com ele na noite do crime. Porém, o comissário Calas (Louis Jouvet) não acredita no depoimento de Hélène.  Este drama policial teve muito sucesso na época, certamente por casa dos excelentes intérpretes, pois a história repete os chavões do gênero. À frente do elenco, Stroheim, o assassino enigmático e inquietante dando a todas as cenas em que aparece um tom de verdadeiro clima cinematográfico, e Jouvet, o comissário persistente, disposto a sacrificar quaisquer princípios para capturar o seu homem. O interrogatório, durante o qual Stroheim utiliza negligentemente o inglês para levar vantagem sobre Jouvet, que fala mal essa língua, é um dos momentos mais prazerosos do filme.

Baseado em uma notícia de jornal do século dezenove, L’Affaire Lafarge, é um drama judiciário no qual Marie Capelle (Marcelle Chantal), casada com o rico industrial Lafarge (Pierre Renoir), é condenada à prisão perpétua por ter envenenado seu marido. Foi muito comentada a sequência de abertura do filme na qual vemos a mãe abusiva de Marie Capelle, Adélaide Lafarge (Sylvie), perseguindo os ratos, porque ela marca imediatamente a atmosfera de perversão, de drama latente, de crueldade que envolve todo o conjunto da obra. Completando o elenco estavam: Raymond Rouleau, Margo Lion e Florence Marly (esposa de Pierre Chenal).

Marcelo Dalio e Viviane Romance em Pecadoras de Túnis

Pecadoras de Túnis, melodrama romântico exótico no gênero cinema colonial, muito assíduo nas telas durante os anos 1930, explora os temas da interracialidade e da perda de identidade dos exilados. Faz também um retrato simpático do muçulmano, vivido por Marcel Dalio, que está formidável como o Matteo apaixonado e sonhador. Quando Matteo volta para a casa de seu pai no deserto – a Casa do Maltês do título -, o velho o repreende por ser uma pessoa inúrtil, e ele responde: “por que deveria eu trabalhar? Os pássaros trabalham? Os peixes trabalham? A lua e o sol trabalham? Trabalhar é para as pessoas que não têm nada melhor para fazer. Eu escuto o mar, a brisa, contemplo o céu, e aguardo”.

Michel Simon, Corine Luchaire e Fernand Gravey em  Paixão Criminosa

Não importa qual foi a melhor adaptação do célebre romance policial de James M. Cain “The Postman Always Rings Twice”. Tanto a de Pierre Chenal, como a versão de Luchino Visconti (Obsessão / Ossessione / 1943) ou a de Tay Garnett (O Destino Bate à Sua Porta / The Postman Always RingsTwice / 1946), para falarmos apenas das que foram feitas no período clássico, têm seus adeptos. Em todo caso elas são bem   das outras, tanto pelo conteúdo como pelo tratamento dado ao assunto.

No relato da versão de Chenal, Frank (Fernand Gravey) torna-se empregado de Nick Marino (Michel Simon), proprietário de um posto de gasolina. Nick é casado com Cora (Corinne Luchaire), mulher bem mais jovem do que ele. Cora seduz Frank e os dois decidem se desembaraçar de Nick, fazendo crer que ele foi vítima de um acidente. Depois de conseguirem seu objetivo, o casal de amantes leva uma vida difícil entre as suspeitas da justiça e as ameaças de chantagem feitas por um primo da vítima. Um dia eles sofrem um acidente de carro. Cora morre. Todas as suspeitas recaem sobre Frank, que é acusado e condenado à morte.

 Chenal impregnou seu filme de um clima sensual e lúgubre, em que a paixão adúltera se mistura com a fatalidade, para traduzir o mistério do casal de amantes inocentado pelo assassinato que cometeu e separado por uma morte acidental, que levará o homem a ser condenado por um crime que não ocorreu.

Durante a Segunda Guerra Mundial, por causa de sua origem israelita, Chenal teve de se exilar na Argentina, onde realizou quatro filmes (Todo un Hombre / 1943; Se Abre el Abismo; El Muerto Falta a La Cita / 1944; Viaje Sin Regreso / 1946). Em 1946, ele voltaria para a França, mas não encontraria o seu vigor criativo de antes da guerra, apesar de alguns lampejos de invenção em Ângela e Satanás / La Foire Aux Chimères / 1946, e um grande sucesso comercial com Primavera de Escândalos / Clochemerle / 1948.

ANÁLISE DE SINDICATO DE LADRÕES / ON THE WATERFRONT / 1954 DE ELIA KAZAN

RESUMO DO ARGUMENTO

Terry Malloy (Marlon Brando) vagueia pelas docas de Nova York, fazendo pequenos serviços para Johnny Friendly (Lee J. Cobb), o desonesto chefão do sindicato local. Ele sonha com o mundo do boxe profissional, do qual participou por pouco tempo, enquanto cuida dos pombos que mantém no terraço do prédio onde mora. Certo dia, segue as ordens de Friendly e somente depois percebe que foi usado para atrair um homem à morte. Mais tarde, sente-se ainda mais perturbado, quando conhece Edie (Eva Marie Saint), a irmã do rapaz assassinado, por quem se apaixona. Sem saber do envolvimento de Terry, ela lhe pede ajuda para descobrir os responsáveis. Um deles, é Charley (Rod Steiger), irmão de Terry, advogado sem escrúpulos, que se tornou um simples capanga de Friendly. Terry se afasta deles, apoiado pelo Padre Barry (Karl Malden), um corajoso sacerdote do cais, que procura aliados contra a corrupção. Quando Friendly sabe da mudança de Terry, instrui Charley para que ele consiga o silêncio do rapaz. Como Charley não consegue cumprir a missão, Friendly manda matá-lo. Terry presta declarações à Comissão contra o Crime e, após um confronto brutal entre ele e Friendly, mesmo depois de ser espancado pelos asseclas deste, conduz heroicamente os estivadores para o trabalho, livres da exploração e do controle dos gângsteres.

Elia Kazan e Marlon brando

CONTÉUDO

O filme, em primeiro lugar, é uma transposição de fatos reais. O roteiro foi baseado numa série de reportagens, intitulada “Crime on the Waterfront”, premiada com o Pulitzer, feita em 1949 pelo jornalista Malcolm Johnson sobre a situação dos estivadores do porto de Nova York, explorados e atemorizados por uma quadrilha que dominava os sindicatos. O padre Barry do filme foi inspirado no padre John Corridan, que realmente existiu e prestou várias informações ao Kazan e ao roteirista Budd Schulberg.

O tema social aproxima Sindicato dos Ladrões dos filmes de tese que Kazan havia feito no final dos anos 40 como O Justiceiro / Boomerang, sobre erro judiciário, A Luz é Para Todos / Gentleman’s Agreement, sobre anti-semitismo, e O Que a Carne Herda / Pinky, sobre discriminação racial dos negros.

O roteirista Budd Schulberg, com base nos mesmos fatos, escreveu o romance intitulado “Waterfront”, que é mais fiel à realidade. O personagem central é o padre e não o jovem estivador e o desenlace é de um pessimismo completamente escamoteado no filme: o gângster denunciado continua à frente do sindicato, o padre é transferido para outra paróquia, após ter sido repreendido pelo bispo e, algumas semanas mais tarde, o corpo de Terry Malloy é encontrado numa lata de lixo, perfurado com 27 golpes de um pegador de gelo. Já o filme tem um final feliz de acordo com as regras impostas por Hollywood e nele os autores se interessaram menos pela denúncia social do que pelo drama de consciência do delator.

Marlon Brando e Eva Marie Saint

A ação do filme assemelha-se com a dos filmes de gângster, tem toda a iconografia do gênero; mas, além dessa aventura exterior e policial há uma Aventura Interior, que é a alma sobressaltada do jovem estivador, diante do dilema de delatar ou não a quadrilha da qual faz parte o seu próprio irmão e da qual e ele é ao mesmo tempo protegido e ingênuo comparsa. Enfim, mais do que um filme de gângster Sindicato de Ladrões é a Análise De Uma Consciência Que Desperta, daí a sua significação humana e cristã. Este é o primeiro tema do filme.

Lee J. Cobb e Brando

Aos poucos, duplamente influenciado pelo padre e pela moça que ama, Terry adquire a noção de um dever pessoal para com a coletividade, para com a justiça e com a verdade e, ao enfrentar com esforço sobrehumano a gangue sindical, ele se torna um mártir. Aquela caminhada final é sem dúvida uma via crucis, um calvário. Mas também por um desejo de vingança: ele fôra vendido pelos dois “pais”, o irmão mais velho (alguns anos antes Charley tinha manipulado o resultado da luta que afastara Terry dos ringues, provocando sua derrota) e o “meta-pai”, o Johnny Friendly (que de amigo não tinha nada). Numa das cenas memoráveis do filme, Terry pronuncia as frases que ficaram famosas, no seu jeito de falar, quase resmungando: “Eu poderia ter sido um lutador, em vez de um vagabundo. Que é o que eu sou”.

Rod Steiger e Marlon Brando

Uma originalidade do filme são os personagens da moça e do padre. O comportamento da moça (Edie) transgride uma das regras da moral social americana sempre ilustrada no cinema – em vez de se aproveitar da possibilidade de sucesso individual que lhe dá a instrução que recebeu, ela se volta para o seu meio humilde, chama a atenção do padre sobre a situação dos estivadores e até o recrimina, de forma brutal, dizendo-lhe: “O senhor fica na sua igreja enquanto sua paróquia é no cais”. É sem dúvida uma personagem pouco comum nas telas americanas na época em que o filme foi feito. O padre, por sua vez, é um padre também diferente do que o público estava acostumado a ver nos filmes americanos. É um padre moderno. Não prega a resignação e o amor ao trabalho qualquer que ele seja e se posiciona publicamente contra a opressão. “Aproveitar-se do trabalho dos outros para se enriquecer sem trabalhar é colocar de novo o Cristo na cruz”, diz o sacerdote a certa altura da trama. É um padre progressista ou operário, como dizem.

FORMA

O filme vale sobretudo, e por mais paradoxal que pareça, pelo seu lado teatral, isto é, pelas grandes confrontações de personagens, pela qualidade dos diálogos e pela interpretação. E aí nós temos o desempenho extraordinário de Marlon Brando, que aliás é mais do que uma interpretação, é uma verdadeira encarnação. É uma maravilha como ele transmite os gestos e o andar de um ex-boxeur, a maneira lenta de pensar e de falar. Ele fica como que procurando as palavras e titubeando, antes de pronunciá-las. Enfim, ele se identifica com o personagem confuso e iletrado, dando um exemplo perfeito de aplicação do método Stanislavski. É com uma sinceridade profunda que passa de fracassado a justiceiro.

Kazan sempre teve muita habilidade para conduzir atores e um dom especial para dramatizar o relacionamento entre os personagens. Temos dois exemplos marcantes na cena do taxi, quando Terry conversa com o irmão e naquela outra cena em que faz um convite tímido e embaraçado à moça para tomar uma cerveja. E a idéia de botar Rod Steiger como irmão de Brando foi um achado genial, porque Steiger usava os maneirismos de Brando. De modo que assim os dois ficaram bem parecidos.

Karl Malden, Brando e Eva Marie Saint

Podemos perceber também no filme algumas metáforas: 1. O símbolo dos pombos. Talvez eles queiram simbolizar a liberdade, ou a gentileza interior do Terry ou mesmo a traição (stool pigeon, ou seja, delator em inglês); 2. A metáfora arquitetônica daquele portão de aço que se fecha no final, significando talvez que as docas são uma prisão, ou que a luta estava apenas começando. Digo talvez, porque são meras suposições do crítico; 3. E há aquele objeto simbólico da jaqueta, que passa deum morto para outro, um prenúncio de uma provável morte do Terry.

O filme se passa grande parte em cenários naturais fotografados por Boris Kaufman, irmão do famoso Dziga Vertov. Filmar em pleno inverno, com neve de verdade, foi um grande desafio para o cinegrafista. A foto é rica em contrastes, reforçando o sentido trágico do filme. Já a música de Leonard Bernstein alterna estridência e ternura. Os ruídos criam o ambiente portuário, mas há também o uso do som como contraponto. Por exemplo: na cena em que Terry conta tudo a Edie, ouve-se o barulho estridente dos ruídos do cais.

Brando e seu Oscar

O filme recebeu oito prêmios da Academia:  Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Atriz Coadjuvante (Eva Marie Saint), Melhor Fotografia em preto-e-branco (Boris Kaufman), Melhor História e Roteiro (Budd Schulberg), Melhor Montagem (Gene Milford), Melhor Direção de Arte em preto-e-branco (Richard Day), tendo indicados Rod Steiger, Karl Malden e Leornard Bernstein.

CINEMATOGRAFIA BRITÂNICA

A conquista notável da cinematografia britânica tem sido consideravelmente reconhecida pelo simples número de prêmios internacionais ganhos pelos cinegrafistas britânicos incluindo mais de vinte Oscar a partir de 1940 em diante.

O potencial artístico da cinematografia começou a ser seriamente explorado no cinema britânico durante o período silencioso, principalmente devido ao número crescente de técnicos continentais de primeira-classe trabalhando nos estúdios britânicos como consequência de políticas de produção pan-européia. Esta tendência continuou na era do som com uma quantidade de emigrados ilustres tais como Georges Périnal, Gunther Krampf, Otto Kanturek e Mutz Greenbaum (também conhecido como Max Greene) dominando a cena. Apesar da excelência de seu trabalho, esta presença estrangeira foi ressentida em certas áreas por ameaçar as oportunidades para os cinegrafistas britânicos. Somente Freddie Young e Bernard Knowles fotogravam regularmente as grandes produções.

Porém esta situação logo mudou com a chegada da Segunda Guerra Mundial quando restrições sobre o trabalho estrangeiro permitiram que uma nova geração de talento nativo emergisse em um momento que é geralmente considerado como uma “idade de ouro” sem precedentes de realização criativa no cinema britânico.

Cena de Na Solidão da Noite

Cena de Condenado

Cena de O Terceiro Homem

Apesar de uma associação como o sóbrio realismo documentário, os anos quarenta são igualmente marcados por uma herança continentalmente expressionista que inspirou claramente jovens cinegrafistas como Erwin Hiller, Douglas Slocombe, Guy Green e Robert Krasker. Consequentemente seu trabalho envolve um estilo de iluminação low key (chave-baixa) preto-e-branco altamente contrastado exemplificado por filmes como Um Conto de Canterbury / A Canterbury Tale / 1944, Na Solidão da Noite / Dead of Night / 1945, Grandes Esperanças / Great Expectations / 1946, Condenado / Odd Man Out / 1947, Oliver Twist / Oliver Twist / 1948 e O Terceiro Homem / The Third Man / 1949.

Cena de As Quatro Penas Brancas

O Technicolor também começou a deixar sua marca, tendo chegado à Grã-Bretanha em 1936.  As primeiras produções em cores de antes da guerra como Idílio Cigano / Wings of the Morning / 1937, A Legião da Índia / The Drum / 1938, As Quatro Penas Brancas / The Four Feathers / 1939 e O Ladrão de Bagdad / The Thief of Bagdad / 1940 tenderam para uma celebração de paisagens exóticas, façanhas imperiais e fantasia.

Cena de Neste Mundo e no Outro

Cena de Narciso Negro

Cena de Os Sapatinhos Vermelhos

Porém o Technicolor Britânico alcançou novas alturas depois da guerra principalmente através da inovação e arte de Jack Cardiff, cuja fotografia em filmes como Neste Mundo e no Outro / A Matter of Life and Death / 1946, Narciso Negro / Black Narcissus / 1947 e Os Sapatinhos Vermelhos / The Red Shoes / 1948 é mais diferenciada pelo uso sutil de iluminação colorida e filtros e pelo claro-escuro sensível do que a de seus extravagantes antecessores.

Outros cinegrafistas como Freddie Young, Robert Krasker, Guy Green e Douglas Slocombe também começaram a trabalhar com a cor, aplicando as técnicas de iluminação utilizadas em preto-e-branco para criar maior profundidade e atmosfera na imagem, enquanto estagiários do Technicolor como Christopher Challis e Geoffrey Unsworth também começaram a iluminar filmes de longa-metragem. Nos anos cinquenta foram realizadas várias experiências para suavizar os tons vibrantes do Technicolor, Entre elas as mais interessantes foram as fotografias de Oswald Morris em Moulin Rouge / Moulin Rouge / 1953 e Moby Dick / Moby Dick / 1956.

Cena de Moby Dick

Os anos cinquenta testemunharam a emergência gradual de uma nova abordagem do Realismo envolvendo um uso maior de filmagens em locação, câmeras na mão e luz natural iniciada por técnicos como Morris, Gilbert Taylor e Freddie Francis em filmes como Um Amante sob Medida / Knave of Hearts / 1954, Uma Sombra em Sua Vida / Woman in a Dressing Gown / 1957 e Tudo Começou Num Sábado / Saturday Night and Sunday Morning / 1960.Mas o grande avanço veio com Walter Lassaly, um cinegrafista cuja sensibilidade foi aprimorada trabalhando regularmente tanto em filmes de longa-metragem como em documentários. Seu estilo cinéma verité (cinema verdade) intimista e fluente em Um Gosto de Mel / A Taste of Honey / 1961, The Loneliness of the Long Distance Runner / 1962 e até o período de produção em cores de As Aventuras de Tom Jones / Tom Jones / 1963, constituem uma resposta britânica à Nouvelle Vague Francesa. Outros cinegrafistas treinados no Documentário começaram a trabalhar em filmes de longa-metragem, inclusive Billy Williams e David Watkin, e sua preferência por soft light (luz suave) continuou o afastamento dos duros contastes das décadas anteriores.

Cena de Um Gosto de mel

Os anos sessenta foram outro período inovador com muitos cinegrafistas britânicos operando cada vez mais em uma arena internacional. O veterano Freddie Young ganhou três Oscar por seu trabalho nas produções épicas Lawrence da Arábia / Lawrence of Arabia / 1962, Doutor Jivago / Dr. Zhivago / 1965 e A Filha de Ryan / Ryan’s Daughter / 1970. Outros como Morris, Krasker, Slocombre, Unsworth, Challis, Heller, Jack Hildyard, Ted Moore, Gerry Fisher, Nicolas Roeg, John Alcott produziram uma série de excelentes trabalhos tanto em preto-e-branco como em cores, em uma variedade de gêneros, por toda a década e nos anos setenta. O fim dos velhos estúdios havia criado uma necessidade de novas formas de treinamento e cinegrafistas de longas-metragens começaram a emergir em uma variedade de áreas incluindo documentário, publicidade, televisão e as novas escolas de cinema, lideradas por gente como Chris Menges, Peter Suschitzky, Peter Biziou, Roger Deakins, Ian Wilson and Roger Pratt que se consagraram nos anos oitenta.

Cena de Lawrence da Arábia

Cena de A Filha de Ryan

Quando os filmes mais sensíveis à luz e um equipamento mais leve aumentaram as possibilidades de filmagem sob uma variedade de condições de iluminação os cinegrafistas foram obrigados a ser cada vez mais flexíveis e adaptáveis, particularmente nas filmagens em locação. Porém a arte de pintar com a luz possibilitada pela tela preta de um set de filmagem num estúdio escuro, um ambiente que tem que ser literalmente trazido à vida com luz, não desapareceu totalmente: uma série de cinegrafistas talentosos como Alex Thomson e Brian Tufano continuaram a demonstrar o tipo de sensibilidade e habilidade que fez a reputação da Cinematografia Britânica internacionalmente renomada.